II



O vento uivava lá fora e revirava a flora desprotegida, ao contrário os quatro amigos, sentados em puffs confortáveis, cada qual com a cor da sua respectiva casa, distribuídos ao redor de uma mesa baixa de vidro preto. O chão era revestido de madeira escura, magicamente aquecida, assim como a ilusória chama da lareira, ao lado de um armário recheado de coisas aparentemente inúteis. A Sala Precisa, comprada pelos quatro à diretora, estava bastante acolhedora, pois assim desejara Mandy, como agora a chamavam. Estavam os três entretidos com a lição sobre o uso de celulares enfeitiçados, adaptados aos ares de Hogwarts por Junklyn Fatward, tia de Mandy, perita em dar um jeito em tudo.

- E podemnos falar por mensagens com mais que uma pessoa ao mesmo tempo? – indagou Lucy.

- É uma boa idéia, vou sugerir à minha tia Jinx que inclua uma opção de conferência – respondeu Mandy.

- Vocês não têm jogo hoje, Lucy? – Kimberly perguntou.

- Ah é! – Lembrou Daniel – Já tamo atrsado! – Desesperou, largando o telefone e correndo para a porta, sendo seguido por Lucy.

- Cuidado! – Berrou Mandy, ambos os telefones se espatifaram e desmontaram no chão, algumas partes escapulindo-se para debaixo da mesinha.

Lucy ainda voltou atrás, mas as outras duas insistiram que fosse, e ficaram recolhendo os pedaços distribuídos por um largo perímetro

- Que estresse... – reclamou Kimberly.

- Deixa, é bom pra concentração. Eu acho que a Lucy pega.

- A Lucy? Que nada! Ela é apanhadora desde o primeiro ano e o único apanhador que é mais rápido que ela é o Daniel.

- Mas eu digo que ela ganha – insistiu a outra.

- Ah é, é? Porque?

- Porque eu digo que sim, sei lá. Num sei, tô com essa impressão.

- Em quatro anos ela nunca venceu ele.

- Em quatro anos eu não estava aqui – replicou, ligando os aparelhos novamente montados.

- Vai apelar, é?

- Não preciso...

- Cê é pouco metida... Vai enfeitiçar a vassoura dele só pra não perder a aposta.

- Que nada – concluiu – eu num preciso disso.

- Sua desastrada! – Comentou Daniel enquanto corriam, por Lucy ter tropeçado e causado tamanha confusão, ao que esta não pôde se defender, pois seus caminhos se separaram.

Os dois amigos, ambos apanhadores como Kimberly e Mandy, irromperam cada qual seu vestiário onde as equipas já estavam prontas para entrar. Nem perderam tempo com explicações pois a voz de Sam Jordam já ecoava, dando a entrada às equipas.

Por fim as vassouras corvinais invadiram o campo, seguidas das grifinórias, à excepção da de Lucy.

- E AQUI ESTÁ A FORTE EQUIPA DA GRIFINÓRIA QUE COME... MAS ESPEREM UM POUCO! FALTA ALGUÉM! PARECE QUE A APANHADORA, LUCY POTTER, ESTÁ COM ALGUNS PROBLEMINHAS EM APARECER... E AQUI ESTÁ ELA!!! – informava Jordan, com a complexa pirueta que Lucy desenhou para sua entrada, a fim de reparar o atraso. A emenda foi bem recebida pelo público, ao que Lucy sorriu bastante satisfeita, mas que Daniel não resistiu a intervir com pejúrio:

- Tinha de dançar um pouquinho antes de começar o jogo pra dar sorte, né perna de gambito? – Escarneou, passando a uma grande velocidade pela amiga, e batendo-lhe ao de leve na cabeça.

- O quê?! Ora seu!... – Gritou Lucy irritada, partindo em direção a Daniel.

- E O JOGO COMEÇOU!!! É... É BOM QUE OS APANHADORES PAREM DE NAMORAR AGORA E SE CONCENTREM NO JOGO... – brincou Jordan, seguindo com o relatório habitual da partida.

- ELE NÃO É MEU NAMORADO!!! – Berrou Lucy, seguindo Daniel através das bancadas, por pouco não acertando em alguns alunos.

Lucy estava prestes a alcançá-lo quando Francis Kapferrat, o capitão da equipa grifinória a puxou pelo braço, falando grosso entre dentes:

- Pára de perseguir o Knight, você tem que pegar o pomo de ouro, não ele!
E antes que ela pudesse se defender, Francis largou-a fuzilando-a com o olhar. Intimidada, Lucy decidiu cuidar do outro mais tarde, agora concentraria-se no pomo de ouro.

Seguindo o ritual que sempre lhe conferira bons resultados, Lucy ergueu-se e pairou uns poucos metros por cima da própria baliza central, e forçou a vista, em busca do seu alvo pelo campo e arredores. Era inútil. Sua visão continuava piorando, mas, por um lado por falta de credibilidade em óculos, por outro pela teimosia de permanecer como sempre fora: com a cana do nariz livre de qualquer peso metálico ou similar, pelo que insistia com veemência em não usar óculos. Desistindo, voltou sua atenção a Daniel, na esperança de que ele já tivesse encontrado o prémio, e que seus olhos lhe indicassem o que os próprios não alcançavam sozinhos.

Daniel já havia avistado um pequeno ponto dourado, mas sem delongas percebeu que se tratava de um lembrol exótico na mão de uma aluna corvinal. Procurou Lucy e assim que lhe pousou os olhos em cima, deu conta do que se passava com a amiga oponente, e mais que isso, vislumbrou o pomo de ouro cerca de meio metro acima de sua cabeça, num ângulo morto. Sua competitividade e vontade de passar a perna na querida amiga falaram tão alto que sua reação foi quase instantânea e irreflectida: fingiu interessar-se pelo lembrol, arrancou a vassoura na sua direção, lançando Lucy para a armadilha.

Os olhos de Lucy brilharam com o lembrol, por si próprios e pela luz que o mesmo reflectia. Lançada como uma flecha, nem se apercebeu que Daniel havia dado uma volta extremamente apertada seguindo para o local de onde ela partira. A rasos metros da outra aluna Lucy se apercebeu da trama em que caíra, e a custo desviou a vassoura, mas a alta velocidade a que se encontrava a impossibilitou de se escapar da bancada.

A confusão instalada ganhou a atenção de Daniel, agora demasiado divertido com a situação de Lucy para se preocupar com o jogo. Era demais: a amiga encontrava-se bem, mas embrenhada num monte com algumas aluninhas da Corvinal, que se se queixassem (o óbvio), dariam contributo para a diminuição dos pontos ralos que os grifinórios haviam conseguido juntar. Hilariante, simplesmente, do seu ponto de vista, ver o rosto da amiga condizendo com suas vestes rubras.

Totalmente a leste dos apanhadores, o jogo continuava, empatado. Até que, enraivecido pela inércia de Daniel, o capitão corvinal George desviou um balaço em sua direção, ordenando, contudo, que este saísse da sua trajectória.

- Qual é Lion? Pirou?!

- Qual é a sua pergunto eu! – Bradou o outro, indignado – quer parar de prestar atenção na sua “potrinha” e pegar o diacho do pomo?!

- Ah não enche, e não chama a Potter disso!

- Cala a boca e pega a porra ou eu te arrebento no balneário!!

- Cala a boca você, vai comer a Lianorya e num torra!! – Finalizou Daniel, e ao se aperceber que o seu alvo se encontrava no canto extremo oposto do campo de Lucy, agora recuperada do percauso e novamente dentro de jogo.

Virou a vassoura e para lá foi, seguido por Lucy que bradava atrás de si.
Concentrou seu corpo e sua mente para tranferir da própria energia vital à vassoura, segredo que apenas ele descobrira, e razão pela qual ganhava a copa todos estes anos. Estava prestes a alcançar sua velocidade inimitável, Lucy precisamente ao seu lado com o pomo de ouro a uma pequena distância de suas mãos quando uma arrebatadora força flagelou-lhe as costas. O que quer ou quem quer que fosse, o empurrava para o chão sem velocidade, apenas com a força do peso de ambos. Mas a técnica de Daniel já dera resultados, a sua vassoura já recebera da sua energia e acrescia a velocidade de forma assustadora. Como não a controlava mais, Daniel dispensou mais e mais energia à vassoura, enfraquecendo até perder a consciência um metro antes de atingir o solo e de Lucy pegar o pomo de ouro.

Feliz pela primeira vitória sobre o amigo, Lucy procurou-o, encontrando-o no último lugar que esperava: no chão. Com a vassoura despedaçada por baixo das costas, e com George Lion inerte por cima da sua barriga, Daniel jazia inconsciente por baixo de si. Atordoada, largou o pomo de ouro e mergulhou a fim de acorrer o amigo, ignorando a voz de Sam Jordam que com pesar anunciava a vitória leonina e a queda do apanhador corvinal.

Com que forças, impossível dizer, mas Lucy rapidamente tirou o capitão adversário de cima do outro, e ajoelhando-se a seu lado depois de o rodar sobre si próprio, segurou sua cabeça com ambas as mãos, procurando sinais de vida e limpando-lhe o sangue da boca. Satisfeita com a sua respiração, percorreu seu corpo com os olhos em busca de fracturas, acabando por encontrar manchas rochas deveras assustadoras nos braços. Mas a roupa cobria-lhe todo o restante do corpo, e com a preocupação acima de tudo, começou a percorrer suas mãos pelo tronco, dstinguindo irregularidades que a amedrontaram, assim como algo que deveria ser uma grande quantidade de sangue entre as coxas. Prosseguiu para as pernas mas não teve tempo de terminar, pois uma aluna a abraçou por trás com gentileza mas rapidez, enquanto outras duas lançaram o mesmo feitiço em Daniel, a fim de o elevar do chão com cautela.

Os cabelos negros de quem a abraçava confundiam-se com os seus e entorpeciam-lhe a visão, pelo que tentou livrar-se de seus braços, que não ofereceram resistência. Entendeu então que se tratava de Kimberly, que insistia em manter os braços prendendo os seus, a fim de que parassem de tremer.

- Calma, garota, num foi o seu nariz que se espatifou no chão!

Recuperando a lucidez, libertou os braços respondendo:

- É, eu tou bem, cadê o Daniel?! Ele...

- Relaxa, ele vai ficar bem, ele já foi levado pra enfermaria.

- Então vamo lá com ele!

- A gente vai, tem calma. Mas só daqui a pouco. Credo, porque tá tão preocupada?

Lucy abriu a boca para enunciar que seu maior medo era o sangue perdido do amigo, mas pelo receio de ter de dar explicações sobre o que suas mãos ali faziam, voltou a fachá-la.

- Viu? Eu disse que ela ia ganhar – comentou Mandy descontraída, aproximando-se das amigas para trá-las do campo.

-O quê?- Perguntou Lucy confusa.

- Vam’ bora do campo que o jogo já acabou – a outra se limitou a dizer, puxando-as para o balneário grifinório.

- Credo, sua previsão me deixou assustada; nunca preveja nada sobre mim – respondeu Kimberly.

- Que previsão? Que história é essa? – Insistiu Lucy abrindo a porta e saindo do campo.

- A Mandy, antes do jogo começar, falou que você ia ganhar, eu até disse que o Daniel sempre ganha todas as partidas de quadribol mas ela insistiu e acertou.

- Como pôde ter tanta certeza do que ia acontecer se nunca nos tinha visto jogar?

- Sei lá, intuição. – Respondeu Mandy com um discreto sorriso de satisfação, se encostando numa parede próxima de onde Lucy tinha suas coisas – eu às vezes faço isso, não é de propósito. E sou teimosa também, se a Kim falou que você nunca tinha vencido do Daniel, então isso só me deu ainda mais vontade de te ver ganhar.

- Cruz credo! Nunca mais faça previsões que me envolvam, quem sabe se da próxima sobra pra mim! – Disse Lucy, entrando no chuveiro

- Quem anda fazendo previsões? – Indagou uma voz masculina por detrás de Madison e Kimberly.

- Eu. E quem é você?

- Ele é o Josh, e eu sou a namorada, Katie Patil – apresentou a garota que surgia com Josh, entusiasmada com a palavra “previsões”.

- Você ainda não casou com ele, porque usa o sobrenome do Josh? – Interveio Kimberly.

- É só uma questão de tempo e formalidades por causa da nossa idade – a outra explicou. – Esse é o nosso último ano em Hogwarts, e quando acabarmos os estudos, adeus Kate Brown! – Vibrou no fim, ao que o namorado simplesmente sorria a Mandy, com uma expressão que dizia claramente “ela se diverte... Deixa”.

- Cuidado, assim vou me sentir convidada para o casamento – gracejou Mandy.

- Sem estresse, vamos convidar Hogwarts inteira – suspirou Kate com ar sonhador e inocente.

- Mas você disse que é boa em previsões? – Insistiu Josh, quando a namorada finalmente cessou os lábios.

- Bom, eu quase sempre acerto mas... Não sei se é muito boa idéia dizer que são previsões... São, quando muito, chutes; e eu sou bastante sortuda.

- O que você previu?

- Que eu ia ganhar do Knight – respondeu Lucy se preparando para sair.
As expressões dos namorados se arregalaram.

- Não acredito – balbuciou Kate.

- Nossa gente, não foi assim tanto, foi só um chute sortudo, nada de mais – Mandy desdramatizou. – Como a Lucy disse, eu nunca os tinha visto jogar, foi um palpite.

- Mesmo assim... Que palpite. Ninguém na sua sanidade perfeita apostaria na Lucy contra o Knight – continuou Kate.

- Ei! Que exagero – Lucy replicou, saindo do cubículo pouco vestida, o mínimo para se apresentar em frente ao garoto.

- Não quis dizer por mal, Lucy, mas é verdade.

- Mas eu não ganhei dele com muita justiça, ele é que não conseguiu chegar no pomo por causa do capitão doido dele, se não tivesse sido isso, ele teria ganho como sempre, ele é demasiado rápido; não é à toa que é chamado de bruxo mais veloz do continente. Como querem que eu bata isso?

- Bater nele, você bate – retrucou Kimberly, suavisando a cólera da amiga que se limitou a encolher os ombros em comformidade.

- Bom, mas porque o interesse na minha previsão afinal? Vocês são uma espécie de gurus adivinhatórios de Hogwarts? – Escarneeou Mandy.

- Guru? – Repetiu Kate, levemente encabulada com a condecoração.

- Diacho de palavra que você foi achar – revidou Josh. – Não somos gurus, apenas nos interessamos bastante pela área da adivinhação.

- Resumindo e concluindo, sim, eles são os gurus adivinhatórios do pedaço – brincou Lucy, a fim de se impôr calma a si própria, a situação ainda a deixara atordoada, e o banho não contribuíra em nada para melhorar o seu estado de espírito oculto.

- Não somos nada! – Kate replicou – e anda logo pra vestir essas botas, se não nunca mais que a gente sai daqui.

- Ah sim, por favor Potter, não sou propriamente fã do seu balneário – concordou Mandy, cuja intervenção foi estranhada pelos demais.

- Pode me chamar de Lucy, Mandy.

- Certo, escapou. Vamos pra ala hospitalar ou não?

- Sim, já tá – Lucy resmungou, jogando a sacola para as costas.
Saíram do balneário e em passo apressado foram para perto de Daniel.
Entraram na ala, e foram imediatamente interceptados por Madame Pomfrey.

- Chegaram em má hora, crianças, ele ainda não acordou.

- Tudo bem, nós não o vamos perturbar, ficamos só do lado – respondeu Lucy em tom altivo, no que a enfermeira deu passagem para os cinco jovens, mas os namorados mostraram-se hesitantes.

- Talvez devêssemos ir – disse Kate, dando o braço a Josh e saindo.
As três jovens aproximaram-se da cama, Kimberly tomou lugar numa cadeira junto da direita de Daniel e Mandy sentou-se aos pés da cama, ao passo que Lucy sentou-se quase no braço esquerdo do rapaz, suspirando.

- O que será que deu nesse doido pra enfurecer o George? – murmurou Kimberly.

- Ele tem parafusos a menos, mesmo – respondeu Lucy, mas fitando-o com uma pontada de ternura.

- O que foi mesmo que ele disse que provocou tanto o outro? – Interessou-se Mandy.

Lucy repetiu o que Daniel dissera, para espanto de Kimberly.

- A Lianorya? Ué... Eu não sabia que ela tinha alguma coisa com o Lion...

- A Lianorya tem alguma coisa com a maior parte da população masculina dessa escola, e ao mesmo tempo – respondeu Mandy com desdém.

As duas fitaram-na intrigadas.

- Como sabe?

- Passo muito tempo com elas, elas são engraçadas.

- Você acha graça ao que elas fazem? – Indagou Lucy com um certo nojo na pergunta.

- Acho.

Lucy suspirou. Também não se ia mais dar ao trabalho de conviver com outra sonserina oca. “Mais uma pra lista” pensou com um pouco de tristeza.

Alguns minutos calmos se passaram, Daniel continuava inerte, com três pares de olhos postos no movimento suave que seu tronco fazia aquando de uma respiração.

De súbito a enfermeira surge com um pote de prata na mão, pedindo a Kimberly que se afastasse.

- O que é? – Questionou Lucy, alarmada.

- Está na hora de acordar – a outra disse apenas.
Untou o polegar direito com uma substância gelatinosa e fria e espalhou uma fina camada na testa de Daniel. Depois pousou o pote no ex-assento de Kimberly e, tocando com a ponta da varinha na substância, murmurou um feitiço comprido que a fez reluzir e percorrer todas as cores do espectro. Quando por fim acabou, a substância acabou por ser absorvida pela pele do doente que, após mexer as pálpebras decidiu abri-las.

- Não o cansem, meninas. Nem se demorem – disse Pomfrey, afastando-se com seu pote.

- ...L...Lucy? Voc... O Ge...

- Shhh, se não consegue dizer nada decente, não diga nada – Lucy sibilou, pondo a mão nos lábios de Daniel.

Reunindo algumas forças, tirou os dedos da amiga da cara e pousou-os na própria cabeça, a fim de receber carinhos no cabelo. Lucy não ofereceu hostilidade pela primeira vez desde que se conhecíam e aceitou de bom grado afagar-lhe o cabelo com ternura. Daniel deliciou-se. Aproveitou a situação para gozar do carinho de alguém que realmente gostava dele, algo que não sentia desde a tenra infância aquando da morte de sua mãe.
Lucy tornou a percorrer o corpo do amigo com os olhos, preocupada. Os braços pareciam bem, o fino lençol que o cobria dava a entender que o seu tronco também se encontrava em boas condições, assim como suas pernas. No entanto, ainda havia uma zona afligida que Lucy não conseguia saber se estava bem. Tencionou perguntar, mas a vergonha sobrepôs-se à sua preocupação. Conhecendo-o, sabia que a probabilidade do próprio referir o assunto era grande. Mas isso não aconteceu.

Mandy apreciava os amigos. A satisfação com que Daniel recebia o conforto era mais que evidente, bem como a de Lucy por acarinhá-lo. E dizia ela que não gostava dele... Sentiu falta de sentir o mesmo por alguém. Era bem verdade que tivera dois ou três atrações, mas nunca nada de grande ou especial. Perguntou-se quanto tempo levaria a encontrar alguém que valesse a pena dedicar e investir tempo, ponderando também que nesta nova escola a chance disso acontecer era boa. Escola nova, vida nova, dizia para si mesma. Tinha tudo para construir a reputação que bem entendesse, e era isso mesmo em que ia investir. Estudos... Isso não tinha relevância pois...

- Mandy? Nós não éramos supostos a fazer um trabalho de Poções para amanhã? – Interveio Kimberly, quebrando os pensamentos da outra.

- Você ainda não fez? Se não tiver tempo avisa que eu duplico o meu antes da aula começar – respondeu com frieza.

- Você já fez?! O trabalho é enorme... E um saco, ainda por cima.

- Num é muito não... Num acho muita graça a Poções, realmente, mas num demorou não – retrucou com desdém.

- Nossa, você é metida. Eu nunca te vi estudando, quer dizer, sempre te vi por aí, e quando eu estudo fico sabendo pela minha prima onde você esteve... Como consegue ter notas sem estudar? Ninguém consegue comer assim tantas torradas de memória – murmurou Daniel sem maldade.

- Ah... – Mandy hesitou, abandonando a postura fria – eu...

- Você é bem estranha – interrompeu Lucy, para não obrigá-la a falar o que não queria; - quer dizer, num é pra ofender, não, mas você é sinistra.
Um pequeno sorriso, compreensivo e satisfeito, aflorou no canto dos lábios de Mandy.

- É... – Ela se limitou a dizer, com uma aspiração a gargalhada contida.

- E você é um pouquinho... fria... Meio distante – acrescentou Kimberly. – Não me lembrava de você assim.

O sorriso ou aquilo que se assemelhava a um em Mandy desvaneceu-se quase por completo, sua boca se contorceu um bocado.

- Não consigo te imaginar enrolada num puf com alguém. Nem beijando alguém – disse Daniel com um ligeiro esgar. Enfim uma pontinha de malícia característica dos Knight – nem você, nem a Lucy.

- A Lucy? – Repetiu Mandy, desviando o assunto – porquê?

- Ah... Porque não... Ela só me bate.

- Só te bato?! Tô te batendo agora, por acaso?!! – Lucy se indignou, retirando a mão da cabeça de Daniel com brusquidão.

- Shh... Não faz isso que dá dor de cabeça... Seus gritos não são assim tão agradáveis...

- Você é que fala besteira!

- É verdade, você adora dar uma bela porradinha nele – observou Kimberly.

- Se fosse só uma porradinha tava bom... – Daniel erspondeu com ar sonhador.

- Ela acabou de te fazer cafuné! – Revidou Mandy.

- É só porque eu tô doentinho... – gracejou Daniel com tom infantil.

- É claro!! – Lucy se indignou mais ainda.

- Ai chega, gente, calma, ele tem que recuperar... – Determinou Mandy – afinal, recuperar do quê? O que você quebrou com a queda?

- Desloquei meu braço... Quebrei uma costela ou mais, acho... E... Am...

- O quê? – Preocupou-se Kimberly.

Apercebendo-se da atrapalhação de Daniel, Lucy ficou satisfeita por não ter perguntado nada sobre esse detalhe antes, nem queria imaginar o que teria sido...

- ...Mais nada – Daniel acabou por mentir.

- Nossa, já escureceu. Que horas são?

- Tá quase na hora de jantar... – Observou Mandy com dificuldade. Não se dava bem com relógios analógicos.

- Nós temos que jantar – Lucy respondeu em tom altivo.

Mandy ergueu o sobrolho esquerdo.

- É claro que temos.

- Sim, mas a Kim em especial.

- Ai... De novo não... – Kimberly reclamou.

Complexada sem o admitir, Kimberly sentia um pequeno ódio por si mesma pois tinha ossos largos e bem pesados, o que lhe conferia bastante peso mesmo em boa forma. No ano passado fez um dia de jejum sem que ninguém se apercebesse. No dia seguinte desmaiou na primeira aula e quando Lucy descobriu o que a outra fizera no dia anterior e perguntou o motivo, Kimberly respondera impaciente que se esquecera de comer. Ninguém realmente aturava as infantilidades de Kimberly, nem as conseguia interpretar, pelo que aceitaram a resposta. Desde então que Lucy fazia questão de estar presente em todas as refeições com Kimberly. E assegurar-se que ela comia.

- Cê tem mania de pular refeição, é? – Mandy adivinhou – isso engorda.
Kimberly fitou-a com admiração.

- Hum?

- Verdade. Estudos trouxas comprovam isso.

- Pff... e você leva isso a sério? – escarneeou Daniel, esforçando-se por levantar.

- É claro que levo. Eles também podem ter razão de vez em quando, porque não?

- Tá bom... – Respondeu Daniel em tom descrente. Ao sentar-se sentiu um grande desconforto, que disfarçou como pôde, dizendo: - então leva lá a Kim pra jantar que eu já vou indo. Vão, podem ir.

Mandy e Kim não se demoraram, ao contrário de Lucy. As outras prepararam-se para se virar e esperar por ela, no que Daniel a chamou. Acharam por bem deixá-los a sós, ao menos tinham bons motivos para mangarem deles depois.

- ...Eu preciso dizer... Hoje no jogo...

- Eu sei – foi tudo o que Mandy ouviu, interpretando redenção da parte de Daniel. Encerrou a porta iniciando uma conversa alheia a tudo o que se passara com Kimberly.

- Não, você não sabe. Eu não tô falando de te ter enganado com o lembrol... É que... bem, quando o Lion me jogou no chão... A minha vassoura... err... – Emcabulou-se, pousando as mãos com cautela entre as pernas.

- É, como eu disse, eu sei, eu vi o sangue.

- Sangue?

- Sim, o sangue que você tinha saindo... Daí de baixo – Lucy explicava, sem conseguir impedir o rubro de tomar conta de seu rosto.

- Hum... Se importa se eu pedir segredo?

- Claro que não.

Mandy se esquecera de seu cachecol na ala hospitalar.

- Vai indo comer que já te pego, esqueci uma coisa.

- Eu vou com você.

- Não, vai lá comer se não a Lucy enche o saco da gente, num discute.
Kimberly obedeceu, dirigindo-se para a sua mesa.

Mandy abriu uma mínima fresta na porta da ala hospitalar. Dependendo de como estivessem os dois, entraria ou não, mas não tinha a intenção de os surpreender, pelo que ia antes espreitar. Se a situação fosse constrangedora, esperaria um bocado e se demorassem demasiado bateria, mas se fosse dormir sem seu cachecol, o único da escola que não representava sua casa, nunca mais se lembraria de o recuperar.

Introduziu a cabeça com lentidão sem ouvir muito do outro lado. Ausência de palavras não era bom sinal. Avistou Lucy ruborizada com o ouvido rente à boca de Daniel. Suas palavras fizeram-a corar ainda mais, se é que isso era possível.

- Sério? – Lucy investiu, afastando-se um pouco para fita-lo nos olhos.

Um aceno discreto lhe serviu de resposta.

De imediato Lucy abraçou Daniel, colando suas bochechas, dando a Mandy a impressão de que seus lábios se abraçavam.

Mandy se afastou da porta bruscamente. Não imaginara realmente que isto fosse acontecer, o que especulara era apenas... Imaginação fértil. Do pouco que conhecia os dois sabia perfeitamente que haviam impasses invisíveis que os impediam de maiores envolvimentos. Agora não conseguia mesmo entrar ali. Aquilo deveria ser um começo. Não era assim tão má a ponto de interromper.

Felizmente não teve de se preocupar por muito mais tempo pois em pouco ouviu os passos dos amigos em direção a si. Simulando que acabara de chgar, avançou morosamente para a porta.

Lucy puxou a porta e se surpreendeu por ver Mandy do outro lado.

- Mandy? Qui cê tá fazendo aqui?

- Esqueci meu cachecol – respondeu, entrando com pressa e com pressa voltando para a saída com seu cachecol negro e bordeaux. – Não precisa se preocupar, deixei a Kim com um prato de comida na frente.

- Isso não chega – disse Lucy depois de terem fechado a porta.

- Bom então quando a gente chegar lá a gente vê no quê que deu – Mandy respondeu, acrecentando em seguida mas sem reais esperanças de ouvir as respostas que tinha em mente receber: - Porque demoraram tanto? Tá tudo bem?

- Quase – respondeu Daniel num tom de confidência que aproximou Mandy. – Afinal, a Madame Pomfrey não tem uma poção para tudo.

- Como assim? O que você tem?

- Uma coisa que há pouco tempo não tinha – respondeu secamente, lançando um curto olhar a Lucy, que lhe devolveu outro discreto e cúmplice.
Mandy espantou-se com a indirecta, afinal eles confiavam mais nela do que julgava.

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