Escórpio Malfoy
- Você vai acabar arrancando o olho de alguém, querido – alertava sabiamente a avó de Alvo quando os dois passaram em frente à já visitada loja de artefatos mágicos, onde o garoto adquirira uma balança de latão. - Guarde a varinha para quando aprender a utilizar, em Hogwarts.
Alvo estava ansioso em testar os mais diversos encantamentos e azarações, agora que dispunha de uma varinha, mas escutou a avó e tentou se concentrar num ponto luminoso não muito distante, brilhando acima de dezenas de cabeças muito próximas. Que aglomeração seria aquela em frente à loja do tio Jorge?
- Aposto que é coisa do seu irmão, Al – esclareceu Molly antes que o garoto pensasse na óbvia alternativa.
Ao se aproximarem, Molly confirmou suas expectativas: naturalmente, Tiago e Freddy estavam chamando atenção das pessoas com fogos de artifício coloridos e barulhentos.
Centenas de homenzinhos de poeira e luz dançavam no ar, cantarolando piadas grosseiras e puxando as orelhas dos transeuntes.
- Ei, você sabe o que o duende disse para a trouxa com hemorróidas? – sibilou repentinamente um dos homenzinhos, ao ouvido de Alvo.
- Não faço a menor questão de saber, e nem pense em puxar minhas...
Mas antes que o espertinho artifício de Tiago e Freddy pudesse chegar às orelhas de Alvo, se desfez em fumaça com uma risadinha infeliz. O garoto enfiou a varinha rapidamente no bolso, olhando para os lados a fim de descobrir se alguém vira o ocorrido.
Satisfeito, voltou-se para a avó, que ralhava com os travessos netos, lançando furtivos olhares para o tio Jorge, encolhido na soleira da porta de seu estabelecimento e rindo discretamente
- Já para dentro, e tratem de acabar com essa festinha! Vocês estão cansados de saber que não têm permissão para usar magia fora da escola.
- Vovó, nem precisamos de varinhas para ativar os fogos de artifícios, relaxa – explicou Tiago.
- Só queremos nos divertir, nossas férias estavam muito maçantes – completou Freddy, se divertindo com os rostos curiosos das pessoas.
- Fora da escola não, Freddy – disse o pai do garoto, chegando para botar fim no encantamento dos fogos – Mas o que me diz de uma caixa do kit completo, incluindo esfinges que soltam pum, pra tirar o castelo da rotina quando começarem as aulas, hein?
- Jorge, não se atreva!
- Ah, mamãe, ano passado eles se contentaram com meia dúzia de livros que mordem e nem reclamaram, eles merecem algum crédito.
Os primos estavam extasiados. Correram para a loja, provavelmente apressados para localizar as tais esfinges, enquanto tio Jorge cancelava o efeito dos fogos restantes.
- Ok, pessoal, por hoje é só. Estes estão saindo a um galeão e dois sicles, aproveitem.
Alvo aguardou a aglomeração entrar animada na Gemialidades para segui-los. Estava apinhada de crianças e jovens, que reviravam as numerosas prateleiras atrás de algo que lhes interessasse. Naturalmente, iria assistir às compras dos outros, sentado numa poltrona até que sua avó lhe chamasse para voltarem para a casa.
Ocupou-se em observar uma menininha que provava os odores de uma estante inteira de perfumes da linha Bruxa Maravilha, até se dar conta de que tia Angelina vinha ao seu encontro.
- Como vai, Al, querido? Não vai levar nem um kit Mata-Aula?
- Obrigado, tia, mas não, mesmo. Estou ansioso demais para ter aulas de magia para querer matá-las. Parabéns pelo último jogo da Liga Britânica, antes que eu me esqueça.
A tia Angelina entrara para a seleção do Holyhead Harpies este ano, e Alvo não podia deixar de saber de todas as confraternizações do time, tendo umas das melhores ex-jogadoras do time como mãe.
- Pena você não ter assistido, querido, valeu mesmo a pena desclassificar os Presunçosos da Patonga. O time tem melhorado muito nos últimos anos. Não deixe de agradecer à sua mãe pelo comentário elogioso sobre a minha terceira goleada.
- Direi a ela, quando chegarmos – e Alvo não via a hora de chegar em casa, a loja o entediava – Tia, aquele na foto é o tio Jorge, mais novo?
Alvo apontava para uma tapeçaria na lateral da escada para o depósito, onde um garoto ruivo e alto sorria e acenava para os alunos sorridentes. O sorriso de Angelina desapareceu, e ela fechou os olhos, pensativa.
- Venha comigo, Al – convidou, conduzindo-o para a imagem.
Quando os dois chegaram bem perto, Alvo pôde ver uma inscrição dourada na parte inferior da imagem. Dizia, em letras finas e bem desenhadas:
“Nada é genial sem você, Fred”
- Fred era o irmão gêmeo de Jorge – explicou tia Angelina.
Alvo já ouvira falar da dupla, mas nunca havia visto uma imagem do rapaz morto na Batalha de Hogwarts. Tinha as duas orelhas perfeitas, diferente do irmão, mas o sorriso era o mesmo de sempre. Acenava como se estivesse ali em vida, vibrando com o sucesso da loja, torcendo para o irmão.
Quando os braços de Fred ergueram-se para acenar para Angelina, uma lágrima desceu lentamente pelo rosto da mulher, e ela a secou discretamente.
- Estávamos namorando. Nossa relação estava confusa, eu estava apavorada com tudo... Ele... ele não tinha medo, sempre foi otimista, o seu tio. Eu só soube tempos depois, quando... Ah, meu Deus! Quando Jorge trouxe o corpo nos braços, para o saguão.
- Tia, não precisa continuar, não chore, eu não queria...
- Não tem problema, querido. Fred construiu isso com Jorge, ele sempre será lembrado, seu nome estará nessas paredes sempre.
- Tenho certeza que ele está muito satisfeito com tudo, onde quer que esteja.
Os dois concordaram e Alvo foi remexer em uns frascos de poções, já que a tia subira as escadas para o depósito. Avistou a avó, absorta numa conversa chata com o tio Jorge; e Freddy abrindo caixas de caramelos com Tiago. Poucas pessoas estavam na ala de frascos para devaneios instantâneos: uns dois rapazes altos e bisbilhoteiros e um menor, da idade de Alvo, que lia o rótulo da poção com um risinho de desdém.
Alvo deixou de lado todas aquelas poções para devanear e foi procurar algo que lhe chamasse a atenção, de modo que se deteve numa coleção de figurinhas de bruxos e bruxas famosos, numa estante de outra ala.
Havia coleções prontas das figurinhas, mas, em geral, as mais comuns. A graça das figurinhas estava em adquirir as raras, não comprar uma coleção pronta daquelas que todos possuem. A imagem de Gwenog Jones, histórica artilheira do Harpies, era tão comum que Alvo devia ter centenas dela no quarto. Fora que ninguém trocaria Gwenog Jones por qualquer figurinha minimamente interessante. Até porque todas as minimamente interessantes o garoto já possuía, e não lhe interessava colecionar diversas repetidas. As raras eram muito mais fascinantes, embora muitas vezes representassem bruxos simples e nada populares.
- Ei, você coleciona figurinhas de bruxos e bruxas famosos?
Alvo virou-se para ver quem lhe chamara. Era o menino que remexia nos frascos de devaneios, minutos atrás.
- É, coleciono, sim. Mas estas aqui são péssimas, aposto que já tenho todas do pacote.
- Mas é claro que tem. Estes pacotes prontos são horríveis. Se quer mesmo figurinhas interessantes e raras, eu sei onde conseguir.
Alvo levantou as sobrancelhas, avaliando o garoto. Parecia realmente animado a levar adiante a conversa. Tinha os cabelos louros mais compridos que os seus, e uma postura meio esnobe, diferente.
- Eu não trouxe as minhas para trocar.
- Não importa, vem comigo.
- Mas... É que a minha avó...
O garoto havia largado a manga da camisa de Alvo, que começara a puxar. Então espiou ao redor e voltou-se para o moreno com um ar diferente, como se a animação houvesse desaparecido. Ele se aproximou, deu mais uma espiada discreta, pelo canto dos olhos, e perguntou, em cochichos:
- Você é um Weasley?
- Sou Potter, e você?
- Escórpio. E prazer em conhecê-lo, Potter – respondeu o garoto, aparentando algum alívio pela resposta negativa.
Apertaram as mãos, embora Alvo sentisse um leve desconforto em fazê-lo.
- Mas o que tem os Weasley? – inquiriu.
- Dizem que eles nunca levam nada a sério, vivem de trambiques e transações bem relacionadas. Essas coisas de gentinha, sabe?
- Não, não sei.
- Ah, você não entende dessas coisas. Meu pai convive com gente bem relacionada no ministério. Tem olho clínico pra discernir as famílias realmente notáveis das sortudas.
- É mesmo? No que exatamente trabalha o seu pai?
- Confederação Internacional em Magia – respondeu ele, com pompa – Trata das relações diplomáticas e burocráticas com o resto da Europa, e tudo o mais. Tem Weasley até nesse departamento, mesmo sendo alto escalão no ministério. Hoje esse povo está em toda parte, papai diz que nada que uma boa amizade com Shacklebolt não consiga. Mas e você, hein? O Sr. Potter está ligado a esportes mágicos, não?
- Minha mãe já jogou pelo Harpies, mas meu pai não. Sempre gostou de quadribol mas nunca meteu as caras num time sequer.
- Sua mãe é Gina Potter? Aquela que definiu a vitória estrondosa na Liga de 2011?
- Deve ser – respondeu Alvo, confuso.
- É claro que não torço pra esses timinhos da moda, mas não se pode negar que a performance tem melhorado muito desde...
Alvo começou a se desanimar, então, ao devolver os pacotes da loja à estante, lembrou-se das figurinhas.
- Desculpe, mas não estávamos falando das figurinhas?
Escórpio pareceu não gostar da interrupção, mas largou os frascos que ainda trazia nas mãos e encarou Alvo, desapontado.
- Bom, eu não tenho paciência pra colecionar, mas conheço algumas pessoas.
- Você também vai para Hogwarts esse ano, não?
- Ah, sim. Não sei de muita gente que entra esse ano no castelo, foi bom te conhecer, Potter.
- Já tem alguma preferência na seleção das casas?
Mas o garoto não estava mais ouvindo.
- ESCÓRPIO HYPERION MALFOY! – um grito viera de fora da loja. Um homem alto e muito parecido com Escórpio atacava vigorosamente a vitrine com os punhos cerrados.
- Então nos falamos em Hogwarts, Potter, tenho que ir – e saiu pela porta da frente, muito envergonhado, até encontrar o pai e, juntos, se distanciarem da Gemialidades. O pai ralhava com sua miniatura como se este houvesse praticado um ato vergonhoso.
- Querido, estava te procurando, vamos embora. Já é tarde, temos de voltar pra casa. – Molly havia encontrado o neto, que ainda observava os Malfoy discutindo no Beco Diagonal.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!