Capítulo Único



Entre cigarros e arrependimentos


Escorei-me no peitoril da sacada, apoiando a cabeça em cima dos braços. Uma mecha de cabelo insistia em cair no meu rosto, obstruindo a visão. Afastei-a rapidamente, mas me arrependi no momento em que o fiz. Se não tivesse a tirado da frente dos olhos, não teria visto algo que odiava tanto. Já passavam das seis horas e o Sol estava se pondo bem em minha frente, colorindo o céu com aquele tom laranja que tanto me irritava. Nunca gostei do pôr-do-sol, com todas aquelas cores misturadas. É tão... Indefinido. É o meio termo entre o dia e a noite, e eu sempre detestei meios termos. O dia é claro, a noite é escura, mas o pôr-do-sol tem aquele tom ridículo que não se decide entre um e outro.

Sirius adorava o pôr-do-sol. Aliás, ele adorava grande parte das coisas que eu detestava. Me arrependo de tê-lo conhecido tão bem a ponto de decorar seus gostos, que contrastam com os meus a cada segundo e sempre fazem com que meu pensamento se dirija a ele. Lembro que costumávamos observar o pôr-do-sol juntos, nem que fosse somente para discutir sobre ele. Sirius sempre dizia que era o último suspiro antes que a noite caísse e que, quando o observava, as noites no Largo Grimmauld ficavam mais suportáveis, ou, como adorava ressaltar, menos insuportáveis. Eu não sei qual era o problema dele com as noites de lá, sendo que passava a maior parte delas no meu quarto – e ele não costumava se queixar disso. Quanto a mim, tinha uma opinião vaga sobre o assunto. Eu simplesmente não gostava do contraste. Sirius sempre teve um modo de ver as coisas diferente do meu.

Lembro-me de um pôr-do-sol em especial, poucos dias antes de rompermos nosso caso, romance, delírio, como você preferir chamar. Discutíamos mais uma vez sobre nossas vidas e o rumo inverso que elas haviam tomado, apesar de sempre termos sabido que isso aconteceria cedo ou tarde. Eu acendi um cigarro, tragando em seguida e prendendo a fumaça por um tempo. Fumar me deixava relaxada, me fazia sentir como se todo meu corpo amolecesse – embora talvez grande parte do crédito disso devesse ser atribuída ao fato de que eu estava nos braços de Sirius. Eu gostava de brincar com a fumaça, vê-la sair da minha boca e se perder no ar, me sentia tão sofisticada fumando, uma verdadeira Black da sociedade. Mas o que eu mais gostava era de falar sem soltar a fumaça, e só depois deixar que ela escapulisse por entre meus lábios vermelhos – me senti uma fumante profissional no dia em que aprendi a fazer isso.

“Já lhe disse para parar de fumar.” – ele disse, segurando meu pulso.

“Você não é ninguém para me dizer o que fazer, Six.” – eu respondi, áspera, como na maioria das vezes.

“Eu não gosto de te ver fumar, faz você parecer ainda mais impura do que já é.”

“E desde quando você gosta de garotas puras?” – debochei, vendo um sorriso malicioso se formar no rosto dele sem que pudesse evitar. Sirius gostava de garotas más e por isso eu não me arrependia de ser uma, mas ele não podia suportar tanta maldade e talvez isso devesse mudar minha opinião sobre o fato.

“Pelo menos não fume enquanto estiver nua na minha cama.” – ele retrucou, tirando o cigarro da minha mão e levando aos próprios lábios em seguida. Sirius fazia qualquer frase absurda parecer casual, e ele nunca corava.

“Mas você pode fumar nu na sua cama, não pode?” – respondi, fechando a cara. “Sempre acha que pode mudar as regras quando elas lhe afetam.”

“Eu não mudo as regras, apenas não as cumpro.”


Sirius era um cretino e eu o odiava. Me arrependia de não conseguir odiá-lo, assim como me arrependia de não ter lhe dado um tapa por ter dito aquilo. Ele achava que não precisava seguir as regras e sempre se daria bem. Quebrou todas as existentes na família Black e depois simplesmente fugiu de casa – e o pior é que eu sabia que ele não se arrependia. Ele nunca se arrependia de nada. Diferente de mim. Bem, quase. Eu me arrependia de tudo ao mesmo tempo em que não me arrependia de nada, então podia-se dizer que eu ficava no meio termo. Mas como eu detesto meios termos, eu preferia me arrepender de tudo. Era mais fácil.

Me lembro do momento de maior e menor arrependimento da minha vida, o que eu menos queria, porém mais devia fazer: o momento em que o deixei. Eu estava em seus braços, e me arrependo de ter percebido que aquele era o melhor lugar do mundo e que jamais encontraria paz em nenhum outro. Sirius deixou uma marca mais profunda em mim do que a própria Marca Negra, e eu me arrependo por ter permitido que ele o fizesse. Me arrependo de todos os beijos, dos sorrisos bobos, dos abraços carinhosos, tão atípicos de minha parte; me arrependo do nosso suor, o suor mais puro do mundo bruxo se misturando, de nossos corpos colados, sedentos um pelo outro, dos nossos olhares cúmplices e gemidos abafados. Lembro que gaguejei ao dizer que era o fim, e me arrependo tanto de ter gaguejado. Bellatrix Black nunca se atrapalha ao falar. Ou deveria dizer Bellatrix Black Lestrange?

Eu sempre gostei mais do primeiro sobrenome. Me arrependo de ter mudado, mas não me arrependo de ter me casado. Rodolphus era um idiota de primeira e achava que eu era um troféu. Ele não se importava que eu fumasse, nua na cama dele ou em qualquer lugar. Rodolphus não tinha os olhos cinzas de Sirius, a pele pálida ou os cabelos negros, quem dirá o corpo. Ele não tinha as palavras doces e ásperas ao mesmo tempo, os beijos desesperados, nem o toque que sempre fazia eu me arrepiar. Rodolphus não tinha nada de Sirius e eu me arrependia de um dia ter feito tal comparação.

Sirius também não tinha nada de Rodolphus. Não tinha a maldade, não tinha o dinheiro – depois de ter fugido de casa –, não tinha os bons modos nem a frieza exagerada. Não tinha o gosto pelas Artes das Trevas nem os princípios errados que eu considerava certos. E, de novo, eu me arrependia de tê-los comparado, porque isso me fez perceber que eu jamais poderia ter me casado com Sirius.

Eu não me arrependo de ter casado com Rodolphus, nem me arrependo de não ter casado com Sirius, mas me arrependo de nunca ter podido me casar com Sirius, porque nunca fui capaz de mudá-lo ou deixar que ele me mudasse. Me arrependo de saber que um deles jamais será o outro, nem me fará feliz do mesmo modo.

Bufei, observando o pôr-do-sol chegar ao fim, dando lugar à noite, que eu apreciava muito mais. Cansada de tantos arrependimentos, acendi um cigarro, mas me arrependi em seguida, porque me fez lembrar que nunca mais eu poderia fumar – ou ser proibida de fumar – nua na cama de Sirius, e fumar nua na cama de Rodolphus não tinha a mínima graça.

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