Capítulo Único



Meu Fracasso



Ela estava deitada na cama do meu apartamento, como sempre, enrolada nos lençóis de seda pretos de que tanto gostava. Bellatrix gostava de tudo que fosse preto, e sempre foi fã de lençóis de seda e do toque gelado que eles proporcionavam quando se deitava neles. Ela gostava de contrastes. Principalmente do contraste de quando nossos corpos quentes entravam em contato com os lençóis de seda gelados. Eu também gostava de vê-la ali, enrolada nos meus lençóis de seda, com a pele branca contrastando enormemente com eles. Bellatrix era minha enquanto estava ali, apesar de toda a vida lá fora. Pensar que havia uma vida lá fora fazia meu peito doer.

Bellatrix sempre me causou dor, de uma forma ou de outra. Ela só me causava dor e era por isso que eu a amava tanto. Ela me causava dor de raiva, quando éramos adolescentes e discutíamos na Mansão Black, ou quando me beijava de surpresa nos corredores e fugia antes que eu pudesse sequer colocar as mãos nela. Me causava dor quando me dava um tapa por qualquer coisa atrevida que eu dizia, quando arranhava minhas costas de prazer, ou mordia meu pescoço por diversão. Mas a dor física que me causava não era nada – esse tipo de dor eu gostava de causar dor tanto quanto ela. Gostava de puxar seus longos cabelos negros para trás e vê-la arquear a cabeça com sua expressão de excitação e incômodo ao mesmo tempo, gostava especialmente de morder seu corpo, e ver uma marca surgir, para que, sempre que visse, ela lembrasse que era a mim que pertencia realmente; gostava de segurar seu braço com força e vê-la me olhar brava. Eu sabia que doía, mas ela nunca dizia. Fazê-la sentir dor física era talvez uma vingança minha por tudo que ela me fazia passar sem precisar sequer encostar em mim. Eu devia ter imaginado que Bellatrix era uma sádica, e que a dor para ela chegava a ser agradável.

Ela me chamou de volta para a cama, e eu sorri. Era quase como se pedisse: “um pouco mais de dor, por favor.” Quando pousei minha mão em sua cintura, reclamou. Disse que estava gelada, e que aquilo parecia o toque gelado de Rodolphus. Doía quando ela me comparava com ele, porque me fazia lembrar que ele a tinha toda noite, tomava café da manhã com ela, saía na rua com ela, fazia o que quisesse com ela porque era seu legítimo dono, coisa que eu jamais seria. Embora adorasse ser seu amante e fazer Lestrange de idiota, às vezes doía. Doía porque ela estava começando a fazer parte de mim de uma maneira que eu jamais deveria ter permitido, porque eu nunca faria parte dela dessa maneira.

Bellatrix era como os lençóis de seda, só que ao contrário. Eles eram gelados ao primeiro toque, mas quando se permanecia em contato, esquentavam. Ela era quente, ardente no início, mas quanto mais eu permanecia com ela, mais fria se tornava, fria por dentro. Eu sabia que jamais ia conseguir fazê-la mudar ou se apaixonar de verdade por mim, e isso doía. Doía porque era a primeira mulher que eu não conseguia conquistar, embora a tivesse sempre, e doía mais ainda porque era a primeira mulher que eu realmente queria conquistar. E esse toque gelado da alma que ela destinava a mim era muito pior que o toque gelado da minha mão que ela comparou com a de Rodolphus. Minha mão esquentou em questão de segundos, e a alma dela jamais esquentou, embora eu tenha tentado fazer isso praticamente a vida toda.

Bellatrix era meu fracasso, e fracassar doía. Era meu fracasso por não conseguir salvá-la, como sempre prometi a mim mesmo, era meu fracasso por ter me envolvido com ela, por ter deixado que me conquistasse. Uma Black, por Merlin! Eu odiava os Black e tudo que eles amavam, mas a mulher que eu amava era uma Black e possivelmente a pior dentre todos. A vida de Bellatrix era causar dor a pessoas inocentes e eu não gostava disso. Eu escolhera estar ali com ela sentindo dor, mas os trouxas e sangues-ruins que ela torturava provavelmente não tinham feito a mesma coisa. Bellatrix era má e isso me dava nojo, me dava nojo porque causava dor. Dor porque sabia que ela jamais se tornaria boa, nem eu me tornaria mal, o que significa que nunca entraríamos em consenso. Nós éramos o contraste perfeito, e talvez por isso ela nunca tenha me deixado. Talvez por isso ela nunca tenha me deixado.

Nossos corpos se uniram mais uma vez, e os lençóis já não estavam mais frios como antes, nem minhas mãos. Era mais uma vez que causávamos dor um ao outro, nós tínhamos necessidade disso. Acho que eu também lhe causava dor, além da dor física, quero dizer. Lhe causava dor porque a fazia trair tudo que ela acreditava nem que por alguns momentos. Eu era o primo fracassado, a ovelha negra – embora talvez branca se encaixasse melhor no meu caso – da família, e mesmo assim ela estava ali, no meu apartamento, deitada na minha cama, beijando os meus lábios e agarrada ao meu corpo. Ela sempre se agarrava a mim, como uma criança assustada que pede para quem lhe protege não ir embora nunca. Mas ela nunca me pediu para não ir embora, nem precisava. Eu, mesmo um grifinório, nunca teria tido a coragem de deixá-la. Bellatrix era meu fracasso, minha dor, meu vício. Quanto a mim, gosto de acreditar que eu era seu refúgio, seu porto seguro durante aquela guerra estúpida. Mas ela nunca confirmou isso. Sussurrou meu nome no final, enquanto agarrava os lençóis de seda, e isso fez com que meus ouvidos doessem, de tanto que eu gostava de escutar. Chegava a ser doentio. Mas afinal, tudo que tínhamos era doentio.

E ela permaneceu ali, agarrada ao meu peito, com a respiração pesada e os olhos fechados, os cabelos, tão pretos quanto os lençóis de seda que ela não mais agarrava, espalhados displicentemente, mas ainda assim de uma maneira impecável. Nossas peles não contrastavam, talvez por isso ela não abrisse os olhos. Mas acho que isso já era um pouco de paranóia da minha parte. Eu a deixaria ficar ali para sempre, agarrada ao meu corpo me causando dor em silêncio, se ela quisesse. Se ela ao menos pedisse! Mas ela não pediu, nem ficou. Ela nunca ficava por muito tempo. Não demorou a levantar da cama, e a falta do toque dela me doeu quase instantaneamente. Eu levantei também, abraçando-a por trás.

“Não vá.” – sussurrei, beijando seu pescoço.

“Ah, Sirius.” – ela disse, desvencilhando-se de mim. “Implorar não lhe cai bem.”

Bufei, escorando-me na parede enquanto observava ela juntar suas coisas e se vestir. Implorar. Quanta audácia. Bellatrix sabia o poder que tinha sobre mim e adorava abusar dele. E o pior era que eu não podia fazer nada além de ficar ali, de braços cruzados, enquanto a via ir embora mais uma vez.

“Certo, vá. Mas eu sei que você preferia ficar.” – falei, abrindo um sorriso debochado.

Ela riu. Aquela gargalhada cínica que a deixava mais tentadora do que já era por si só. – “É você quem prefere desesperadamente que eu fique, Six.”

Eu não respondi. Ela já estava vestida e pronta para ir embora, mas não sem antes se despedir. Ela nunca saía sem me provocar, como que para garantir que eu estaria sempre querendo mais, precisando mais dela. Jogou os braços em volta do meu pescoço e me beijou daquela maneira que só ela sabia, daquela maneira que fazia com que eu me arrepiasse e me sentisse um garotinho inexperiente diante de tanto fervor – mas só por alguns segundos, antes que eu voltasse ao homem que sabia exatamente o que fazer com isso.

“Se eu não te fizesse sofrer, a vida não teria tanta graça.” – ela disse, com um sorriso cínico no rosto, antes de atravessar a porta sem sequer olhar para trás.

Às vezes eu podia jurar que ela usava Legilimência em mim, mas acho que não precisava. Ela sabia que me fazia doer, e no fundo isso me deixava esperançoso que doesse nela também. Tudo que eu consegui fazer foi rir, conformado. No fundo ela estava certa. Se nós não nos fizéssemos sofrer, não seríamos nós. Se ela não fosse embora sempre, talvez as coisas não fossem as mesmas. Talvez parasse de doer, e se parasse de doer, perderia toda a graça. A dor era a nossa prova mais concreta de que causávamos emoção um ao outro, o nosso amor era a nossa dor e vice-versa.

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