Estranho, atraente e IMPIEDOSO



O entusiasmo de Gina, mesclado a uma estranha apreensão, crescera até tornar-se quase uma premonição. Ela olhou a sua volta, no imenso salão de desembarque da ala internacional do aeroporto John F. Kennedy, em Nova York.
Com apenas algumas fotos de Ronald ainda criança, não seria nada fácil reconhece-lo. Naturalmente ele estaria procurando por ela também, mas, com menos ainda em que se basear, encontraria maior dificuldade.
Talvez devessem ter combinado algo, como, por exemplo, ela estar com uma rosa vermelha ou um balão colorido, Gina pensou, deixando que seu lado bem-humorado a dominasse por um momento.
Viu um homem de cabelos loiros, rosto esguio e traços marcantes. Ele vestia terno leve e tinha um físico de atleta: ombros largos, quadris estreitos. Parecia procurar alguém.
Era difícil dizer pelas fotos, mas Ronald devia ser mais sardento e ruivo. Ou não? Mas ele disse que havia pintado os cabelos.
Quando o viu de perto, os olhos de um azul quase cinza do homem a percorreram, e Gina sentiu uma pontada de súbita atração, como se fosse puxada irresistivelmente para um campo magnético.
De repente, um encontrão provocado por outro passageiro quase a desequilibrou.
— Desculpe — ele falou com sotaque tão britânico quanto o dela. — Não consigo controlar isto aqui.
O rapaz moreno tentava endireitar o carrinho e bagagem.
— Essa coisa tem a tendência desconcertante de virar para a direita — continuou.
— Sei como é. — Gina riu. — O meu também tem a mesma mania.
— Ainda é uma boa maneira de se conhecer alguém — comentou o rapaz.
Observou gina com ar de admiração, notando seu vestido bege e o lenço de mesma tonalidade em seu pescoço.
— Precisa de um táxi? — perguntou, solicito. — Ou está esperando alguém?
— Esperando alguém — ela respondeu.
— Alguém de sorte — ele disse, antes de se afastar, sorrindo.
Quase todas as pessoas sempre sorriam para Gina, até as mais rabugentas. Era como se o brilho de seus olhos e sua naturalidade as desarmassem.
— Virginia Weasley? — perguntou uma voz grave, com fascinante sotaque sulista.
Ela se virou e viu o homem loiro que chamara sua atenção pouco antes.
Ele era bem mais alto que ela, tinha pelo menos um metro e oitenta, ela considerou, pensando em seu metro e sessenta. E de perto era ainda mais atraente.
Ela prendeu o fôlego, ansiosa.
— Ronald?
Ele devia estar com trinta e poucos anos, Gina pensou. A idade de seu irmão, e a pessoa que ela procurava. Mas não queria que aquele estranho atraente fosse seu irmão.
Ele estudou o lindo rosto em forma de coração, a covinha no queixo, a pele sem mácula, o nariz pequeno e a boca vermelha como amora. Demorou-se nos olhos brilhantes e nas cascatas vermelhas que iam até sua cintura, os cabelos dela pareciam labaredas de fogo.
— Não, não sou Ronald. Mas vim busca-la — respondeu finalmente.
— Ah — ela suspirou, aliviada.
Gina imaginou como ele a chara tão facilmente. Será que era parecida com Ronald tanto assim?
— Sou Draco Malfoy.
O nome lhe era vagamente familiar, mas Gina não conseguia lembrar onde ou quando o ouvira.
Ele a olhou com ar intrigado, parecendo esperar que ela o reconhecesse.
— Meus amigos me chamam apenas de Draco — informou, sorrindo com charme impressionante.
Apertou a mão que Gina estendeu-lhe. Ela olhava fixamente para o rosto bem desenhado dele, percebendo que se portava como uma adolescente retirou a mão da dele.
— E seus inimigos, como chamam você? — perguntou.
— Impiedoso.
O termo fora pronunciado com naturalidade, mas um estranho arrepio percorreu Gina. Debaixo daquele encanto irresistível parecia existir uma implacável firmeza.
— Mas tenho certeza de que seremos amigos — ele falou, como se notasse a reação dela. — Podemos ir, Virginia?
Ela o seguiu.
— Gina, pode me chamar de Gina. É assim que meus amigos me chamam.


O ar empoeirado estava impregnado do cheiro de óleo diesel e asfalto. Mas a tarde de junho era ensolarada, e o céu, uma cúpula azul.
Devia ser meia-noite em Londres, Gina pensou, sentando-se ao lado de Draco no Mercedes prateado. Quando deixaram para trás o pesado trafego do aeroporto, ele retomou a conversa.
— Como foi seu vôo?
— Meu vizinho da poltrona disse que foi monótono — ela falou. — Mas eu achei divertido. Mesmo não tendo o hábito de assistir televisão, gostei das telinhas nos encostos das poltronas e adorei as bandejas de plástico das refeições.
Ele sorriu, divertido, fazendo-a corar.
— Foi meu primeiro vôo — admitiu ela. — Ou, pelo menos, é o primeiro que me lembro.
— Nasceu nos Estados Unidos, não?
— Não, nasci em Londres durante uma viajem dos meus pais, algo de rever a terra natal deles — ela disse — Com poucos dias de vida meus pais retornaram para os Estados Unidos onde papai tinha os negócios dele, mas quando eu tinha três anos minha mãe me levou para a Inglaterra.

E desde então, levara uma vida bastante comum. Livros e sonhos foram seus únicos meios de fuga.
Poderia ter continuado assim, se Ronald não tivesse inesperadamente entrado em contato com ela.
A carta fora endereçada à mãe, contando sobre o fatal ataque de coração do pai e revelando que o pai jamais se casara novamente, morreu amando a ex-esposa.
Gina escrevera de volta, dando sua noticia triste, a da morte da mãe deles e revelando o fato de que a mãe também jamais retornara a se casar e revelando que em seu último suspiro afirmou que só se amava uma vez na vida. Poucos dias depois, ela recebera uma carta de Ronald.

“Sempre lamentarei não ter mantido contato com vocês duas nos últimos anos. Agora é tarde demais.
Não creio que se lembre de mim. Lembro de você, como uma menininha de cabelos vermelhos. Costumava andar a meu lado, segurando meu dedo. Quando eu me sentava, você subia nos meus joelhos, punha o dedo na boca e adormecia.
Conte o que está fazendo. Ficou sozinha, agora que mamãe morreu?”

Quando descobrira como Gina vivia, Ronald escrevera de novo, sugerindo que ela fosse para nova York.

“Do jeito que as coisas estão, o mínimo que posso fazer é tentar conseguir um emprego para você, e um lugar onde possa morar. Se não gostar, poderá voltar para a Inglaterra.”

Sem família e cheia de pesar, ela se agarrara àquela chance de se reunir ao irmão, de quem mal se lembrava.
Indo para Manhattan, pelas áreas residenciais de Queens, Gina e Draco tinham o pôr-do-sol a sua frente. A luz dourada banhava as copas das arvores e os edifícios com seu toque de Midas.
Gina, porem, mal notava. Continuava pensando, calda, até que uma pergunta emergiu.
— Ronald e eu somos parecidos?
Ele a olhou rapidamente.
— Um pouco.
— Então, como me reconheceu? Quero dizer, havia tanta gente, e muitas mulheres viajando sozinhas.
Ele pareceu desconcertado por um segundo.
— Você estava obviamente procurando por alguém — falou em tom clamo. —Então, resolvi tentar.
Ela ergueu levemente as sobrancelhas. Havia algo insatisfatório naquela resposta.
— Presumo que seja amigo de Ronald — comentou, afastando a suspeita absurda de que ele mentira.
— Mais colega de trabalho que amigo — ele corrigiu secamente.
— Está trabalhando para ele?
— No momento, ele está trabalhando pra mim.
— Ah...
Ela imaginara que, com a morte do pai, Ronald tornara-se dono da CMW Eletronics.
— A Malfoy Holding comprou a firma — Draco explicou.
Ela reconheceu o sobrenome Malfoy como parte de uma grande companhia. E ele era Draco Malfoy, o chefão, o menino prodígio, que, aos trinta anos, tornara-se multimilionário por méritos próprios. Bem diferente de herdar a firma do pai.
Colunistas sociais lamentavam que soubesse tão pouco sobre ele. Draco trancava sua privacidade a sete chaves e permanecia um enigma, num mundo onde promover-se fazia parte dos negócios.
O que a imprensa tinha como certo, e frequentemente reiterava, er sua personalidade obstinada.
Gina sentiu um pequeno, mas desagradável choque. Não era de admirar que ele esperasse que ela reconhecesse seu nome!
— Não sabia que tinha comprado a companhia — murmurou.
— Não se preocupe — disse ele, irônico. — Não é a única. A noticia ainda não foi divulgada.
O mais intrigante, para Gina, era pensar por que um homem como aquele fora esperá-la.
— Foi muita gentileza sua ir me buscar, sr. Malfoy.
— Foi um prazer — ele replicou, voltando para ela os sorridentes olhos cinzentos.
Uma forte atração tomou conta de Gina, impedindo-a de falar por uns instantes. Esforçou-se para voltar a raciocinar.
— Ronald pensou que pudesse ir me buscar.
— Uma mudança de planos, na última hora, impediu-o — ele esclareceu. — Surgiram uns negócios inadiáveis, e seu irmão teve de ir para Hong Kong esta manhã.
— Para Hong Kong?! — ela exclamou, incrédula. — Quer dizer que não está em Nova York?
Fez uma pausa refazendo-se.
— Não, não precisa responder — continuou. —É claro que Ronald não está aqui. Deve achar que sou idiota, mas não esperava que ele não estivesse e... me sinto subitamente sozinha e um pouco apreensiva.
— Um tanto cansada e frustrada? — ele sugeriu. — E sem duvida desapontada, por em encontrar no lugar de seu irmão?
Ela não estava desapontada, e sim confusa. E admirada por saber quem era Draco, mas tão irresistivelmente atraída por ele, que “desapontada” seria a ultima palavra que lhe ocorreria.
— Por que está aqui, afinal? — conseguiu perguntar.
— Pensei que já houvesse percebido que fui buscá-la no aeroporto — ele brincou.
O coração de Gina deu um salto.
— Quero saber por que ‘você’, em vez de outra pessoa — ela explicou. — Não deve ser comum, para o grande Draco Malfoy, fazer favores para seus funcionários.
Fez-se um breve silencio.
Talvez, como a maioria dos machões, ele não tivesse senso de humor. Ou será que pensara que ela estava sendo delicadamente rude?
Gina estava quase se desculpando, quando, para sua surpresa, ele riu.
— Preciso me lembrar de lhe dar umas palmas, quando nos conhecermos melhor — ele brincou.
— Como isso não está previsto, não tenho com que me preocupar — ela retrucou.
— O que não está previsto?
— Nos conhecermos melhor.
— Por que diz isso? — ele perguntou, intrigado.
— Bem, depois de me deixar no apartamento de Ronald...
— O apartamento está vazio, e ele estará fora por três semanas, pelo menos, então não vou levá-la para lá.
— Ah... — ela suspirou, pensando nos poucos dólares americanos que tinha bolsa. — Vai me levar para um hotel?
— Não. Providenciei para que fique na minha casa.
Ela ainda tentava disfarçar a excitação, quando ele prosseguiu:
— Assim, poderei ficar de olho em você.
Draco falava como se ela fosse uma criança.
— Não preciso que fiquem de olho em mim — Gina replicou, indignada. — Sou uma mulher feita.
O olhar de Draco demorou-se na curva delicada de seus seios, realçada pela seda da blusa.
Ela estremeceu. Foi tão erótico como se ele a tivesse tocado.
— Não posso negar que seja uma mulher feita — ele observou com um sorriso. — Mas em Nova York você ainda é como um bebê, e sou responsável por sua segurança.
— É muito nobre de sua parte — ela rebateu rapidamente. — Mas não consigo entender por que se sente responsável.
O semáforo onde pararam mudou para verde, e eles rodaram meia quadra, antes que ele respondesse.
— foi por minha causa que seu irmão teve de viajar, desistindo de ficar aqui para tomar conta de você.
Draco parecia bem satisfeito com a situação, ela considerou. Mas, se a imprensa estava certa, ele não permitia que nada interferisse em seus negócios.
De repente, Gina percebeu que, se sabia pouco sobre a vida publica dele, não sabia absolutamente nada de sua vida particular! Com uma sensação de perda, considerou que talvez ele tivesse mulher e filhos.
— É casado? — arriscou, quase sem pensar.
— Isso é uma proposta? — ele rebateu.
— Claro que não! Eu só... — ela se interrompeu, percebendo a brincadeira.
— Se sentirá mais protegida, se eu for casado? — Draco provocou.
“Ele notara o quando a impressionara? Pensou Gina. Ou será que pensava que todas as mulheres estavam atrás dele? Talvez ambas as coisas.”
— Não sei quase nada sobre você. Então, não pode me culpar por imaginar que seja casado.
Ele fez um gesto de quem se rendia.
— Acontece que não tenho esposa. Nem filhos. E nenhuma amante, no momento — concluiu, malicioso.
— Ah! — ela murmurou com imensa satisfação, como se tivesse recebido um prêmio.
— Então, terá de confiar em mim — ele falou. — Isso a preocupa?
Talvez devesse, já que não sabe nada a meu respeito. Só tem minha palavra, de que sou quem sou. Eu poderia estar raptando você.
Ainda que ele falasse em tom de brincadeira, havia algo em seu jeito que deixou Gina arrepiada.
— É, poderia — ela concordou. — Mas não tenho dinheiro, nem relações importantes, portanto não sei por que me raptaria.
— Porque é uma mulher atraente — ele declarou.
— E o que faria me levaria para Buenos Aires? — ela perguntou, brincando.
— Para minha cama seria mais apropriado.
— É mesmo? — ela tentou mostrar-se divertida, mas sua voz soou desafinada. — É sua idéia de proteção.
— Se quiser se proteger de mim, só precisará de minha governanta.
Aquilo soou tão britânico.
— Tem uma governanta? — ela perguntou, surpresa.
— A sra. Kirk. Muito eficiente, é a própria respeitabilidade. Filha de um pastor escocês, viúva de um pároco.
Subitamente, ele desatou a rir.
— Pensa que estou brincando? — perguntou.
— Acho que pensei, sim.
— Bem, não estou. É a mais pura verdade. Juro que morria de medo dela, quando a contratei. Para dizer a verdade, ainda morro.
Lisa deu uma risada.
— Não acredito!
— Ela governa meu apartamento com pulso de ferro.
— E onde fica seu apartamento? —ela perguntou.
— Na quinta avenida, com vista para o central parque.
“Onde mais poderia ser?,” ela pensou.
Enquanto conversavam, atravessaram o túnel por baixo do East River e encontraram-se nos desfiladeiros de concreto, viro e aço de Manhattan.
O sol já se pusera, e o céu azul-escuro, servindo de fundo para milhões de luzes coloridas, cobria a cidade como um manto bordado.
Em qualquer outra situação, Gina ficaria encantada. No momento, só parte de sua atenção estava voltada para o cenário que atravessavam: os arranha-céus espetaculares, o trafego alucinante, as calçadas apinhadas, o burburinho de Nova York à noite. A outra parte estava voltada para seu acompanhante.
Draco Malfoy era perturbador.
Descobrindo quem ele era, Gina esperava ver um arrogante milionário, vaidoso e sem senso de humor. Mas ainda que houvesse certa altivez em seus modos, ele era simples, atraente e inteligente. Poder e dinheiro podiam conferir certo charme, mas o magnetismo dele vinha de dentro.
Draco era bondoso também. Se não fosse, por que se preocuparia em ir buscá-la e acomoda-la em seu apartamento?
— Está é a quinta Avenida — ele informou, quebrando o silencio.
Gina olhou a avenida famosa, os museus, as galerias e lojas renomadas em meio a luxuosos edifícios de apartamentos.
Na altura do espetacular Edifício Fitzgerald, a Mercedes enveredou por uma entrada particular. Uma barreira eletrônica ergueu-se, e o carro entrou numa garagem subterrânea.
Draco estacionou numa vaga numerada e saiu para abrir a porta para Gina.
Um homem corpulento, usando uniforme azul, apareceu para saudá-los.
— Boa noite, sr. Malfoy.
— Boa note, Joe. Esta é a srta. Weasley. Será minha hóspede por algumas semanas.
Gina sorriu para Joe.
— Boa note senhorita — ele cumprimentou com ar de aprovação.
Draco jogou-lhe as chaves.
— Peça para o Peter levar a bagagem para cima, está bem?
— Pode deixar, senhor.
Draco conduziu Gina até o elevador privativo, mantendo a mão em suas costas, e sua proximidade perturbou-a.
— Joe me faz lembrar William Bendiz — ela observou, referindo-se a um velho ator de cinema.
— É verdade — ele concordou. — Mas não sei como pode ter ouvido falar de Bendix.
— A sra. Bartholomew, de quem eu tomava conta, gostava de filmes antigos — Gina explicou.
Saindo do elevador, entraram num saguão de mármore claro, com varias estatuas clássicas, um lustre de cristal e uma elegante escadaria curva.
“Então, é assim que a outra metade vive”, Gina pensou.
Em frente À escadaria, havia uma porta branca e dourada que se abriu, quando Draco acionou uma chave eletrônica.
Tentando não parecer extasiada, Gina atravessou um vestíbulo espaçoso e entrou na sala.
Tudo ali era lindo e grande, a decoração basicamente em branco, com toques de cores vibrantes aqui e ali. Mobiliado de modo simples e confortável, com um mínimo de peças modernas, era o ambiente de um homem que gostava de viver bem.
Uma mulher apareceu, enquanto Gina admirava o lugar. Ar severo, cabelos grisalhos presos num coque meio desfeito e óculos de aros de aço. Usava, incongruentemente, uma calça larga, verde e roxa, camiseta e chinelos.
— Ah, sra. Kirk... — disse Draco, enquanto Gina se segurava pra não rir.
Fez as apresentações.
— Como vai? — Gina murmurou gentilmente.
Os olhos da governanta, escuros como os de um pássaro, a perscrutaram sem sorrir.
— Sei que vai ter trabalho extra, comigo aqui — Gina falou, desculpando-se antecipadamente.
Essa frase surtiu o efeito desejado. Foi como se ela passasse no teste.
— Imagine! — disse a governanta, suavizando a expressão. — E o que foi que o sr. Malfoy falou a meu respeito? Que sou um dragão?
— Disse que a senhora é a imagem da eficiência e da respeitabilidade — Gina respondeu, decidia a ser diplomática.
— Ah, foi? — murmurou a sra. Kirk, olhando de soslaio para Draco. — Bem, vou me deitar. Preparei alguma coisa para comerem.
Assim que a governanta saiu, Gina perguntou:
— Faz muito tempo que ela está com você?
— Desde que o marido morreu, há dez anos. Está nos Estados Unidos há mais de quinze anos.
— E ainda tem sotaque escocês — Gina comentou.
Uma campainha interrompeu a conversa. A bagagem acabava de chegar.
Assim que Peter, um jovem de descendência hispânica, colocou as malas no devido lugar, Draco levou Gina à cozinha enorme e arejada, o sonho de todo decorador. Havia um balcão em forma de ferradura, rodeado por bancos. Um delicioso aroma de café pairava no ar, e o que a sra. Kirk chamara de ‘algumas coisa para comer’ daria para alimentar uma dúzia de pessoas!
Olhando para a refeição, Gina admitiu que estava com muita sede, mas sem fome.
— Será que foram muitas bandejas de plástico? — Draco zombou.
— Acho que sim — ela riu.
— Creio que é mais uma questão de fuso horário — Draco observou. — A menos que esteja habituada a cear Às três da manhã.
Ela abanou a cabeça. A não ser cuidar da velha sra. Bartholomew, tudo o que já fizera àquela hora fora dormir. Quem dera tivesse alguma festa que durasse toda a noite para ir de vez em quando.
— Me sinto tão culpada vendo toda essa comida...
— Não se preocupe — ele falou. — Logo cedo, amanhã a sra. Kirk levará tudo para a missão do East Side, para alimentar os pobres. E então, o que gostaria de beber? Suco, limonada? Café talvez lhe tire o sono.
Ela estava tão cansada, que, ainda que uma orquestra inteira tocasse dentro do seu quarto, não a impediria de dormir.
— Café está ótimo — ela falou em tom de desafio.
Dando de ombros, Draco pegou o bule e encheu com café preto duas canecas grossas, tão incongruentes na elegante cozinha quando a camiseta e os chinelos da sra. Kirk naquele apartamento.
Quando entregou a caneca a Gina, seus dedos se tocaram. Ela tremeu como se tivesse levado um choque. Os olhos cinzentos sorriram para os dela, zombeteiros.
— Quente?
— Muito — ela murmurou escorregando para um banco.
Draco não fez menção de se sentar. Tomou o café em pé.
— Quantos anos você tem, Gina? Dezoito, dezenove? — perguntou com doçura.
Gina não gostou de ser tratada como criança.
— Vou fazer vinte e um, logo — respondeu, erguendo o queixo, desafiadora. — E você?
— Quase trinta e três.
— Que velho! — ela caçoou. —Mesmo assim, não consigo penar em você como uma figura paternal.
— Nem eu pretendia que o fizesse — ele murmurou, inclinando-se sobre ela. —A ultima coisa que desejo é ser um pai para você. — Voltando a falar naturalmente, ele continuou: — Disse que saiu dos Estados unidos com três anos?
— É. Minha mãe me levou para a Inglaterra logo que se separou de meu pai.
— Ela era inglesa?
Gina assentiu com a cabeça.
— Nasceu e cresceu em Sussex. Tinha suas raízes lá, ainda que àquela altura meus avós já fossem falecidos.
— Por que não levou Ronald?
— Ela queria, mas meu pai só concordou com o divorcio coma condição de que o filho ficasse com ele. No principio, ela recusou, mas, como Ronald já tivesse quase catorze anos, decidiram consulta-lo. Ele preferiu ficar com o papai.
— Foi uma separação amigável?
— Não. Houve muita discussão. Mamãe fez o possível para manter contato com Ronald, mas, ainda que escrevesse toda semana, nunca obteve resposta. Parece que meu pai interceptava as cartas. Não sei bem porque eles se separaram, não o motivo de tanta magoa, mas parece que ambos morreram se amando.
Dando tempo a ela para se refazer, Draco serviu-lhe mais café.
— Continue — encorajou-a.
— Só tive noticias de Ronald depois que papai morreu. Por uma estranha coincidência, poucas semanas se passaram entre a morte de papai e a de mamãe. Ele morreu do coração, e ela num acidente de carro. Ainda chegou viva no hospital, mas não puderam salva-la.
Draco franziu as sobrancelhas.
— Depois de dezoito anos sem se preocupar, o que fez Ronald procurar você?
— Mas ele se preocupava! — ela exclamou, contente. — Disse que sempre se sentiu culpado por não ter mantido contato comigo, mas que não podia ir contra a vontade de papai.
— Se ele dava tanta importância à vontade do pai, a ponto de vocês serem quase estranhos, por que quis que viesse para cá? — Draco indagou asperamente.
— Na verdade, não sei — ela admitiu, desconcertada. —Parece que o incomoda saber que não herdei nada de meu pai, ainda que eu não esperasse coisa alguma. Perguntou-me como eu vivia...
— E?
— Contei a ele.
— Conte para mim.
— Eu... estava sem casa e sem trabalho — ela contou relutante.
— E como isso aconteceu? — ele quis saber.
— Quando minha mãe me levou para a Inglaterra, procurou um emprego e um lugar onde pudéssemos morar. Encontrou trabalho como governanta e enfermeira de uma senhora idosa que não se importou de ter uma criança em casa.
Draco a olhava soturnamente.
— O que mais?
— Era uma casa velha e grande, e quando terminei a escola, a sra. Bartholomwe já estava praticamente inválida, precisando de cuidados o tempo todo. Portanto, em vez de procurar trabalho fora, fiquei para ajudar mamãe.
A expressão de Draco não mudou.
Gina tomou um gole de café, constrangida.
— Logo depois do acidente com mamãe, a pobre sra. Bartholomew teve um derrame — continuou. — Precisava de cuidados constantes, de modo que seus parentes a levaram para uma clinica. A casa foi posta à venda.
— Então, quando Ronald soube da situação, sugeriu que viesse para cá?
— É.
— E você concordou.
— Eu não estava pedindo ajuda — Gina disse, defendendo-se do tom cínico que ele usara. — Ronald se ofereceu para me arranjar trabalho e um lugar para morar, só isso. Não havia nada que me prendesse na Inglaterra.
— Nem um namorado? — ele perguntou.
Ela tivera vários, mas nenhum especial, até eu Simas aparecera. Fora feliz com ele, fizera planos, mas Simas a deixara por uma loira sexy chamada Janine.
— Ninguém que eu não pudesse deixar — respondeu friamente.
— Amigos? Parentes?
— Um ou dois amigos. Ronald é meu único parente próximo neste mundo!
E nem estivera presente para recebê-la! Draco admitira a responsabilidade, mas, ainda assim, Ronald bem que poderia ter escrito um bilhete, antes de viajar.
— Ele não deixou nenhum bilhete para mim?
— Bilhete? — Draco pareceu alarmado por um instante. — Estava esperando um?
— Esperando, não, mas pensei que, talvez... — suas palavras morreram na garganta.
— Pelo que sei, ele não deixou nada. Não deve ter-lhe ocorrido, com a pressa.
Gina teve a impressão Draco Malfoy mentia, escondia alguma coisa. Pensando melhor, concluiu que todos aqueles pensamentos estranhos deviam ser causados pelo cansaço da viagem, pela diferença de fuso horário.
De qualquer forma, parecia mesmo esquisito que Ronald não lhe deixasse ao menos uma nota. Era o mínimo que ela poderia esperar.


Comentário: Aqui o segundo capítulo. O terceiro capítulo só virá se pedirem no mínimo umas cinco pessoas. Bem, espero que gostem e... O que será que Draco esconde? Por que está todo carinhoso e prestativo com Gina?

Dependendo dos pedidos por atualização, logo, logo... vocês descobrirão...

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