Capítulo III



Capítulo III


Lupin sabia que não havia um motivo concreto para o seu gesto tão ousado. Mas também não estava muito interessado em porquês. Tudo o que ele vinha pensando nestes últimos dias se resumia naquele amontoado de cabelos negros espalhados sobre um travesseiro fofo e branco de hospital.

Até mesmo em meus sonhos aquele sorriso de fotografia vem me procurar!

Passou as mãos pelos cabelos levemente cacheados e voltou a olhar em seu relógio. Teria mais algumas horas até a próxima cirurgia, mas mesmo assim resolveu apressar o passo pelos corredores.

Chegou até a recepção do hospital e sorriu gentilmente para a mulher que estava sentada atrás do balcão.

- Olá, senhor. Está precisando de ajuda? - A mulher sorria mecanicamente.

Se você puder fazer uma lavagem cerebral em mim, ok..., ironizou o médico.

- Na verdade sim - sorriu em retribuição.

A mulher ficou olhando para o rosto sereno de Lupin, com uma expressão de impaciência.

- Bem... - Agora que ele estava ali, sentiu-se tolo. Muito tolo. - Eu gostaria de uma informação sobre um paciente...

- O senhor é parente?

O olhar inquisidor da mulher deixou Remus sem jeito.

- Não exatamente.

- Então me desculpe, mas eu não posso dar nenhuma informação para pessoas que não são da família do internado...

- Ele não está mais internado...

- A direção só tem responsabilidade sobre pessoas que estão aqui no hospital.

Remus passou o peso do corpo para a outra perna e ficou encarando aquela mulher. Resolveu ser sincero, ao menos em parte da história.

- Esse homem, Sirius Black, ele teve alta ainda no domingo. Um caso de atropelamento com convulsão. Nada muito grave mas...

- O moreno bonitão? - E pela primeira vez a mulher pareceu se interessar pelo assunto.

Uma sobrancelha de Lupin se levantou involuntariamente.

- Sim, sim - disse a mulher sem esperar resposta. - Estranho aquilo tudo. Na verdade todos ficaram comentando, sabe...

- Comentando o quê? - Lupin estava extremamente desconfortável enquanto via o rosto da mulher se contorcer.

- Quem é o senhor, pra início de conversa?

Remus ponderou se dizia que fora ele quem atropelara o bonitão. Resolveu mentir.

- Um conhecido. Soube que ele teve alta e resolvi dar uma conferida - não evitou de corar enquanto a mulher analisava o seu rosto. Mas parecia que a urgência em fofocar falava mais alto que a prudência.

- Alta uma ova! - Remus apurou o ouvido enquanto a mulher abaixava o tom de voz. - Ele foi transferido daqui. Parece que foi ordem do homem que o atropelou. Era um médico, sabe...

Os olhos castanhos quase saíram de órbita naquele instante. Transferido por ordens do médico que o atropelou? Mas que negócio é esse? Respirou fundo e tentou manter a voz impassível.

- A senhora tem certeza?

- Mas é claro! Ele foi mandado para o Saint German, mas acho que já deve ter sido liberado. Parece que o tal médico quis abafar o caso e mandou o pobre coitado lá pro fim do mundo, naquela birosca que nem deveria ser chamada de hospital! Falaram que ele era herdeiro de uma família muito rica, mas foi expulso sem direito a um tostão quando era mais jovem.Uma pena um homem tão bonito quanto ele ser um miserável...

Remus não escutou mais nada. Saiu apressado do hospital e foi em direção ao seu carro de aluguel. Ele já havia escutado alguns de seus colegas falarem em como Saint Germain era precário. Hospital de gente pobre, lembrou-se com certo desgosto.

Tentou manter a calma e se concentrar na direção do carro, enquanto se perguntava porque Tonks havia mentido sobre Sirius. Lembrou-se da expressão de desagrado da outra quando havia chamado o moreno de um jeito informal. Se isso tiver algum dedo da Tonks, ela vai se ver comigo!

O hospital ficava em um bairro meio afastado, muito pequeno e pobre. Parece que estes lugares tem atraído a sua presença nos últimos tempos, Remus... Parou no estacionamento reservado para os funcionários e entrou correndo pela porta espaçosa da entrada. Os ladrilhos estavam parcialmente dispostos e havia muitas pessoas doentes pelas cadeiras espalhadas naquela sala de espera improvisada.

- Moça - dirigiu-se para uma atendente muito simples - Poderia me dar uma informação?

- Sim - disse gentilmente. - Do que o senhor precisa?

- Um amigo meu foi transferido pra cá no domingo, vítima de um atropelamento. Poderia me dizer se ele ainda está aqui?

- Vítima de atropelamento? Hum... Poderia me dizer o nome dele?

- Claro. É Sirius Black.

A mulher se voltou para um computador e um instante se passou. Remus tentava conter as batidas de seu coração, enquanto colocava os pensamentos em ordem. Alguém estava brincando com ele, tratando-o como uma criança que precisa receber mentiras para estar mais confortável. Odiou quem quer que estivesse fazendo isso com ele.

- O senhor Black teve alta ontem de manhã.

- Obrigado.

A mulher já estava se virando para a tela do computador quando Remus deu uma leve tossida. Um pouco sem jeito, deixou a voz soar pelo saguão, muito segura e confiante.

- Por acaso você não teria o endereço dele, não é?

A mulher lhe olhou de uma forma desconfiada.

- O senhor não disse que é amigo dele?

Esperta...

- Sim... Mas faz algum tempo que não nos vemos e eu sei que ele se mudou, mas não sei pra onde. Fiquei sabendo do acidente em uma infeliz coincidência... - Infeliz por demais - Por favor, pense que estará fazendo uma boa ação para dois velhos amigos que perderam o contato...

Remus quase sentiu seu estômago revirar: estava mentindo deslavadamente, e tudo por causa de um estranho que provavelmente estava muito bem. Estava enganando os outros, gastando seu tempo e principalmente, sentindo-se um adolescente novamente. Pensou que talvez aquele machucado que ainda estava visível em sua testa havia afetado muito mais do que sua epiderme; na certa aquela batida chacoalhara seus miolos.

- Tudo bem - a mulher sorriu. - Gostei do senhor, é muito gentil. Vou quebrar este galho...

- Muitíssimo obrigado!

Depois de teclar algumas palavras, a moça pegou um pedaço de papel e anotou o endereço. Entregou-o nas mãos de Lupin, que sorriu radiante.

- Até mais, senhor.

- Até mais.

E Remus saiu daquelas paredes, segurando firme entre os dedos o endereço de sua mais nova obsessão.


~oOo~


- Foi uma ótima cirurgia, Remus - a voz de Tonks soou pela sala dos médicos.

- Obrigado, Tonks.

Tudo havia ocorrido da melhor forma possível durante a cirurgia do último paciente do dia. Remus sentia que cumprira seu dever perfeitamente enquanto fitava o nada ao seu redor.

- Você tem estado estranho comigo, Remus. Aconteceu alguma coisa?

A mulher se sentou em uma cadeira confortável ao seu lado, enquanto Remus analisava se devia ou não ser sincero com ela. Estava ocupado pensando em tudo o que havia acontecido, em todas as hipóteses possíveis que ele criara em sua mente durante aquele dia, depois de ter o endereço de Sirius Black em suas mãos pálidas. Ele não estava certo se contar alguma coisa do que fizera durante aquele dia seria bom pra Tonks.

- Sabe, Tonks? Eu ando um pouco cansado e não gostaria de falar agora - a mulher estreitou os olhos. - A única coisa que eu quero é colocar meus pensamentos em ordem e conseguir distinguir a confusão em que me meti desde sexta-feira e...

- Eu devia saber! - A mulher segurou o braço de Remus entre suas mãos. - No mínimo, você deve estar pensando em Black, não é?

Remus arregalou os olhos castanhos momentaneamente.

- Veja bem, Remus: isso está se tornando uma besteira! O homem foi embora e não deu mais notícias! O que você quer? Levar flores pra ele e pedir desculpas? Pelo amor de Deus, Remus! Ele é só um miserável sem teto deserdado pelos pais!

A mulher soltou o braço de Remus e respirou fundo. Ele percebeu o rancor que ela tinha deste homem que, até onde sabia, era um total estranho pra ela.

- Que relação você teve com a transferência do Black pro Saint German?
Foi a vez de Nimphadora arregalar os olhos em total surpresa. Remus, agora, tinha certeza que ela estava envolvida nesta história.

- O quê?

- Não se faça de desentendida, Tonks. Eu fiquei sabendo que ele foi transferido pra um hospital mais simples por ordens do médico que o atropelou. - Remus analisou a reação da mulher, que abaixava os olhos lentamente em direção aos seus pés. Ele conhecia aquela mulher há poucos anos, mas já havia registrado que quando ela se sentia acuada, agia daquela forma. - Mas nós dois sabemos muito bem que eu não mandei ele embora de maneira alguma.

Remus estava impassível. Sentia-se mal por estar fazendo esta espécie de jogo com Nimphadora, mas estava disposto a sair dali com a verdade.

- Vamos lá, Tonks. Quero resposta e não silêncio! Você está pensando que eu sou algum imbecil?

- Remus! - Ela voltou a encará-lo. - Eu só fiz o que achei certo pra você. Pensa comigo: aquele homem só iria lhe dar dor de cabeça e incomodação.Você precisava descansar e se recuperar.

Remus balançou a cabeça em negativa e conteve a vontade de gritar com a mulher. Respirou fundo seguidamente.

- Você não pensou que ele pode me processar por descaso, que eu me sentiria mal por saber que ele foi negligenciado e que eu desaprovaria totalmente o que você fez?

- Eu dei um bom dinheiro pra ele, Remus! O cara é pobre e precisava muito mais daquele dinheiro do que de uma noite no hospital de luxo!

Remus se sentiu inundado de nojo por aquela mulher.

- Você comprou uma garantia de que ele não ia se manifestar?!

Tonks percebeu que havia falado demais. Passou a mão pelos cabelos.

- Eu quis que ele se mantesse afastado de você, só isso. Foi pro seu bem, Remus! Não deixe que um estranho estrague tudo entre nós...

Remus se levantou sob o olhar atento da mulher. Esperou que ela continuasse, mas só obteve silêncio.

- Nunca houve um nós, Tonks.

Ele se virou, pegou sua maleta e saiu de lá imerso em raiva. Esperava não ver mais a cara daquela mulher na sua frente por uns dias.

Foi embora ainda vestindo o seu jaleco, nem se importando com mais nada, a não ser consertar o que Tonks havia feito.

Se bem que provavelmente o homem não vai nem querer me ver se eu me aproximar dele. No mínimo ele pensa que eu mandei Tonks lhe procurar pra acabar com qualquer chance dele conversar comigo. Ele entrou no carro e virou a chave, dando a partida. Meu Deus! Aquela mulher agiu como se eu fosse um idiota! O que ela esperava? Que eu simplesmente esquecesse que atropelei um homem e que tudo voltasse ao normal sem ao menos trocar uma palavra com ele? Não sei o que a Tonks acha, mas com certeza ela está muito enganada quando usa nós!

O carro se aproximava mais e mais do bairro pacato onde Remus morava. Ele não via a hora de poder chegar em casa e descansar. Estava com a cabeça a mil e ainda teria mais cirurgias no dia seguinte. Mas não conseguia tirar da mente a conversa que tivera com Tonks.

Não devia ter sido tão receptivo com ela! Sou um idiota por deixar que ela entre na minha vida como uma erva-daninha, me sufocando, me afastando da realidade. Maldita seja você, Nimphadora!

Colocou o carro na garagem e entrou em sua casa. Deixou que o corpo caísse no sofá, enquanto fechava os olhos. Remus só queria que tudo ficasse como antes: sem agitações maiores em sua vida.

Adormeceu no sofá enquanto a voz de Tonks ressoava em seus ouvidos.



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