≈. Sonho e Desespero.



O final da primavera não tardou a chegar e com ele novas e boas notícias. Luna havia voltado do St. Mungus e estava na enfermaria para descansar. Não tiveram mais notícias de ataques, mas a esmeralda roubada continuava desaparecida.

- Só seis de cada vez! - chiou madame Ponfrey, quando Hermione, Harry e Gina entraram. - Já têm quatro aqui!

Os três se entrolharam.

- Tudo bem, Hermione, eu vou depois que desocuparem- disse Gina, que havia entrado depois de Harry. - Ok, mudei de idéia - retrucou, empurrando Hermione para fora e fechando a porta. Harry arregalou os olhos para ela, mas Gina apenas fez um gesto mudo em direção á garota de cabelos bagunçados sentada aos pés da cama. Amanda.

Luna estava cercada por mais três garotas que Gina conhecia. Vallery, bem mais alta do que as outras, sorria para Luna e enrolava no dedo uma mecha verde do cabelo. Mia tagarelava sem parar, com seu jeito elétrico de sempre. Outra garota, tão ruiva quanto Gina que seus cabelos chegavam a ser laranja-vivo, era Natalie, conhecida por rumores de que seria uma vidente. Olhava nervosamente para todos os cantos, como se não soubesse ou não estaria ali por vontade própria. Tinha a aparência constante de um coelhinho assustado, ou assim pareceu a Gina.

Somente quando parou em frente a cama é que pôde olhar direito para Amanda. Voltara a usar a lâmina de barbear na orelha, estava muito mais pálida do que de costume e seus cabelos estavam maiores que o normal. Gina lançou-lhe um olhar penetrante. Amanda parecia não se importar com a aparência desleixada. Fitou Gina sem curiosidade, e depois Harry, e voltou a atenção para Luna.

- Gina! - gritou Mia, se adiantando para dar um abraço apertado na amiga. - Eu e Luna estávamos tendo uma conversa impressionate sobre o que a conteceu e adivinha: ela não se lembra!

- Você não se lembra de nada? - perguntou Harry aborrecido. Tinha a esperança que ela dissesse o que havia acontecido na floresta proibida.

- Lembro sim, de algumas coisas, mas não de como eu fui parar lá - Luna se endireitou na cama e fixou se olhar vago no teto como se pudesse ver o céu lá fora. Não tinha mais nenhum arranhão. - Quando dei por mim estava sendo perseguida... por alguém que eu não me recordo. Eu lembro de um par de olhos prateados antes de apagar...

- Só isso? - Harry estava estupefato.

- É - Luna balançou a cabeça lentamente no travesseiro, ainda olhando para o alto. - Porque tinha outra passoa lá, mas ela também não estava lá... ficou só olhando, não consegui pedir ajuda.

Ela contou tudo com um desinteresse inacreditável. Os olhos de Mia, que iam de Gina para Amanda compulsivamente, pararam em Luna. Então Natalie perguntou, com sua voz etérea estranhamente alta:

- Como assim? - ela quase se debruçou na cama de Luna. - O que você quer dizer com isso?

- Quero dizer - Luna se virou e fitou os olhos amedrontados da garota. - Eu eu vi uma pessoa lá. Eu vi você, Natalie.

Natalie empalideceu. Todos a encararam ao mesmo tempo. Gina lançou um olhar maligno para Amanda como se a culpa fosse dela.

- Não! Você está mentindo... - falou Natalie com a voz sumida, recuando vários passos. - Eu não fui na floresta proibida...

- Não estou mentindo, eu sei que era você - sussurrou Luna para ela. - Você não tem culpa...

Natalie olhou para ela com medo e saiu correndo da enfermaria, sem olhar para trás. Amanda ergueu a varinha, mas Vallery a impediu. Cedo ou tarde Natalie ia ter que explicar.




Tudo havia começado como uma brincadeira, há muito tempo atrás. Uma pequena casa de um casal de bruxos foi construída quase em frente a um alto desfiladeiro, perto das montanhas. O lugar poderia se dar por deserto, se três meninas não fossem lá sempre que podiam. Elas tinham entre catorze e quinze anos saíam escondido para praticar magia sem que fossem descobertas. Geralmente elas iam no verão, tomando cuidado para que os donos da casa não desconfiassem.

- Isso é tão alto! - gritou uma garota bonita de cabelos muito pretos e curtos, que espiava á beira do penhasco. - Vem cá, Val!

- Agora não, Sabrina! - respondeu Vallery em tom de censura. Não tinha mechas verdes no cabelo castanho liso, mas ainda era bem reconhecível pelos óculos de aros vermelhos. - Sai daí, você pode cair!

- Ok, já parei - disse ela, erguendo as mãos. Sabia que não tinha perigo, se caísse poderia usar um feitiço, porque o Ministério pensaria que foram os donos da casa que o fizeram. Porém desrespeitar a líder era coisa que Sabrina não fazia. - O que foi?

- Vem cá que a gente te conta! - gritou a terceira garota. Loira e mais bonita que as outras, Alexy sorria, seus cachos dourados brilhando á luz do sol. Era a mais velha, mas indiferentemente seguia a liderança de Vallery. - Tenho uma proposta pra você!

A curiosidade não manteve Sabrina a contemplar o desfiladeiro por muito tempo. Correu e sentou-se entre elas, seus olhos azul-gelo brilhando de ansiedade. Alexy cruzou as pernas e olhou para as duas.

- Eu tenho orgulho de dizer que nunca vi amigas tão inseparáveis como você e Vallery - disse Alexy sorrindo para Sabrina. Olhou sorrateiramente para a pequena casa atrás, para constatar que ninguém mais as ouvia. - Vocês já ouviram falar em Voto Perpétuo?

Vallery e Sabrina se entreolharam, mudas, e sacudiram a cabeça negativamente ao mesmo tempo.

- Bem, vou tentar explicar, não é muito complicado - Alexy tentou encorajá-las. - Tipo, vocês fazem um voto, ou juram alguma coisa. Mas o juramento não pode ser quebrado.

- Por quê? - perguntou Sabrina com uma insegurança perceptível na voz, olhando de Vallery para ela. - O que acontece se quebrarmos o voto?

- Não sei - Alexy se fez de desentendida. - Então, vamos?

Sabrina encarou Vallery. Vivia sempre precisando da aprovação da líder e melhor amiga. Eram como irmãs. Vallery sorriu confiante, o que fez Sabrina tomar coragem.

- Agora vocês têm que juntar as mãos direitas - explicou Alexy, fazendo um gesto com as próprias mãos.

Vallery estendeu a dela, de onde faiscavam três anéis vermelhos. Sabrina hesitou, mas ao ver a segurança da amiga, entrelaçou sua mão pálida e trêmula com a dela.

- Isso não é ilegal? - perguntou Sabrina insegura.

- Nada é ilegal no quarto ano, só se você quiser que seja - riu Vallery, percebendo a inocência dela. - Já é ilegal só de estarmos aqui.

Sabrina riu também. Alexy ergueu a varinha e a colocou sobre as mãos entrelaçadas. Vallery começou:

- Você, Sabrina, promete que nunca vai me abandonar, aconteça o que acontecer?

- Pro-prometo - respondeu ela.

Algo parecido com uma fina corda cor de fogo saiu da varinha. Sabrina fechou os olhos, trêmula. Queria que aquilo acabasse logo...

- Sabrina, você não precisa fazer o que não quer - alertou Alexy ofendida, jogando os longos cachos loiros para trás.

- Pode continuar, eu confio em vocês - Sabrina sorriu vacilante e não retirou a mão. - Afinal, que coisa ruim poderia acontecer?


- CHEGA!

Alexy respirava ofegante. Jogou contra a parede do quarto o antigo porta-retratos onde ficava a foto em que ela, Sabrina e Vallery sorriam. O Voto Perpétuo... aquilo havia acontecido há tanto tempo... porém essas lembranças ainda a atormentavam. Era uma ferida que não queria cicatrizar.
Sabrina estava morta. Essa era a realidade. Morrera por ter quebrado o Voto Perpétuo. Não era culpa de Alexy.

Ela pegou o porta-retratos quebrado e o depositou em cima da cama. A foto continuava como antes. Mas a união das três garotas era algo que nunca mais tornaria a contecer.



Em sua mente conturbada, Amanda não encontrava saída para os piores problemas. Apesar de Snape ter parado com sua perseguição obssessiva, usando Oclumência quando ela menos esperava, isso não havia chegado como boa notícia, afinal, o que Snape queria aconteceu: Amanda e Draco estavam separados. Ela raramente falava sobre isso e se esquivava de simples perguntas como " por que você está com essa cara triste?" com um "impressão sua", fingindo sorrir.
Amanda se sentia mal o dia inteiro, mas tinha absoluta certeza, essa dor era por dentro, e não tinha como curá-la.
Amanda apertou com força o travesseiro contra o peito e olhou para fora da janela, para o céu estrelado. Imaginou se Draco estaria pensando a mesma coisa que ela. Então fechou os olhos e adormeceu...


O barulho das ondas podia ser ouvido de muito longe. Amanda era só uma menininha curiosa, que de cabelos ao vento, corria para a areia. Seu pai a observava sorrindo, enquanto ela pulava no mar.

- Pai, olha o que eu consigo fazer! - gritou ela animada. Segurava nas mãos um pequeno siri, preso por magia em um cubo de água.

- Sua mãe vai ficar orgulhosa, mas é melhor não deixar os trouxas verem isso - disse ele sorrindo. Ela olhou para as mãos e o cubo de água se desfez. Amanda abraçou o pai, certa de que ele a amava mais do que qualquer pessoa no mundo, mais do que sua mãe...

A cena se dissolveu como um nevoeiro, onde lembranças ocultas se misturavam descontoladas...


- Eu não quero ir para escola de magia nenhuma!

Amanda gritava com raiva. Tinha onze anos e parecia imensamente com a mãe. Estava odiando a idéia de ir para Beauxbatons e deixar de ver o pai e discutia isso na mesa do café da manhã:

- Não fique zangada, meu anjo, você tem que ir - disse Kate, olhando-a por cima do copo de hidromel. - Todas as garotas da sua idade...

- Dane-se as garotas da minha idade! - esbravejou ela, cruzando os braços. Olhou desamparada para o pai, que lhe lançou um olhar de censura e nada disse.

- Amanda, você não tem outra opção - falou Kate em tom de quem encerra a conversa.

- Ótimo então - Amanda se levantou bruscamente, lançando um olhar extremamente irritado aos pais. - Estou sem fome.

Amanda subiu, fazendo barulho, as escadas da enorme casa. Queria gritar, sentia raiva do pai por concordar com aquilo. E odiava a indiferença de Kate Hartwell, sua mãe...

Houve um clarão, uma confusão de cenas dissolvidas, lembranças esquecidas... Amanda se viu no corredor de Hogwarts, em um dos primeiros dias de aula.


- Olha por onde anda! - disse Vallery com rispidez, ao colidirem no corredor. Elas se encararam. Se odiaram no primeiro momento em que se viram, Amanda nunca havia conhecido alguém como ela... Vallery havia se tornado uma amiga desde então...

Dessa vez, a cena não se dissolveu. Era ali mesmo, naquele corredor, mas tudo havia ficado escuro tão de repente... Amanda olhou para si mesma e percebeu que estava de camisola. Estava frio. Ela olhou para os lados, queria pedir ajuda, estava com frio, muito frio...
Amanda se sentou no chão, desolada. Por que estaria no corredor da Sonserina? O que estava contecendo? Mas havia algo na frente... Amanda esfregou os braços para se aquecer, seus olhos vidrados na pessoa ferida á sua frente.

Uma voz pedindo socorro... um grito cortante... um clarão verde... e o silêncio.



- Harry... Harry... Harry...

Amanda acordou sobressaltada. Seu coração batia descompassado, sentia um frio desumano. Demorou um pouco até perceber que sussurrava aflita o nome de Harry.
Ela tentou se sentar na cama, respirando com dificuldade. Algo dentro dela parecia ter congelado. O vento havia lançado seu cobertor no chão, ou fora ela mesma? Amanda sentiu uma vertigem violenta e se agarrou ao dossel da cama, sentindo que is desmaiar. Estava tão mal que tudo saía de foco todo o tempo...
Tentou se acostumar á escuridão do quarto. Sua cabeça latejava excruciantemente. Estaria morrendo? Seria esse o sentimento de morrer?
Houve uma dor lascinante e Amanda apertou o peito com força. Era a dor do sonho. Tudo fora um sonho, mas o grito fora tão real... o grito de Vallery.

Com muito esforço, Amanda saiu do quarto. Por mais difícil que fosse, por pior que estivesse se sentindo, teria que ir até a Sonserina, para se certificar que estava tudo bem... ou não.

- Lumos - murmurou ao entrar na sala comunal. Olhou para o relógio mas não conseguiu ver as horas; sua visão estava embaçada.

Amanda desceu as escadas com dificuldade, parecia que elas se multiplicavam a cada passo, enquanto se revezava para segurara a varinha e esfregar os braços dormentes de frio. Eu vou morrer... murmurou ao chegar no corredor estreito e escuro que dava acesso á Casa da Sonserina. O corredor parecia interminável. Escuro demais, nem a luz da varinha o iluminava.
Ela foi deslizando a mão pela parede e a cada momento uma forte vertigem a obrigava a ase segurar para não cair. Amanda se perguntou se sobreviveria. O pior ainda estava por vir.

Amanda visualizou uma fraca luz no final do corredor, talvez produzida por uma vela. A mão que segurava a varinha tremeu ainda mais violentamente: alguma coisa a esperava.
Surpreendentemente ela pensou em Harry. Acordara sussurrando o nome dele e não sabia por quê. E o sonho... não havia reconhecido seu pai; era como se um estranho houvesse participado de sua infância.

Amanda voltou ao presente, sacudindo a cabeça para desanuviá-la, notando que sentia uma dor mais forte ao fazer isso. Ergueu os olhos para a figura pálida que jazia no chão perto de uma longa corrente. Ia gritar, mas percebeu que não tinha força para isso. Era uma garota, poucos metros á sua frente, caída e imóvel. Os joelhos de Amanda cederam e ela caiu ao lado da garota; não sabia o quanto mais aguentaria.

- O que houve com você? - perguntou baixinho, o mais firme que pôde. Afastou do rosto da garota os cabelos longos.

Amanda sentiu que morria. Seu peito doeu tão fortemente que ela ofegou, sem conseguir respirar. Não, tudo menos isso...

- Não... Vallery... acorda... - chamou, em vão. Vallery estava tão fria quanto ela; tinha os olhos fechados, parecia dormir.

Amanda se levantou, sentindo um desespero que até então nunca havia conhecido. Precisava procurar ajuda. Vallery não podia estar morta...
Ela correu até onde imaginaria encontar alguém. Hogwarts parecia deserta. Amanda não conseguia gritar, estava sem fôlego e apavorada demais para isso. Tentando ignorar a dor e o frio que sentia, ela correu para o buraco do retrato; precisava avisar alguém, mas quando ia murmurar a senha, o quadro girou.

Foi um choque para Harry ver o estado dela. Ficou sem fala, tentando assimilar as coisas. Amanda, sem pensar, se jogou nos braços dele.

- Harry... Harry... Harry... - Amanda repetiu as palavras que acordara sussurrando. Não queria que ele a soltasse, precisava ficar viva, lhe contar...

- O que...? - Harry tentou perguntar, confuso. Amanda estava soluçando ao seu ombro.

- Vallery... Sonserina... por favor, me ajuda... - murmurou, quase inconsciente. Harry fez com ela olhasse para ele. Os olhos dela brilhavam. - Ela não pode... morta... ajuda...

Amanda se manteve de pé, não desmaiou. Segurou a mão de Harry para que ele percebesse que falava sério. Lentamente o levou para baixo, onde Vallery estava.

- Amanda, o que está acontecendo? - perguntou enquanto ela o arrastava corredor abaixo, com uma força repentina. - O que tem a Vallery? É a sua amiga, não é?

Harry acendeu a varinha também. Quando chegaram ao fim do corredor, ela o soltou. Ele soltou uma exclamação de espanto e correu para a garota caída no chão, muito mais pálida vista pela luz forte.

- Me diz... - Amanda escorregou pela parede com os olhos fechados, suas forças esgotadas. - ... que ela não está...

- Morta - murmurou Harry com a voz sumida.

Foi a última palavra que Amanda ouviu naquela noite.

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