CAPÍTULO UM



Capítulo Um

Devia ter uns sete anos, mais ou menos. Caminhava pela rua, balançando os cabelos negros e o vestido verde. Pulava por cima das poças de água, vestígios da chuva torrencial que caíra na noite anterior, e que ainda não tinham sido secas pelo forte sol que, surpreendentemente, saíra logo cedo naquela manhã.

Toda a atenção dela estava voltada em uma imensa bola laranja que seguia picando pelo caminho. Mas, quando deve de pular por cima de uma poça realmente grande, a bola escapou de suas mãos e rolou ferozmente até o outro lado da rua.

Ela correu o máximo que pode para recuperar sua preciosa bola laranja, mas viu a bola desaparecer por entre duas casas, como se tivesse sido engolida.

A menina parou no lugar onde a bola desaparecera, e observou atentamente as duas casas por algum tempo, tentando encontrar alguma passagem secreta. Mas o máximo que conseguiu for esgotar a paciência. Até que teve uma idéia que lhe parecia brilhante no momento: tocar a campainha das casas e perguntar por seu brinquedo.

Teve de se esticar ao máximo, ficando na ponta dos pés. Pressionou a ponta do dedo indicador sobre a campainha da primeira casa. Ninguém atendeu. Tentou mais uma vez, sem sucesso. Entendeu que não havia ninguém e passou para a próxima casa. Não sabia o quanto se arrependeria disso mais tarde.

A campainha desta casa não foi difícil de alcançar, um degrau ajudou-a. Ouviu passos dentro da casa, e julgou que tinha sorte. “Devem já estar trazendo a minha bola”, pensou. Estava errada.

Um homem gordo e alto abriu a porta. Usava um short marrom meio apertado, regata branca e chinelos de dedo. Mas o que era estranho era a sua pequena cabeça careca, totalmente desproporcional ao resto do corpo. A menina se deu o trabalho de analisar o rosto do desconhecido: a barba mal feita, o rosto redondo, os olhos vermelhos e cansados.

– Senhor, eu perdi a minha bola laranja. – disse ela, educadamente. – E ela parece ter entrado na sua casa. O senhor a viu?

– Não vi bola nenhuma. – ele falou, mas sua voz mais parecia um grunhido. Ela agradeceu e ia dando meia volta, quando ele a chamou de novo. – Ei, você! Quantos anos você tem?

– Sete. – respondeu, temerosa. Ele sorriu, analisando-a de alto a baixo. Havia algo naquele sorriso que ela, por ser criança ainda, não entendeu. Mas julgou ser a sombra que cobria parte de seu rosto.

– Talvez eu tenha encontrado sua bola. Entre.

– Prefiro esperar aqui na porta enquanto o senhor vai procurar. – disse ela. – Se o senhor não se importar.

– Estou pedindo que entre. Sua mãe não lhe ensinou que se deve obedecer os adultos?

– Ela me ensinou a não conversar com estranhos! – ela falou, com a voz trêmula.

– Qual o seu nome? – ele perguntou, olhando atentamente para o rosto da garota.

– Claire.

– Pois bem, Claire. Meu nome é Charles Torrance. – ele se apresentou. – Agora que não somos mais estranhos, entre!

– Não quero! – ela disse, firmando os pés no chão.

– Não é um pedido, é uma ordem! – ele rugiu. – Acho que há muitas coisas que sua mãe não lhe ensinou, e eu terei de ensiná-la. – agarrou Claire pelo braço e arrastou-a para dentro da casa. Ela se debatia, mas não emitia nenhum som.

A casa daquele homem aparentemente louco era velha e bagunçada, o que dava a entender que ele morava sozinho. O cheiro de mofo a fez suspeitar que a casa não recebia sol e vento há muito tempo. A menina confirmou isto quando viu que as janelas estavam com as venezianas fechadas e tábuas pregadas na parede bloqueavam sua abertura. O homem trancou a porta, segurou a chave firmemente nos dedos e largou Claire em um sofá.

– Espere aí. Vou encontrar a sua preciosa bola. – e subiu uma escada estreita. Tão estreita que ele ia se espremendo entre o corrimão de ferro enferrujado e a parede, arrancando pedaços da tinta descascada. Assoviava uma velha canção de caixinhas de música, que foi se tornando mais baixa à medida que Charles se distanciava de Claire, até desaparecer totalmente, junto com a canção.

Ela sentia medo, e pequenas lágrimas contornavam seu rosto. Olhou ao seu redor, e encontrou vários brinquedos infantis, alguns quebrados ou faltando peças. Mas nada de sua bola laranja. O aumento crescente do volume da canção indicava que o homem estava voltando. O coração da menina acelerou muito, e as lágrimas se tornaram mais constantes.

Claire olhou para a porta trancada, desejando com todas as forças que alguém a destrancasse. Ouviu passos descendo as escadas.

– Acho que deverá esperar um pouco mais pela sua bola. Enquanto isso, começaremos sua aula. – perguntou, do mesmo jeito estranho com que sorrira antes, na frente da casa. Com aquela mesma coisa que uma criança não conseguia identificar.

O coração dela agora parecia estar batendo na garganta, acelerado. As lágrimas escorriam sem nenhum pudor. Foi quando aconteceu.

Um estalo na porta da rua. Um pensamento lhe ocorreu na cabeça. Saltou do sofá e foi correndo até a porta, esperançosa. Forçou o trinque. A porta abriu.

Saiu correndo sem olhar nenhuma vez para trás, escutando os gritos de raiva daquele homem que lhe causara tanto medo. Chorando descontroladamente, soluçando, desesperada, correu até não agüentar mais.

Acordou, onze anos depois, suando frio. Ofegava, como se a fuga não tivesse sido em um sonho. A música, porém, não cessara. A porta se abriu com um estouro, e em seguida o braço pedia da cama, balançando lentamente. Então, como em câmera lenta, a última rosa daquele inverno cortante tocou o assoalho.

[...]

[i]“It’s not supposed to feel this way
I need you, I need you
More and more each day
It’s not supposed to hurt this way
I need you, I need you, I need you”

Why – Avril Lavigne[/i]

Passara praticamente a noite inteira em claro, o que explicava o fato de acordar apenas com o cheiro de comida que exalava do bar trouxa na esquina de seu pequeno apartamento. A missão de que fora encarregada no dia anterior tinha sido, de longe, a mais cansativa de todas. Vigiar o membro mais inquieto e atento que havia no grupo inimigo lhe desgastara de tal modo que todos os seus músculos pareciam eternamente contraídos e alertas, mesmo durante o sono. Mas a fome gritou mais alto que a exaustão, então levantou-se pesadamente e foi até a cozinha.

Desejou fortemente que lhe tivessem mentido todos os anos em Hogwarts, e que fosse possível, afinal, transfigurar comida. Com um aceno breve da varinha, concentrou todas as suas forças em um grande prato de espaguete. Falhou; de fato, não era possível conjurar comida. Pensou, então, em uma segunda alternativa. Trocou a camisola vermelha por vestes trouxas e desaparatou.

Quando abriu os olhos novamente, segura de estar com os pés no chão, estava parada diante de uma casa bonita, bem cuidada, e de aspecto movimentado. Sabia que não estava enganada sobre isso, pois ela mesma freqüentava seguidamente aquela casa, e sabia da quantidade de pessoas que seguidamente apareciam por lá. Demorou-se um pouco na porta antes de bater; queria ter certeza de que conhecia todos os presentes.

Depois de não perceber nenhuma voz desconhecida, bateu de leve na porta de madeira escura. Ouviu passos largos, e em seguida a porta se abriu, exalando um forte e gostoso cheiro de comida. Conhecia bem demais o rosto masculino que aparecera detrás da porta.

– Você disse que não viria, por isso não lhe esperei. – apressou-se ele em se desculpar. – Disse que estava exausta e que precisava descansar. Foi o que me disse ontem à noite, e... – ela calou-o com um beijo de leve.

– Não há com o que se preocupar. – ela sorriu, olhando-o vidrada em seus olhos. Virou-se, então, para as outras pessoas que apareciam na sala. – Lily, sinto muito em vir sem avisar, mas eu estava realmente faminta e não consegui encontrar nada decente na geladeira.

– Sem problemas, Claire. – a ruiva sorriu, como sempre fazia. Um sorriso caloroso e impecável, sempre presente. – Apenas não fique aí parada na porta. Entre e sente-se.

– Quem está aí, Pads? – perguntou uma voz masculina vinda da cozinha.

Antes que Sirius refletisse sobre a pergunta e pudesse respondê-la, Claire se adiantou a falar:

– Sua futura madrinha de casamento, James! – disse, caminhando em direção ao amigo para abraçá-lo, repetindo a ação com Remus.

O resto do almoço correu tranqüilamente, sendo interrompido ocasionalmente por alguns comentários e queixas de James e Sirius sobre o Ministério.

– ... então o querido ministro disse que o assunto não era de importância significativa e me tirou os dias de folga na semana que vem como repreensão por “incomodar o Ministro por situações casuais”. – queixou-se James. – Sinto muito, Lily, mas você terá que cuidar dos últimos detalhes do casamento sozinha.

– Aquele bode velho não perde por esperar, vocês vão ver. – concluiu Sirius, apoiando o amigo. – Se depender dele o Ministério será em instantes tomado por Você-Sabe-Quem bem debaixo de seu nariz grande, e não haverá nada que possamos fazer. Já está na hora de parar de considerar esse problema como uma “situação casual”, ou então não teremos um mundo decente para os nossos filhos!!

– Falando em filhos... – disse Lily, e por um instante James pensou que o assunto seria dirigido a ele. – Claire, por que não trouxe o Seamus junto?

– Eu estava fora ontem à noite... – Claire começou. – À trabalho, não se preocupe. – acrescentou ao sentir o olhar ciumento de Sirius cair sobre ela. Segurou a mão do namorado e apertou fortemente. – Então deixei ele aos cuidados de uma grande amiga.

– Por que não deixou ele com a gente? – perguntou James, passando o braço pela cintura da noiva e se recuperando do susto anterior. – Você sabe como eu simpatizo com aquele moleque.

– Não quis atrapalhar vocês. – Claire baixou os olhos em seguida, apertando mais ainda a mão de Sirius.

Alguns segundos de silêncio se passaram, pois os outros na cozinha presentes sabiam que, quem quer que fosse o pai daquela criança, havia sido realmente amado por uma Claire então menina. Sabiam o quanto doía naquela garota o fato de, com dezesseis anos, ter sentido o peso de um adulto nas costas e o de uma criança no ventre. E sabiam o quanto ela lutou para seguir em frente, continuar em Hogwarts, e amar a Seamus mais do que amava a si mesma.

– Lily, eu trouxe uma garrafa de hidromel para acompanhar a sobremesa. – disse, instantes depois, Remus, em tom descontraído. Tirou então da maleta magicamente aumentada uma garrafa bonita, e conjurou cinco pequenos copos, que caíram delicadamente sobre a mesa, distribuindo-se entre todos.

– Oh, ótimo. Obrigada Remus. – disse a ruiva, levantando-se num salto. – Acho que temos torta de maçã em algum lugar. James, você poderia colocar pratos na mesa?

– Claro. – respondeu ele, acenando a varinha e fazendo cinco pratos saírem do armário de madeira e flutuarem até a mesa onde estavam sentados. – À final, por que mesmo Wormtail não pode vir?

– Não sei. – Lupin respondeu. – Creio que disse estar muito cansado. Só não sei de que, pois passa o dia todo trancado dentro de casa...

Enquanto isso, Sirius e Claire conversavam baixinho, quase inaudivelmente, enquanto o maroto enxugava as lágrimas que umedeciam a face da namorada.

[...]

– Oh, Bella, eu realmente lhe agradeço muito.

Dois vultos encapuzados conversavam na soleira de uma casa antiga, rodeada de arbustos e muito bem-cuidada.

– Não há de que. Conseguiu realizar a tarefa correta e seguramente?

– Consegui. Só não sei mais por quanto tempo agüentarei esta farsa.

– Continue firme. – disse, encorajadoramente. – Creio que lhe é seguro informar... – olhou para os lados, procurando sinal de espiões. – que o Lorde está muito grato de seus esforços e pretende recompensá-la. Entre e lhe darei mais detalhes.

As duas passaram pela porta e desapareceram.

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