Lua cheia (Novo)







Capítulo 11 – Lua cheia


  


            Depois daquela conversa sobre Jessy em frente à lareira, Lily e Alice foram para o dormitório, e Emilly as seguiu pouco depois. As três estavam muito cansadas, mas, depois de um bom banho, ainda tinham animação o suficiente para ficarem conversando até mais tarde. Elas ficaram por um longo tempo naquela faixa de assuntos divertidos e confortáveis, dando risadas e trocando provocações, até que, em certo ponto, a conversa acabou indo para outro rumo.


            - Então, Lily, o beijo do James faz jus à fama que tem? - provocou Emilly, dando uma piscadela. As orelhas da ruiva coraram levemente com a pergunta, e ela fechou a cara.


            - Nem vem, Emy, não vou perdoar vocês duas por armarem aquele visco!


            - Ué, cadê aquela história de “vocês estão certas, meninas, eu devia mesmo ficar com o James”? - provocou Alice, fazendo falsete para imitar a amiga.


            Lily deixou-se cair no travesseiro, abrindo os braços e suspirando dramaticamente. Emilly riu e Alice revirou os olhos, sem conseguir evitar de sorrir também. A ruiva, contudo, não achou tanta graça da própria cena.


            - Não sei, eu realmente quero, mas quando eu estou com ele parece que alguma coisa em mim trava, eu não consigo abaixar as defesas! Será que tem alguma coisa de errado comigo?


            - Ah, Lily, eu acho que... - começou Emilly, mas o que quer que ela achava ficou totalmente esquecido quando um estrondo ecoou pelo quarto, o barulho de alguma coisa pesada caindo lá em baixo, no Salão Comunal.


            As garotas se levantaram na mesma hora e foram até a porta, olhar o que era. Pelo barulho, elas ficaram preocupadas que fosse alguém caindo ou algo caindo em alguém. Quando chegaram ao topo da escada, porém, encontraram o Salão lá embaixo completamente vazio e silencioso. Ao repararem mais um pouco, perceberam que o barulho que ouviram fora uma pilha de pesados livros que antes estavam sobre uma mesa, e agora estavam caídos, espalhados no chão. Como nenhuma das três levara a varinha, não podiam fazer um feitiço para descobrirem se havia alguém ali, e resolveram voltar para o quarto.


            - Que estranho... Será que foi um fantasma? - falou Alice, intrigada.


            - Só se foi o Pirraça, porque os outros fantasmas atravessariam os livros. Mas nunca ouvi falar do Pirraça entrando no Salão Comunal, achei que ele não podia... - disse Emilly antes de sentar-se novamente em sua cama.


            - Pode ter sido alguém invisível, algum aluno tentando dar um passeio depois do horário. - sugeriu Lily, e as outras duas concordaram, pensativas.


            Elas não chegaram a nenhuma conclusão, contudo, e o sono acabou as dominando. Na manhã seguinte, o sol nasceu pálido e várias nuvens cobriam o céu, prometendo um pouco de  neve mais tarde. As garotas não acordaram muito cedo, mas tiveram que ficar quase meia hora no Salão Comunal esperando pelos Marotos. Frank já estava ali, e cumprimentou Alice com um beijo antes de se juntar às garotas na espera. Enquanto esperavam, viram um garoto do terceiro ano juntando os livros que haviam caído na noite passada, praguejando contra quem quer que os houvesse derrubado.


            - Quem será que fez isso? - perguntou Lily às amigas, que sacudiram os ombros, as três ainda muito intrigadas pelo barulho da noite anterior. Elas não tiveram muito tempo para discutir, porém, pois James e Sirius chegaram, sorrindo como sempre.


            - Cadê meu beijo de bom dia? - perguntou Sirius, pegando Emilly pela cintura e colando seus corpos.


            - Acho que esqueci lá em cima... Ah não, está aqui! - respondeu a garota e o puxou pela nuca, juntando suas bocas num beijo um tanto inapropriado para aquela hora da manhã.


            - Tem certeza que vocês não estão planejando um chalé à beira do mar? - brincou James quando os dois finalmente se soltaram, e o grupo deu uma risada. Os cartazes de Rita Skeeter, que Filtch passara todo o dia anterior para tirar de todas as paredes, tinham acabado virando piada entre eles.


            - Claro que estamos, precisamos de um para encher de filhos, não é, docinho de abóbora? - falou Sirius, com a cara mais fingida do mundo, e eles tornaram a rir.


            Os seis foram até o Salão Principal no mesmo clima, rindo e brincando, até que Lily contou aos garotos o que acontecera na noite passada. Os sorrisos de James e Sirius esfriaram na hora, mas os dois tentaram manter a atitude relaxada.


            - Deve ter sido o Pirraça, Lily. - disse James, com tom de quem terminava o assunto, mas Lily não percebeu e continuou.


            - Já viu Pirraça entrar no Salão Comunal? Não, acho que foi alguém saindo de madrugada, e estou doida para descobrir quem.


            - Está com tanta vontade assim de distribuir detenções, Monitora? - provocou Sirius, tentando distraí-la do assunto.


            - Não, nem tinha pensado nisso! - defendeu-se a garota, mas James já tinha entendido a intenção do amigo, e continuou provocando-a.


            - Sei não, acho que você está sentindo falta de me colocar em detenção, já que eu não apronto mais como antes... Aquilo criava um clima entre a gente, não criava? - disse ele, e Lily corou profundamente, tentando balbuciar alguma coisa.


            James deu uma risada e tocou de leve seu braço, e a ruiva percebeu que ele estava só brincando. Aquele pequeno toque a deixou totalmente zonza, e ela sorriu, deixando o assunto morrer. Emilly, contudo, continuou pensando naquilo e, no café da manhã, ela reparou em uma coisa que ninguém tinha prestado atenção ainda.


            - Sirius, você tá com olheiras... O que foi, não dormiu direito? - ela perguntou, preocupada. A garota já havia notado olheiras nele algumas vezes no passado, mas antes não tinha a intimidade que tinha agora para perguntar.


            - Na verdade, não dormi muito bem mesmo. É por causa do Remus, eu sempre fico preocupado quando ele tem essas crises, entende? 


            Emilly assentiu e lhe deu um selinho, mostrando seu apoio. Na verdade, ela não entendia muito bem, pois não fazia ideia de que doença Remus sofria. Os garotos eram sempre evasivos quando se tratava desse assunto e, a essa altura, não convinha mais perguntar sobre isso.


            Eles passaram o dia de um jeito leve e agradável, jogando Snap Explosivo, patinando no Lago congelado e trocando piadas. Quando a noite caiu, a lareira do Salão Comunal os acolheu novamente, mas James e Sirius não se demoraram muito ali e foram para a cama mais cedo, dizendo que estavam cansados. As garotas foram pouco depois para seus dormitórios também, e Emilly não perdeu tempo, contou logo suas teorias para as amigas.


            - Sabem os livros derrubados ontem à noite? Acho que foram os meninos. Sirius e James. - ela falou, mordendo o lábio com apreensão.


            - Por quê? Por que eles fariam isso? - perguntou Lily, confusa com a teoria da morena. Emilly puxou as amigas para sua cama e sentou-se com elas ali.


            - Não sei por que, mas eles agiram muito estranho quando você falou do que aconteceu, ficaram tentando desviar o assunto. Os dois estão com olheiras e parecem não ter dormido quase nada e, ainda assim, eles foram os últimos a acordarem hoje.


            - Isso não prova nada, Emy. Todo mundo fica com olheiras de vez em quando, eu já vi os dois assim antes. - argumentou Alice, e Lily concordou.


            - É, mas isso não é tudo. O feitiço Desilusório só é ensinado no sexto ano, e eu reparei a mesa da Grifinória nas refeições. Todos os sextanistas da nossa casa foram embora para o feriado, então as únicas pessoas que sabem fazer esse feitiço aqui somos nós e os garotos.


            - Reparou os alunos nas refeições? Emy, você ficou cismada de mais com isso, e acho que está exagerando. - falou Lily, apesar de não ter certeza absoluta se acreditava no que dizia.


            - Sei não, com esse negócio de não ter nenhum sextanista aqui... Quer dizer, pode ser só um quintanista precoce, Merlin sabe que a gente costumava fazer alguns feitiços avançados para a nossa idade também. Mas juntando isso com o cansaço do James e do Sirius e com o comportamento deles mais cedo... Não sei, acho que a Emy pode ter razão. - Alice falou, pensativa.


            - É suspeito, realmente, mas não faz sentido. O que eles poderiam estar fazendo? É muito mais provável que seja um quintanista precoce, como a Lice falou. - retorquiu Lily.


            - Mas tem uma chance, uma boa chance, de que sejam eles, e nós precisamos ter certeza! - falou Emilly, as sobrancelhas levantadas.


            - Felizmente, tem um jeito muito fácil de descobrir isso. - falou Alice, atraindo a atenção das amigas. - Se eles foram se deitar mais cedo hoje, é provável que saiam de novo. A que horas eles derrubaram os livros ontem?


            - Por volta da meia noite, eu acho. - falou Emilly, mordendo o lábio novamente. - Você acha que eles vão sair no mesmo horário?


            - Talvez. Talvez um pouco antes ou um pouco depois, não sei. Talvez nem saiam de novo. Mas não custa tentar, custa?


            As três entraram e um acordo e, meia hora antes da meia noite, elas pegaram suas varinhas e se esconderam no topo da escada do seu dormitório. Esperaram ali, totalmente quietas e atentas a qualquer som. Em sua cabeça, Emilly pedia a Merlin que aparecesse logo alguém ali, e que esse alguém não fosse seu namorado. Cerca de vinte minutos depois, elas ouviram o som inconfundível de passos vindo das escadas para o dormitório masculino. Eram passos muito leves, audíveis apenas devido ao silêncio sepulcral do Salão. Era perceptível também que os passos pertenciam a mais de uma pessoa. Absolutamente nada apareceu da escada, embora os passos continuassem.


            As garotas se entreolharam, Alice e Emilly acenaram para a ruiva, que levantou sua varinha e lançou o feitiço. Homenum Revelio, o feitiço que revelava se havia algum outro ser humano no lugar, feitiço que Lily realizou de forma não-verbal, é claro. O feitiço mostrou a ela Emilly e Alice, ali ao seu lado, e mostrou mais duas pessoas, que cruzavam silenciosamente o Salão Comunal. Eram eles, James e Sirius, suas figuras facilmente reconhecíveis. A garota colocou as mãos sobre a boca para reprimir uma exclamação. Depois que as duas figuras saíram do Salão Comunal, elas voltaram para o quarto, Lily em estado de choque. Assim que fecharam a porta, a ruiva se jogou em sua cama, enquanto as amigas a olhavam com expectativa. O feitiço permitia que apenas o bruxo que o lançasse visse seu resultado, e Alice e Emilly mal podiam se segurar de ansiedade, já prevendo o que Lily diria apenas pela cara da garota.


            - Não acredito que são eles! James e Sirius! - foi a única coisa que Lily conseguiu balbuciar, olhando fixamente para o teto.


            - O que diabos eles estão fazendo? Qual o motivo disso tudo? - falou Alice, se jogando também em sua cama.


            - Vocês acham que o Sirius está me traindo? - perguntou Emilly, mal conseguindo suportar o pensamento.


            - Duvido. Se ele estivesse, não levaria o James como vela. A não ser... A não ser que o James esteja indo ver alguém também. - Lily falou, também odiando aquela ideia.


            - Vocês duas estão loucas? Não dá pra ver o quanto esses dois são apaixonados por vocês? Fala sério, o Sirius mal consegue olhar para outro lado quando está com você, Emy, e o James está todo maduro e mudado só por causa de você, Lily! Parem de besteira, ok?


            - Então qual é a explicação? Por que eles estão saindo às escondidas no meio da madrugada? - disse Emilly, ainda atordoada de mais com toda aquela história.


            - Acho que nós vamos ter que descobrir, não é? - falou Lily, e as garotas se sentaram em suas camas para olhá-la. Ela estava com um leve sorriso e um olhar distante. Aquela cara que ela sempre fazia quando tinha uma ideia brilhante.


            - O que você tem em mente? - perguntaram Alice e Emilly, quase ao mesmo tempo.


 


**


 


Várias horas depois, pouco antes do amanhecer, o retrato da Mulher Gorda se abriu e fechou-se novamente, sem que ninguém passasse por ele, e, dois segundos depois, dois rapazes apareceram do nada no meio do Salão. James e Sirius se jogaram no sofá mais próximo, exaustos.


            - Essa foi por pouco! Se aquela gata esquisita nos pegasse, estávamos ferrados para o resto da vida! - sussurrou James, deixando a capa da invisibilidade escorregar de seus dedos e cair no chão. Os dois estavam completamente sujos e cheios de pequenos machucados, causados por quedas.


            - Com certeza. Ainda não acredito que o Rabicho levou o mapa para casa por engano! É péssimo ter que andar às cegas. - falou Sirius, também aos sussurros, para não acordar ninguém.


            - Eu sei! E a poção mata-cão acabou hoje, será que tem jeito das coisas piorarem? Amanhã vai ser o inferno... - concordou James.


            - Vai mesmo. É melhor a gente subir então, descansar o quanto pudermos. - disse Sirius, e os dois se levantaram. James se abaixou para pegar a capa do chão, mas sentiu uma pontada aguda nas costas, e soltou uma exclamação de dor. Sirius foi até ele, preocupado, perguntando o que era.


            - Acho que tem alguma coisa nas minhas costas. Olha para mim o que é? - disse o garoto, e tirou a camisa, expondo as costas para Sirius.


            - Pelas calças de Merlin, Pontas! Isso aqui está um horror! - Um enorme e profundo arranhão se estendia pelas costas de James, desde o ombro até quase chegar ao limite das costas. - Fique quieto, vou dar um jeito nisso.


            Sirius começou a lançar vários feitiços de cura nas costas do amigo, com o cenho franzido. Era muito comum que eles se machucassem enquanto ajudavam Remus em suas noites de lua cheia, e aquela era uma cena muito comum entre os dois. Ainda assim, eles sempre se preocupavam um com o outro.


            - Não comenta nada com o Aluado sobre isso, ok? Ele fica se sentindo culpado quando essas coisas acontecem. - falou James, reprimindo um gemido de dor. Sirius assentiu e, depois de vários minutos, conseguiu fechar o corte nas costas do amigo.


            - Anda, vamos logo dormir. Se alguém acorda e vê nós dois aqui, você sem camisa e tudo... Nunca íamos conseguir limpar nossa reputação.


            James deu uma risada baixa, e os dois foram para o dormitório, tendo muito cuidado para não fazer nenhum barulho. Eles quase estragaram tudo derrubando aqueles livros no dia anterior, e tiveram muita sorte que as meninas não haviam desconfiado deles. Pelo menos, era o que eles pensavam.


 


**


           


            Na noite seguinte, as garotas colocaram seus planos em ação. Vinte minutos antes da meia noite elas já estavam à porta do quarto, se preparando para o que fariam a seguir. Estavam lado a lado, de mãos dadas, Alice no meio. Aquele arranjo fora meticulosamente pensado: Como Lily era canhota e Emilly era destra, ambas ficariam com as varinhas livres. Isso significava que Alice não estaria com sua varinha em punho, mas ela tinha a tarefa, talvez ainda mais importante, de ser o canal de toda a comunicação silenciosa, feita por apertos nas mãos, que elas haviam combinado.


            Lily ergueu a varinha para lançar o feitiço desilusório em si própria e nas amigas, mas parou, hesitando.


            - O que foi? - perguntou Alice, franzindo o cenho.


            - Um pensamento estranho me ocorreu. Umas coisas que o Snape dizia sobre os garotos e a doença do Remus... - ela falou, seus olhos verdes perdidos em alguma lembrança.


            - Ah Lily, você sabe que o Snape ficava sempre tentando te jogar contra eles! E, de qualquer jeito, estamos indo descobrir alguma coisa muito importante agora, não é hora de pensar nisso. - falou Emilly, e a ruiva assentiu brevemente antes de laçar sobre as três o feitiço que as deixava invisíveis.


            Saíram silenciosamente do dormitório e desceram as escadas. Vários minutos de espera se passaram no Salão Comunal, com as três muito quietas e atentas a qualquer ruído, antes que ouvissem o leve rumor de passos na escada para o dormitório masculino. Emilly fez um gesto com a varinha e revelou as figuras dos dois garotos descendo as escadas. Ela insistira em fazer esse feitiço hoje, ela queria ver com seus próprios olhos, mas se arrependeu um pouco dessa decisão, um mal estar se espalhando por seu estômago com aquela visão.


            A morena apertou a mão de Alice, para avisá-la de que via os dois, e sabia que a garota havia repassado o aperto para a mão de Lily. Emilly esperou que os garotos passassem por elas e então guiou as amigas atrás deles. Passaram pelo buraco do retrato e os seguiram pelos corredores desertos da escola, tudo no mais profundo silêncio. As três haviam enfeitiçado as solas dos seus sapatos para que não fizessem barulho algum sobre o chão de pedra, e parecia estar funcionando. Passados alguns minutos, o feitiço se dispersava, mas Emilly o refazia rapidamente, sem perder o rastro dos garotos.


            Passaram por várias passagens secretas escondidas por trás tapeçarias ou sob estátuas, que saíam andares abaixo ou a corredores de distância, passagens que as garotas nunca sonharam que pudessem existir. Por sorte não se depararam com Madame Nora ou com Pirraça, mas passaram por um fantasma apático, cujos olhos os acompanharam por certo tempo com o interesse dos entediados, e depois se voltaram para o vazio que encaravam antes. Até que, depois de saírem de uma curta passagem secreta, as garotas se viram em um saguão secundário que elas sabiam ter uma saída lateral do castelo. E, com efeito, James e Sirius passaram por essa saída, sendo seguidos de perto pelas três.


            Estava um frio de matar lá fora. Nevara muito durante aquele dia, e o terreno da escola estava todo coberto por uma espessa camada branca. As garotas não esperavam sair do castelo e sentiam falta de um casaco a mais sobre os ombros. Ainda assim, o frio não era o que mais as preocupava. Os passos dos dois deixavam pegadas na neve, tornando-os mais fáceis de serem seguidos, e Emilly pôde deixar de usar o feitiço, seguindo apenas suas pegadas. Isso significava, porém, que os pés delas três também deixavam marcas, e era isso que as preocupava. Continuaram mesmo assim, cada uma rezando mentalmente para que James e Sirius não olhassem para trás. Tiveram sorte, contudo, e a caminhada seguiu silenciosa por vários metros.


            Avistaram à frente o Salgueiro Lutador, seus galhos nus e cobertos de neve balançando levemente ao vento, e ainda sustentando uma pose gravemente assustadora. As garotas se espantaram ao ver que os marotos iam diretamente em direção à velha árvore, mas não recuaram. Haviam chegado até ali, não era por isso que desistiriam. Os dois pararam quando chegaram à mínima distância segura do salgueiro, e elas também pararam, esperando que algo acontecesse. E aconteceu.


            Um enorme cão negro apareceu onde os dois deveriam estar, e se aproximou furtivamente do Salgueiro Lutador. A árvore não machucava animais, e permaneceu imóvel quando o cão apertou com a pata dianteira um nó que havia próximo às raízes da planta, um gesto quase humano. O bicho se voltou para o mesmo lugar que viera, e a luz da lua cheia faiscou por um momento em seus olhos. O cão tinha olhos azuis acinzentados, mas nenhuma das três teve muito tempo para pensar naquilo, pois os passos largos do animal percorreram rapidamente a distância e voltaram para o lugar onde tinha aparecido, sumindo novamente.


            E então os passos dos garotos voltaram a aparecer na neve, indo direto para o salgueiro. As meninas seguiram, um pouco temerosas, mas a árvore permaneceu imóvel, nem mesmo o vento mexendo seus galhos. As pegadas deles seguiram até um ponto onde o tronco se encontrava com o chão e ali, em meio às raízes que se salientavam para fora da terra, havia uma entrada para o túnel. Era possível ouvir o eco dos passos de James e Sirius dentro do túnel, e as garotas seguiram.


            O lugar era escuro e apertado, e tinham que se abaixar para passar por ali. As meninas tiveram que soltar as mãos também, pois o túnel só era largo o suficiente para que uma pessoa passasse por vez. A passagem por ali durou, ou pareceu durar, mais tempo que levaram para sair do castelo. Emilly já estivera naquele túnel antes, com Sirius, quando os dois estavam no primeiro ano, e sabia em que lugar iam sair. O percurso era um trabalho custoso de mais e o destino era asqueroso de mais para encontrar uma amante, foi o que Emilly pensou, a dúvida e a curiosidade ardendo em seu peito.


            Eventualmente, o túnel ficou alto o suficiente para que ficassem em pé, e as três procuraram novamente as mãos uma da outra, lembrando estranhamente um bando de elefantes. Quando ficaram novamente em pé, os garotos pareceram se sentir seguros o suficiente para reaparecer, a as meninas viram que era uma capa da invisibilidade que os cobria, não um feitiço. James e Sirius acenderam as varinhas e continuaram seguindo pelo túnel. Com a fraca luz, as garotas conseguiram ver que os feitiços sobre si começavam a ficar opacos, e se os dois olhassem para trás e prestassem alguma atenção, veriam os contornos dos seus corpos, ainda translúcidos, como se elas fossem de vidro. Eles, porém, se sentiam seguros o suficiente para não olharem para trás também, e a caminhada continuou por mais um tempo.


            O túnel terminou em uma escada íngreme e, ao final da escada, saíram de um alçapão para dentro de uma sala de aspecto velho e destruído. A casa dos Gritos. Alice e Lily já haviam percebido aonde chegariam assim que entraram no túnel, pois se lembravam da história que Emilly as contara tempos atrás sobre quando descobrira aquela passagem no primeiro ano. As duas, porém, nunca haviam entrado na cabana, e a consciência de se estar na casa mais mal-assombrada da Grã-Bretanha lhes enviou calafrios pela espinha.


             Ali era possível ver que o feitiço que escondia as garotas estava ainda mais opaco, já era possível distinguir suas feições e a cor começava a voltar aos seus corpos, palidamente. Se eles se virassem tudo estaria perdido, mas James e Sirius seguiram em frente, entrando em uma sala ao lado de onde a luz vacilante de um lampião derramava. As garotas foram atrás deles, mas pararam ao batente, paralisadas pelo choque.


            Dentro daquela sala havia um Lobisomem, uma criatura enorme de pelo marrom. Correntes frouxas prendiam suas quatro patas, como se ele já tivesse se debatido nelas por um longo tempo e agora estivessem à beira de soltar-se. O animal até agora parecia não tê-las visto, olhava fixamente para James e Sirius e rosnava para eles com ferocidade. Como se fossem uma só, elas começaram a recuar lentamente, os olhos fixos na criatura, sem fazer movimentos bruscos. James e Sirius conversavam um com o outro, mas nenhuma das três conseguiu prestar real atenção no que eles diziam. Elas queriam simplesmente puxar os dois dali e sair correndo, mas sabiam que aquilo apenas deixaria o Lobisomem mais irritado.


            Antes que pudessem tomar uma decisão sobre o que fazer, uma delas pisou em uma tábua solta no assoalho, que emitiu um grande rangido, ampliado ainda pelo pouco barulho que se fazia ali. James e Sirius olharam para trás, assustados, e os olhos de ambos se arregalaram ao vê-las. Mas o real problema era que o Lobisomem também se virou para elas, seu rosnado torando-se um grave latido, as grandes presas à mostra. O animal agitou os braços e pernas com uma força descomunal, e as correntes que os envolviam se partiram com um estalido.


            - CORRAM! - Sirius e James gritaram juntos, mas o incentivo não era necessário, as meninas já estavam correndo.


            De volta para a passagem, era para onde elas iam. Por aquele alçapão o Lobisomem não conseguiria passar, e o instinto de sobrevivência gritava aquilo na cabeça das três. Sirius e James saíram da sala, correndo atrás delas, e o Lobisomem, agora solto de sua corrente, foi atrás deles. A fera deteu-se por alguns segundos na porta, mais estreita que sua forma monstruosa, mas ele era mais forte que a madeira antiga, que se quebrou em seus ombros quando ele passou.


            Esses poucos segundos, porém, não foram suficientes para que os bruxos chegassem até a passagem secreta de onde vieram, e com apenas dois saltos o Lobisomem estava na frente deles, bloqueando o caminho para o alçapão.


            - Por aqui! - falou James, ele e Sirius puxando as meninas para a direção oposta.


            Em poucos passos, estavam em frente a uma porta, e Sirius a atirou longe com um feitiço. Do outro lado da porta não havia outro cômodo, mas uma área aberta e uma floresta a poucos metros de distância. Era a porta dos fundos da Casa dos Gritos. O Lobisomem se aproximava rapidamente, e nenhuma das garotas pensou antes de atravessar a porta, os garotos logo atrás. O monstro se deteve por alguns instantes na porta, porém, e foi tempo suficiente para que James e Sirius puxassem as garotas para trás de um monte de neve, que talvez tivesse sido um arbusto algum dia, onde se esconderam.


            - Quando ele entrar na floresta, voltem para a casa, entrem na passagem secreta e voltem para Hogwarts, ok? - disse Sirius, sua voz firme e apressada. - Amanhã explicamos tudo.


            Nenhuma das três teve tempo de questioná-lo, pois, assim que terminou de falar, Sirius jogou um beijo para Emilly e voltou com James para perto da Casa dos Gritos, bem no momento em que a porta dos fundos explodia também em lascas e o Lobisomem saia rosnando dali. Os dois garotos gritaram, agitando os braços, para chamar a atenção do monstro, e correram para a floresta. O lobo foi atrás, e os três desapareceram na escuridão das árvores da floresta.


            - Sirius!!! - Emilly gritou, se levantando do esconderijo e correndo para a floresta.


            Alice e Lily se levantaram também e correram atrás da amiga. Alice conseguiu alcançá-la primeiro e a segurou pelos braços, parando-a.


            - Emilly, não! Precisamos chamar ajuda! - falou a garota, enquanto Emilly olhava fixamente para a floresta em sua frente, debatendo-se para livrar-se das mãos da amiga.


            - Nós somos a ajuda! - ela gritou, mas nesse momento Lily passou ao lado delas, correndo em direção à floresta. Seus olhos verdes brilhavam com determinação e preocupação.


            Não houve mais discussão. Alice soltou os braços de Emilly e as três entraram lado a lado na floresta escura, seguindo na direção em que os garotos e o Lobisomem haviam entrado. Haviam grandes pegadas de patas na neve, e as três seguiram o rastro por algum tempo. Quanto mais densas ficavam as árvores, porém, menos neve havia no chão, e logo as três não sabiam mais para onde ir.


            Antes que pudessem fazer algum feitiço para encontrar os garotos, ouviram passos metros atrás de si. Não eram passos humanos, e um rosnado característico parecia se aproximar juto aos passos. Olhando para trás, as garotas não conseguiram ver a fera, mas não era preciso. Começaram a correr o mais rápido que suas pernas as permitiam, apenas suas respirações pesadas e os sons dos galhos se quebrando sob seus pés e roçando em suas peles se somando aos rosnados que se aproximavam.


            As árvores ficavam cada vez mais densas, e passar por entre elas logo se transformou num desafio que tomou toda a concentração das garotas. Quando os troncos voltaram a se distanciar um do outro, Emilly percebeu que estava sozinha. Ela gritou pelas amigas, mas não ouviu resposta. Não ouvia, tampouco, nenhum passo, e concluiu que o Lobisomem não estava atrás dela. Isso só podia significar que estava atrás de Lily ou de Alice. A morena respirou, tentando impedir que o desespero a dominasse. Ela tinha que pensar claramente se queria se salvar e salvar as garotas.


            - Point Me – ela sussurrou, estendendo a varinha à sua frente e concentrando-se nas amigas.


            O feitiço, que servia para guiá-la até o lugar ou pessoa em que se concentrasse, puxou a varinha para a esquerda, depois para a direita, e ficou oscilando entre as duas direções. Droga, Lily e Alice estavam em direções opostas. Qual das duas Emilly devia encontrar primeiro? Sua cabeça funcionava a toda velocidade, e ela demorou apenas um segundo para se decidir. Repetiu o feitiço, concentrando-se apenas em Alice, e seguiu a varinha pelo caminho da esquerda.


            Se Sirius e James estavam também na floresta, ela sabia que James tentaria encontrar Lily com tanta certeza quanto sabia que Sirius viria atrás dela mesma. Isso significava que Alice estaria sozinha, e Emilly correu o mais rápido que conseguiu na direção em que a varinha lhe apontava. Ela não se dera conta do quão desesperada estava até que viu Alice correndo em sua direção e o alívio tomou conta de seu peito.


            - Emilly! CORRE! - gritou a garota, seu rosto redondo tomado pelo medo, quando avistou a amiga surgindo de trás de uma árvore.


            Emilly olhou para além de Alice e viu o que ela temia: o Lobisomem corria atrás dela, diminuindo cada vez mais a distância. Elas começaram a correr lado a lado, o mais rápido que conseguiam. Quando podiam, as garotas lançavam feitiços para trás, na tentativa de parar o monstro, mas a única coisa que isso fazia era atrasá-lo por meros segundos, prolongando ainda mais aquela corrida. Por mais rápidas que elas fossem, não teve jeito. O animal era enorme, e cobria uma distância igualmente grande correndo sobre as quatro patas. Ele as alcançou.


            Sua pata da frente bateu na cintura de Emilly, jogando-a na direção de Alice para que as duas caíssem no chão, suas garras raspando dolorosamente nas costas da garota. O golpe não fora com a intenção de arranhar, e sim de derrubar, por isso aquelas unhas amedrontadoras não se cravaram muito profundamente na pele dela, mas ainda o suficiente para arrancar sangue e uma dor ardente. Isso, contudo, não foi a preocupação de Emilly naquela fração de segundo em que foi atingida, sua preocupação foi que o golpe a empurrava para cima de Alice, e a amiga iria levar todo o impacto da queda de ambas.


            Emilly jogou seu corpo para o outro lado, contrário à força que a empurrava. Sua queda ainda levou Alice a cair junto, mas Emilly conseguiu cair ao seu lado em vez de em cima dela. Ouviu-se o baque de seus corpos caindo de bruços na terra, o som de galhos de um arbusto chocando-se com a cabeça e os braços de Alice, e um estranho crack de algo se quebrando em baixo de Emilly. A morena sentiu uma dor alucinante, e por um segundo não foi capaz de se mover e nem mesmo de gritar. Ela podia sentir o calor do bafo do lobisomem sobre elas, ouvir seu rosnado baixo logo acima de suas cabeças. Acima da dor, um único pensamento passou por sua cabeça: É agora. Vamos morrer.


            Mas não morreram. Ela ouviu um latido grave e o som de corpos pesados se chocando, seguido de vários rosnados, e sentiu o lobisomem se afastar delas. Emilly virou-se e viu o lobisomem agora a alguns passos de distância, lutando com um enorme cão negro e um imponente cervo castanho. Levantando o tronco, ela se virou para Alice, que começava também a levantar-se.


            - Você está bem? - perguntou Emilly, mordendo o lábio ao ver o estado da amiga.


            Alice caíra de cara num espinheiro e, se não tivesse protegido o rosto com os braços, sabe-se Merlin o que teria acontecido. As mangas de sua blusa amorteceram a maior parte dos espinhos e estavam todas rasgadas. Provavelmente havia alguns arranhões leves em seus braços, mas o grande problema era que a garota, protegendo espertamente as partes mais importantes do rosto, deixara a testa descoberta e ganhara ali um sério corte próximo à raiz dos cabelos negros.


            - Estou, e você? - perguntou, e Emilly assentiu, pensando que aquele corte na testa sangrava de mais para que Alice continuasse “bem” por muito mais tempo. - Vamos dar o fora.


            Mas antes que qualquer uma das duas pudesse se levantar ou fazer qualquer outra coisa, algo caiu pesadamente próximo aos pés delas, roubando a atenção de ambas. Era o cão, que havia se pendurado pelos dentes no braço do lobisomem e sido sacudido por este, caindo próximo às garotas. O animal se levantara no mesmo instante, pulando novamente no lobisomem, enquanto o cervo lutava ferozmente com seus cascos e sua galhada. Parecia que, ao sentir o cheiro do sangue delas, o lobisomem ficara ainda mais agitado, tentando de todo jeito chegar até as duas. O cervo e o cão, contudo, com mais alguns segundos de dura luta, conseguiram fazer o lobisomem fugir, e o cervo saiu trotando atrás da criatura.


            O cão ficou, fazendo aquele grunhido agudo que cachorros fazem quando machucados e olhando para as garotas. Àquela altura, Alice já havia se levantado e falava com Emilly para irem embora, mas a morena estava paralisada no chão, olhando fixamente para o enorme cão negro que salvara sua vida, e o animal a olhava de volta com aqueles olhos azuis acinzentados, aqueles olhos tão inteligentes e familiares, aqueles olhos...


            - S...Sirius? - ela balbuciou, e o cão pulou em cima dela.


            Emilly ouviu Alice gritando quando as grandes patas almofadadas bateram em seu ombro com uma delicadeza impressionante e ela caiu novamente, com as costas no chão dessa vez, o rosto do cão estava a centímetros do dela. O grito de Alice morreu aos poucos quando o pelo negro foi substituído por pele alva e tecidos de roupa, e, antes que Emilly pudesse sequer esboçar uma reação, lábios humanos estavam pressionados contra os seus. Lábios quentes e macios que ela conhecia muito bem. O beijo não durou mais de um segundo, mas tinha toda a intensidade que o momento ditava.


            - Sirius, o que... - ela começou a perguntar assim que suas bocas se afastaram, mas Sirius a interrompeu, já se levantando.


            - Não dá tempo de explicar, vocês têm que sair daqui. - ele disse, estendendo uma mão para ajudá-la a se levantar.


            - De jeito nenhum, nós temos que achar a Lily! - ela falou, pegando a mão dele para erguer-se. Antes, porém, que Sirius pudesse dizer qualquer coisa, a morena soltou uma profunda exclamação de dor, sentando-se novamente e agarrando o tornozelo esquerdo. Alice e Sirius estavam ao seu lado no mesmo instante, se abaixando para ver o que era. - Acho que está quebrado.


            Com a luz das três varinhas, eles conseguiram ver que o tornozelo de Emilly estava, de fato, torcido em um ângulo estranho. Fora esse o crack que ouvira e a dor que sentira ao cair, Emilly percebeu. Na hora, o ferimento na cabeça de Alice e a luta entre os animais à sua frente a haviam impedido de prestar atenção, mas agora que via o que tinha acontecido, a dor parecia voltar de uma vez. Sirius envolveu o rosto dela nas mãos e travou seu olhar no dela, aqueles olhos cinzentos indo até o fundo de sua alma.


            - Emy, conjure a minha vassoura e volte com a Alice até a Casa dos Gritos, vocês estarão seguras lá. Cuidem dos seus ferimentos, nós nos encontramos lá em pouco tempo. - ele falou, inspirando confiança.


            - Lily...


            - Eu e Pontas vamos encontrá-la, não se preocupe. - e, olhando para aqueles olhos, ela teve certeza de que Sirius faria o possível e o impossível para cumprir aquilo. Ele e Pontas. Algo clicou na mente dela, um detalhe para o qual ela não tinha dado atenção ainda: James era aquele cervo. O momento, porém, não era para aquele tipo de revelação, e Emilly puxou seu namorado para um abraço apertado e desesperado.


            - Tome cuidado. - ela murmurou em seu ouvido, ainda apertando-o nos braços.


            - Eu vou. - respondeu ele no mesmo tom e abraçando-a com a mesma intensidade.


            - Eu te amo. - as palavras saíram de sua boca antes que ela pudesse segurá-las e, sinceramente, a última coisa que ela queria naquele momento era segurar aquelas palavras. Não queria temer novamente que Sirius morresse sem saber daquela verdade.


            Eles se soltaram do abraço e o garoto pegou novamente o rosto dela entre as mãos, seus olhos brilhando encantadoramente, e selou os lábios dela com um breve beijo antes de se levantar e transformar-se novamente em cão, correndo pela floresta. Ela o amava! Era a única coisa que Sirius pensava enquanto seus sentidos o conduziam para onde James estava. Ela o amava, e ele não conseguira dizer nada, nem uma única palavra. “Idiota!”, o garoto xingava a si mesmo em pensamento. Devia ter dito que também a amava, naquela hora, mas ele travara, e nenhum som saíra dos seus lábios. Burro! E agora, o que ela não devia estar pensando!?


            Seus ouvidos, aguçados por estar em forma de cão, captaram um grito agudo ao longe, e ele correu mais rápido. Era Lily, Aluado a havia encontrado e agora Sirius precisava chegar logo até eles, precisava ajudar a garota. A tensão do momento ocupou, então, todos os seus pensamentos e movimentos, e a consciência do amor de Emilly o impulsionou ainda mais a agir. Ele só esperava que ela e Alice não pudessem ouvir também o grito, pois aquelas duas teimosas iriam correndo para lá se ouvissem. Mas, quando chegou onde Lily, James e Remus estavam, todos os pensamentos se esvaíram de sua cabeça e ele entrou em ação, pulando no lobisomem com unhas e dentes, literalmente.


            Lily só conseguia encarar estupefata aquele estranho espetáculo que se desenrolava à sua frente. Ela estivera correndo para as amigas, seguindo o feitiço point me, quando se deparara com o lobisomem vindo em sua direção. E antes mesmo que ela pudesse se virar para correr para o outro lado, um cervo, que estava no enlaço da criatura, conseguiu alcançar o lobo e eles começaram a lutar, bem ali em sua frente. Lily se escondeu em uma árvore próxima, esperando que ele se distraísse com a luta e ela pudesse fugir, mas o sangue que saía dos arranhados que ela ganhara correndo pela floresta densa atraíam a atenção do lobisomem, que a todo momento olhava para a ruiva.


            Então, em poucos minutos, um enorme cão negro apareceu e se juntou ao cervo contra o lobisomem, o mesmo cão que havia travado os movimentos do Salgueiro Lutador. Mordidas, arranhões e diversos golpes de chifre e cascos, ela assistia a tudo aquilo horrorizada e maravilhada. Em certo ponto, o cão soltou um latido mais forte, olhando severamente para o cervo, e Lily pensou por um segundo que os dois se virariam um contra o outro e deixariam que o lobisomem fosse atrás dela. Em vez disso, porém, o cão atacou o lobisomem com ainda mais fúria, e o cervo recuou, indo até Lily. O animal, com sua galhada imponente e seu pelo marrom lustroso, a encarava com olhos cor de mel que iam diretamente até os olhos dela.


            Quando ele se aproximou o suficiente, Lily estendeu a mão para lhe acariciar o rosto, como que o agradecendo por tê-la salvado. Seu pelo curto era macio como veludo e, com cabeça na altura da dela, o animal a olhava intensamente. Então ele virou a cabeça, olhando para as próprias costas, e tornou a olhar para ela. Parecia uma tentativa tão clara de comunicação que Lily não conseguiu deixar sua boca fechada.


            - Você quer... que eu suba? - perguntou hesitante, já esperando não receber resposta. Para sua surpresa, contudo, o cervo balançou a cabeça assentindo.


            Lily não hesitou. Ela tomou um impulso e passou uma perna sobre o lombo do animal, montando-o como a um cavalo sem sela. Assim que ela envolveu seu pescoço, firmando-se no lugar, o cervo começou a trotar, correndo a toda velocidade. Uma sensação de segurança se apoderou dela quando se viram longe o suficiente do lobisomem, e sua mente voltou a funcionar propriamente.


            A garota já tinha lido o bastante sobre animagos para saber que eles, em geral, mantinham os olhos semelhantes aos de sua forma humana, e que mantinham também sua consciência e raciocínio humanos quando transformados. Pelo modo como aqueles animais agiam e, principalmente, pelos olhos daquele cervo, ela sabia que eram animagos, e tinha uma boa ideia de quem eles eram. Um estranho pensamento a acometeu então: se suas suspeitas estivessem corretas, ela estava montando James Potter. É claro, não havia nenhum sentido sexual naquela situação de vida ou morte em que eles se encontravam, mas era uma ideia esquisita mesmo assim.


            Depois de longos minutos, nos quais os únicos sons eram o vento no galho das árvores e os cascos do cervo na terra batida, eles enfim saíram da floresta. Ele parou na porta da Casa dos Gritos, e Lily desmontou, sem saber o que fazer em seguida. Assim que ela estava em pé, o cervo se levantou sobre duas patas e, antes que a ruiva pudesse fazer qualquer coisa, já não era mais o animal que estava em sua frente, mas James Potter, olhando-a por trás de seus óculos.


            - O que está fazendo? Temos que voltar, temos que encontrar Emilly e Alice! - ela falou, jogando os braços para o alto.


            - Oh James, obrigada por me salvar – ele falou em falsete, imitando a voz dela. - De nada, Lily, não foi trabalho nenhum! - completou, em sua própria voz, com uma ponta de ironia. - Agora faça o favor de agradecer e ficar em segurança, sim?


            - Não! Você quer que eu agradeça? Muito bem, obrigada. Agora vamos voltar lá e salvar minhas amigas! - ela estava exasperada, o mero pensamento de que Emilly e Alice estavam sozinhas e em perigo naquela floresta enquanto ela estava em segurança ali fazia toda sua gratidão por James evaporar. - Você acha que eu posso simplesmente sentar lá e ficar esperando que você banque o herói sozinho, sem saber se vocês estão bem ou... - a ruiva foi interrompida, as pontas dos dedos de James roçando de leve em seus lábios para calá-la. Ele se aproximou, colando a testa na dela, e seus olhos se encontraram.


            - Emilly e Alice estão lá dentro, Lily. Elas já estão seguras. Agora você pode, por favor, colaborar e se juntar a elas? Eu preciso ajudar Sirius. - ele disse, sua voz surpreendentemente calma para a situação.


            Lily se afastou um passo dele e apontou a varinha para a casa, verificando que Emilly e Alice estavam mesmo ali. James se sentiu aliviado, pois ele mesmo não sabia ao certo se as duas estariam ali. Ele sabia que Sirius devia tê-las dito para ir para lá, mas ele não tinha um modo de saber o que tinha acontecido. Ainda assim, ele cruzou os braços, impressionado e irritado com a teimosia de Lily.


            - Obrigado pela confiança!


            - Como se você não fosse dizer que elas estão aí só para me fazer entrar. - ela disse, revirando os olhos.


            - Eu só quero te proteger. - James falou, sua voz baixa e grave.


            Sem pensar, Lily jogou seus braços em volta dele, e o moreno a abraçou de volta, apertando sua cintura. - Obrigada. - ela falou contra seu pescoço e o soltou, corando. - Agora vá ajudar Sirius.


            James se inclinou e plantou um beijo em sua testa antes de voltar correndo para a floresta.


            - Tenha cuidado! - a ruiva gritou, e ele se virou para ela, assentindo brevemente antes de transformar-se novamente em cervo e adentrar a floresta.


            Lily entrou na Casa dos Gritos, e encontrou as amigas lá dentro, para seu grande alívio. Havia uma Cleansweep de último modelo jogada no chão, ao lado da qual Emilly estava sentada em uma cadeira de aparência frágil, sua varinha apontada para um corte profundo na testa de Alice, sentada em uma cadeira similar, que acabava de se fechar. A ruiva ficou espantada com a quantidade de sangue que havia saído daquele corte, vendo as manchas vermelhas no rosto e no braço da garota.


            Assim que Lily entrou na sala, porém, Alice abriu um enorme sorriso e se levantou de súbito, correndo e abraçando a amiga. Nenhuma delas precisava falar nada para saberem o quanto estavam aliviadas por estarem as três a salvo ali. Quando elas se soltaram do abraço, os joelhos de Alice fraquejaram por um momento e Lily a firmou pelo braço enquanto a morena se recuperava da tontura, segurando a cabeça.


            - Acho que me levantei muito depressa... - ela disse, enquanto Lily a ajudava a sentar-se novamente.


            - Você perdeu sangue de mais, é isso. - falou Emilly, parecendo preocupada. Os olhos castanhos da garota se viraram para Lily com um meio sorriso e ela estendeu o braço para apertar a mão da amiga. - Que bom que você está bem, Lily! Eu te abraçaria se pudesse, mas... - a morena olhou para baixo, e Lily viu que seu tornozelo estava quebrado.


            - Pelas barbas de Merlin, o que aconteceu com vocês duas? - ela exclamou e se abaixou, já apontando a varinha para o pé de Emilly, tirando sua bota com um feitiço e começando a curá-la.


            As garotas contaram o que havia acontecido, Emilly interrompendo ocasionalmente a narrativa por causa da dor e Alice continuando para ela, com a voz mais fraca que o normal. Remendar ossos não era uma tarefa muito fácil, mas ao final da história das duas, Lily já havia feito um bom trabalho no tornozelo de Emilly. Nenhuma das três se atrevia a dizer, mas a cada minuto que passava elas ficavam mais preocupadas com os garotos.


            - Então, quando derrubou vocês, o lobisomem te arranhou? - perguntou Lily, e Emilly fez uma pequena careta.


            - Acho que sim, mas não foi nada sério. - respondeu, mas a ruiva já estava dando a volta na cadeira. O casaco de Emilly era preto, mas havia uma mancha mais escura em suas costas que Lily sabia ser sangue.


            - Nada sério? Pode tirar esse casaco, dona Emilly, vou fechar esse corte antes que você perca tanto sangue quanto a Lice! - ela exclamou, e ajudou Emilly a tirar o casaco, o suéter e a camiseta branca manchada de sangue que estava por baixo, deixando a morena só se sutiã e as feridas expostas no rumo da cintura.


            - Merlin, Emy! - espantou-se Alice ao se levantar e ver os arranhões que o lobisomem deixara, quatro marcas que iam do lado de sua cintura até quase o meio das costas. Não eram profundas, mas eram largas e compridas o suficiente para que as amigas se preocupassem.


            - Está tão ruim assim? - ela perguntou, franzindo a testa quando Lily começou a fechar o primeiro corte.


            - Um pouco. Arranhões não podem te transformar, só mordidas, não é? - falou Alice, apenas para se assegurar, e as amigas assentiram.


            Ainda não havia sol, mas o céu lá fora estava começando a clarear, e a preocupação com os marotos aumentava. Alice sentiu a cabeça rodar novamente e foi sentar-se num sofá poeirento a um canto. Lily e Emilly se viraram para ela, perguntando-a o que era, mas a garota garantiu que estava bem, só precisava deitar-se um pouco. No momento em que Lily voltava a fechar os machucados de Emilly, a porta da sala em que estavam se abriu, e as três se viraram para lá, sorrindo aliviadas.


            James e Sirius entraram na sala, parecendo cansados, mas sem nenhum sinal de estarem seriamente feridos. Sem se importar com mais nada, Emilly se levantou e pulou nos braços de Sirius, sua boca se encontrando com a dele como se não se beijassem há séculos. O garoto a levantou nos braços, e tudo em volta desapareceu.  O perigo que haviam passado fazia com que buscassem um pelo outro, buscassem pela vida, de um modo muito mais intenso.


            - Eu te amo! - ele sussurrou, entre um beijo e outro. - Eu te amo, eu te amo. - e se beijaram novamente, tentando acabar com qualquer distância que podia haver entre eles.


            Lá na floresta, quando ele a vira imóvel no chão, Sirius pensara... Os piores cenários tinham vindo em sua cabeça, e quando ele perdera a fala diante da declaração de Emilly, ele não suportou pensar que o pior poderia acontecer sem que ele tivesse lhe dito como se sentia. Agora que eles estavam juntos novamente, ele não podia fazer mais nada que não fosse segurá-la nos braços. Não havia nenhum lugar no mundo em que ele preferisse estar que nos braços de Emilly. Ela entrelaçou as mãos nos cabelos negros dele, e Sirius a trouxe mais para perto, apertando sua cintura. Com esse toque, a garota soltou um baixo gemido em meio ao beijo, um gemido de dor. Eles se soltaram, e Sirius viu que havia apertado o arranhão ainda aberto na cintura dela.


            - Desculpe. - ele sussurrou, e a garota assentiu, sorrindo.


            Então os olhos de Sirius pareceram ver algo que ele ainda não tinha notado, tão preso estava nos beijos dela: Emilly estava sem nenhuma blusa, apenas um sutiã coberto por renda branca cobria seus seios. A garota corou sobre o olhar dele e virou-se para pegar sua blusa, mas ele a impediu, segurando-a pelo braço. Emilly congelou, sem saber o que fazer, até que sentiu o formigamento característico de um feitiço de cura em seu arranhão. Ela olhou para trás, e deu um pequeno sorriso ao ver a expressão concentrada e preocupada no rosto de Sirius enquanto ele curava seus ferimentos.


            Voltando-se para frente, Emilly tomou consciência de que havia outras pessoas ali. Que vergonha! Mas ninguém prestava atenção nela e em Sirius, ou em sua semi-nudez. Lily brigava com James, insistindo para que ele a deixasse curar um arranhão que havia no braço dele, e Alice ria dos dois, deitada no sofá poeirento.


            Sirius terminou de fechar o corte em suas costas e lhe deu um leve beijo no ombro, que fez a nuca dela se arrepiar. A garota vestiu novamente sua camiseta e seu suéter antes de virar-se para o namorado, agradecendo com aquele seu sorriso estonteante. Nenhum garoto que Emilly namorara a havia visto sem blusa, e ela não sabia onde aquilo os deixava. Mas as coisas não ficaram estranhas entre eles, e Emilly tomou aquilo como um bom sinal.


            Os dois se aproximaram dos amigos, e Lily parou de ralhar com James para sorrir para Sirius. Ele abriu os braços num gesto largo, com um sorriso que iluminava seus olhos azuis, e apanhou a ruiva num abraço de urso, fazendo-a rir.


            - Obrigada, Sirius. - ela falou, quando ele a soltou no instante seguinte. Ao lado deles, Emilly também agradecia a James por tê-las salvado.


            - Então, vocês dois ainda nos devem uma explicação! - falou Alice, e todos se sentaram em volta do sofá em que ela estava.


            Os sorrisos desaparecendo, os garotos contaram a elas toda a verdade. Remus era um lobisomem, eles dois e Peter haviam se transformado em animagos ilegais para ajudá-lo, a escola deixava que ele ficasse na Casa dos Gritos durante a lua cheia, mas, é claro, ninguém mais sabia que eles eram animagos. Contaram até sobre a bem recebida herança de James, a Capa da Invisibilidade, e sobre o Mapa do Maroto, que eles haviam feito para ajudá-los e que Peter levara para casa por engano. Quando terminaram a história, o sol já estava no horizonte, pálido e tímido.


            - E onde o Remus está? Vocês o deixaram na floresta? - perguntou Lily, preocupada.


            - Não, claro que não! Quando chegamos, o céu já começava a clarear e a lua já tinha sumido. Ele já tinha voltado a si. Aluado está aqui, na sala ao lado. - falou Sirius, e as três garotas se levantaram na mesma hora.


            Remus estava mesmo na sala ao lado, jogado numa cama que mal se aguentava em pé, em um sono profundo. James se adiantou para perto dele, já estendendo um braço para acordá-lo.


            - Não. Deixe que ele durma, James. - falou Emilly, apenas um sussurro para não acordar o amigo.


            - De jeito nenhum, ele pediu para acordá-lo antes de vocês irem embora. Ele já se sente culpado e envergonhado o suficiente pela manhã, se vocês voltarem para Hogwarts sem falar com ele, Aluado vai ficar achando que ficaram bravas ou coisa do tipo. Acredite, ele é pior que uma mulher com TPM na semana de lua cheia. - respondeu James, com uma pequena risada, e acordou o amigo.


            Remus abriu os olhos e os tampou em seguida, passando a mão pelo rosto como se estivesse de ressaca. No final das contas, a sensação era mesmo bem parecida. Ele estava ainda mais pálido que o normal, com olheiras profundas sob os olhos, sua constante aparência de estar adoentado não era nada comparado a como ele estava agora. O garoto se levantou, corando com força ao ver as garotas. Sua vontade era cavar um buraco ali mesmo para esconder a cara, mas infelizmente aquilo não era uma opção.


            - Me desculpem, meninas, eu... - ele começou, cheio de culpa e vergonha, mas elas não deixaram que ele terminasse, as três ao mesmo tempo o abraçando.


            Não foi preciso mais nada, elas sabiam o quanto ele devia estar se sentindo culpado, e ele entendeu que elas não só o perdoavam, mas o compreendiam. Depois, Remus voltou a dormir, e os outros cinco voltaram juntos para Hogwarts. Não passaram por nenhuma alma, viva ou morta, em seu caminho de volta, mas também nem mesmo os fantasmas estariam perambulando pela escola num início gelado de manhã, em pleno feriado.


            Estavam todos exaustos quando chegaram ao Salão Comunal, e o calor da lareira os acalentou imensamente. Emilly e Sirius trocaram um pequeno beijo de boa noite antes de subirem cada um para seu dormitório, Alice subindo junto com a amiga. James começou a subir as escadas também, mas foi interrompido.


            - James... - chamou Lily, escorada no corrimão da escada para o dormitório feminino. Ele se virou, espantado, e se aproximou dela. - Eu só queira dizer que... Eu acho muito nobre o que vocês fazem pelo Remus, eu admiro muito isso.


            - Não faço isso pela nobreza. - ele falou, encolhendo de leve os ombros.


            - Eu sei, e é exatamente isso que o torna nobre. - ela respondeu, sorrindo de lado. James sorriu também, e chegou o rosto mais perto do dela.


            - Então não sou mais o cara mimado e egoísta que você pensava que eu era?


            - Há muito tempo já não penso assim. - a voz de Lily saiu quase em um sussurro.


            O rosto de James estava tão próximo do dela que a garota podia ver cada detalhe de suas feições, embora seus olhos mal conseguissem deixar os lábios dele. Tão próximos, tão próximos que seus lábios se roçaram de leve, o toque gerando um arrepio. Nesse instante, porém eles ouviram passos descendo a escada, e se separaram, assustados. Uma garota do primeiro ano passou por eles, fortemente corada, balbuciando desculpas, e saiu depressa do Salão Comunal. Quando James se voltou, Lily já estava dois degraus acima, ainda olhando para ele, um leve sorriso nos lábios.


            - Boa noite, James.


            Ela se virou e subiu as escadas para seu dormitório, xingando a si mesma em pensamento, mas sem conseguir voltar para lá. Tão perto eles haviam chegado de se beijar, tão perto daqueles lábios macios! E por que ela não conseguia voltar lá, não conseguia assumir que queria aquele garoto lindo, exibido e irritante? Mas agora Lily já estava em seu dormitório e James no dele, ela deixara novamente o momento passar, e teria que esperar pelo próximo.



N/A: Muito obrigada a todos que comentaram dando a sua opinião sobre a mudança de nome da fic. Continuem comentando, é muito importante para mim!

Fiz uma pequena atualização no Capítulo 8, coloquei uma cena com o aniversário do Sirius. Quem ainda não viu, olha lá. 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (3)

  • MariSchaffor

    Ai que teimosa a Lily!! Aceita logo meninaa, ta mais  que na cara que vcs se amaaaaamm!!!

    2015-10-27
  • Mahluh Black

    Obrigada ana bibi ventura !! Fico feliz em saber que minha fic é tão querida!

    2013-04-27
  • Rock girl star

    adolo essa fic de paixão parabems 

    2013-04-26
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.