A Solteirona



CAPÍTULO I

A poltrona era muito baixa para ele. Draco mal teria espaço para sentar, mesmo se sua colega de via¬gem não estivesse carregando toda aquela parafernália. Olhou-a de soslaio. Ela empertigou-se, abaixando a vista en¬quanto tentava ajeitar a bolsa do outro lado da poltrona e o cinto de segurança.
Ele suspirou, observando-a. "Uma solteirona", pensou consigo. Cabelos castanhos ligeiramente encaracolados, óculos que co¬briam boa parte do rosto, suéter branco, saia longa, cinza, sapatos no mesmo tom... Definitivamente, uma mulher sem atrativos.
Draco voltou a prestar atenção no corredor estreito. "Malditos vôos de última hora!", praguejou consigo. Se não tivesse perdido o vôo que reservara, a essa altura não estaria espremido nessa lata de sardinha. E com uma "sargenta" do lado!
Detestava mulheres. Ainda mais agora, que seria obrigado a agüentar a companhia dessa desde San Antonio até Veracruz, no México. Olhou-a mais uma vez, irritado. Agora ela arrumava uma pilha de livros. Deus, será que não sabia para que servia a licença de bagagem?
— Deveria ter reservado uma poltrona para eles — ironizou, indicando a pilha de romances.
Ela engoliu seco, um pouco intimidada ao observar o porte atlético do colega de viagem. Cabelos loiros, olhos cinzas... Era muito bonito, mas mantinha uma expressão severa. Também tinha mãos atraentes. Notou algumas cicatrizes no dorso de uma delas.
— Desculpe — respondeu, evitando encará-lo. — É que acabei de vir de uma sessão de autógrafos, em San Antonio. Essas são cópias autografadas de romances. Vou levá-las para amigos, de¬pois de meu período de férias no México. Fiquei com medo de deixá-los junto com o restante da bagagem.
— Jóias preciosas? — Draco ironizou novamente, lançando um olhar significativo para os volumes.
— Para algumas pessoas, sim — respondeu ela, guardando-os debaixo da poltrona.
Não voltou a encará-lo. Vez por outra, lançava olhares intran¬qüilos para a janela, enquanto o avião se preparava para a deco¬lagem e a tripulação iniciava mais uma tediosa demonstração de como utilizar o equipamento de segurança em caso de emergência.
Draco suspirou com impaciência, cruzando os braços diante do peito. Encostou a cabeça na poltrona, observando a aeromoça com olhar vago. Ela era linda, mas não o interessava. Há anos não se envolvia com nenhuma mulher, exceto para satisfazer desejos temporários.
Sorriu consigo, arriscando um olhar para a "sargenta" a seu lado. Imaginou se ela saberia alguma coisa sobre esses desejos temporários. Provavelmente não. Parecia tão casta quanto uma freira, com aqueles gestos e olhares nervosos. Tinha mãos bonitas, observou mordendo o lábio. Dedos longos, unhas curtas, mas bem-feitas... Mãos de uma dama.
Irritou-se por estar se prendendo a esses detalhes e fitou-a com outro olhar severo.
O gesto chamou a atenção dela. Ela tinha noção de que estava sendo tolerada à força, mas não gostou nem um pouco daquele ar de superioridade. Um brilho estranho surgiu nos olhos do es¬tranho antes que ele voltasse a observar a aeromoça.
Ela não era totalmente fria, Draco concluiu. Talvez fosse biblio¬tecária. Sim, isso explicaria aquele fascínio por livros. Romances. Quem sabe ela não estivesse à procura de um?
De súbito, ouviu um leve murmúrio a seu lado. Seus ouvidos sensíveis captaram algumas palavras:
— Ave Maria, cheia de graça...
Não era possível! Draco voltou-se para ela com olhos arregalados. Seria mesmo uma freira?
Ela percebeu que estava sendo observada e mordeu o lábio, constrangida.
— Força do hábito — justificou-se. — Minha melhor amiga era católica. Ensinou-me a rezar e sempre fazíamos isso juntas quando viajávamos de avião. Para ser sincera — aproximou-se mais dele, abaixando o tom de voz —, não acredito que haja alguém infalível naquela cabina, pilotando essa coisa.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— É mesmo?
— Já viu alguém lá? — indicou a cabina com a cabeça. — A porta está sempre fechada. Se não houvesse nada para esconder, por que manteriam a porta trancada?
Draco não conteve o riso.
— Quem sabe estão testando algum piloto-robô? — sugeriu.
— Não duvido — ela anuiu. — Substituíram o piloto por uma máquina e não querem que saibamos.
O sorriso mudou a expressão do rosto dela. Com a maquiagem certa e um novo corte de cabelo, até que ela não ficaria nada mal.
— Anda lendo muito disso — ele apontou os romances.
— Talvez — ela admitiu com um suspiro. — Mas acho que precisamos de um pouco de sonho de vez em quando. Para ame¬nizar a realidade.
— Prefiro a realidade — replicou ele. — Não há ilusões para estragá-la.
— Prefiro ter minhas ilusões.
Eric olhou-a com atenção. Lábios bem-feitos, nariz levemente arrebitado, olhos castanhos... Um sorriso insinuou-se em seus lábios.
— É uma baixinha estranha, sabia?
— Não sou baixinha — ela contestou. — Tenho um metro e sessenta e oito.
Draco deu de ombros.
— Tenho mais de um metro e oitenta. Para mim você é bai¬xinha.
-— Não vou discutir sobre isso — respondeu ela com um sorriso tímido.
Ele também riu.
— Qual é seu nome?
-— Hermione. Hermione Granger. Costumam me chamar de Mione. Tenho uma livraria em Greenville, Carolina do Sul.
— Algumas pessoas me chamam de holandês, mas meu nome é Draco Malfoy.
— Você é holandês? Ele assentiu.
— Meus pais também eram — acrescentou.
— Deve ser bom ter pais — Mione comentou num tom nostálgico. — Eu era muito pequena quando perdi os meus. Não tenho nem sequer um primo.
Draco tornou-se sério, desviando o olhar.
— Espero que sirvam almoço nesse vôo — ele mudou de assunto de repente. — Não como direito desde a noite passada.
— Então deve estar faminto! — exclamou Dani. Começou a procurar algo na bolsa enquanto o avião se encaminhava para a pista. — Tenho um pedaço de bolo em algum lugar aqui... Guar¬dei-o durante a festa dos autógrafos porque não tive tempo de comê-lo. Gostaria de experimentá-lo? — ofereceu, mostrando o pedaço de bolo de coco.
Ele sorriu.
— Não, prefiro esperar. Mas obrigado mesmo assim.
Mione deu de ombros.
— Acho que também não quero. Estou tentando perder peso.
Eric olhou-a de alto a baixo. Mione não chegava a ser gorda, tinha curvas ligeiramente acentuadas. Quase disse isso a ela, porém, lembrou de como mulheres eram criaturas sensíveis e achou melhor continuar calado. Tinha seus próprios problemas, não precisava se preocupar com os de uma solteirona. Encostou a cabeça novamente e fechou os olhos.
O vôo foi tranqüilo, mas se Draco esperava se livrar da colega de poltrona em Veracruz, logo teve motivo para se desapontar. Assim que o avião pousou, ela saiu para o corredor, tentando levar toda a bagagem de uma só vez. Foi então que o pacote que continha os preciosos livros rasgou-se em vários pedaços.
Draco esforçou-se para não rir da expressão de desespero que surgiu no rosto dela. Ajudou-a a pegar os volumes e depositá-los na poltrona onde ela estivera sentada.
— Oh, meu Deus... — Mione gemeu como se o destino estivesse sendo cruel demais com ela.
-— A maioria das pessoas acostumadas a viajar carregam uma sacola extra na bagagem — Draco salientou.
Mione fitou-o com ar desesperançado. Diante dos grandes amendoados, por um momento, Draco esqueceu o que estava dizendo. Hermione era mesmo uma mulher diferente. Ele só não sabia ao certo em qual aspecto. Poderia quase jurar que ela nunca usara, ou precisara usar, cremes de beleza.
— Sacola extra? — Mione repetiu. — Sacola extra! — sorriu. — Sim, claro.
— E onde está?
Ela apontou o compartimento acima das poltronas.
— Vamos esperar os outros passageiros saírem — Draco sugeriu. — Também preciso pegar minha bagagem.
Mione passou a mão pelos cabelos, impaciente.
— Sempre fui tão organizada em casa — resmungou consigo. — Nem um palito fora do lugar. Porém, é só sair dos limites de Greenville e não consigo nem respirar sem ajuda!
Draco não pôde deixar de rir.
— Isso acontece com muitas pessoas quando saem de casa — comentou. — Onde ficará hospedada?
— Hospedada... oh, o hotel? Ficarei no Mirador. - "Destino", pensou Draco com um sorriso.
— É o mesmo hotel onde fiz reserva — asseverou.
O brilho de satisfação que surgiu nos olhos dela deixou-o em¬baraçado. Distinguiu Um misto de confiança cega e esperançosa expectativa.
— Conhece o hotel? Quer dizer, já esteve lá alguma vez? — indagou Mione.
— Muitas vezes — Draco admitiu. — Venho aqui uma ou duas vezes por ano, quando preciso descansar. — Olhou em volta. —Vamos.
Draco pegou sua maleta e ajudou-a a tirar a sacola extra de dentro da mala dela. Não deixou de lançar um olhar curioso para as camisolas e lingeries que ela carregava na bagagem. Mione enrubesceu ao se dar conta da situação, mas Draco logo desviou a atenção para os livros, ocupando-se em arrumá-los na sacola.
Minutos depois, Mione seguiu-o para fora do avião exibindo um sorriso de gratidão. Sentira vontade de beijá-lo por ele não haver rido dela. Muito pelo contrário, ele se oferecera para aju¬dá-la! Imagine só, um homem como aquele fazendo algo por ela!
— Desculpe pelo aborrecimento que lhe causei — desculpou-se, quase correndo para acompanhar os passos dele, enquanto se dirigiam à área de desembarque.
Procurando o passaporte dentro da bolsa, não se deu conta do sorriso indulgente que amenizou a expressão de Draco por um instante.
— Não foi nenhum aborrecimento — assegurou-a. — Encon¬trou seu passaporte?
Mione suspirou, mostrando o documento.
— Graças a Deus fiz pelo menos uma coisa certa — respondeu. — Nunca usei isso antes.
— É a primeira vez que sai dos Estados Unidos? — inquiriu Draco enquanto esperavam na fila.
— Sim. Acabei de completar vinte e seis anos. Pensei em realizar algo excitante, antes que eu passe da idade de me aventurar. Draco franziu o cenho.
— Mas vinte e seis anos não é muita idade!
— É verdade — Mione anuiu. — Porém, também não sou mais nenhuma jovenzinha.
Não olhou para ele. Seu olhar permaneceu quieto e triste, re¬cordando os longos anos de solidão.
— Existe algum homem na sua vida? — Draco perguntou sem saber ao certo o motivo.
Mione riu com um cinismo que chegou a espantá-lo. Os olhos que o fitaram pareceram os de uma pessoa bem mais velha.
— Não tenho ilusões a meu respeito — disse ela, seguindo em frente com sua grande bolsa.
Draco olhou para as costas dela com emoções conflitantes na mente. Que importância tinha se ela era ou não sozinha? Balançou a cabeça e olhou em volta, despeitando para a realidade. Não era assunto de sua conta.
Pouco depois, Mione foi liberada. Quase esperou por Draco, mas convenceu-se de que já havia causado problemas demais para ele. A agência de turismo providenciara transporte até o hotel, mas um táxi pareceu-lhe bem mais confortável.
— Hotel Mirador, por favor — disse ao motorista, depois de se instalar.
O homem sorriu com simpatia, conduzindo o veículo para a movimentada avenida que saía do aeroporto.
Tomada pela sensação de novas experiências, Mione olhava a paisagem com interesse, como se fosse possível captar tudo de uma só vez. A Baía de Campeche era linda e muito azul, margeada por hotéis cercados de palmeiras e areia branca. Veracruz fora fundada por volta do ano 1500 e ainda mantinha muitos detalhes arquitetônicos antigos.
Hermione teria adorado parar no meio do trajeto para observar me¬lhor a paisagem, mas já estava se sentindo desconfortável com o calor intenso. Primeiro precisaria deixar o corpo se acostumar à temperatura local.
O motorista conduziu o táxi até um dos hotéis da baía. A construção branca, de três andares, exibia arcos ornamentais e uma grande quantidade de flores ao redor. O trajeto durara poucos minutos, mas o preço do táxi revelou-se um pouco alto. Vinte dólares por uns três quilômetros! Bem, talvez as coisas fossem mesmo caras na baía, pensou Hermione enquanto pagava.
Ao chegar à mesa de recepção, deu seu nome e conteve a respiração enquanto esperava a confirmação da reserva. Por fim, ela aconteceu. Ainda bem que tudo dera certo até agora.
O quarto era agradável, embora tivesse vista para a cidade, e não para a linda baía. Também não esperava muito depois do preço promocional que pagara pelo pacote turístico.
Tirou o suéter, impressionada como ele parecera tão confortável nos Estados Unidos, onde era início de primavera. Fazia muito calor, mesmo com o ar condicionado ligado.
Foi até a janela olhar a cidade. México. Um sonho que se tornara real. Economizara durante dois anos para realizar essa viagem. Ainda assim, ela só fora possível nessa época, seu período mais movimentado em Greenville. Felizmente deixara sua amiga Gina Weasley cuidando da livraria durante sua ausência.
— Vá, Mione — dissera ela. — Precisa viver um pouco.
Hermione olhou-se ao espelho. Viver um pouco? Quem dera! Uma pena ela não se parecer nem um pouco com aquela estonteante aeromoça. Talvez assim o loiro atraente prestasse mais atenção nela, ou então dispensaria algo mais compensador do que aquele mero ar de piedade que vira nos olhos dele.
Afastou-se do espelho e começou a desfazer as malas. Era pura ilusão pensar que ele a ajudara por algum outro motivo além de boa educação.
Com um suspiro, começou a pendurar as roupas nos cabides.

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