Sobre Lecionar Poções



Dificilmente Snape teria dormido naquela noite com tanto em mãos e com tanto em que pensar.
Primeiro, em seus aposentos tradicionais, ele analisou cuidadosamente cada um dos materiais que Hermione lhe dera, apreciando intimamente a organização dela. Ajudou-o muito e ele sentiu certo prazer ao pensar que finalmente conseguira o cargo que tanto almejava. E logo lembrou-se de que só o conseguira porque Hermione lhe cedera. Ela não precisaria ter feito isso. Dumbledore o obrigaria a lecionar Poções outra vez se ela não aceitasse ceder a cadeira de DCAT livremente, ele o sabia por experiência própria. Anotou na mente para ser mais educado com ela das próximas vezes que a encontrasse. O respeito dela por sua autoridade era um prazer raro e valioso.
Depois que terminou as análises dos materiais dela, deixou tudo metodicamente em cima de sua mesa de estudos e encaminhou-se para o chuveiro, pensando no choro dela de manhã. Fora estranho demais e começara em circunstâncias absurdas. Ele não havia feito nenhum comentário ferino. Então ele repassou cada ação e cada palavra sua antes da explosão dela enquanto se despia. Ele viu seu corpo reagir prontamente à lembrança das mãos dela abrindo o zíper de sua calça. No momento não lhe ocorrera nada, mas depois de vê-la tão à vontade nos aposentos dela, ele teve outra concepção a respeito de Hermione Jane Granger. Ele não viu nenhuma razão para acalmar os hormônios com água fria, mas ainda estava decidindo entre acalmar ou não os hormônios do outro jeito.
Quando finalmente terminou seu banho e foi para sua cama, ainda intrigado pelo choro dela, lembrou-se de que ela olhara para as mãos dele segurando as dela antes de correr chorando. Mas era muito estranho, porque ele duvidava que fosse justo aquilo, algo tão banal, o motivo de tal reação. Por via das dúvidas, tentou se lembrar de algo, mas sua memória para os acontecimentos daquela batalha era feita de flashes e um pano de fundo negro, nada mais.
Deitou-se e sua mente traiu-o outra vez, lembrando-se dos contornos dela. Não viu nenhuma razão para afastar esses pensamentos agora que estava longe de vistas alheias. A noite ia ser longa.

De manhã no sábado, Snape acordou e tomou uma ducha rápida, correu para tomar o café da manhã, pretendendo retornar logo aos seus aposentos para adiantar o máximo que pudesse de suas aulas para a semana seguinte, antes de ter que explicar minúcias para sua nova colega. Entretanto, ao encontrar seus colegas e, especialmente, o objeto de pensamentos nada ortodoxos, decidiu que não estava com tanta pressa.
Ela também acabara de entrar e não alcançara a mesa dos professores ainda. Com umas poucas passadas ele alcançou-a.
- Dormiu bem, srta. Granger? – perguntou ele, com seu tom sussurrado, pouco atrás dela.
Ela quase pulou no teto e abafou um gritinho com o susto e se virou para ele.
- Você está querendo me matar? Por que não faz isso de outro jeito, mais rápido e menos doloroso para mim?
- Fui comensal da morte, srta. Granger. Nada que seja rápido demais me dá prazer o bastante – disse ele, calmamente.
Ela olhou para ele, alarmada, e por sua cabeça se passou que jamais imaginara ouvir um descaramento daqueles de Snape. Ele, sempre tão sério, tão centrado. Ela julgara que ele fosse um tipo mais tímido como pessoa, como homem. Anotou mentalmente que ainda ia se decidir se escolheria roupas menos comprometedoras da próxima vez que fosse recebê-lo ou se usaria as mesmas de antes de propósito.
Andaram juntos e em silêncio até a mesa dos professores. Hermione ouviu alguns comentários dos alunos sobre como era possível que alguém como ela se desse bem com aquele ser insuportável que a acompanhava e riu ao ver que Snape também ouvira.
- 10 pontos a menos para a Lufa-Lufa, srta. Fiennes – vociferou Snape, fechando a cara.
Hermione apenas sorriu para a aluna e disse:
- Um bom questionamento, minha flor. Vamos descobrir isso juntas depois.
A aluna sorriu e Hermione prosseguiu seu caminho.
- Minha flor? – repetiu Snape, incrédulo.
- Ah, essa mania me veio não sei de onde – esclareceu Hermione sacudindo os ombros, e ficou um pouco chocada ao ver Snape lhe puxar a cadeira. – Fiquei um pouco menos áspera no ano passado. Agora me considero uma pessoa carinhosa, se é que dá para me descrever assim.
Snape levantou um canto da boca em algo parecido com um sorriso.
- A Sabe-Tudo mudou bastante nesses dois anos em que não nos vimos – comentou ele, percebendo o quanto o comentário fora ambíguo.
Felizmente, ela pareceu não notar esse fato e apenas sorriu calmamente em resposta. Dumbledore logo chegou, alegre, cumprimentando todos e Hermione com um entusiasmo especial.
- Hermione – disse ele, ignorando que falava por cima de Snape, – quero falar com você depois. Aliás, preciso fazer uma fofoca. Você ficou sabendo que o seu amigo Weasley já foi contratado pela seleção da Inglaterra como jogador de quabribol, certo?
- Claro – disse ela. E fez uma careta. – Ele realmente quer que eu vá assistir a um treino dele.
- Sabe contra quem será o primeiro jogo dele? – perguntou Dumbledore com um sorrisinho.
Hermione fez que não sabia e Snape ficou irritado com a facilidade com que os dois o ignoravam.
- Contra a Bulgária! – exclamou Dumbledore, praticamente explodindo em gargalhadas. McGonagall aproximou-se e olhou para Hermione com um sorriso de pilhéria. – E vai ser aqui, na Inglaterra!
- Puta merda, vou me enterrar – comentou a jovem, fazendo uma careta.
- Ahn... perdão, qual é a piada? – perguntou Snape sério.
McGonagall abriu a boca para falar, mas Hermione interveio.
- Lembra as combinações do que vamos contar ou não para ele? Então. Não vai falar dessas coisas que me acontecem... Eu dificilmente suportaria mais deboches. Dele, o que é pior.
Snape olhou para ela e depois para Dumbledore e McGonagall.
- Mas não se preocupe, Snape, não é nada sem o que você não poderia sobreviver – assegurou Hermione.
Tomaram café e de vez em quando Snape fazia alguns comentários, Hermione fazia outros. Ou Dumbledore começava a falar com Hermione, ignorando que Snape estava no meio deles.
- Bom, nós combinamos hoje à tarde – disse Hermione para Snape. – Tenho um compromisso inadiável agora de manhã, então até já, Snape.
Ele arqueou uma sobrancelha.
- É o Potter ou o Weasley? – perguntou ele.
- Nenhum deles – disse ela calmamente e, mal saiu da mesa, foi cercada por algumas alunas, misturando-se várias casas.
Snape olhou inquisidoramente para Dumbledore, que disse:
- As alunas mais velhas que já conheciam Hermione meio que puxaram as mais novas e agora muitas delas se reúnem semanalmente com ela. Às vezes conversam sobre algum livro de um jeito mais descontraído, como se conversassem sobre qualquer assunto comum. Às vezes empreendem aventuras pela Floresta Proibida até onde as autorizo ir, e trazem ingredientes extraordinários para Poções... Mas creio que o divertimento preferido delas é dançar. Hermione é professora de dança, se você não sabe, e lhes ensina sem cobrar nada.
- Para que isso?
- Hermione não as trata como alunas nessas reuniõezinhas, mas como amigas. É só uma diversão diferente. Aliás, alguns professores antigos a imitaram, mas de um modo mais tradicional. Começaram grupos de estudo e coisas assim. São atividades bastante interessantes, e dificilmente você vai ver alunos vadiando no sábado de manhã.
Snape sacudiu os ombros e logo viu os professores retirando-se aos poucos, acompanhados de vários alunos.
- Hogwarts está diferente – comentou Snape. – Ela empregou essa mudança toda em um ano só?
- Sim, sim – disse Dumbledore levantando-se. – Agora, se me dá licença, meu rapaz, eu e McGonagall estamos à frente de um grupo de estudos de Transfigurações Avançadas e temos um problema sério para os alunos hoje. Estou a par de tudo só há uma semana, mas realmente gostei dessa idéia.
Snape sacudiu os ombros e, aos poucos, viu o salão se esvaziar. Era impressionante que alunos se dispusessem a perder uma parte de seu precioso fim de semana para estudar. Ele decidiu que observaria alguma dessas reuniões, mas depois de pesquisar sobre o que se fazia nelas.

Snape terminou seus planejamentos e acertos para o primeiro, segundo, terceiro e quarto anos e decidiu tomar um ar. Desceu pelas escadas, um pouco assustado em não encontrar casaizinhos se amassando pelos cantos. Seu grande divertimento de antes consistia basicamente em encontrá-los e tirar-lhes vários pontos, depois de dar um imenso sermão sobre o quanto aquilo era errado. Alguns alunos diziam entre si que Snape estava é com inveja, porque não era ele que estava se agarrando com ninguém, mas, à época, ele não precisava disso. Estava bem servido com as comensais.
Quando alcançou os jardins de Hogwarts, ficou um pouco espantado. Em primeiro lugar, viu logo um grupinho de alunos perto do castelo, em círculo, fazendo uma espécie de jogo de desviar feitiços com outros feitiços. Quem errasse não era atingido – pois Flitwick o defendia – mas ia para o centro do círculo e tinha que ficar desviando feitiços para confundir os outros. Era uma espécie de jogo.
Snape bufou e caminhou um pouco mais, a fim de encontrar um lugar mais reservado para si. Detestava ser visto ao ar livre. Entretanto, encontrou um outro grupo, igualmente grande, e Dumbledore e Minerva falando a eles. Eles tinham pergaminhos em mãos. Ele apenas ouviu um pedaço do debate, enquanto os alunos estavam em círculo, discutindo entre si com gravidade, por vezes fazendo algum feitiço que provasse que estavam certos, e logo sendo derrubado por outros. Os dois professores apenas observavam e davam um palpite ou outro de vez em quando, que servia para esquentar ainda mais a discussão.
Curioso, Snape andou mais, desta vez procurando outros grupos. Viu ao longe alunos com Sprout, fazendo tratamentos em plantas que jogavam lama e pareciam se divertir.
Agora, ele procurava o grupo que Hermione dirigia. Conseguiu ver todo o corpo docente de Hogwarts com seus alunos – até Sibila Trelawney! – mas não achou o que procurava.
Por fim, foi para perto do lago, e observou ao longe algumas alunas em trajes de dança trouxa, e sabia instintivamente que aquele era o grupo de Hermione. Apenas procurou-a com os olhos e, não conseguindo encontrá-la, ocultou-se na sombra de algumas árvores próximas. Subitamente, viu-a emergir das águas e parar em pé, como se houvesse algo abaixo de seus pés além de água. Ela tinha uma varinha nas mãos. Foi ovacionada pelas alunas, e ele pôde ouvir a voz dela comandar claramente:
- Agora é a vez de vocês. Vou tirar dez pontos de quem errar e quinze se for da Grifinória e cinco de for da Sonserina.
Houve várias gargalhadas – visivelmente a piada era anterior aos acontecimentos. Hermione se fez séria e disse:
- Qual é o problema? Eu acho que fui clara. Lucy, tente primeiro.
Uma corvinal deu um passo para frente e, fechando os olhos, murmurou um feitiço que Snape não pôde discernir, e andou de olhos fechados para o lago. Hermione tinha o olhar atento nela e ainda permanecia estranhamente em pé na água.
A aluna andou até que caiu no lago e afundou como se pesasse toneladas.
- Professora Granger, se ela morrer você vai ser acusada de matar as alunas mais inteligentes – disse Regina Black, um sonserina setimanista.
- Ah, mas como você soube que esse era o meu plano desde o começo?
Mais risadas. As alunas e Hermione olhavam para o lago atentamente. Logo, a corvinal apareceu e ficou como Hermione estava. A professora começou a aplaudir e as outras logo a acompanharam.
- Bom, muito bom, mas você demorou de mais – disse Hermione.
Lucy fez uma careta e disse:
- Isso é muito difícil.
- É, vão achando que é fácil... E dez vezes pior quando Lúcio Malfoy está atrás de você – disse Hermione séria.
- Atrás quer dizer atrás? – perguntou Regina Black com uma gargalhada maliciosa.
- Deus me livre! – exclamou Hermione, rindo, mas Snape percebeu, mesmo ao longe, que ela não ria de verdade.
As outras gargalhadas não tardaram explodir atrás da dela e logo Regina fez o mesmo que Lucy fizera, mas voltou muito mais rápido.
- É, vai ser difícil descontar cinco pontos da lendária Sonserina – ironizou Hermione.
Mais risadas. Uma a uma, as meninas iam fazendo o mesmo, e Snape estava curioso quanto ao motivo de elas permanecerem em pé sobre as águas depois de tudo.
- Professora, eu vou me retirar da missão – disse Lucy. – Não estou mais agüentando...
- Ah, você está sim – disse Hermione, grave. E, dissipando o ar de gravidade, acrescentou, em tom suspeito: – Você pretende deixar Regina Black ganhar de você?
Lucy e Regina se entreolharam.
- Não mesmo – disse Lucy.
Depois que a última menina voltou, todas fecharam um círculo em torno de Hermione.
- Agora é bem simples. Vamos brincar de pega-pega. Quem for pega vai ter que afundar e trazer lama do fundo do lago em meio minuto.
- Simples? – gritou Regina. – Você quer matar a gente?
- Matar vocês? Esqueceu que o dever dos professores de DCAT é preparar vocês para o pior?
Muitas gargalhadas vieram, inclusive a de Hermione.
- Ah, qualquer coisa a gente põe um decote enorme – disse Regina sacudindo os ombros.
- É, isso não funcionaria comigo – disse Hermione, fazendo uma careta.
Snape deu um meio sorriso. De fato, ouvir mulheres conversando era constrangedor.
Ele achou divertido assisti-las correr como crianças e deu um passo para trás diante do escândalo feito quando Regina pegou Hermione. A jovem professora sorriu e pareceu ficar pesada de uma hora para outra, afundando de uma vez só. Não deu nem dez segundos e ela logo emergiu, atirando lama em Regina Black.
- Eca! – gritou a sonserina.
Depois disso virou baderna e Snape seguiu de volta para o castelo. A espontaneidade com que as alunas a tratavam seria insuportável para ele. Ele preferia manter a autoridade conquistada ao longo dos anos.
Mas parou na cozinha e pediu um chá aos elfos. Estava decidindo se esperaria para encostar Hermione na parede ou se o faria logo. Pensou melhor e achou que ela se assustaria com uma atitude dessas, e talvez até o denunciasse ao diretor. Essa hipótese seria um problema. Ele nunca saíra da linha e seu caráter nunca fora questionado, mas ele se permitia ter certos devaneios. Ele jamais faria metade do que gostaria.

No caminho de volta, deu de cara com Hermione, andando só pelos corredores, cheia de lama, com as vestes claras encharcadas e os cabelos em desalinho total.
- Mas que raios é isso? – perguntou ele, parando de chofre.
- Ahn... eu e meu grupo estávamos estudando... ahn... as propriedades físicas da lama como... hum... cosmético natural.
Snape sorriu levemente e Hermione riu mais abertamente.
- Ta, não era exatamente isso... Mas funciona se o Dumbledore me encontrar nesse estado, não? Espere um pouco, por favor, que vou me transformar em gente de novo antes do almoço... Então poderemos tratar de assuntos mais sérios.
- Sobre lecionar Poções – concluiu Snape, assentindo em silêncio e esperando ela seguir pelo corredor para correr os olhos pelo corpo dela.
Ele não a levava a sério, claro, a não ser como profissional, mas como mulher ela bem que serviria para passar o tempo. Antes tinha um nojo absoluto de tudo a ela ligado, mas agora... até que não.

Depois do almoço, foi direto para a sala de Poções, pois não a vira no almoço. A bruxa vestia vestes casuais trouxas, ao que ele expressou desaprovação. Ela pareceu não se importar. Trazia uma pena e um pergaminho nas mãos e estava sentada a uma bancada. Quando ele entrou, ela o olhou.
Quando o olhar deles se cruzou, ele teve um lampejo do momento em que o olhar dele se cruzou com o dela na batalha e outro lampejo de um contato de suas mãos. Mas foi muito rápido e não deu para ele se lembrar de tudo. Todavia, agora ele já tinha alguma idéia de que houvera mesmo um contato entre as mãos deles. Ele apenas não sabia o que mais Hermione lembrara para sair daquele jeito.
- Pois bem; o que você quer saber exatamente? – perguntou ele de modo seco.
- Primeiro, sobre você – disse ela, fazendo-o arquear as sobrancelhas. – Você não é um professor insuportável só porque é o seu jeito de ser. O que mais está envolvido nisso?
A objetividade e a percepção dela causaram admiração em Snape, e ele logo respondeu:
- Além do inferno de noites mal dormidas por causa da maldita guerra, o medo que meus alunos tinham de mim evitava que eles se matassem na sala. Você sabe muito bem o quanto certos erros podem ser perigosos.
Ela assentiu.
- Hum... é, o rigor em sala eu copiei descaradamente de você – ela disse. – E quanto à distância que sempre devia ser mantida entre todos os alunos? Era pelo mesmo motivo?
- Sim. Se algum aluno cometesse um erro muito absurdo o outro certamente perceberia e dificilmente seria atingido. Qualquer mal é melhor se atingir menos gente. É uma matéria especialmente perigosa de se ensinar.
Hermione estivera escrevendo tudo até ali, mas ergueu o olhar para ele, e ele ficou satisfeito em ver admiração ali. Ela compreendera o quanto era difícil ensinar Poções, por mais que não parecesse, e o admirava por isso.
Mas também Snape, por mais que isso o deixasse contrariado, estava admirado com o poder de observação dela. Ela fora a única aluna que não o odiara por seu comportamento rigoroso como professor, mas compreendera suas razões. Ela só tinha contra ele as injustiças que ele cometia, mas estas não eram escolha sua.
- Bom, devo impedir conversinhas estúpidas, eu vejo... – disse ela, olhando suas anotações. – Qualquer distração pode ser perigosa.
- Exato. Por isso, as aulas conjuntas entre Sonserina e Grifinória sempre me agradaram tanto. Era só intercalar vocês e eu teria um pouco de paz.
- Ah, vou correndo contar pro Dumbie que você está me contando os segredos profundos da sua alma – disse ela, sorrindo, mas com cautela para não sorrir demais. Ele percebeu isso, e alguma coisa o fazia querer continuar intimidando-a com sua presença.
Snape ponderou se deveria responder a isso, mas se decidiu pelo “não”.
- Quanto aos ingredientes, você sempre nos deixou pegar todos no armário...
- Apesar da baderna que vocês faziam – completou ele. – Isso me obrigava a arrumar tudo todo dia e me manter atualizado a respeito das quantidades que eu ainda tinha em estoque.
Hermione ergueu o olhar para ele outra vez, sentindo sua admiração por ele crescer mais e mais. Cada mínima coisa explicada com tanta simplicidade. Sentiu que poderia amar aquele homem ainda mais do que já amava.
- Mais alguma coisa?
- Você prefere organizar o seu armário por ordem alfabética ou por ordem de perigo que os ingredientes oferecem?
- Ambos – respondeu ele, secamente. E acrescentou: – Simultaneamente.
Ela tomou nota disso também e disse:
- A sua ajuda é bastante útil, Snape. Agora... acha prudente pôr Sonserina e Grifinória formando duplas?
- Bastante – disse Snape. – Mas você só deve tomar cuidado para que não se matem. Ameace tirar 50 pontos caso algum erro seja cometido e caso algum dos dois resolvam fazer sozinhos. Se você quer que eles sejam amigos, é um bom começo fazer um depender do outro.
Hermione não pôde controlar sorrir mais abertamente para ele.
- O que foi? – perguntou ele, grosseiramente.
- Nada... é só que você tem tudo para ser o melhor professor dessa escola... Só... se reduzisse o número de injustiças cometidas...
Ela se calou, percebendo que estava oferecendo uma crítica a um homem orgulhoso.
- Desculpe, eu não devia ter dito isso – apressou-se ela a dizer.
- Não mesmo – disse ele sério. – Embora seja verdade. Às vezes você deve guardar a verdade para você.
Ela assentiu em silêncio e baixou os olhos. Lembrou-se do olhar forte de apoio que ele lhe lançara antes de soltar sua mão para deixá-la correr para Harry e sentiu saudades daquele momento. Queria acima de tudo viver aqueles poucos segundos uma vez mais. Sentiu lágrimas inundarem-lhe os olhos e mandou-as de volta. Ergueu o olhar para ele outra vez. Por que o amava tanto? Por quê?
- Mais alguma coisa, Granger? – perguntou ele, mais calmo.
- Tem sim... – disse ela. – Você sempre dava a parte prática antes que fizéssemos a teórica. Por quê?
- Tenho que deixar algum trabalho para a inteligência dos alunos. Eu explicava apenas o estritamente necessário e aquilo sem o que seria impossível fazer alguma coisa.
- Eu me lembro – murmurou ela, aérea.
Ele assentiu e olhou para os olhos dela. Ela ergueu o olhar para ele e ele achou que ela o estava provocando. Só de passagem isso se passou por sua cabeça, porque isso era impossível. Como fora lembrado gentilmente por madame Pomfrey na manhã anterior, tinha muitos melhores que ele atrás dela.
O olhar dele desceu imprudentemente para o decote generoso dela, que, ao contrário do que se espera de um decote generoso, não chegava a ser vulgar. Ele subiu o olhar depressa e notou que seu olhar não fora despercebido por ela. A jovem se ajeitou melhor – discretamente – de modo que a curva de seus seios não ficasse tão visível.
- Ahn... e quanto à parte de entrega de poções em frascos? Você analisava um por um depois das aulas?
- E não é à toa que tenho fama de vampiro – disse ele em tom de pilhéria. – Altas horas da madrugada eu vagava daqui para a cozinha para conseguir algo quente para beber. As madrugadas aqui são frias, como você já deve ter notado.
- Já notei sim – disse ela. – É tudo muito frio mesmo... Às vezes, no inverno, tenho que dormir com dois cobertores. Até três, dependendo do dia.
Snape assentiu como quem entende bem do que ela estava falando. Depois de mais ou menos duas horas de questionários minuciosos, ele levantou-se para ir embora.
- Obrigada, Snape – ela disse, antes que ele saísse sem nada dizer. – Você me ajudou bastante.
- Considere isso uma retribuição à sua presteza – disse ele, educado.
Ela assentiu e viu-o partir. Então fechou os olhos e suspirou. Queria beijar os lábios dele mais uma vez, mas agora ele estava consciente; seria suicídio.


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