Lolitta



Lolitta


Antes de qualquer informalidade de minha parte, deixo claro que não a escolhi pela fragilidade ou pelo constante estado esdrúxulo que este platônico romance de folhetim deixou inerente a você.
Escolhi-a pela doce inocência que escrevera para mim, numa íntima tentativa de dissipar a dor infantil e sentir-se mais mulher do que nunca deveria ser. Para mim, você poderia ser eternamente a criança que ontem foi, pois, de qualquer maneira, torná-la-ia interessante a mim. Lembre-se:
de qualquer maneira.
Você era a peça que me faltava para ser um pouco mais que um simples substantivo abstrato, incapaz de ser tocado e de tocar. E eu toquei-a com a força pulsante de meus nervos, enquanto você acreditava que se divertia.
Diversão, minha menina, não é escrever palavras de um olhar que não tinha toda a intensidade que você desejava; não é pôr em letras juntas incapazes de realizar permutações as lágrimas que você já tanto deixou escorrer. Diversão é realização de um estado eufórico de adrenalina, que, ao mesmo tempo em que apazigua, estimula, criando um ciclo vicioso que só pode ser detido pelo cansaço.
E a gente jamais se cansaria – você sempre teria mais energia para mim; a energia que nasce do ímpeto e ascende na pele, na boca, nos espasmos, que brilha nos olhos mesmo estando fechados e ganha forma no corpo curvado.
Você reconhece isso? Isso é desejo, prazer. Prazer de me contar tudo e nunca deixar nada escondido, de saber que eu – somente eu – estaria ao seu lado, ouvindo e aconselhando.
Este prazer, minha cara, é muito menor daquele que eu proporcionei. Bem sei aonde cheguei, onde toquei e onde ganhei sua confiança. Mas, como eu disse, não a escolhi pela prudência ou falta dela, apenas a quis, fingi enquanto você achou que se divertia.
Foi a crença mais real que teve, hein? Tenho este dado tido como conhecimento já em minha mente, pois sempre soube que você queria se satisfazer. É a ânsia infantil, disso eu também sei, e era disto que eu gostava e apreciava em sua escrita. A infantilidade abobada que limita a irracionalidade juvenil.
Instigante demais, ma cherry.
Eis a vil linha entre a compreensão humana para realmente se ter idéia da fascinação que as barras das saias até os joelhos causam em olhares mais pretensiosos. Não que os meus fossem assim, pois, nunca a vi antes. Porém, já digo, sem muitas delongas, que eu imaginava e queria tanto poder sentir aquela lugubridade que você colocava, receosa, naquelas páginas que tudo absorviam.
Sou maldoso, hein criança? Fui amigo, dei confiança e mostrei-me confiável – e você diz que foi iludida ou amaldiçoada?! Isso até pode ser verdade, mas não por mim, porque, por alguns instantes, eu até perdi o real objetivo daquele jogo.
Você fez-me querer estar mais vivo para tocá-la de tal maneira que acreditaria estar viva também. E eu fiquei menos morto por você, para vê-la agir por mim e, no final, tê-la mim, sem nunca rasgar aquela inocência que tanto me encantou.
Viu? Eu nunca iria amaldiçoá-la. Eu nunca me atreveria a tal, porque sempre soube que você necessitava de mim, de uma forma muito peculiar. Somos assim, querida, eu e você, seres peculiares, de atos próprios e capazes de entender as próprias necessidades.
Eu necessitei de você.
E soube, no exato momento em que me olhou pela primeira vez, que precisava de mim para tornar certos os choramingos noturnos e os toques constantes que eu lhe causei. E não tem uma única idéia de como me sinto orgulhoso por fazê-la se tocar, sentir a insolência que seus pais temiam e a luxúria pueril que eu idolatrei.
Entretanto, você quer saber o que realmente me alegrava? Era ter o conhecimento de que você fazia aquilo porque eu instruía. Por isso, minha linda menininha ruiva, não venha dizer aos ventos que a controlei, porque você sabe, do mesmo modo que eu, que houve apenas conselhos e apaziguamentos de atos alheios sem grande importância.
A importância veio depois.
Você tornou-se mais que parte de um plano obscuro, não é? Você sabe disso... eu sei disso. Nós dois conhecemos isso, porque eu apresentei-lhe a você. E foi lindo, certo? Você quis mais, tão mais, que se perdeu nos próprios conceitos pessoais. Já não sabia mais se o que fazia era certo e, quando esse dia chegou, não sei na verdade se o desejei tanto assim.
O plano era um e eu deveria mantê-lo até o fim, mas nunca imaginei que você fosse as formas humanas da minha gula. Escolhi-a ao acaso de sua inocência para atingir o meu alvo, mas, quando tudo se tornou mais íntimo, entendi que acasos não são reais. Cada qual faz seus próprios traços e isso deu-me mais força para tudo continuar.
Mas você não teve a mesma necessidade de vivacidade que eu tive. O certo tornou-se errado e minha brincadeira foi taxada como maldição. Foi aí que o encanto quase acabou, quando você fez-me lembrar do plano original.
E ainda bem que o fez.
Vê-la em carnes e tecidos reacendeu em mim o velho desejo que a fiz ter, sentir, deliciar-se. E eu voltei a fazer o mesmo, só que agora com as minhas próprias mãos, acreditando que sentia a textura macia de sua pálida pele, de seus cabelos cobres e seu ímpeto.
Acho que aqui até posso, hoje, pedir desculpas pela minha afobada ânsia de viver. Não quis machucá-la, não enquanto não tinha idéia do quão bom seria poder realmente ter um dos sentidos de volta. Então, devo a você isso, porque você me fez querer sentir tudo de novo.
Mas a sua nova condição de conhecer-se a si mesma de forma mais ousada, é você quem deve a mim – e eu tornarei a procurá-la para quitar nossas dívidas, pois sei que a diverti no êxtase de uma noite sozinha quando o que mais queria era chorar.
Será que você sabe que não chorou por muitos meses?
No fim, não pude tocá-la e nem tê-la na indolência que eu estava submetido. Você se amaldiçoou sozinha, colocando em mim a necessidade de fazê-la divertir-se com os meus comandos, orientando cada ato, cada sensação. Você tanto gostava que repetia, noite após noite, após contar cada lástima inepta, cada pesar.
E eu não entendia o porquê disso tanto me fascinar. Dizia sucessivas vezes para mim mesmo que era o seu estado de criança que causava tal reação em meu corpo intocável.
Eu nada compreendia do seu natural encanto, apenas do vício imposto como resposta de minha ousadia. Somos ousados, os dois, mas nunca acreditei que isso fosse falha de caráter. Ousar é arriscar, e eu arrisquei ao escolhê-la pelos motivos errados, porque em nada o meu desejo interno deveria interferir na minha vingança.
Por muito tempo não ri por não compreender; mas hoje eu entendo e rio sozinho, deliciando-me com a nítida lembrança que eu era e que você se fez em mim. A lembrança mais prazerosa que tenho até aqui.
Por fim, entendi, de uma vez, que toda menina já foi Lolita na vida, não por amor, mas por desejo de poder praticar a crueldade e se satisfazer. Você pensou que se divertia, sabia como me dominar, mas era eu que sabia fingir – mas era que eu te fazia sonhar.

A pena pousou sobre o último ponto final. A promessa... não a cumprira. No entanto, já não se importava mais. O desejo ficou preso naquele tempo, assim como suas feições.
Nós de dedos batendo à porta tiraram-no de seus pensamentos. Girou os olhos para a imensa porta sem mover a cabeça e, em instantes curtos, as duas abas de madeira escura abriram-se.
- Milorde... – o subordinado fez uma reverência exagerada, mostrando todo o respeito.
Respeito mistura-se muito com medo. Não que a diferença realmente importasse; muito pelo contrário, era muito mais apreciativa; mas aquele homem era adulto corrompido demais para entender a verdadeira diferença entre respeito e medo.
Ela entendia, e o respeitava.
- Lucius Malfoy já está aqui para seguir com o plano.
- Hmm – sibilou, roçando, levemente, quase sem se tocar, as pontas nos dedos no queixo. – Mande-o então ir.
O homem retirou-se recuando os passos. Outra demonstração da confusão. Mas ele tinha uma carta completa exposta sobre a mesa que, agora, analisando melhor os próprios ensejos, se tornara apenas um pedaço de papel sem grande importância.
Ela já não era mais Lolita.


FIM

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