CAPÍTULO VINTE E CINCO



Vinte e cinco

No dia seguinte Cho finalmente entra em contato com Harry. Ele me liga depois para contar.

Meu coração palpita. Ainda não superei o medo de Cho tomar Harry novamente, interromper a gravidez, mudar de idéia, reescrever a história.

- Conta tudo para mim - peço a ele.

Harry resume a conversa, ou melhor, as exigências de Cho: ele tem de tirar o resto das coisas dele de casa em sete dias, em horário comercial, ou tudo será jogado no lixo. Ele deve deixar as chaves. A mobília vai ficar, exceto a mesa que ele "a obrigou a comprar", a cômoda que ele "trouxe para aquela piada de relacionamento" e as "luminárias horrorosas" de sua mãe. Ele reembolsará os pais dela pelo vestido e pelos adiantamentos da festa, ou seja, quase tudo, o que dá mais de cinqüenta mil dólares. Ela vai cuidar da devolução dos presentes. E vai ficar com o anel de brilhante que ele comprou após ela ter perdido o primeiro, apenas alguns dias antes do rompimento.

Espero ele terminar e então digo:

- Exigências injustas, você não acha?

- Pode-se dizer que sim.

- Vocês deveriam dividir os custos do casamento - protesto. - Ela está grávida de outra pessoa.

- Nem me fala.

- E tecnicamente o anel é seu - digo. - Pela lei de Nova York. Vocês não eram casados. Ela só fica com o anel se vocês se casarem.

- Eu não me importo - diz ele. - Não vale a pena brigar por causa disso.

- E o apartamento? O apartamento era seu.

- Eu sei... mas agora não quero mais, nem a mobília - diz ele.

Estou satisfeita que ele se sinta assim. Não consigo me imaginar visitando Harry no antigo apartamento de Cho.

- Onde você vai morar?

- Vou ficar morando com você.

- É mesmo?

- Foi só uma piadinha, Mione... Vamos ficar assim por um tempo.

Rio.

- Ah... é. Está bem.

Estou um pouco decepcionada, mas apesar de tudo aliviada. Tenho a sensação de que poderia viver com Harry imediatamente, mas quero que nossa história dê certo e não vejo motivo para apressar as coisas.

- Liguei para alguns lugares hoje de manhã ... encontrei um apartamento de um quarto no East End. Acho que vou ficar com ele, não importa o preço.

Ficar com ele, não importa o preço. Exatamente como você fez comigo.

- Como Cho vai pagar o aluguel sozinha? - pergunto, mais curiosa que preocupada, embora uma parte de mim se preocupe com o bem-estar dela, com seu futuro, com o futuro do bebê. Não consigo parar de me preocupar com Cho depois de ser assim a vida inteira.

- Talvez Draco passe a morar com ela - diz Harry.

- Você acha?

- Eles vão ter um filho.

- Acho que sim. Mas você realmente acredita nesse casamento? - pergunto.

- Sei lá, não me importo - diz ele.

- Você não teve notícias do Draco, não é?

- Não ... Você teve?

- Não.

- Não acho que ele vá telefonar.

- Você vai ligar para ele?

- Talvez algum dia. Não agora.

- Hum - digo. Talvez um dia eu também telefone para Cho. Mas não agora. Então foi só isso? Ela falou alguma coisa sobre mim?

- Não. Fiquei chocado. Uma tremenda discrição para ela. Cho deve estar sendo muito bem orientada.

- Com certeza. Discrição não faz o estilo de Cho.

- Mas chega de falar nela - diz Harry. - Vamos esquecê-la por um tempo.

- Eu esqueço, se você também esquecer - digo.

- Então o que você quer fazer hoje à noite? - pergunta Harry. - Acho que vou conseguir sair mais cedo, e você?

São cinco horas e eu ainda tenho pelo menos quatro horas de trabalho, mas respondo que posso sair a hora que ele quiser.

- Que tal a gente se encontrar às oito?

- Claro. Onde?

- Vamos cozinhar juntos na sua casa. A gente nunca fez isso.

- Está bem, mas ... Eu não sei cozinhar - confesso.

- Sim, você cozinha.

- Não, sério, eu não sei.

- Cozinhar é fácil- diz ele. - Você simplesmente pega o jeito à medida que faz.

Sorrio.

- Isso eu sei fazer.

Afinal, isso é mais ou menos o que tenho feito ultimamente.

Uma hora depois saio do escritório, sem me importar de esbarrar com Les. Desço de elevador até o saguão e depois mais duas escadas rolantes até a estação Grand Central. Paro para apreciar o deslumbrante terminal principal, tão familiar e tão associado ao trabalho que de alguma maneira ignorava sua beleza no dia-a-dia. Observo as escadarias de mármore de ambos os lados da construção, as janelas em arco, as sensacionais colunas brancas e o elevadíssimo teto turquesa retratando constelações. Observo as pessoas, a maioria delas com roupas de trabalho, se movimentando em todas as direções para tomar o metrô em direção às áreas residenciais nos arredores da cidade, metrôs que cobrem cada esquina de Nova York e têm diversas saídas para as agitadas ruas da cidade. Olho para o relógio central, observo atentamente seu elaborado mostrador. São exatamente seis horas. É cedo.

Caminho lentamente até o mercado, um espaço com barracas que vendem delícias para gourmets localizado na ponta leste da estação. Já passei muitas vezes por esses corredores com Gina, comprando de vez em quando uma trufa de chocolate para acompanhar o café do Starbucks. Mas esta tarde vim numa missão maior. Ando de uma barraca à outra, enchendo meus braços com as mais variadas iguarias: queijos duros e cremosos, pães frescos, azeitonas verdes sicilianas, salsinha italiana, orégano fresco, uma cebola Vidalia perfeita, alho, azeites e temperos, massa colorida, um vinho caro e dois sofisticados doces, desses que se vêem em restaurantes. Saio da galeria na Lexington, passando por uma fila improvisada para o táxi e pela multidão de transeuntes apressados de Midtown. Decido ir a pé para casa. Minhas sacolas estão pesadas, mas não me importo. Não levo uma mala cheia de causas e livros de Direito. Estou carregando o jantar para Harry e para mim.

Quando chego ao meu prédio, digo a José para deixar Harry subir quando ele chegar.

- Não precisa mais interfonar quando for ele.

Ele pisca e abre a porta do elevador para mim.

- Ah, então é sério! Isso é bom.

- Muito bom - repito e sorrio.

Logo depois, ponho as compras sobre a bancada da cozinha. Meu apartamento nunca teve tanta comida de uma vez. Ponho o vinho na geladeira, coloco uma música clássica e procuro o livro de receitas que minha mãe me deu de Natal há pelo menos quatro anos, um livro que até agora eu não tinha nem aberto. Folheio as páginas brilhantes e intocadas, encontro uma salada e uma receita de massa que posso preparar com os ingredientes de que disponho. Então encontro um avental, mais um presente intacto, e começo a descascar, picar e refogar. Consulto o livro para não me perder, mas não sigo todas as instruções com muita precisão. Uso o orégano fresco no lugar do manjericão e dispenso as alcaparras. O jantar não vai ser perfeito, mas estou aprendendo que a perfeição não é o que importa. Na verdade, perfeição demais pode ser perigoso.

Tomo uma ducha. Troco de roupa, escolho um vestidinho branco com detalhes bordados em rosa. Depois arrumo a mesa, ponho água para esquentar, acendo velas e abro a garrafa de vinho, servindo duas taças e bebendo um gole da minha. Olho para o relógio. Tenho ainda dez minutos minutos para sentar e pensar na minha nova vida, na sensação de ser o único e legítimo amor de Harry. Eu me instalo no sofá, fecho os olhos e respiro fundo. Cheiros gostosos e sons claros e bonitos preenchem meu apartamento. A paz e a calma tomam conta de mim enquanto percebo que não estou com qualquer sentimento ruim: não tenho ciúmes, preocupação, medo, nem estou sozinha.

Só então reconheço que talvez esteja sentindo a verdadeira felicidade. Até mesmo alegria. Nos últimos dias, quando senti essa emoção em meu coração, percebi que a chave da felicidade não deveria ser encontrada num homem. Que uma mulher independente e forte deveria se sentir realizada e plena por conta própria. Isso é verdade, é realmente possível. E mesmo sem o Harry, gosto de pensar que ainda poderia ser feliz. Mas a verdade é: eu me sinto mais livre com o Harry que quando estava solteira. Eu me sinto mais Hermione com ele do que sem ele. Talvez o amor verdadeiro faça isso.

E eu realmente amo Harry. Eu o amei desde o começo, desde os tempos da faculdade, quando acreditei que ele não fazia o meu tipo. Eu o amo pela inteligência, pela sensibilidade, pela coragem. Eu o amo completa e incondicionalmente, sem reservas. Eu o amo o suficiente para me arriscar. Eu o amo o suficiente para sacrificar uma amizade. Eu o amo o suficiente para aceitar minha própria felicidade e com ela fazê-lo feliz também.

Ouço alguém bater na porta. Levanto-me para atender. Estou pronta.


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