CAPÍTULO VINTE



VINTE

Já se passaram dois dias depois do meu ultimato e falta um mês para o casamento. Ainda me sinto fortalecida pela minha decisão e, melhor que esperançosa, estou confiante. Levo fé em Harry, levo fé em nós dois. Ele vai cancelar. Nós vamos viver felizes para sempre. Ou alguma coisa perto disso.
Obviamente, me preocupo com Cho. Até tenho medo de que ela faça uma loucura quando se deparar com sua primeira rejeição. Tenho visões dela definhando numa cama de hospital, recebendo soro, cheia de olheiras, o cabelo oleoso, a pele acinzentada. Nessas cenas, estou ao seu lado, trazendo revistas e balinhas, dizendo a ela que tudo vai acabar bem, que tudo tem uma razão de ser. Mesmo se essas cenas se concretizarem, nunca vou me arrepender de ter me declarado a Harry. Nunca vou me arrepender de lutar. Pela primeira vez, não coloquei Cho acima dos meus desejos.

Enquanto os dias passam, vou ao trabalho, volto para casa, vou ao trabalho de novo, esperando a bomba explodir. Tenho certeza de que Harry vai telefonar a qualquer momento com notícias. Boas notícias. Enquanto isso, agüento firme, resistindo à tentação de telefonar para ele.

Só que depois de uma semana inteira começo a me preocupar e volto a ser como antes.

Digo a Gina que quero telefonar para ele, sabendo que ela vai me reprimir. Pareço um alcoólico que se arrasta até um encontro dos alcoólicos anônimos numa última tentativa desesperada de resistir à bebida.

- De jeito nenhum - diz ela. - Não faça isso. Não tente falar com ele.

- E se ele estava tão bêbado a ponto de não se lembrar da nos a conversa? - pergunto a ela, tentando me agarrar a qualquer desculpa.

- Pior para ele.

- Você acha que ele se lembra?

-Lembra.

- Bem, gostaria de não ter dito nada.

- Por quê? Para que você pudesse passar mais umas noites com ele?

- Não - respondo na defensiva.

Embora a razão seja exatamente essa.

Depois de mais alguns dias de tortura, sem conseguir comer, trabalha: ou dormir, decido que tenho de fugir. Preciso ir para outro lugar, longe de Harry. Sair da cidade é a única maneira de me impedir de telefona para ele, de desconsiderar tudo que eu disse em troca de mais uma noite, mais um momento com ele. Penso em ir para Indiana, mas não é longe o suficiente. Além do mais, ir para casa só vai me fazer lembrar de Cho e do casamento.

Telefono para Rony e pergunto se posso visitá-lo. Ele fica todo animado, diz que é para eu viajar quando quiser. Então ligo para a companhia aérea e faço reserva num vôo para Londres. Viajo em cinco dias e por isso tenho de pagar a tarifa sem descontos, 890 dólares, mas vale cada centavo.

Depois de digitar meu memorando de férias, vou até a sala do Les. Pela graça divina, ele não está.

- Ele está numa reunião fora do escritório. Graças a Deus – diz Cheryl, sua secretária. Ela é minha aliada, muitas vezes me alerta quando Les está num humor difícil.

- Tenho só alguns papéis para ele - digo a ela, indo em direção sala de tortura dele.

Deixo alguns documentos sobre a cadeira, o memorando de férias embaixo de tudo. Então mudo de idéia e coloco o memorando em cima da pilha. Fico feliz em deixá-lo tão puto.

- Por que o sorriso malicioso? - pergunta Cheryl enquanto saio do escritório.

- Memorando de férias - digo. - Depois você me conta o quanto Les vai me xingar.

Ela levanta as sobrancelhas e diz:

- O, ô - sem interromper sua digitação. - Alguém vai estar em encrencas.

Les me telefona no fim do dia, quando volta para o escritório.

- Que idéia é essa?

- Como assim? - pergunto, sabendo que a minha calma vai irritá-lo ainda mais.

- Você não me avisou que ia tirar férias!

- Ah, pensei que tivesse avisado - minto para ele.

- Quando foi isso?

- Não sei exatamente ... Semanas atrás. Estou indo para um casamento.

Duas mentiras.

-Meu Deus.

Ele está bufando no telefone, esperando que eu cancele a viagem. Nos velhos tempos, quando ainda estava no meu primeiro ano, o truque intimidado poderia ter funcionado. Mas agora não digo nada. Fico esperando que ele fale.

- É um casamento de família? - pergunta ele afinal. São os seus limites: funerais e casamentos de família. Provavelmente apenas de parentes próximos. Então invento que é o casamento da minha irmã. Três mentiras.

- Sinto muito - digo petulante. - Madrinha, você sabe.

Deixo ele soltar seu palavreado bombástico por alguns segundos e ameaçar me substituir por outro advogado. Como se todo mundo estivesse louco de vontade de trabalhar com ele. Como se me importasse com isso. Então ele anuncia com prazer que não terei vida fora do escritório até sexta-feira. Tenho certeza de que isso não vai ser problema.

Cho telefona minutos depois e se revela tão egoísta quanto ele.

- Como você pode viajar tão perto do meu casamento?

- Prometi ao Rony que iria visitá-lo neste verão. E o verão está quase acabando.

- Qual o problema de ir no outono? Tenho certeza de que Londres é ainda mais bonita no outono.

- Preciso de umas férias. Agora.

- Por que agora?

- Eu simplesmente preciso viajar.

- Por quê? .. Tem alguma coisa a ver com Draco?

-Não.

- Você esteve com ele?

-Não.

- Por que não?

- Está bem. Talvez seja o Draco ... - digo, na esperança de que ela cale a boca. - não acho que as coisas vão dar certo com ele. E talvez eu esteja um pouco deprimida. Tudo bem?

- Ah - diz ela -, sinto muito que não tenha dado certo.

A última coisa que eu quero é a solidariedade de Cho. Digo que meu maior motivo é o trabalho.

- Preciso dar um tempo do Les.

- Mas eu preciso de você aqui - ela choraminga. Pelo visto, seus dez segundos de solidariedade se esgotaram.

- Pansy vai estar aqui.

- Não é a mesma coisa. Você é a minha madrinha.

- Cho. Eu preciso de férias. Tudo bem?

- Se não tem outro jeito. - Posso imaginar o beiço se projetando. - Não é mesmo? - acrescenta com um tom esperançoso.

- É, é isso mesmo.

Ela suspira e tenta uma outra tática.

- Não dá para você ir na semana em que vou estar em lua-de-mel no Havaí?

- Eu poderia - digo, imaginando Cho com sua nova lingerie. Se meu mundo girasse em torno do seu, eu poderia ... - Mas sinto muito.

Ele não gira.

Nunca falei assim com a Cho. Mas os tempos mudaram.

- Está bem. Tudo bem. Mas não se esqueça de me encontrar amanhã
ao meio-dia para buscar o seu vestido de madrinha... A não ser que você tenha planos de ir para Veneza ou coisa do tipo.

- Muito engraçado - digo e desligo o telefone.

Então agora Harry vai saber que estou indo para Londres. Tento imaginá-lo ao ouvir essa notícia. Talvez a viagem faça com que ele se decida logo, talvez ele me dê uma notícia boa antes da minha partida.

Fico esperando, me sentindo cada vez mais torturada. Nenhuma palavra dele. Nenhum telefonema. Nenhum e-mail. Verifico minhas mensagens o tempo todo, esperando que a luz vermelha esteja piscando. Nada. Por milhares de vezes pego no telefone e desisto, escrevo longos e-mails e não envio. De alguma forma me mantenho firme.

***

Então, na noite anterior ao meu vôo, José avisa pelo interfone.

- Harry está aqui.

Uma torrente de emoções toma conta de mim. O casamento foi cancelado! Pela primeira vez me sinto plena, transbordando. Minha alegria é abalada ao me lembrar de Cho... o que vai acontecer com a nossa amizade? Será que ela sabe de mim? Afasto esses pensamentos e me concentro nos meus sentimentos por Harry. Ele é mais importante agora.

Mas, quando abro a porta, a expressão dele destoa de tudo que eu havia imaginado.

- Podemos conversar? - pergunta ele.

- Sim - minha voz sai num sussurro.

Sento tensa, como se alguém fosse me dizer a qualquer momento que um parente próximo morreu. Ele poderia muito bem ser um policial, vindo até minha porta dar a notícia.

Ele senta ao meu lado e as palavras começam a sair.

“Esta foi uma decisão muito difícil... Amo você de verdade ... apenas não posso ... Pensei muito nisso... estou me sentindo culpado ... não pretendia iludir você... nossa amizade... incrivelmente difícil... eu me importo demais com Cho... não posso fazer isso com ela... devo isso à família dela ... sete anos ... o verão foi intenso... eu falei sério... desculpe ... desculpe .... desculpe mesmo ... vou te amar sempre, sempre ...”

Harry cobre o rosto com as mãos e lembro do meu aniversário, de como fiquei admirando suas mãos enquanto estávamos no táxi subindo a Primeira Avenida. Um pouco antes de ele me beijar. E aqui estamos agora. Bem no final. E eu nunca mais vou beijá-lo.

- Diga alguma coisa - pede Harry. Os olhos dele estão vidrados, os cílios molhados e bem pretos. - Por favor, diga alguma coisa.

Ouço a mim mesma dizendo que entendo, que vou ficar bem. Não choro. Em vez disso, me concentro na minha respiração. Para dentro e para fora. Para dentro e para fora. Mais silêncio. Não há mais nada a dizer.

- Agora é melhor você ir embora - peço.

Enquanto Harry se levanta e caminha até a porta, penso em gritar, implorar.
Não vá! Por favor! Eu te amo! Mude de idéia! Ela traiu você! Mas permaneço imóvel, observando ele ir embora, sem hesitar ou virar para me olhar pela última vez.

Fico olhando para a porta por um longo tempo, escutando o silêncio barulhento. Quero chorar, para preencher o vazio assustador, mas não consigo. O silêncio aumenta ainda mais quando considero o que fazer em seguida. Arrumar as malas? Dormir? Telefonar para Rony ou Gina?

Por um segundo irracional tenho um desses pensamentos que a maioria das pessoas não admite: engolir uma dúzia de comprimidos, e depois vodca. Poderia punir Harry de verdade, arruinar o casamento deles e acabar com minha própria tristeza.

Não seja maluca. É apenas uma pequena decepção. Você vai superar isso.

Penso em todos os corações partidos neste momento, em Manhattan, em todo o mundo. Penso em toda a avassaladora tristeza. Imaginar o sofrimento alheio faz com que eu me sinta menos sozinha. Maridos abandonando suas esposas depois de vinte anos de casamento. Crianças chorando: "Não me abandone, papai! Por favor, fique!" Meu sofrimento não se compara a esse tipo de dor. Foi apenas um romance de verão. Nunca duraria para além de agosto.

Levanto, caminho até a estante de livros e pego a latinha de balas. Tenho uma última esperança. Se eu tirar duplo seis talvez ele mude de idéia, volte para mim. Como se fosse mágica, sopro sobre o dado, exatamente como Harry fez. Então sacudo uma vez a minha mão direita e jogo cuidadosamente. Exatamente como na nossa primeira jogada, um dado pára antes do seu par. Pára num seis! Prendo a respiração. É apenas um cinco. Joguei um onze. É como se alguém estivesse me sacaneando, dizendo:

Chegou perto, mas está sem sorte.
_____________________________
Obrigada a todos pelos comentários, o cap. 19 é realmente um dos meus favoritos, mas não foi dessa vez que a nossa querida Hermione conquistou sua felicidade! Quem sabe ela não encontra em Londres... bjos

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.