Norte



Norte

Harry sentiu uma forte luz lutar para transpassar suas pálpebras. Apertando os olhos, ele desejou mais alguns minutos de sono, mas a dor que lhe tomava o corpo parecia lhe dizer claramente que seu pedido não seria atendido. Com um braço à frente dos olhos para protege-los da claridade, tateou em busca dos óculos. No entanto, ao invés de sua mesa-de-cabeceira, o que Harry sentiu foi areia.

Perplexo, ele forçou seu corpo a se levantar e se sentar. Seus olhos demoraram a se acostumar com a claridade do ambiente. Por fim, ele conseguiu ver que seus óculos não estavam muito longe de seu braço direito e ao colocá-los, seus olhos confirmaram o que suas mãos haviam sentido.

Ele estivera deitado sobre uma areia branca finíssima, que se estendia por toda a praia, refletindo a luz solar. Mas seria possível que tivesse passado a noite inteira ali?

À sua frente havia um maravilhoso mar azul claro, parecido com o que vira uma vez em um programa sobre o Caribe, na televisão dos Dursley. Mas pensando bem, aquele poderia ser o mar de alguma praia da Indonésia ou da Índia. Onde diabos ele estava?

O cantar de um pássaro forçou-o a olhar para trás. Havia uma mata extremamente verde às suas costas, com palmeiras e várias outras árvores que ele só conhecia de ver na televisão, ou que estavam em seus livros escolares antes de Hogwarts.

Harry estava cada vez mais perplexo. Sem saber o que imaginar, seu primeiro pensamento foi como estava fazendo calor e como ele estava com sede. Era melhor conjurar um pouco d’água. Colocando a mão no bolso da calça jeans que vestia, Harry notou que sua preciosa varinha não estava lá. Soltando um palavrão em alto e bom som, ele decidiu levantar-se e sair para buscar água. Foi então que ele a viu.

Uma garota estava estendida na areia, a uns dois metros de distância de Harry, mas parecendo assustadoramente próxima. A primeira coisa que o garoto notou foram seus cabelos, louros muito claros, porém mal cortados e sujos de areia. Perguntando-se quem seria a tal garota, ele procurou em seu rosto algum sinal identificável.

Justamente enquanto a encarava fixamente, ela abriu os olhos, que piscaram assustados ao fitá-lo. Harry não pôde deixar de notar como eles pareciam levemente saltados.

-“Huuum... olá.” – disse sem jeito, quando lhe pareceu que o silêncio já tinha durado tempo demais.

A garota não respondeu, já que o fato de estar deitada em uma praia, com um garoto totalmente desconhecido a encarando parecia não incomodá-la.

-“Eu estava me perguntando se... bem, se você sabe onde estamos.” – disse Harry, em sua segunda tentativa de estabelecer contato.

-“Achei que você estaria se perguntando quem sou eu, já que você... bem, você é Harry Potter.”

O garoto se surpreendeu, sentindo-se, ao mesmo tempo, envergonhado por não ter perguntado o nome da garota, nem se apresentado.

Mas ela não dissera que ele era Harry Potter? Então ela o conhecia. Mas de onde?

-“Meu nome é Luna Lovegood e eu também estudo em Hogwarts.”

Harry ergueu as sobrancelhas.

-“Huum, bom isso... é bom.”

Luna ergueu o tronco e apoiou-se nas mãos. Com seus brilhantes olhos azuis ela examinou o lugar à sua volta. Harry não sabia o que dizer, muito menos o que fazer, mas acabou por imitar o gesto da garota, passando a olhar novamente ao redor.

-“Eu gosto de Hogwarts.” – a voz de Luna o trouxe de volta à realidade. Era incrível ela falar daquele modo, como se a conversa não tivesse sido interrompida pelo silêncio.

Harry não respondeu, ao que ela prosseguiu:

-“Você sabe onde estamos? Eu pessoalmente acho que foram os laniocci que nos trouxeram para cá, sabe...”

-“Os o quê?”

-“Laniocci!” – disse Luna, parecendo espantada que o garoto não soubesse o que eram – “São demônios parecidos com águias que seqüestram os bruxos e os levam para longe de suas casas.”

Harry não pôde deixar de erguer as sobrancelhas ante o comentário.

-“O que você estava fazendo antes de acordar?”

Ele se assustou com a pergunta. O que ele estivera fazendo antes de acordar?

-“Bem eu... eu acho que estava dormindo.” – respondeu, ao que Luna fez um ‘ah’ de compreensão.

-“E antes de estar dormindo?” – perguntou ela, ainda séria.

-“Me lembro de estar no meu quarto, na rua dos alfeneiros, mexendo nos meus materiais de Hogwarts.”

-“Era noite?”

Harry confirmou com a cabeça, tentando entender aonde a garota queria chegar com aquele estranho interrogatório. Luna, entretanto, estava séria.

-“Então não foram os laniocci, eles só atacam de dia.” – concluiu ela, ao que seu rosto adquiriu uma expressão pensativa, como se estivesse tentando formular outra teoria.

-“O que você estava fazendo antes de vir para cá?” – perguntou Harry.

-“Ajudando meu pai com os gnomos lá de casa.”

-“Ah... estava fazendo uma desgnomização?” – arriscou ele, lembrando do dia em que ele próprio fizera esse trabalho no quintal dos Weasleys.

-“Não,” – começou Luna, ao que Harry arregalou os olhos – “estava alimentando-os.”

Um novo silêncio caiu entre os dois, fazendo com que Harry se lembrasse da secura que sentia em sua boca.

-“Você está com sua varinha? Porque sabe, acho que precisamos conjurar um pouco de água.”

-“Tem razão, seu cabelo está cheio de areia!” – comentou Luna, sorrindo.

Harry levou sua mão aos cabelos, sentindo-os ásperos devido à areia, enquanto Luna procurava sua varinha – primeiro atrás da orelha, depois nos bolsos.

-“Minha varinha sumiu...” – comentou a garota –“Ahá! Então devem ter sido os arnicons!”

-“Arnicons?”

-“Sim, são bichinhos parecidos com toupeiras que roubam as varinhas dos bruxos, para ver como se viram sem magia.” – explicou Luna.

Harry decidiu ignorá-la, já que aquelas teorias absurdas sobre animais mágicos que nem ao menos estavam nos livros escolares não estavam ajudando em nada. Levantando-se, o garoto olhou em direção à mata.

-“O que foi?” – perguntou ela, também se levantando e fazendo com que vários grãos de areia se desprendessem de seu cabelo.

-“Temos que encontrar água e comida. Você me ajuda?”

-“Acho que eu preferia tomar um banho de mar primeiro...”

Harry assustou-se com a resposta, decididamente não era aquilo que ele esperava ouvir.

-“Está bem, eu já volto.” – e dizendo isso, andou em direção à mata.

-“Até mais, Harry Potter!” – despediu-se Luna.


Harry estava confuso, não conseguia entender como fora parar naquele lugar. Enquanto andava pela mata, procurando algum riacho ou lago que pudesse lhe fornecer um pouco d’água, pensava nas teorias de Luna. Aqueles animais realmente existiriam?

Parecia impossível.

Voldemort deve ter me trazido até aqui. - pensava ele - Ele me seqüestrou e me largou nesse lugar abandonado, sem magia, para me ver morrer de fome e sede.

Aquele pensamento o fez olhar ao redor e apurar os ouvidos, já que Voldemort ou algum de seus comensais deveria estar por perto. Harry parou e ficou escutando. Naquele ponto da mata o canto dos pássaros era mais alto e freqüente, vários mosquitos e moscas passavam por ele, zunindo sem parar. De repente, ele ouviu o barulho de alguém se aproximando. Com o coração acelerado, Harry se escondeu atrás de uma árvore.

Andando rápido, porém com passos trôpegos e incertos, aproximava-se uma figura. Mesmo à distância, Harry pôde ver que tratava-se de uma adulto, uma mulher, na verdade. Mas ela não estava vestida como um comensal, tampouco aparentava representar perigo algum. Quando a mulher se aproximou um pouco mais, ele viu que sua roupa era verde claro, seu cabelo era louro e suas unhas eram compridas e escarlates. Tratava-se de Rita Skeeter.

Esquecendo-se da cautela, Harry saiu de trás da árvore para encará-la. Pega de surpresa, a jornalista parou de supetão, cambaleando, e demorou uns dez segundos a mais do que o habitual para reconhecê-lo.

-“Harry!” – gritou, o mais alto que sua voz embargada lhe permitiu – “Que surpresa agradável!”

O garoto simplesmente fechou a cara, era evidente que Rita estava bêbada.

-“Diga-me Harry querido,” – começou ela, abrindo a bolsa e retirando sua pena-de-repetição-rápida – “o que o trás aqui, decidiu tirar férias em um lugar exótico?”

-“Guarde isso!” – disse Harry, em tom de ordem .

-“Ora, ora, ora... o famoso Harry Potter achando que manda em alguma coisa!” – desdenhou Rita, mas guardando a pena mesmo assim.

-“Está com sua varinha?” – perguntou ele, ignorando o comentário anterior.

-“Mas é claro que estou com minha varinha! Ela está bem aqui.” – respondeu ela, revirando a bolsa, mexendo nos bolsos e nas mangas.

Harry soltou um suspiro de impaciência, seria possível que todos estivessem privados da magia naquele lugar?

Rita estava confusa, aquele bruxo jamaicano com quem ela conversara na noite anterior, no caldeirão furado, tinha roubado sua varinha? Era estranho pensar naquela possibilidade, mas era a única teoria que ela tinha – o jamaicano roubara sua varinha e a largara naquele lugar. Mas como explicar a presença de Harry? Sua cabeça doía, fazendo com que ela sentisse na pele o forte efeito do uísque de fogo.

-“Precisamos encontrar água.” – murmurou Harry.

-“Água? Eu passei por um riacho no caminho, logo ali.”

O garoto olhou na direção que Rita apontava.

-“Me mostre o caminho.”

-“Qual é o problema, Harry querido, não confia em mim?” – Rita fez cara de coitadinha.

-“Você sabe que não.”

-“Então eu tenho uma grande novidade para você:” – e chegou mais perto do garoto, de modo que ele pôde sentir seu forte bafo de bebida alcoólica – “você não pode me obrigar!” – e saiu, cambaleando, na direção em que ele viera.

Harry fez uma careta e espanou o bafo de Rita da frente de seu nariz. Era verdade que ele não confiava na jornalista, mas não tinha outra escolha. Amaldiçoando quem quer que tivesse pego sua varinha, ele andou na direção que Rita lhe indicara.

Alguns metros adiante, Harry ouviu um leve ruído de água correndo, havia uma nascente em meio à algumas pedras. A água que saía de lá não era muita, mas era cristalina e fresca.

Depois de beber e lavar o rosto, ele resolveu voltar à praia para chamar Luna. Quando chegou, encontrou a garota conversando com Rita Skeeter.

-“Laniocci não existem, menina!” – dizia a repórter.

-“É claro que existem, meu pai publicou uma reportagem sobre eles na última edição de sua revista.”

-“Seu pai tem uma revista?”

-“Claro!” – sorriu Luna – “Ele é o editor de ‘O Pasquim’.”

Rita ficou séria, encarando a menina por algum tempo, depois explodiu em risadas.

-“O Pasquim? Você chama aquilo de revista?”

Luna fechou a cara.

-“Não ligue para ela.” – disse Harry, se aproximando – “Venha, encontrei um riacho de água pura.”

Luna deixou-se conduzir, mas não sem antes lançar um último olhar irritado à Rita, que assumiu um ar de pouco caso e sentou-se na areia.

-“Ainda precisamos encontrar comida.” – comentou Harry, enquanto Luna bebia.

A garota confirmou com a cabeça e logo em seguida, os dois saíram para procurar o que comer. Encontraram, por fim, uma penca de bananas selvagens, cujo gosto era amargo e adstringente, mas tirou-lhes o ronco do estômago. No fim da tarde, conseguiram improvisar um abrigo, em cuja construção até Rita ajudou.

No final da tarde, um exausto Harry sentou-se à sombra do abrigo. O pôr-do-sol estava à sua esquerda, portanto ele concluiu que estava ao norte do lugar. Haveria mais alguém por perto?

A noite foi fria, já que eles não conseguiram ascender uma fogueira. A escuridão, no entanto, foi amenizada por um céu maravilhosamente estrelado e uma lua cheia realmente bela. Harry tentou se localizar usando seus conhecimentos de Astronomia, mas foi inútil. Por fim, só restou-lhes tentar dormir, ignorando os soluços de Rita, que recusou-se a beber água do mar para para-los.

No dia seguinte, Harry acordou novamente com a claridade do sol em seu rosto e desapontou-se por não estar em seu quarto. Não, o dia anterior não tinha sido um sonho. Fazendo um grande esforço para se levantar, ele notou que Luna não estava por perto e que Rita ainda dormia. Indeciso se deveria sair para beber água e se lavar ou se deveria esperar a volta de Luna, Harry ficou alguns segundos parado, encarando o mar.

Foi então que a voz da garota o despertou de seus devaneios.

-“Bom dia, Harry!”

-“O que? Ah, bom dia, Luna.” – disse ele, virando-se para encarar a garota.

-“Será que você poderia me ajudar? Encontrei uma coisa engraçada.”

-“Huum, claro. O que é?”

-“Venha comigo.” – e sem mais cerimônia, Luna guiou-o para dentro da mata, através da trilha que levava até o riacho.

No entanto, pouco antes de chegarem à nascente, a garota fez uma curva para a esquerda e andou mais alguns metros, parando em frente a uma caixa de papelão.

-“Acho que os gnomos deixaram isso para a gente.” – comentou ela, alegre, fazendo um gesto em direção ao objeto.

Harry arregalou os olhos.

-“Os gnomos?”

-“Sim, gnomos deixam presentes para os bruxos quando você os trata bem.”

Harry tentou se lembrar de quando tinha tratado bem um gnomo, mas não conseguiu.

-“Então vamos abrir.” – disse ele, que mesmo sem acreditar que gnomos poderiam deixar caixas de papelão para bruxos, estava curioso para saber o que o objeto continha.

-“Não!” – protestou Luna – “Não podemos abrir a caixa no mesmo lugar em que foi encontrada! Por isso eu preciso que me ajude a levá-la para o abrigo. Depois, teremos que dar aos gnomos algo em troca.”

-“Está bem, vamos.”

Os dois seguraram a caixa e começaram a carregá-la. Era pesada e pelo tamanho, lembrava a Harry a caixa da última televisão 29 polegadas que os Dursleys haviam comprado. Por fim, eles conseguiram levar a caixa até o abrigo, onde Rita ainda dormia.

-“Podemos abrir agora?”

-“Ainda não, Harry, primeiro temos que agradecer o presente.”

-“Certo. Vamos deixar algumas bananas para os gnomos?”

-“Não, eles têm bastante comida, temos que pensar em algo que eles não tenham.”

Harry olhou ao seu redor, o que poderiam dar para os gnomos? Ali não havia muitas opções. Tinham algumas folhas de bananeira, um punhado de conchas e areia, muita areia.

-“Aquilo vai ser perfeito!” – exclamou Luna, apontando para Rita Skeeter.

-“Não, não acho que eles vão gostar de ganhar a Rita.” – disse Harry.

Mas Luna não o escutou, correu para a repórter e pegou um rolo de pergaminho que estava ao lado de sua bolsa. Esticando o papel, a garota cortou-o em dois, devolvendo um pedaço e pegou o outro para si.

-“Vamos!” – disse, puxando Harry pelo braço.

Os dois voltaram ao ponto onde tinha encontrado a caixa e depositaram lá o pergaminho.

-“Acha que eles vão gostar?” – perguntou Luna.

-“Vão sim.” – disse Harry, sem querer contradizer a garota – “Eles vão fazer uma festa quando virem!”

A garota sorriu e eles voltaram ao abrigo.

Não precisaram fazer muita força para abrir a caixa, mas não puderam segurar seus queixos quando viram o que ela continha.

-“Pasta de dente?” – surpreendeu-se Harry.

-“É pasta de dente sim!” – sorriu Luna, parecendo realmente animada –“Um carregamento inteiro!”

-“Não acho que seja um carregamento inteiro, mas com certeza tem bastante.”

-“O que vocês estão fazendo aí?” – era Rita, que finalmente acordara.

Como nem Harry nem Luna lhe responderam, a repórter se aproximou para examinar o conteúdo da caixa.

-“Aonde vocês arranjaram isso?” – perguntou, abrindo um tubinho de pasta para cheirá-lo – “Parece muito bom.”

-“Os gnomos nos deram.” – sorriu Luna.

Rita encarou a garota como se ela tivesse cinco olhos na testa, obviamente não acreditando.

-“Sua escola não lhe ensina que gnomos são pragas de jardim, e não fadinhas bondosas? De qualquer forma, eu não sei por que estou surpresa, considerando o professor que você tem...”

Harry abriu a boca para defender Hagrid, mas Luna foi mais rápida:

-“Nosso professor de Trato de Criaturas Mágicas é o melhor que existe!”

-“Não me faça rir!” – disse Rita, fazendo um gesto de quem espanta uma mosca – “Aquela aberração não deveria nem chegar perto de Hogwarts.”

-“NÃO FALE ASSIM DO HAGRID!” – gritou Harry, aproximando-se da jornalista.

-“Está bem, está bem, Harry querido. Não vamos brigar, vamos? Não agora que ficamos amigos! Nós até construímos um abrigo juntos!” – disse ela, fazendo parecer que realmente considerava aquilo uma grande coisa.

-“Esquece ela, Harry.” – disse Luna, com uma mão no ombro do garoto – “Me ajude a guardar essa caixa, sim?”

Ele tinha os punhos cerrados. Não conseguia acreditar que mesmo depois de tudo o que acontecera no ano passado, Rita Skeeter ainda tinha coragem de incomodá-lo daquela forma, como se ela já não tivesse sido intragável o suficiente. Mesmo com toda a irritação que sentia, Harry decidiu seguir o conselho de Luna.

Dando as costas aos dois, Rita foi procurar o que comer. Sem muita demora, Harry e Luna encontraram um lugar para colocar a caixa.

O resto do dia passou-se sem maiores incidentes, porém, quando a noite caiu, Harry deitou-se desanimado – não sabia se suportaria mais um dia naquele lugar.


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