Turbulencia: Sequestro aéreo




CAPÍTULO VI



O ultimo dia de estadia não foi muito bem-vindo. Hermione arrumou as malas mantendo uma expres¬são triste no rosto. Mudara os planos para poder ficar com Draco durante todo o período de férias, mas no final da semana ele disse que tinha um trabalho a realizar e não poderiam ficar mais tempo no México.
Olhou-o do outro lado do quarto, enquanto ele arrumava as próprias malas. Imaginou que tipo de periculosidade estaria en¬volvida no trabalho dele. Um soldado, fora o que ele dissera. Será que isso significava que ele estava na reserva? Provavel¬mente, disse a si mesma. Por isso ele não se importara em ir morar em Greenville.
Hermione pensara muito sobre permanecer em sua cidade ou mu¬dar-se para Chicago. Por fim, achou que pouco importaria, embora fosse sentir muita saudade de Gina e seus amigos da livraria. Entretanto, seguiria Draco para qualquer lugar.
Ao pensar no pouco tempo em que haviam ficado juntos, mal conseguiu acreditar que tanta coisa já tivesse acontecido desde o primeiro encontro no avião. Ao ver aquele loiro de tirar o fôlego sentado ao seu lado durante a viagem, nunca poderia ima¬ginar que ele acabaria se tornando seu marido. Entretanto, ainda não sabia quase nada a respeito dele.
Draco pareceu notar seu ar pensativo e levantou a vista para ela, lançando-lhe um sorriso.
— Pronta? — inquiriu, fechando a mala.
— Sim — ela respondeu.
Juntou suas malas às dele, perto da porta. Draco olhou para a menor e sorriu.
— Você e seus livros. Bem, pelo menos agora conhece todas as coisas que são ditas neles, não é?
Hermione limpou a garganta, corando ao lembrar as intensas noites de amor.
— Sou obrigada a admitir que sim, sr. Malfoy.
— Não sente nenhum arrependimento, Hermione?
Ela fez que não.
— Nem se esses fossem os últimos dias da minha vida — disse. — E você?
— Só sinto não tê-la conhecido antes — Draco fitou-a nos olhos. — Estou feliz por havermos nos encontrado. — Olhou o relógio. — Melhor nos apressarmos, senão perderemos o vôo.
Draco fizera as reservas com antecedência para conseguir pol¬tronas unidas. Hermione acomodou-se ao lado dele com o coração acelerado, sentindo-se como uma criança prestes a entrar em um parque de diversões. Draco era tão lindo! E agora era seu. Gina realmente não iria acreditar.
Draco também olhou-a, ainda surpreso por agora ter uma esposa. R.J. e Gabby ficariam chocados, pensou consigo. Apolo, John, Dragon e Zabini nunca mais o deixariam em paz. O holandês?! Casado?!, Diriam eles. Sim, parecia incrível até para ele próprio. Mas muito bom ao mesmo tempo.
Talvez fosse influência de Gabby. Ouvira R.J. falar tão bem dela que mesmo antes de conhecê-la já havia perdido parte de seus preconceitos contra as mulheres. Apenas um pouco.
Gabby entrara em uma selva apinhada de tropas só por causa de R.J. e até arriscara a vida para salvá-lo de uma bala. Olhou novamente para Hermione, estreitando o olhar. Será que ela também faria isso por ele? Possuiria o espírito audaz que ele vislumbrava por baixo de toda aquela timidez? E como reagiria quando sou¬besse a verdade a seu respeito?
Tais questões não o haviam preocupado nos últimos dias, mas agora era diferente. Olhou para a maleta cheia de romances, aco¬modada sob os pés de Hermione. Um sorriso insinuou-se em seus lábios ao imaginar como ela consideraria pura ficção muitas das missões que ele realizava.
Hermione percebeu o olhar que Draco lançara para seus livros e em¬pertigou-se na poltrona.
— Bem, não se pode agradar a todos — resmungou.
Draco arqueou as sobrancelhas.
— O quê? — riu.
— Lançou olhares irônicos para os meus livros — Hermione ob¬servou. — Se pensa que as histórias são tolas, ficaria surpreso se lesse uma delas.
Enfiou a mão na maleta e puxou um livro com uma bela capa, exibindo um homem empunhando uma arma automática ao lado de uma mulher, em meio a uma floresta.
Draco pestanejou. Pegou o livro no mesmo instante e começou a ler a apresentação da história na contracapa. O romance era sobre um casal de fotógrafos de jornal, aprisionados em um país da América Central durante uma revolução.
-— Não é o que você esperava? — Hermione provocou-o.
Draco voltou a olhá-la.
— Não — confessou.
Hermione tirou o livro da mão dele e guardou-o de volta na maleta.
-— A maioria de nós gosta de aventuras com romance, sabe. — Suspirou. — Tanto mulheres quanto homens. Você ficaria espantado se soubesse quantos de meus clientes fantasiam envol¬ver-se em uma revolução em um lugar qualquer.
Draco enrijeceu o maxilar. Fitou-a com olhar frio.
— Hermione, você já viu alguém morrer?
Ela hesitou, espantada com a frieza da voz de Draco.
— Não, claro que não — respondeu, por fim.
— Então não se sinta tão ansiosa para meter seu nariz nos problemas militares de um outro país. Não é nem um pouco agradável.
Tirou um cigarro do bolso, mas notou que o aviso para não fumar continuava aceso enquanto o avião ganhava mais altitude. Então lembrou que escolhera uma poltrona na seção de não-fu¬mantes, por causa de Hermione. Resmungou algo ininteligível.
— Você já passou por isso? — ela quis saber. — Meteu seu nariz em assuntos militares de outro país? — acrescentou quando ele arqueou a sobrancelha.
— Esse assunto não tem nada a ver conosco — Draco declarou, suavizando as palavras com um sorriso.
Ele não fora exatamente rude, mas Hermione virou o rosto para a janela, permanecendo em silêncio. Esforçou-se para afastar o sen¬timento de apreensão de sua mente. Draco era seu marido agora.
Precisaria aprender a não contrariá-lo. Encostou a cabeça na pol¬trona e fechou os olhos, dizendo a si mesma que estava se preo¬cupando à toa. Claro que não havia nenhum segredo obscuro no passado de Draco.
Respirou fundo, imaginando a longa viagem que teriam pela frente. Haviam combinado de parar em Greenville e de lá decidir para onde se mudariam. Draco dissera que queria conhecer o lugar onde ela morava, sua amiga Gina e a livraria. Hermione ficara lisonjeada com o interesse dele.
Ainda com os olhos fechados, ouviu um sobressalto seguido de um grito. Abriu os olhos no momento em que a aeromoça era agarrada por um homem trajando calça marrom e camisa branca. Ele tinha aparência estrangeira e uma sombra de violência no olhar. Segurava uma seringa hipodérmica junto ao pescoço da aeromoça. O outro homem que estivera sentado ao lado dele, levantou com calma e se dirigiu à cabina do avião.
Ouviu-se um grito e o co-piloto apareceu à porta. Ao notar o que estava acontecendo, empalideceu.
— Sim, ele está dizendo a verdade, posso garantir — disse o co-piloto para os outros tripulantes da cabina.
Seguiu-se um barulho de conversação e a voz do capitão soou nos alto-falantes. Draco tornou-se tenso, sem desviar a vista do sujeito que ameaçava a aeromoça.
— Senhoras e senhores, aqui é capitão Hall — disse a voz mantendo um tom calmo. — O avião está sendo desviado para Cuba. Permaneçam calmos, por favor, e façam o que lhe man¬darem. Obrigado.
O homem desarmado saiu da cabina torcendo o bigode. Pegou o interfone e começou a falar:
— Não queremos ferir ninguém. A seringa que meu amigo está segurando no pescoço dessa linda jovem está cheia de ácido.
Seguiram-se murmúrios de espanto, principalmente quando o outro deixou cair uma gata do líquido no tecido da poltrona. O local começou a fumaçar e derreteu, dando uma idéia do que o ácido faria se fosse injetado na aeromoça.
— Portanto — continuou o homem —, é melhor que perma¬neçam calmos pelo bem da moça. Só agiremos com violência se for necessário.
Pendurou o interfone e voltou para a cabina. O homem com a seringa, arrastou a aeromoça consigo, ignorando os passa¬geiros. Pelo visto, imaginava que a ameaça da seringa seria suficiente para impedir qualquer interferência. E parecia que tinha razão. Os outros passageiros limitavam-se a fazer mur¬múrios entre si.
— São profissionais — Draco afirmou. — Devem estar querendo sair do país da maneira mais perigosa.
Hermione olhou-o com apreensão.
— De onde acha que eles são?
— Não tenho a mínima idéia — respondeu Draco.
— Não acredito que tenham coragem de usar essa seringa.
Draco voltou-se para ela, fitando os belos olhos inocentes. Fran¬ziu o cenho levemente.
— Meu Deus, claro que usarão Hermione!
Ela empalideceu. Olhou mais uma vez para o homem que segurava a aeromoça.
— O capitão não pode fazer alguma coisa? — perguntou a Draco.
— Claro. — Draco encostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos, cruzando as mãos sobre o estômago. — Pode fazer exa¬tamente o que disserem a ele, até pousar o avião.
Hermione mordeu o lábio.
— Você não está preocupado?
— Não estão segurando a seringa junto ao meu pescoço.
A indiferença de Draco deixou-a chocada. Hermione temia pela vida da aeromoça. Aflita, abaixou a vista. Por Deus, com que tipo de homem ela se casara?
Draco permaneceu de olhos fechados, ignorando o olhar incré¬dulo que Hermione lhe lançara. Lamentou a necessidade de chocá-la, mas precisava de tempo para pensar e não poderia fazer isso se ela continuasse falando. Agora teria tempo suficiente para elaborar um plano.
Os seqüestradores não fariam nada com a aeromoça se suas exigências fossem atendidas. Todavia, às vezes aconteciam falhas. Se isso ocorresse, precisaria pensar em uma maneira de agir. Havia dois homens, mas um deles estava armado. Claro que não seria possível carregarem armas metálicas; os sensores do aero¬porto teriam detectado. Isso era bom sinal. Talvez tivessem uma ou duas facas plásticas com eles ou uma de bolso, como, a que ele próprio carregava. Uma faca para usos especiais. Tinha um peso bom e era excelente de ser manuseada. Sorriu consigo. Hermione olhou para o marido com uma mistura de mágoa, curio¬sidade e raiva. Deus, ele pegara no sono! Como tivera coragem? Lá estavam eles em meio a um seqüestro aéreo e Draco dormia como um bebê!
Respirou fundo, impaciente. Bem, o que esperava que ele fi¬zesse? Que pulasse da poltrona, como um dos heróis de seus livros, e os livrasse dos terroristas? Pura ilusão!
Suspirou, segurando a bolsa junto de si. Imaginava como a pobre aeromoça deveria estar se sentindo. Era possível notar que ela fazia de tudo para permanecer calma, mas não estava sendo fácil.
Sabendo o que havia naquela seringa e a rapidez com que a substância poderia reagir se fosse injetada... Hermione estremeceu só de pensar. Em sua inocência, nunca acreditara que houvesse pessoas tão mal-intencionadas vivendo no mesmo mundo que ela.
Draco abriu um olho e fechou-o novamente. Hermione lançou-lhe um olhar exasperado, cruzando as mãos trêmulas sobre o colo. O mais alto dos seqüestradores segurava algo suspeito, parecido com uma granada. Quando o avião se aproximou de Cuba, ele começou a andar nervosamente de um lado para outro.
O seqüestrador que segurava a aeromoça forçou-a a sentar na primeira poltrona, bem na frente de Draco e Hermione. Em seguida, sentou ao lado dela, mantendo a seringa em seu pescoço.
Ele estava cansando, pensou Draco. E o outro ficava cada vez mais aflito. Estreitou o olhar. Poderia apostar sua vida que aquela granada era de plástico. Caso contrário, como ele teria conseguido passar pela segurança do aeroporto? Uma das re¬vistas sobre operações secretas exibia propagandas de armas falsas. Eram muito baratas e, a distância, pareciam reais o su¬ficiente para enganar uma pessoa comum. Só que Draco não era um civil.
Esperaria até o avião aterrissar em Cuba. Se ganhassem asilo político, ótimo. Mas se isso não acontecesse, ele agiria. Devia isso à Hermione, sentada a seu lado com uma aparência desiludida. Ela ainda acreditava em heróis, embora só Deus soubesse o que estava pensando dele nesse momento.
Quando o avião pousou em Havana, o mais baixo permaneceu ao lado da aeromoça enquanto o mais alto foi à cabina. Poucos segundos depois, ele abriu a porta de uma vez, praguejando.
— O que foi? O que foi? — gritou o mais baixo.
— Não nos deixarão desembarcar! Não aceitaram o pedido de asilo! — bradou o outro. Olhou em volta, furioso, agitando a granada esquecida na mão, ignorando os gritos e olhares hor¬rorizados dos passageiros.
— O que faremos agora?
— Nos darão combustível, mas, não asilo. O que faremos? Não podemos voltar para o México!
— Cuidado! — avisou o mais baixo. — Iremos para Miami. Então procuraremos asilo com nossos camaradas estrangeiros. Diga a eles que seguiremos para Miami.
Agora sim, a situação estava ficando interessante, pensou Draco, observando o seqüestrador hesitar antes de se dirigir à cabina. Tinha a impressão de que os dois eram habitantes da América Central. Porém, estava claro que não queriam nenhuma ligação com países daquele lugar. Além do mais, aquela conversa de "camaradas estrangeiros" soava muito familiar. Quase todo mundo sabia que havia interesses estrangeiros funcionando na América Central. O mais alto voltou depois de pouco tempo.
— Estamos a caminho de Miami — anunciou.
— Buenol — exclamou o outro, aliviado. — Venha!
Forçou a aeromoça a ficar de pé e a levou consigo, em direção ao comparsa, que continuava à porta da cabina.
— Explicaremos as exigências que o piloto deve dizer às au¬toridades americanas -— declarou o mais baixo.
Draco abriu os olhos.
— Quanto tem de coragem, sra. Malfoy? — perguntou a Hermione, sem virar a cabeça.
Sua voz saiu baixa o suficiente para que só ela pudesse escutar. Hermione tornou-se tensa. O que diabos Draco estaria querendo dizer?
— Não sou covarde — respondeu apenas.
— O que tenho em mente poderia matar você.
Hermione arregalou os olhos.
— Mas e a aeromoça?
Draco olhou para ela. O rosto impassível parecia feito de granito.
— Dependerá de você — disse ele. — Quando nos aproxi¬marmos do aeroporto, quero que distraia o homem da seringa. Apenas chame a atenção dele de alguma maneira. Force-o a mover a seringa apenas por um instante.
— Mas por que nos arriscarmos tanto? — Hermione questionou.
— Porque agora eles estão desesperados — Draco esclareceu. — E não tenho a mínima dúvida de que entre as exigências que eles farão agora, pedirão armas automáticas. E se eles conseguirem isso, perderemos qualquer chance de escapar.
— Mas as autoridades não darão armas a eles!
— Depois que os seqüestradores usarem esse ácido em umas duas pessoas, eles obedecerão, pode ter certeza.
Hermione estremeceu. Draco, ao contrário, parecia muito confiante. Era como se ele soubesse exatamente o que estava fazendo. Hermione fitou-o nos olhos, também acreditando nele. Sim, disse a si mesma, enganara-se a respeito de Draco. Todo o tempo em que ele estivera quieto, não fizera outra coisa senão pensar. Agora sua intuição dizia-lhe para confiar nele.
— Você correrá risco de vida — Draco repetiu, detestando ter que dizer aquilo. Como teria coragem de colocá-la em perigo? Por outro lado, não poderia perder a chance: — É muito arriscado; não vou esconder a verdade.
Hermione suspirou.
— Ninguém sentiria minha falta, exceto, talvez você e Gina — disse a ele.
Draco franziu o cenho. Hermione não dissera aquilo num tom auto ¬compaixão. Tratou-se apenas de uma afirmação, nada mais. Nin¬guém se importaria se ela morresse. De certa forma, ele também se sentia assim. Somente Hermione sentiria sua falta. Ela fitou-o com os belos olhos castanhos.
— Há uma chance de eu conseguir agir sozinho — disse Draco.
— Não tenho medo — ela replicou. — Bem, claro que estou com um pouco de receio, mas farei qualquer coisa que me pedir. — Então Gabby não era única no mundo, pensou Draco, satisfeito. Hermione tinha mesmo garra, como ele suspeitara desde o início. Sorriu para ela:
— Ok, sra. Malfoy. Eis o que quero que faça...

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Hermione repetiu o plano mentalmente várias vezes nos minutos que se seguiram. Seu lábio já estava dolorido de tanto ela apertá-lo entre os dentes. Seria preciso acertar na primeira vez. A pobre aeromoça não teria uma segunda chance. Se falhassem, e ela ainda não tinha idéia de como Draco agiria em tempo, a moça morreria.
A tortura emocional continuou até o capitão anunciar que es¬tavam se aproximando de Miami. Avisou os passageiros para se manterem calmos e permanecerem em seus lugares, depois que o avião pousasse. Parecia tão nervoso quanto Hermione.
Aquela granada de mão era a parte mais aterradora. Hermione per¬guntava-se como Draco conseguiria impedir o seqüestrador de acio¬ná-la.
O avião finalmente pousou, sacudindo um pouco mais que o normal enquanto se dirigia ao terminal. Ao ter a primeira visão de Miami, Hermione pensou com ironia que, de fato, estava tendo oportunidade de conhecer muita coisa existente no mundo.
Assim que o avião parou, Draco tocou seu braço e olhou-a de soslaio. Hermione fechou os olhos numa rápida prece silenciosa.
O homem com a seringa acabara de se dirigir à cabina. A essa altura, a aeromoça já parecia resignada ao horror do ácido. Estava mais pálida que nunca.
— Uhm, señor...? — Hermione disse, levantando um pouco na poltrona. O homem mais baixo sobressaltou-se ao ouvir a voz dela, segurando a aeromoça com mais firmeza.
— O que você quer? — bradou ele.
— Eu... oh, por favor... — Hermione segurou a poltrona da frente, esforçando-se para proferir as palavras. — Preciso ir... ao ba¬nheiro, por favor.
O seqüestrador praguejou. Disse algo em sua língua para o comparsa, que tornou-se furioso.
— Preciso ir! — Hermione implorou de forma convincente.
O mais alto resmungou algo, fazendo o outro rir com sar¬casmo.
— Tudo bem — respondeu o último depois de um minuto que fez Hermione envelhecer uns cinco anos. — Venha, então.
Hermione passou por Draco. Enquanto ela se movia, ele enfiou a mão devagar dentro da jaqueta.
Hermione saiu para o corredor, encaminhando-se com cuidado para o banheiro, do outro lado do homem que segurava a seringa. Só mais dois passos, disse a si mesma.
Com o coração acelerado, manteve os olhos abaixados para o seqüestrador não notar o pânico que havia neles. Mais um passo. "Por favor, não me decepcione", pediu mentalmente a Draco. "Isso é loucura! Só tenho vinte e seis anos, acabei de me casar e não quero morrer!"
Finalmente parou, levando a mão à têmpora.
— Não estou me sentindo bem...
E era quase a verdade. Fingindo um desmaio, deixou-se cair em cima do homem. Foi suficiente. O homem moveu-se para segurá-la, num gesto instintivo, e Draco atirou a faca no mesmo instante.
A seringa foi parar no chão, enquanto o seqüestrador se dobrava no meio. Draco saiu da poltrona em segundos. Entrava em ação novamente. Angola. Rodésia. Era sempre assim.
Ignorando Hermione, que o observava com olhos incrédulos, des¬vencilhou a aeromoça das mãos do seqüestrador e chutou a seringa para longe. Sem se importar com o homem que se contorcia no chão, Draco foi direto à cabina, cuidar do outro seqüestrador.
— Vou explodir tudo isso aqui! — ameaçou o homem, segu¬rando o pino da granada.
— Vá em frente — respondeu Draco, indo em direção a ele. Com movimentos tão rápidos que o piloto nem conseguiu notar, o seqüestrador jogou-se no chão com a granada.
— Ele puxou o pino! — gritou o jovem co-piloto, provocando um pandemônio no avião.
— Pelo amor de Deus — disse Draco, tomando a granada do seqüestrador e recolocando o pino —, está com medo de uma bomba de plástico?
Jogou a imitação barata no colo do piloto. O co-piloto fez menção de se jogar no chão, mas o piloto, um homem na casa dos quarenta anos, apenas sorriu.
— Eu deveria ter percebido por que ele estava tão nervoso. É uma imitação! — exclamou o co-piloto, ainda assustado.
— Guarde-a como lembrança — disse o piloto, jogando a granada no colo do outro. — Como está Lainie?
— Se se refere à aeromoça, ela está bem — Draco respondeu. — Só que o outro seqüestrador não. Acho melhor chamarem um médico.
— Agora mesmo — respondeu o piloto. — Obrigado — sorriu, agradecido.
Draco deu de ombros.
— Puro interesse próprio — disse. — Ele estava atrasando meu café.
— Faço questão de lhe pagar uma xícara quando sairmos daqui — ofereceu o capitão.
Draco sorriu, deixando a cabina.
— Não era uma granada de verdade — esclareceu num tom autoritário que serviu para tranqüilizar os passageiros. — Tudo já terminou. Permaneçam sentados e calmos, por favor.
Sentada no chão, Hermione olhava com horror o homem contor¬cendo-se com a faca no estômago. Levantou a vista para Draco. No momento, pareceu-lhe um completo estranho. Quem era ele, afinal?
Draco lamentou ter que fazê-la presenciar tudo aquilo, mas fora a única maneira que encontrara para agir. Abaixou-se e segurou-a pelos ombros com gentileza, fazendo-a ficar de pé.
— Ele ficará bom — assegurou-a. — Vamos sair daqui.
Os outros tripulantes se aproximaram da aeromoça, abraçan¬do-a e perguntando se ela estava bem. Embora trêmula, a moça respondeu que sim. Em seguida, dirigiu-se a Draco, fitando-o com olhar de gratidão.
— Obrigada. A vocês dois.
— Não foi nada — respondeu ele, indiferente. — Agora que tal abrirem essa porta? Esse homem precisa de um médico.
O co-piloto apareceu com o outro seqüestrador, mantendo as mãos dele para trás, e encaminhou-o para outro compartimento do avião.
— Espere que eu o levarei ao escritório -— o capitão avisou a Draco. — Tenho certeza de que precisaremos dar depoimento à polícia.
— Ok — Draco concordou.
Segurou o braço de Hermione que, ainda trêmula, desceu a escada com ele.
— Ah — Draco dirigiu-se a um comissário de bordo —, poderia pegar os livros da minha esposa na poltrona 713 e levá-los para o escritório?
— Com prazer, senhor — respondeu o rapaz.
Apesar de ainda estar chocada, Hermione registrou o que Draco dis¬sera. Em meio a todo aquele tumulto, ele lembrara de seus livros. Lançou-lhe um olhar confuso.
— Achei melhor avisá-lo, antes que seus livros acabassem se perdendo — Draco explicou. ,
— Sim, imaginei que fosse isso. Desculpe meu estado, mas é que nunca presenciei algo assim.
— Você foi incrível -— Draco elogiou-a. — Só conheço uma outra mulher que manteria a cabeça tão erguida quanto a sua em um momento como esse.
Hermione imaginou quem poderia ser, mas achou melhor não fazer perguntas.
— O que... o que você fez... — hesitou enquanto esperavam o capitão. — Você disse que era um soldado.
Draco voltou-se para ela, segurando-a diante dele enquanto a fitava nos olhos.
— E sou. Mas não do tipo que você imagina. Ganho a vida como soldado profissional. Sou contratado e pago para realizar missões perigosas — declarou e viu uma expressão de horror surgir no rosto de Hermione.
Draco não fazia idéia de que ela fosse ficar tão abalada e de como ele se sentiria quando visse aquela expressão aturdida no rosto inocente. A reação deixou-o surpreso e irritado ao mesmo tempo. Deus, o que ela esperava que ele fosse, um pastor?
— Um mercenário — disse ela, chocada.
— Sim — Draco confirmou.
Hermione não disse mais nada. Não podia. Seus sonhos começavam a desmoronar, causando-lhe uma profunda dor no peito. A notícia era mais devastadora do que as cenas que ela presenciara no avião. Não voltou a falar nem levantou a vista.
Segundos depois, o piloto, co-piloto e a aeromoça que fora mantida como refém juntaram-se a eles e seguiram em direção ao escritório da companhia aérea. Hermione andou um pouco afastada de Draco, sem tocá-lo. Ele percebeu a atitude e sua expressão tor¬nou-se severa quando entraram no edifício.
Foram conduzidos a uma sala, acompanhados por seguranças do aeroporto e três agentes federais. Os depoimentos não demo¬raram muito, mas todos foram avisados de que teriam de com¬parecer ao tribunal. Todavia, Hermione mal percebeu o que estava sendo dito. Ainda tentava lidar com o fato de estar casada com um mercenário profissional. Não sabia o que fazer. Observou-o enquanto ele conversava com os outros homens. Draco não parecia um mercenário. Porém, o ar de autoridade que a surpreendera, toda aquela autoconfiança e a maneira como ele comandava as coisas... sim, agora tudo fazia sentido. Sabia até quando ele se envolvera nisso: depois que aquela mulher o en¬ganara no passado. Esse fora o início de tudo. Agora Draco tinha o estilo de vida de que gostava, e uma esposazinha amorosa para esperá-lo em casa enquanto ele circulava pelo mundo à procura de problemas.
Bebericou o café que haviam servido há pouco. Nada disso, pensou estreitando o olhar. Não estava disposta a se tornar capacho de Draco. Gostava dele, mas um relacionamento era muito mais do que sexo. E se isso era tudo que ele queria dela, poderia ir embora e deixá-la em paz.
Sentiu uma onda de tristeza ao se dar conta do quanto Draco já se tornara parte de sua vida. Ele a envolvera por completo e num tempo muito curto. Bastava olhar para ele e lá vinha uma vontade imensa de abraçá-lo e ser amada por aquele corpo quente e másculo. Sabia muitas coisas íntimas a respeito dele, detalhes que a faziam enrubescer só de lembrar. Porém, nada disso adian¬tava. Não suportaria ficar em casa sozinha enquanto ele estivesse em algum lugar distante arriscando a vida.
Agora entendia por que Draco não queria ter filhos. Que tipo de segurança poderia oferecer com um emprego daqueles? Eles nem veriam o pai! Quanto a ela, como poderia viver com ta¬manha preocupação corroendo seu ser? Todas as vezes que Draco partisse, ela ficaria imaginando se voltaria a vê-lo. A eterna dúvida iria matá-la aos poucos. Não, pensou com tristeza. Me¬lhor guardar uma doce lembrança do que viver um pesadelo. Acabariam se divorciando. Sabia que Draco não abriria mão do tipo de vida que levava. E ela não agüentaria ficar casada sob essas condições. Portanto, não restava opção. Seu sonho ter¬minara rápido demais.
Após os depoimentos, saíram em silêncio do terminal. O ca¬pitão os seguiu junto com o comissário de bordo que pegara a maleta de Hermione.
— E agora, o que está acontecendo? — ela perguntou.
— A companhia aérea nos pagará quartos de hotel — respondeu o capitão com um sorriso gentil. — Amanhã os levaremos para Greenville.
Draco lançou um olhar contrariado por cima do ombro do capitão.
— Parece que a imprensa já está a postos — resmungou.
— Não gosta de estrelato? — o capitão sorriu.
— Nem um pouco — respondeu ele. — Hermione e eu pegaremos o próximo vôo para fora daqui — acrescentou. — Tenho receio de que o serviço internacional de notícias divulgue os fatos de forma distorcida.
— É provável que isso aconteça — anuiu o capitão. — Parece que essa raça de seqüestradores aéreos tem interesses ligados a um certo ditador da América Central, além de contatos com co¬munistas. — Suspirou. — Eles queriam armas depois que ater¬rissássemos — acrescentou olhando para Draco.
— Sim. E eles as conseguiriam — salientou ele.
— Usa aquela faca com freqüência? — inquiriu o capitão, curioso.
Draco assentiu.
— Usei-a muito há alguns anos.
— Importa-se de me dizer a que tipo de trabalho se dedica? — Draco olhou-o um instante em silêncio.
— Acreditaria se eu dissesse que sou um pastor? — brincou.
— Não — o capitão sorriu.
Draco também riu, notando o olhar indignado que Hermione lhe lançou.
— Sou um mercenário profissional. Minha especialidade é lo¬gística, mas também sei lidar com armas e fiz uma boa reputação com aquela faca. Eu mesmo a confeccionei. Quando os cirurgiões a removerem, gostaria de tê-la de volta.
O capitão assentiu.
— Mandarei até banhá-la a ouro, se quiser — brincou. — Você nos livrou de uma situação muito delicada. Se um dia pre¬cisar de ajuda é só me dizer.
— Não é provável que aconteça, mas obrigado mesmo assim — Draco agradeceu.
Acendeu um cigarro enquanto deixava o capitão seguir sozinho para lidar com a imprensa.
— Quer evitar a imprensa por causa do tipo de trabalho que realiza? — Hermione questionou, hesitante.
Ele assustou-a. Apesar de ter lido Cães de Guerra duas vezes e assistido o filme, mal podia acreditar no que acabara de ouvir. Era como se estivesse assistindo um filme. O seqüestro, a maneira como Draco dominara os seqüestradores, a segurança com que lidara com a situação. Não conseguiu desviar os olhos do rosto dele, lembrando a si mesma que estava casada com um mercenário. O que faria agora?
Draco sentiu vontade de praguejar ao ver a tristeza no olhar de Hermione. O destino estava sendo duro com ele.
— Não gosto de publicidade — Draco finalmente respondeu. — Prefiro preservar minha vida particular.
— E onde eu me encaixo nela? — indagou Hermione.
Não era a melhor hora para abordar tal assunto, mas teriam de conversar sobre isso o quanto antes.
— Você é minha esposa — foi a resposta dele.
— Por que se casou comigo, Draco?
Ele tomou-se tenso. Estreitou o olhar, enrijecendo o maxilar. Tragou o cigarro, antes de responder:
— Eu te queria.
Então isso era tudo, pensou Hermione. Não doeu, embora soubesse que isso aconteceria quando ela se visse sozinha. Ainda estava em estado de choque. Arriscara a vida, vira um homem ser es¬faqueado, soubera que o marido era um mercenário...
Draco continuava a olhá-la, tomado por uma emoção que o dei¬xou entontecido. Hermione já fazia parte de seu ser. Como poderia viver sem ela?
— Sim, imaginei que fosse apenas isso — disse ela num tom casual. Fitou o rosto que suas mãos haviam tocado com tanto carinho. — E como esperava que fosse nossa vida de casados? Pensou que eu ficaria em casa enquanto você partiria e chegaria todo ferido ano após ano?
Draco espantou-se, olhando-a atentamente.
— Pensei... que teríamos nossas próprias vidas e pertencería¬mos um ao outro ao mesmo tempo.
Hermione balançou a cabeça.
— Não. Sinto muito. Eu não poderei viver assim, Draco. Acho melhor nos divorciarmos.
Chegava a ser quase cômico, pensou ele. Hermione era sua esposa há menos de uma semana e já pedia o divórcio! Outras mulheres o perseguiam há anos, justamente por seu espírito aventureiro, e agora uma mera vendedora de livros lhe dava o fora!
— Não precisa ficar tão chocado — Hermione disse a ele. — Quero apenas me poupar de maiores sofrimentos, só isso. Não poderei viver com a constante idéia de que você se encontra em perigo. Seria meu fim.
— Pelo amor de Deus, Hermione, não sou nenhum suicida! — Draco replicou.
— Mas também não é super-humano — lembrou ela. — Você tem cicatrizes pelo corpo. Não me dei conta de como as havia adquirido, mas agora sei o motivo. E um dia poderá ser atingido por uma bala. Não quero estar sentada ao lado do telefone, es¬perando receber a notícia. Sou forte, mas não a esse ponto. Me importo muito com você.
Draco ficou surpreso com a repercussão que aquelas últimas palavras causaram em seu ser. Hermione se importava com ele. Claro que sim. Estava estampado em cada atitude e no brilho daqueles olhos castanhos. Notava o olhar de idolatria que ela mantinha no rosto enquanto ele a amava. Fosse empolgação romântica ou ilusão, a verdade era que ele se sentira lisonjeado ao ouvir aquilo. Agora importava o fato de ela querer se divorciar.
— Conversaremos quando chegarmos em Greenville — disse com firmeza.
— Pode falar tudo que quiser — replicou Hermione, afastando-se. — Eu já tomei minha decisão.
— Oh, sua cabeça-dura! — resmungou ele, irritado.
-— Olha só quem está me chamando de cabeça-dura! — re¬trucou ela, voltando a olhá-lo, os cabelos esvoaçando ao vento. — Quem você pensa que é? Algum anjo de candura?
Draco sentiu vontade de esganá-la, mas limitou-se a rir.
-— E não ria de mim! — Hermione protestou. — Foi muito con¬veniente, não? Bastou dizer que eu era bonita e me tornei uma presa fácil para você se divertir entre uma guerra e outra!
— No início foi assim — Draco confessou. Jogou o cigarro no chão, pisando sobre ele. -— Mas agora é diferente.
— Tudo bem, agora sou vista como um compromisso, resultado de um romance de férias que terminou.
Draco balançou a cabeça. Hermione ficava mais bonita a cada dia, pensou, olhando-a com atenção. Ele a chamara de cabeça-dura só por causa da raiva. Um sorriso insinuou-se em seus lábios.
— Nada terminou, minha linda.
— Acabou de dizer que eu era uma cabeça-dura! — Hermione bradou, irritada.
Um comissário de bordo que passava por eles, riu ao ouvir a frase de Hermione.
— Só um pouquinho -— disse Draco com uma piscadela.
Hermione pegou a bolsa e a maleta de livros e começou a andar em direção ao terminal.
— Onde pensa que vai? — perguntou ele.
— Voltar para casa. Tenho uma livraria para administrar.
— Pare.
Hermione obedeceu, mas manteve-se de costas para ele. Draco hesitou. Nunca passara por uma situação assim e não sabia o que fazer. Se a ameaçasse poderia perdê-la. Por outro lado, não poderia deixá-la partir. Hermione tornara-se muito importante em sua vida. Não queria nem pensar na possibilidade de viver sem ela.
— Pense um pouco — pediu, por fim. — Pelo menos durante algumas semanas, até eu voltar.
— Voltar?
Hermione virou-se para olhá-lo, não se importando que Draco visse sua dor. Seus olhos encheram-se de lágrimas.
Deus, como doloroso vê-Ia naquele estado! Draco desviou a vista para o horizonte, enfiando as mãos nos bolsos. Em toda sua vida, nunca vira aquela expressão no rosto de uma mulher. Enfrentara a morte com frieza muitas vezes, mas agora o sim¬ples olhar de uma mulher estava tendo o poder de perturbá-lo profundamente.
Hermione lutava para se controlar. Respirou fundo.
— Não vou mudar de idéia, Draco — declarou, sabendo que seria suicídio permanecer sem ele.
— Mesmo assim entraremos em contato.
— Você que sabe.
Draco procurou os olhos dela.
— Já estou comprometido com essa missão. Não posso voltar atrás.
Em anos, era a primeira vez que ele se explicava para alguém, pensou consigo.
-— Não quero saber seus motivos — Hermione retrucou com firmeza.— Você tem sua vida e eu tenho a minha. Se tivesse contado no inicio, eu não teria me envolvido com você.
— Acho que eu sabia disso — respondeu Draco. Observou cada detalhe do rosto dela, gravando-os na mente.
— Cuide-se.
— Sempre faço isso. Procure se cuidar também.
— Sim.
Hermione deixou que seus olhos o amassem uma última vez. Todo seu ser parecia querer gritar de dor. Ficar sem Draco seria como perder uma parte de si mesma. Olhou para sua aliança de casa¬mento e Draco leu seus pensamentos através do olhar.
— Continue com ela — ele pediu com gentileza. — Gostarei de pensar que está usando algo que me liga a você.
As lágrimas escorreram pelo rosto de Hermione. Saiu correndo com a maleta, sem voltar a olhá-lo. O choro convulsivo nem a deixava perceber direito para onde estava indo.
Draco permaneceu no mesmo lugar, sozinho, até Hermione desapa¬recer de vista.


~*~

Depois de muito tempo sem att aki estou eu de volta com mais um cap!

Espero que vcs comentem bastante, viu?

logo fic esfumaçado

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