Único



Algumas pessoas notaram aquele homem, de barba por fazer, escorado no poste do outro lado da calçada. Trouxas, são assim, no fundo eles nem ligam. Simplesmente passavam reto, cuidando de seus assuntos e vidas cheias de problemas. Sim, era isso que ele conseguia ler no rosto de cada um. A falta de brilho, de luz, de amor...

"Ah... quem sou eu pra julgar isso?"
Se empertigou e deu as costas para o prédio logo em frente. O que prendia seus pés ali? Porquê diabos não conseguia prosseguir?

Era difícil dizer. Ela estava de viagem marcada, muito provavelmente fazendo as malas nesse exato momento. Um burburinho em sua mente o incomodava. Eram seu Ego, seu Medo e seu Amor discutindo entre si. O primeiro defendia enfaticamente que aquilo tudo era uma bobagem. Que se ele estivesse pensando em fazer uma bobagem, que se jogasse embaixo de um ônibus de uma vez. O segundo, o Medo, praticamente não abria a boca para nada. Limitava-se a concordar com Ego, que lutava para protegê-lo da loucura que o outro, o Amor, lhes propunha. O amor se justificava, mostrando que não era cego...

"Mas não fui eu quem a escolheu... foi o coração dele!" dizia ele, com voz pacífica

O Medo se pronunciou, pela primeira vez e bradou:

"E se o coração dele estiver pedindo algo impossível... Algo que nós não pudéssemos dar a ele?

Foi a vez do Ego concordar. O Amor, por sua vez, suspirou e rebateu categoricamente:

"Se for assim devemos provar a ele que está errado e não pensar que podemos calá-lo..."

Os outros dois não tiveram resposta para dar. E Lupin sorriu, sorriu muito pois finalmente deixara o Amor falar mais alto, e corajoso como este sentimento era, vencera de uma só vez o Ego e o Medo. Sim, agora ele realmente estava livre, os dois não ousariam dizer mais nada diante de tal argumento. Era a sua vez de subir lá e resolver tudo isso. Passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os, abriu o paletó para aliviar o calor e fechou os olhos por um instante. Podia sentir seu coração bater desesperadamente, então respirou bem fundo e sentiu o rosto corar. Estava tão quente aquela noite. Ou seria ele?

Com um caminhar ligeiro, deixou seu 'esconderijo' e alcançou a calçada logo em frente. Subiu os três degraus e já tocava a maçaneta da porta do prédio quando um barulho horrível de pancada, seguindo o de algo à rolar, surgiu lá dentro e foi crescendo, crescendo, até cessar com uma vocalização de dor feminina:

- Aiii... ai... ai...

Apressado, ele abriu a porta de uma vez já que não representava segredo algum para ele saber quem havia caído escada abaixo. Se levantando, toda torta, com a mão no cotovelo lá estava quem Lupin esperava

- Você está bem Tonks? - Ele foi se aproximando, e conferindo se ela estava machucada, enquanto ela rodava em torno de si mesma, com afeição torcida de dor

- Oi Remus... tá legal. Quer dizer, tô... ai... eu espero que não tenha escadas assim lá no ministério francês! Poutz... meu... eu não sei nem como caí dessa vez...

- Quer que eu dê uma olhada?
- Os olhos do bruxo percorreram seu corpo mais uma vez, e se detiveram, propositalmente nos dela. Hoje eles estavam verdes, um tom de verde aquoso, que para ele representava 'falsa felicidade'. Ela era intensa demais para ter olhos daquele tom e estar bem. Segundo disseram, Tonks estava de transferência para a França e para todos dizia que estar muito feliz, ansiosa e cheia de espectativas. Engraçado era pensar em como ela conseguira a transferência justamente depois deles romperem. Era como se tudo já estivesse planejado.

- Nem é, Lupin. Relaxa. Hum... o que faz aqui? Digo, não que isso me incomode, até mesmo porquê não incomoda mas, se incomodasse eu também não lhe diria. Ao menos tentaria não dizer, mas eu sou meio doida então e...

Ele interrompeu-a, puxando seu braço de forma delicada e virando-o levemente, para olhar o cotovelo. Estava um pouco inchado. Lupin sacou sua varinha e sem pronunciar uma palavra sequer, dela saiu uma luz amarelada que aliviou instantaneamente a luxação.

- Agora sim... Olha Tonks, eu, bom nós... Temos que conversar, não acha? Não quero que vá embora com raiva de mim. Não sei... depois de tudo que passamos... acho que devemos agir diferente... - O lobisomem mal podia acreditar que estava sendo tão cara-de-pau. Só podia ser influência do Sirius. Que conversa mole era aquela? Tudo aquilo parecia ser dito por outra pessoa. Suspirou e guardou a varinha no bolso, enquanto aguardava a resposta dela.

- Eu não tô com raiva de você. Sei lá, tenho que ser adulta né? Se não rola, não rola... e pronto - Ela abaixou a cabeça e puxou o braço de volta, para junto do próprio corpo.

- Sim, sei que não tem raiva de mim, Tonks. De qualquer forma, queria falar com você. Vamos sair e tomar algo?





Estático. Ele estava estático. Chamara-a para uma conversa e ela aceitou prontamente. Agora ambos estavam sentados, frente à frente, dentro de uma cafeteria trouxa. Ela sugava pelo canudo um bocado de milk-shake de chocolate, enquanto ele não havia nem tocado no café irlandês que pedira. Tonks falava, falava e falava. Ele engolia a saliva com dificuldade, sentindo a garganta fechar cada vez mais.

- O chantilly daqui é bom? - Ela perguntou, apontando com o canudo para a xícara intocada.

- Não sei... ainda. Acho que devia ter pedido outra coisa... "Talvez uma poção do amor, quem sabe assim eu não teria coragem de dizer tudo, mais facilmente" ... Então como estão as coisas? Os preparativos?

- Tudo prontinho. Malas prontas, pertences embalados. Vai ser legal...


Nem ela sentia firmeza nas palavras que dizia. Balançava a perna nervosamente embaixo da mesa. Tanto balançou que acertou a canela de Lupin, instantes depois. Ela ficou lilás de vergonha. Estava nervosa. Derrubou depois um bocado da bebida no próprio cabelo. Era impossível explicar como mas, fizera. Esfregando uma perna na outra, Remus notou que talvez, talvez aquilo fosse um sinal. Sabe-se lá de quem, contudo era um sinal. Pigarreou e resolveu falar...

O tempo parou, o som desapareceu, a luz esmoreceu, só parecia existir eles dois sentados naqueles bancos de couro emborrachados vermelhos e fofos. No momento em que ele abriu a boca para falar, ela ergueu os olhos e o encarou. Lupin idolatrava aquele olhar, era o mesmo olhar que o conquistara, seguido daquele jeitinho infantil com o qual mordia ora o canudo, ora o lábio inferior.

"Meu Merlin... Que eu não diga só o que sinto. Que eu diga também o que ela precisa ouvir pra desistir de ir embora daqui" - Bom Tonks... o motivo pelo qual eu a chamei aqui foi... porquê eu não... "Vai Remus, desembucha"... "Anda, ela tá te olhandôooo"..."Lupin você é um palerma..."

- Você ?

- É... eu. Eu, enfim. Eu não quero que vá embora, Tonks. É isso. Sabe... eu me preocupo com você, tenho receio que não se dê bem por lá e ... fique longe dos seus amigos, por bobagem...

- Bobagem? Como assim bobagem? Oras senhor Lupin... dá pra ser mais claro?


Não, não dava. Sua língua enrolava, a boca não obedecia. Ele simplesmente não conseguiria. A magia estava acabando. Certas coisas o sentimento poderia fazer por ele, porém outras, era responsablidade dele. E ele não se julgava capaz. Quando ele fitou-a de novo, a auror baixara a fronte e mastigava, distraidamente o canudo. Seus olhos agora estavam naquele tom cinza-claro, o mesmo que indicavam tristeza e frustração certas. Ele já pensava em se levantar e partir de uma vez dali. Ela, sentia vontade de chorar. Porquê isso tudo? Ele queria vê-la sofrer mais? Estar tão perto e ainda assim tão distante dele, era pior do que a morte. Impossível pensar que poderiam ser 'amigos'. Não, depois de ser arrebatada por um sentimento tão forte quanto aquele, definitivamente não restava espaço para uma amizade...

Foi então que Merlin pareceu ouvir as preces do perdido lobisomem. No rádio trouxa, após o final de uma música qualquer, outra que ele não se lembrava ter ouvido antes começou a tocar. A letra dizia algo mais ou menos assim:


Eu queria te contar o que estou sentindo
Eu poderia mentir para mim mesmo, mas é verdade.
Não há dúvidas quando olho nos seus olhos
Menina, estou com a cabeça em você
Eu vivi tanto tempo acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você
Está me dizendo que agora é...


Gene e companhia falavam por Lupin. E isso era fantástico. Todas aquelas frases eram o que ele gostaria de dizer. Ele pigarreou e começou a tomar seu café, agora já bastante frio. Um bigode de chantilly começou a se formar sobre o seu, enquanto ele nervosamente olhava para o teto, na direção das caixas de som.

Pra sempre, agora eu sei
E não tenho dúvidas em minha mente
Pra sempre, até que minha vida tenha terminado
Menina, eu te amarei pra sempre

Eu ouço o eco da promessa que eu fiz
"Quando você é forte, pode seguir sozinho"
Mas estas palavras soam distante quando olho pra você
Não, eu não quero seguir sozinho.
Nunca pensei que colocaria meu coração na linha
Mas tudo em você
Está me dizendo que agora


Tonks soltou o canudo dentro da taça e sorriu pra ele. Tão lindo, tão bobo, tão maravilhoso. Riu baixinho quando ele passou a língua pelos bigodes e comentou que o chantilly era dos bons. Sentiu vontade de subir na mesa e se sentar no colo dele. Loucura, loucura sim. Contudo, seria uma loucura de amor. Conteve-se.

Eu vejo meu futuro quando olho em seus olhos
O seu amor faz meu coração viver
Porque eu vivi minha vida acreditando que todo amor é cego
Mas tudo em você, está me dizendo que agora é...



Foi tudo muito rápido, tão inesperado e repentino. Lupin nem soube como descrever aquilo. Aproveitando que a cafeteria estava vazia, Tonks depositou uma nota na mesa, esticou o braço até tocar a mão dele e...

...Agora estavam ambos nus, com sorrisos estampados em suas faces, entre os lençóis da cama dela. Mentirosa, ardilosa, corajosa. Todo seu apartamento ainda estava mobiliado.
Foi delicioso ouvi-la contar que não existia transferência alguma. Não, só existia uma tentativa desesperada de tentar descobrir se o sentimento por ele era correspondido ou não. Tudo não passou de uma farsa.

As roupas deles estavam espalhadas pelos cômodos, assim como os cabelos longos, lisos e perfeitos dela agora, espalhados pelo travesseiro cheio de bordados finos, presentes de sua mãe. Sua cabeça rosada repousava sobre o peito dele. Forte, viril e machucado. O cheiro de sexo ainda estava forte no ar. Os então lábios tornaram a se procurar, e entre risos, a recomeçar... Entre suspiros e declarações, Remus aproximou sua boca do ouvido dela e soltou, com voz séria:

- Você pode depois me dizer qual era o nome daquela música?

- Não brinca! Vai dizer que até agora você não sabe?


Uma risada rouca brotou de seus lábios, e ele começou a cantar alguns trechos da música que agora seria deles, para ela.... em especial aquela...


Pra sempre, até que minha vida tenha terminado
Menina, eu te amarei pra sempre






Nota da Grey:
Obrigada Tonks, Lupin, Kiss e vc também Marcos, pela inspiração. Obrigada também Mãe por há exatamente 27 anos atrás, ter sofrido todas aquelas dores... para me presentear com este mundo e me dar a chance de crescer e ser feliz... Com amor...

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