O mensageiro



Hermes sorria abertamente, quase como se brilhasse. Mia não conseguia se mover, não conseguia dar mais nenhum passo em direção ao interior da casa, nem mesmo parar de olhar para o rosto tão conhecido na semi escuridão do aposento. Seu coração ribombava no peito, surpreso e feliz ao mesmo tempo, e seus olhos não sabiam – nem queriam - se desviar da figura diante de si. Magro, os cabelos sem corte, as vestes ligeiramente sujas, mas bem. Hermes estava bem, e sorria o maldito sorriso que Mia havia aprendido a amar e do qual sentira tanta falta.

- Seu... – ela começou, baixinho – Seu idiota!

O sorriso de Hermes morreu em seus lábios no exato momento em que Mia caiu sobre ele, socando cada parte de seu corpo que conseguia alcançar. Os cabelos rebeldes caíam sobre seu rosto, e a mochila que carregava havia ficado jogada no chão. Lúthien riu, e Daniel também, apesar de ainda estar bastante pálido e com um aspecto de doente. A loirinha se sentou no braço do sofá onde ele descansava e ficou observando a cena entre Mia e Hermes. Snape parecia indiferente, mas se um bom observador olhasse com atenção, veria a maneira como seus lábios estavam retorcidos numa estranha espécie de sorriso contrariado.

- Ei, Mia! – disse Hermes, segurando a garota pelos pulsos. - Pare com isso, eu estou aqui, ok? E não estou machucado, mas posso ficar se você continuar me socando desse jeito.

- Você... é... um... estúpido! – ela dizia, espaçando as palavras enquanto tentava recuperar o fôlego e livrar seus braços do aperto de Hermes. – Eu... vou...socar... você!

- Cuidado – começou Daniel, tentando controlar o riso e, em seguida, fazendo uma careta por conta das dores que ainda sentia. – Ele pode provocar uma ventania e te expulsar de perto se ficar muito chata com ele.

- Muito mais que uma ventania, meu caro – Hermes disse, ainda fazendo força para segurar Mia longe de si. – Talvez, se você me ajudar, eu possa até mesmo começar um furacão, o que acha?

Mia parou de empurrá-lo. Olhou para seus olhos cinzentos como quem vê um fantasma, quase um morto.

- Acalmou? – perguntou ele com seu habitual tom de ironia na voz.

- Onde é que você estava todo esse tempo? – perguntou ela, controlando a respiração, o peito subindo e descendo com velocidade. – Por que é que você nos abandonou?

Hermes assumiu uma expressão defensiva, e Mia esperava que ele desembuchasse de uma vez, contasse onde havia estado, o que fizera naquele tempo todo e, principalmente, porque resolvera desaparecer no exato momento em que ela mais precisava dele.

Porém, não foi Hermes quem falou, mas Snape:

- Isso é tão comovente. Talvez eu vomite.

Os olhos dos quatro amigos se movimentaram para fitá-lo, todos com as expressões estarrecidas pelo sarcasmo no tom de voz. O homem já havia acendido a lareira e tomado um lugar numa cadeira bamba próxima do fogo. Segurava a varinha com firmeza, como se estivesse pronto para azarar qualquer um deles. O mero fato de olhar para cada um fazia com que a sala permanecesse num incômodo silêncio.

- Um Potter, um Malfoy, uma Weasley e uma Lovegood – disse ele, com desprezo, apontando a varinha na direção de cada um deles enquanto lhes proferia os nomes. – É engraçado, quase irônico, enxergar em cada um de vocês os traços que os denunciam como membros de suas respectivas famílias. Você, Potter, não teve a sorte de puxar para o lado de sua avó paterna, e nem ao menos da sua nojenta mãe sangue-ruim, que talvez fosse melhor que o seu pai. Mas, não... saiu exatamente um Potter, arrogante, presunçoso e rei do mundo como ele se achava.

- Não fale mal da minha família! – gritou Daniel, impetuoso, mas sem fazer sequer menção de se levantar do sofá que ocupava. Era perceptível que certos movimentos ainda provocavam dores em seu corpo debilitado, mas ele parecia não se importar diante do fato de Snape ofender Harry. – Tenho orgulho de ser como meu pai, ele é um herói e você sabe disso tão bem quanto qualquer um no mundo bruxo.

- E sua atitude condiz com o fundador que representa, como eu já sabia desde que fui obrigado a tentar enfiar algo de útil nessa mente leviana – Snape continuou, como se não houvesse sido interrompido. – Grifinória, a casa dos corajosos e de corações indômitos. Tolice! Sente-se corajoso agora, que teve que se submeter aos meus cuidados para sobreviver? Agora que posso ver o que você pensa com um simples estalar de dedos?

- Posso me defender, e você sabe disso muito bem! – disse o garoto, entre dentes.

- Mas sabe que não é páreo para mim – ele se aproximou do jovem, apontando-lhe a varinha. Instintivamente, Mia e Lúthien se aproximaram, prontas para defendê-lo. Hermes continuava parado próximo à porta, observando tudo, mas calado. – Um aprendiz nunca deve desafiar um professor, Potter, aprenda isso.

- Do que é que ele está falando, Dan? – perguntou Mia, aturdida. Ainda não compreendia a delicada relação entre Snape e Daniel, e estava decididamente confusa diante do ataque supostamente gratuito do homem. Havia um pedaço da história que Daniel fatalmente omitira, e ela não gostava nada de ter que admitir isso.

Porém, não foi Daniel quem respondeu, mas novamente a voz desdenhosa de Snape voltou a ecoar no aposento abafado pelo fogo da lareira:

- E você não vai querer negar o sangue de Hermione Granger Weasley mais uma vez, eu sei. Sempre querendo saber algo, estudando, procurando obter respostas teóricas e prontas para todos os seus problemas. Uma devoradora de livros, que achava que podia ajudar Harry Potter a derrotar o Lorde das Trevas apenas com teorias descritas em obras literárias. Você ainda herdou a coragem estúpida de seu pai, a sombra do Escolhido, sempre desprezado, sempre em segundo plano. Uma combinação que só poderia te tornar a herdeira da Corvinal.

Os olhos de Mia queimaram e as palavras, de repente, fugiram-lhe da boca. Não conseguia mais conceber a idéia de que, minutos atrás, havia quase acreditado que Snape lhes poderia ajudar a entender melhor a lembrança do Oráculo, ou até mesmo lhes indicar onde poderiam encontrar a família Olivaras. Naquele momento, viu-se incapaz de se defender diante das ásperas palavras. Abriu a boca, relutante, mas não foi sua própria voz que ouviu:

- Não fico contente em ouvir você falar assim dos meus amigos. Deixe-os em paz!

Snape olhou com ainda mais desdém para Lúthien, que havia assumido uma ridícula posição de luta, com os punhos cerrados e prontos para o combate. Mia sentiu uma ligeira onda de comicidade lhe invadir os sentidos, e imaginou que não havia hora mais imprópria para ter vontade de rir. O homem parou diante da loirinha como se estudasse sua fisionomia antes de dizer:

- Lealdade. Característica da Lufa-Lufa, claro, como a herdeira da Casa deveria carregar. E como seus preciosos amigos, a estampa de Luna Lovegood está em seus olhos esbugalhados e no loiro sujo de seus cabelos. E, por ser tão tola em me desafiar, também vejo em você a coragem doentia do idiota do Longbottom. Seu pai já contou a você que explodia um caldeirão por aula de Poções quando freqüentava Hogwarts?

Embora continuasse sério, com a mesma expressão de indiferença, Mia viu uma sombra de prazer passar pelos olhos do bruxo, como se humilhá-los e calá-los fizesse parte de um divertido jogo de adivinhação. Qual seria, então, seu próximo passo?

- Professor, o senhor nos ajudou apenas para enumerar nossos defeitos? – Daniel quebrou o silêncio, e sua voz estava tão firme que fez Mia estremecer. – Ou vai nos deixar seguir para aquilo que devemos fazer?

- Você não acha que está na hora de abandonar a petulância que lhe é tão característica e contar às suas amigas sobre seu novo poder? – perguntou Snape, voltando-se para Daniel. – Afinal, Malfoy já sabe dele há muito, e você não vai querer perder a oportunidade de se gabar para as garotas por saber fazer algo mais que uma chuvinha inocente.

Mia percebeu que Daniel tentava controlar o impulso latente de se jogar sobre o homem e esbofeteá-lo. Só não o fazia porque ele estava armado, e talvez porque achasse que um jato de água gelada não fosse o suficiente para detê-lo. O rapaz suspirou, claramente emburrado, e disse olhando para Mia e Lúthien:

- O professor Snape não foi apenas o homem que me alimentou e me manteve vivo em Azkaban. Foi também ele quem convenceu Voldemort de que eu deveria freqüentar Hogwarts, e não ser morto numa prisão para indesejáveis. Eu não era um indesejável para os planos do Lorde das Trevas até o momento em que pudesse atrair meu próprio pai e vocês para que viessem me resgatar. Esse era o plano. Eu tinha um professor especial em Hogwarts, que supostamente deveria me convencer que o novo regime de Voldemort era o mais correto e o melhor para o mundo bruxo.

- Lavagem cerebral – disse Hermes, dando de ombros. – É isso que eles fazem com os alunos.

- Precisam te fazer crer à força – disse Mia, conclusiva.

- Isso – concordou Daniel, remexendo-se no sofá e fazendo uma careta, rapidamente controlada. Em seguida, observou os olhos muito negros de Snape, que permanecia calado, e continuou: - Então mandaram o professor Snape, e no começo achei que ele fosse enfiar a idéia em mim à força, como era o propósito. Eu já estava pronto pra resistir. Porém...

Vendo que Daniel hesitava, o bruxo completou:

- Eu dei um jeito de mostrar exatamente como ele deveria resistir.

- Oclumência! – gritou Mia, de repente – Harry tentou me ensinar, mas eu me saí muito mal. Ele queria que eu fechasse minha mente. Agora me lembro, você também pediu ao senhor Malfoy que ensinasse à tia Gina quando eles estavam em Azkaban, eu me lembro de quando ela nos contou no Natal!

- Às vezes ser filha dela te dá algumas vantagens em relação aos demais, senhorita Weasley – disse Snape, apontando o nariz adunco na direção de Daniel para que ele continuasse.

- A Oclumência funciona de maneira diferente comigo – explicou Daniel, ajeitando-se no cobertor. – Ao invés de fechar minha mente, eu a abri ainda mais.

- Não entendo... – falou Lúthien.

- Parece que – precipitou-se Snape antes que Daniel pudesse continuar -, como os poderes de vocês são ligeiramente diferentes dos bruxos antigos, como eu, Potter ganhou uma nova habilidade, bastante difícil de controlar, em princípio.

- Eu posso ouvir pensamentos – completou Daniel, por fim. – Por toda parte, onde quer que eu vá e de quem quer que seja. Basta apenas que a pessoa esteja perto o suficiente.

Um clarão se fez na mente de Mia, ligando as peças de um estranho quebra-cabeças: as conversas de Harry e tia Gina nos vestiários, a descoberta de seus planos para ir a Godric’s Hollow, a maneira como Daniel pressentia a presença de alguém ou o que a pessoa diria a seguir. Por que, afinal, ele escondeu de seus amigos esta nova habilidade? E, se ele a havia adquirido, por que ela própria havia fracassado em aprender Oclumência?

- Cara, isso é demais! – falou Hermes, aproximando-se enfim do grupo. – Por que só você conseguiu esse poder? Eu também quero! Imagina só se pudéssemos ouvir os pensamentos da Mia agora? Se bem que, pela cara dela, acho que é fácil adivinhar o que ela está pensando...

- Por que você não contou antes? – perguntou a jovem, ignorando as brincadeiras de Hermes e olhando no fundo dos olhos verdes de Daniel. – Achei que confiasse em mim.

- Não era uma questão de confiança, Mia – falou Daniel, e ela percebeu que ele se sentia envergonhado. – Eu queria ter contado, mas achava que isso poderia te colocar em mais perigo ainda. E como eu não sabia controlar direito o poder, pensei em me adaptar primeiro para depois explicar como eu o utilizava.

Mia virou as costas para Daniel e se aproximou da lareira. Estendeu as mãos diante do fogo sem pensar muito no que fazia e as labaredas se avivaram instantaneamente. O problema não era o fato de o amigo ter um novo poder, pois ela tinha consciência de que aquilo poderia ajudá-los de alguma forma. O que a deixava triste e preocupada era a quebra de confiança. O que mais Daniel esconderia? Então, resolveu se calar, dando a oportunidade para que Snape falasse:

- Vocês não poderão ficar aqui por muito tempo. Se tudo deu certo com Draco também, o Lorde das Trevas já sabe que seu plano falhou e que os prisioneiros não foram capturados. Hermes, você sabe o que fazer. Oriente seus amigos e saiam depressa daqui. Mantenha-me informado.

O ex-mestre de Poções vestiu a longa capa negra de viagem e saiu pela soleira da porta sem dar tempo para mais perguntas. Mas Mia tinha montes delas. Porém, só conseguiu articular uma:

- Como faremos para encontrar e destruir a varinha?

- Que varinha? – perguntou Daniel, mas Hermes foi mais rápido que ele:

- A varinha é o menor dos nossos problemas. Precisamos nos preocupar com um ainda maior. O fato de que Belatriz Lestrange também tem uma Horcrux. E está pronta para dar sua própria vida em troca de salvar a de seu amado Mestre.





N/A: Olá, queridos! Estou correndo tanto, mas tanto, mas tanto, que não vou conseguir responder comentário por comentário nesse capítulo. Mas eu agradeço cada um deles e tentarei responder aos poucos, no próximo capítulo, ok?

Espero que gostem das novidades e que não queiram me lançar Maldições Imperdoáveis pela demora!

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