O Máscara de Tigre



- Por quê? – Mary Ann avançou cautelosamente e até onde Doumajyd estava.
Ou por ela ter se aproximado devagar, ou por ele estar com tanto frio que não tinha tempo para reparar em outras coisas, o dragão não a notou até que Mary murmurou:
- Oi...
- Weed! – ele se sobressaltou ao ver quem era e correu até ela, praticamente rugindo seu nome.
Assustada com o movimento brusco dele, ela se encolheu achando que o ele estaria com tanta raiva que seria capaz de espancá-la ali mesmo. Mas o que ela sentiu foi um abraço apertado e uma voz tremida sussurrando perto da sua orelha:
- Frio...
Mary abriu os olhos e se viu sendo abraçada por um Doumajyd gelado até as pontas dos cabelos rebeldes e ficou totalmente sem reação. Porém, isso foi apenas momentâneo. Logo ela se deu conta de que aquilo ia contra todos os seus padrões de realidade e se livrou dos braços dele gritando indignada:
- Pa-pare com isso!... O que está pensando, me abraçando de repente?!
Ele também parecia ter se dado conta do que tinha feito e tentou disfarçar, procurando aquecer as mãos esfregando uma na outra:
- Bom, ainda bem que não houve nada com você.
- Algo comigo?
- Fiquei preocupado! – exclamou ele demonstrando todo o seu mau humor por estar a quatro horas parado no mesmo lugar, esperando, com o extra da neve que começara a cair de repente – Achei que talvez tivesse sofrido um acidente!
- ...Achou? – perguntou ela em um sussurro retomando todo o seu pensamento que havia sido cortado com a visão dele na praça.
Então ele estava mesmo esperando por ela. Não era mais uma que o D4 estava aprontando, ele realmente tinha falado sério?
- E posso saber o motivo de você estar tão atrasada?! – questionou ele erguendo mais o casaco para cobrir o pescoço. – Se você não me der uma boa razão vou te matar!
- Eu não disse que viria! – defendeu-se ela da ameaça.
Ele ficou desconcertado por um momento com a resposta dela, como se nunca tivesse passado pela cabeça dele tal possibilidade, e então disse, mais sem graça do que nervoso:
- Mas você veio, não veio?
- Mas isso porque eu-
- Será que você se apaixonou por mim? – cortou ele em um tom desdenhoso.
Revoltada ao ponto de nem conseguir dar uma resposta mal educada para aquilo, Mary deu meia volta e saiu de perto dele. Iria voltar para loja e passar um final de tarde se divertindo com Vicky e tentando ao máximo esquecer que existia um Doumajyd no mundo. Ela ainda o ouviu chamar por ela e a ameaçando caso não voltasse imediatamente:
- WEED! SE VOCÊ NÃO AAAATCHIIMM!
Mary olhou para trás e o viu espirrar mais três vezes. Tonto e desorientado com a força dos espirros, ele foi obrigado a se apoiar na estátua, visivelmente tremendo mais ainda.
Então uma vozinha no fundo da cabeça de Mary lhe disse que ela era em parte culpada por aquilo, que deveria ter esclarecido as coisas no dia anterior ou que no mínimo deveria ter vindo conferir se ele realmente estava ali mais cedo, antes da neve gelada começar a cair. Então, com raiva de si mesma por estar sendo boa com alguém que não merecia isso dela, voltou até ele e disse:
- Você se considera um bruxo prestes a se formar na maior escola de magia a bruxaria do mundo se nem ao menos sabe um feitiço para aquecer as roupas e mantê-las protegidas contra a neve?
Ele a encarou, como se só agora aquela possibilidade lhe viesse à mente. Então ela pegou sua própria varinha e executou perfeitamente o feitiço, dizendo logo em seguida:
- Vamos. Eu pago uma bebida quente como desculpas.
- ... É lógico que você tem que se desculpar, idiota! Vamos logo! – e ele saiu na frente dela, andando como um orgulhoso Dragão, nem parecendo o mesmo que estava se encolhendo de frio até poucos instantes atrás.
Mary lhe lançou um olhar mortal, já se arrependendo de ter o ajudado, e então subitamente se lembrou de outro detalhe: havia gasto quase todo o seu dinheiro reservado para a visita a Hogsmeade. Ela contou os poucos nuques que ainda tinha e o seu único sicle e correu para alcançá-lo. Não tendo como voltar atrás do que dissera, o jeito seria escolher antes que ele entrasse em algum lugar caro e perfeitamente normal para a situação econômica dele.


***


‘Um lugar barato e onde ninguém nos veja juntos. Um lugar barato e onde ninguém nos veja juntos’, repetia Mary mentalmente forçando-se a lembrar de algo que atendesse a essas exigências. Foi então que ela se deparou com o lugar perfeito: o Restaurante Casa dos Gritos.
Até um tempo atrás, aquele lugar era considerado mal assombrado. Porém, agora, com o crescimento comercial de Hogsmeade, até mesmo essas lendas perdiam lugar para os negócios. A Casa dos Gritos fora transformada em um restaurante que mantinha a fachada antiga como atrativo. Mas como os clientes ainda não tinham muita confiança no lugar, os preços eram os mais em conta de toda a cidade. E foi pensando nesses preços baixos que Mary exclamou para Doumajyd:
- Vamos aqui!
Ele encarou a fachada caindo aos pedaços do restaurante e disse incrédulo:
- Você quer que o Ilustríssimo Eu entre em um lugar como esse?
- Ilustri... – ela não conseguiu terminar, chocada demais pelo que tinha acabado de ouvir.
- Pode deixar que eu escolho o – ele começou saindo, mas percebeu que ela não o seguia.
Ao olhar para trás, viu que um bruxo estranho a cercava, com um pergaminho e uma pena de repetição rápida flutuando ao seu lado:
- É uma pesquisa sobre a preferência dos alunos de Hogwarts quanto aos-
O coitado não teve tempo de terminar.
Enquanto Mary escutava atentamente o que ele queria, e estava disposta a ajudar, Doumajyd avançou e, sem dó, deu um soco no bruxo.
Ela ficou estática, atordoada demais com o que tinha visto, enquanto o bruxo se levantava e saia correndo apavorado.
- Você é louco?! – rosnou ela – Como pode fazer uma coisa dessas?!
- Ele estava incomodando. – disse ele simplesmente, como se não fosse nada de mais quebrar o nariz de alguém que lhe perguntasse alguma coisa – Vamos entrar de uma vez nesse lugar!
Vendo que não adiantaria discutir, e percebendo que, pelo menos assim, ele concordara em entrar no restaurante barato, ela o seguiu. Mas Mary não conseguiu evitar o resmungo, ainda indignada:
- Bater nas pessoas de repente não é legal.
- Dizem que você não pode ser legal com pessoas que incomodam quem você gosta.
- Quê?!
- Por que está escuro aqui, Weed?! – perguntou ele como se fosse culpa dela.
- Por quê? – ela olhou em volta.
Realmente estava tudo escuro e não havia ninguém lá.
- Acho... Lumus! – ela iluminou em volta deles – Está em reformas?...
Era realmente isso. Todos os móveis estavam cobertos e havia vários buracos no teto e nas paredes, provavelmente algo a ver com a encanação muito antiga que devia estar causando problemas.
- Como não percebeu isso antes, idiota?
- Como eu iria saber?!
- Você que quis vir nesse lugar caindo aos pedaços! Não viu que não havia luz?
- Faz parte da fachada parecer abandonado!
- Só você mesmo! – ele deu meia volta para sair – Vamos para outro lugar!
- Inacreditável! – ela o seguiu.
Mas assim que abriram a porta, uma rajada de neve e vento entrou rugindo para dentro. Eles só tiveram tempo de ver que lá fora tudo era branco, e Doumajyd fechou a porta novamente.
- Quando que começou a chover essa neve toda?! – ele brigou com a porta.
- ... neve não chove. – corrigiu ela – Você é burro ou se faz de esperto?
- Cala a boca!
Ela deu os ombros e analisou o que tinham em volta.
- Vamos ter que ficar aqui até o tempo melhorar. – disse ela indo para o meio da casa, onde havia um espaço vazio que devia ter sido usado para poderem fazer os reparos no teto.
- O quê? Nesse lugar?!
- Se você quiser ficar lá fora eu não me importo!
Ele avaliou a situação e concordou de mau humor:
- Eu devia ter imaginado que só teria problemas com uma sangue-ruim...
- O quê?!
CRACK
Os dois se entreolharam assustados e no mesmo instante sentiram que o chão literalmente sumia debaixo de seus pés.


***


- É inacreditável! – Mary pegou um pedaço de madeira no chão e o jogou longe com raiva.
- Culpa sua! – acusou Doumajyd chutando para o lado um monte de entulhos que estava na sua frente.
Os dois haviam descoberto porque aquele espaço do restaurante estava vazio e também descobriram o motivo da reforma. Aparentemente, alguém havia colocado um encantamento a mais na casa para pegar engraçadinhos que ousassem enfrentar os seus fantasmas barulhentos. Assim como em Hogwarts havia degraus que sumiam das escadas, ali foi o chão que sumiu. E o pior, nenhum dos dois sabia algo poderoso o suficiente para anular o encantamento.
Ascendendo suas varinhas, eles puderam ver que tinham caído no porão da Casa dos Gritos, onde havia uma infinidade de coisas inúteis, quebradas e cheias de poeira, espalhadas por todos os cantos, mas nenhuma saída visível.
- Talvez o pessoal volte a trabalhar e tirem a gente daqui. – comentou ela.
- Hoje é domingo!
- É mesmo... – ela havia se esquecido desse pequeno detalhe, então procurou uma solução trouxa e prática – E se... E se empilhássemos coisas para podermos alcançar o teto? Quem sabe assim ele abre novamente.
- Não precisa empilhar coisas. – disse ele virando-se de costas para ela – Sobe.
- O quê?
- Sobre logo!
- Prefiro empilhar!
- Ok! Faça o que quiser, mas não conte comigo!
- Então continue preso!
Bufando de raiva, ela reuniu qualquer coisa que fosse empilhável e as colocou em embaixo da onde tinha caído, construindo uma torre com a ajuda de magia. Doumajyd sentou afastado, somente assistindo a tudo o que ela fazia com o seu típico sorriso desdenhoso.
Quando Mary achou que já poderia subir e, com a sua altura toda, alcançar o teto, ela começou a escalar.
- Não me diga que vai mesmo subir?! – perguntou Doumajyd parecendo estar preocupado.
- Já estou subindo!
- Não é seguro! Desça!
- Acho que já deveria ter percebido que eu não obedeço Dragão nenhum!
Ela continuou a subir, teimosamente, enquanto Doumajyd andava de um lado para o outro, comprovando que aquilo não era nem um pouco seguro.
- Weed! É perigoso!
- Quer ficar a noite toda aqui?!
- Não! Mas...
Quando Mary estava quase alcançando o fim da sua construção, uma parte da madeira que ela usava para apoiar o pé estralou e cedeu. Com o desequilíbrio dela, toda a pilha balançou e caiu, a levando junto.
- WEED!!! – Doumajyd se jogou para pegá-la e os dois rolaram para longe de onde os móveis da pilha ainda caíam no chão se partindo e levantando poeira.
- O que está fazendo, idiota?! – ofegou ele.
- Sai de cima de mim!
- Eu tinha falado para... você... – ele se aproximou mais do rosto dela.
- Doumajyd, sai de cima de mim!
Ele se aproximou mais e fechou os olhos.
- O que pensa que – ela tentou empurrá-lo, mas sem sucesso – AAAHHHH! PÁRA!!!
Ele caiu no ombro dela.
- ... O quê?... Doumajyd?... Doumajyd?!
Mary o empurrou para o lado e percebeu que ele estava desacordado.
- Será que... – ela colocou a mão na testa dele e confirmou seus pensamentos.
Doumajyd estava ardendo em febre e pelo jeito já fazia tempo.
- Ah, meu Merlin! Mais isso ainda?!
Ela olhou em volta nervosa. Não havia nada que ela pudesse usar que não estivesse corroído por traças. Então tentou se virar com o que tinha.
Pegou a cabeça de Doumajyd e colocou nos seus joelhos, pegou seu cachecol e enrolou no pescoço dele, e então tirou seu próprio casaco e o cobriu. Pegou no bolso um dos chocolates que tinha comprado na Dedosdemel e usou uma lata que estava no chão para transfigurá-la em uma taça. Então executou um feitiço para conseguir um pouco de água. Tentou acordá-lo, sem sucesso, por duas vezes. Até que conseguiu com que ele voltasse a si.
- O que aconteceu? – ele perguntou, tentando lembrar de onde estava.
- Você está com febre. Aqui, tome isso.
- O que é isso? Eu não vou-
- Cala boca e toma! É água! – ele a encarou por alguns instantes e então obedeceu sem questionar – E coma esse chocolate que vai ajudar.
Ele comeu o chocolate, parecendo sem graça por estar naquele estado.
- Agora mesmo se você quiser, não pode sair na neve com essa febre toda... Amanhã alguém deve aparecer e nos ajudar.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, ele ainda terminando o seu chocolate. Foi então que ele percebeu que estava coberto com o casaco dela e disse:
- Não precisa me dar o seu casaco! Não está com frio sem ele?
- Não se preocupe. Os pobres já estão acostumados com o frio. – respondeu ela sarcástica.
Eles ficaram em silêncio por mais um tempo, que para Mary pareceram anos.
- Desculpa... – disse ele de repente e apressou-se em acrescentar – Se bem que a culpada foi sua por ter se atrasado!
Ela riu parecendo se divertir imensamente com o que ele dissera.
- O que foi?
- O líder do D4 não tem mais nenhuma dignidade nesse estado. – respondeu ela.
- ...Cala boca! – ele procurou olhar para todos os lados, menos para ela, e disse – A Tarja Vermelha... está suspensa.... definitivamente.
- Sério?... Não brinque. Você deve estar tendo alucinações por causa da febre e falando coisas sem sentido. – ela disse, mas por alguma razão misteriosa, acreditando nas palavras dele, e acrescentou para disfarçar – Acha que eu vou o perdoar tão facilmente?
Ele sorriu, quase não agüentando mais manter os olhos abertos. Então por fim dormiu, perdendo para a exaustão.
Mary usou seu suéter para colocar embaixo da cabeça dele, e assim conseguir encontrar uma posição razoavelmente confortável para poder passar aquele tempo.
Depois de uma hora rolando de um lado para o outro por causa do frio e não pensando direito por causa do cansaço, ela conseguiu se ajeitar, dividindo o casaco com Doumajyd.


***


- Acho que esse não é um bom lugar para se namorar.
Mary acordou ouvindo essa frase e tentou abrir os olhos, pesados com o sono. Havia uma claridade intensa e ela viu um grupo de pessoas que os olhavam espantados.
Ela se lembrou imediatamente do que havia acontecido e olhou para o lado, ficando há dois dedos do rosto de Doumajyd ao seu lado. Então gritou e o empurrou com toda a sua força, fazendo com que ele acordasse assustado e batesse cabeça em um armário velho e caindo aos pedaços.
Querendo sumir de tanta vergonha, Mary saiu do Restaurante Casa dos Gritos com Doumajyd seguindo seus passos, aparentemente recuperado da febre e ainda massageando o galo que ganhara na cabeça.
- Realmente está melhor? – perguntou ela, mais por educação do que qualquer outra coisa.
- Sim. – respondeu ele simplesmente.
- Olha, realmente sinto muito, você ficou assim por minha culpa. – ela apressou-se em dizer. – Tudo isso não teria acontecido se eu tivesse chegado mais cedo ou-
- Então, vamos acertar as contas. – anunciou ele.
- Ahn?
- Quero dizer para nos desculparmos.
Ele passou para o outro lado dela e quando ela se virou para perguntar o que ele queria dizer com aquilo, ele a beijou.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.