Capitulo I



Era uma tarde tão quente que até o diabo devia estar se remoendo de calor no inferno. 1997, eu estava sentada no chão do quarto que mamãe dividia com o cara que ela chamava de marido, mexia em uma caixa de fotos antigas, tentava relembrar os bons tempos, quando viviam apenas eu e mamãe.

Mamãe sempre foi muito bonita, toda aquela moreniçe que sempre me deixara confusa e sinceramente um pouco invejada, os olhos negros, o cabelo escorrido. Toda beleza exalada pelas brasileiras, e um pouco mais. Diferente de mim, com minha pele branca como neve, olhos claros, e o escasso cabelo ondulado. Mamãe sempre dizia que eu era a imagem cuspida de papai, mas nunca falava mais que isso sobre ele. E toda vez que eu tentava questiona-la a respeito, a frieza das respostas dela me amedrontavam de tal maneira, que para perguntar algo outra vez pensava mil vezes, até que desisti completamente de perguntar.

A caixa de fotos estava uma bagunça, tentava organiza-la, para isso tirei tudo de dentro. Cartas antigas, documentos vencidos, cartões de natal, um emaranhado de papeis velhos no meio de fotos minhas de mamãe e do marido dela, Paulo.

Mamãe entrou de repente no quarto, parecia aturdida. Seu rosto que normalmente era amável e sereno havia se transformado em uma mascara enrugada e vermelha. Ela agachou-se com ferocidade, arrancou os papéis de minha mão e encarou-me com os olhos marejados de lagrimas, que tentava segurar. Encarei-a em retribuição, na tentativa de entender o porquê daquela explosão de raiva. Mas algo me dizia que para o que ela estava pra falar, eu não estava preparada.

-Seu pai esta aí – disse simplesmente, com a voz doce de sempre.
Ela nunca se referia a Paulo como meu pai, foi uma de minhas exigências no inicio da relação dos dois.

-Mamãe! - exclamei levando as mãos a cintura – Você sabe que eu não gosto dessa idéia de chamá-lo de pai, nem vem que não é agora que vou fazer isso! – retruquei na tentativa de voltar ao mundo real, mundo do qual eu vivia os últimos 3 dos 8 anos de minha vida.

-Seu pai May! O homem que me engravidou e depois foi embora. Aquele britânico Filho da Puta!

As palavras “Britânico Filho da Puta” entraram em minha mente como um choque térmico. Minha vontade imediata foi de pular dando urros de alegria, mas não o fiz em respeito ao sofrimento que mamãe aparentava. Apenas levantei-me e me dirigi a sala, o caminho feito tantas centenas de vezes antes, parecia mais escuro e melancólico do que o normal, eu sabia que no fim daquele corredor estava o único homem com o qual eu tinha alguma ligação real, alem da consangüínea. Por mais que nunca tivesse o visto antes, tive certeza que aquele homem bonito sentado no sofá era meu pai. A pele pálida, os olhos azuis, os cílios compridos, a sobrancelha curvada, o nariz fino. Toda semelhança que eu andava procurando em vão nas outras pessoas de minha família.
Ele levantou-se e com passos largos chegou até mim, ajoelhou-se e encarou-me face a face. Aquele homem era um estranho conhecido, os olhos deles exalavam amor, e não consegui manter-me afastada.
Sabia que minha vida a partir daquele momento mudaria. Mas nada do que eu pudesse imaginar se igualaria aos anos que se sucederam.

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