Negação



Os gêmeos realizaram o feitiço criado por eles em todos os membros da OdRR que foram atingidos pelo Obliviate. Um por um eles relembraram os momentos que passaram juntos, as alegrias e tristezas compartilhadas. Algumas lembranças não retornaram, porque era muito subjetivo mexer com a mente de alguém, mesmo para um feitiço elaborado como aquele. Quando estavam próximos de encerrar o processo de recuperação dos bruxos, a sala já estava tomada pelas mais diversas emoções, indo do riso às lágrimas em poucos segundos. Mas ainda faltava o mais importante.

Harry Potter continuava parado num canto, tentando em vão se manter escondido, sem compartilhar dos arroubos emocionais dos amigos. Hermes e Lúthien estavam entretidos e distraídos com as recordações, portanto não repararam quando Mia saiu de perto deles com passos firmes e decididos em direção a Harry. Quando ela parou ao seu lado, o homem não se surpreendeu, pois seus olhos muito verdes haviam seguido os passos de Mia pelo curto percurso que ela teve que percorrer para alcançá-lo. A ruiva foi direta e afirmativa:

- Você não quer recuperar suas memórias, senhor Potter.

Harry suspirou e abaixou a cabeça, murmurando apenas para si mesmo algo ininteligível. Tinha um ar cansado, pelo que Mia podia notar, olheiras profundas marcando o rosto pálido e a cicatriz brilhando nitidamente na testa um pouco suada, apesar do frio do inverno. Ele passou a mão pelos cabelos negros e despenteou-os ainda mais. Mia não pôde conter um pulo de seu próprio coração quando visualizou o gesto. Daniel era tão... incomodamente igual ao pai! E isso nunca deixaria de machucá-la todas as vezes em que ela o olhasse.

- É, talvez eu não queira – a fala de Harry arrancou Mia das lembranças sobre Daniel, jogando-a no balde de água fria da realidade. – Não sei porque, mas sinto como se não fosse o momento. Eu tenho...

- Medo... – Mia completou a frase, como se esta fosse uma extensão de seus próprios sentimentos. – Todos se alegram de recordar suas memórias aqui, mas eu creio que o senhor seja a pessoa que mais tem motivos para se esquecer de certas coisas.

Harry assentiu antes de responder, desviando os olhos da menina como se o simples fato de encará-la pudesse fazer suas memórias retornarem.

- Há lembranças que podem machucar, Mia. Mas acho que você é demasiado jovem para saber disso.

Mia sentiu vontade de responder que não era, mas Harry se virou quase que de costas para ela e pregou os olhos na vidraça da janela, querendo dizer que a conversa se encerrava ali. E ela não pôde deixar de pensar no quanto algumas recordações poderiam machucá-la pela eternidade.

Chegou a vez de Harry, e a expectativa foi sentida em todo o aposento como se fosse uma final da Copa Mundial de Quadribol. Harry tentou argumentar, mas fatalmente frustrou todos quando disse que ainda não queria ser submetido ao feitiço. Apenas Mia foi capaz de entender o que se passava com ele. Por fim, o homem finalizou:

- Se eu sou um bruxo e tenho mesmo poderes mágicos, vou recuperá-los antes de reaver a minha memória. Prefiro assim.

O primeiro treino conjunto dos membros da OdRR foi então marcado para o sábado, quando tia Gina e Hermes poderiam comparecer à mui antiga e nobre casa dos Gêmeos Weasley. Desta forma, não seria mais necessário que o senhor e a senhora Weasley faltassem ao trabalho. Afinal, Fred e Jorge tinham reservas dos tempos de bons lucros das Gemialidades, mas este dinheiro precisava ser gasto com ressalvas, se quisessem ter um fundo para financiar a guerra. Eles tinham ainda um pequeno estoque de artigos da loja, que contrabandeavam para bruxos e até mesmo trouxas, que pagavam pelos brinquedos sem querer descobrir seus truques e tinham certeza que havia alguma “tecnologia” por detrás dos produtos. Tudo era pago em libras, pois o Gringotes estava nas mãos da Ditadura Voldemort. Os duendes acabaram por se render aos poderes do Lorde das Trevas e fizeram um acordo com o novo comandante do mundo bruxo. Receberam autorização para continuar com as operações cambiais, embora tivessem que pagar altos tributos ao Ministério da Magia comandado pelas Trevas.

Apesar de o treinamento oficial estar marcado para dali a dois dias, as tardes de Mia, Lúthien e Hermes estavam relativamente calmas, com a exceção dos deveres de casa, com os quais Mia ajudava os amigos, para que fossem concluídos com rapidez. E foi numa dessas tardes livres, na qual os gêmeos também estavam mais sossegados em relação aos trabalhos da OdRR, que o trio se reuniu com tio Fred e tio Jorge na sala secreta da casa, que já não era mais tão secreta assim. Agora o aposento seria o local oficial para a prática de feitiços e treinamento em grupo, protegido que estava por toda a sorte de encantamentos que bloqueavam a emissão de magia, de forma a não chamar a atenção da Polícia Negra. Mas eles não praticavam nada naquele momento. Os gêmeos estavam sentados em duas confortáveis poltronas logo em frente da prateleira de livros antigos. Hermes, Mia e Lúthien trouxeram algumas almofadas e se acomodaram no chão em volta das poltronas. Era a hora de entender como os gêmeos conseguiram formular o novo feitiço para reverter o Obliviate.

- Não vou dizer que foi fácil – Fred valorizava o trabalho de maneira óbvia. – A formulação e os movimentos da varinha foram extremamente complicados, já que, como vocês perceberam, o feitiço requer uma habilidade quase artística do bruxo.

- Isso me soa tão... tão... – Hermes tinha o rosto sério e estava concentrado enquanto parecia escolher o melhor adjetivo para elogiar a criação do tio. - Gay!

Todos caíram na gargalhada. Até mesmo Mia, que andava bastante séria, deixou-se levar pelo momento de descontração. Enquanto ria, sem perceber Hermes colocou a mão sobre o joelho da amiga. Ela ruborizou na mesma hora, e um sentimento estranho surgiu entre os dois, um leve e momentâneo desconforto. Mas isso nem sequer foi notado, já que Jorge ainda ria quando comentou:

- Você só podia ser nosso sobrinho mesmo! Puxou o nosso apurado senso de humor!

- E filho da Gina, claro – completou Fred, lembrando-se do humor apurado que também era característico da irmã. – Só não sei como ela pôde escolher justo o Draco-nojento-traidor-Malfoy para ser seu pai.

Hermes se levantou na mesma hora e uma certa tensão invadiu o ambiente. Ele fez questão de esclarecer:

- Não gosto que falem mal do meu pai. Não se esqueçam que eu também sou um Malfoy. Ele pode ter sido o que for enquanto vocês estavam em Hogwarts, mas para mim ele sempre foi um ótimo pai. E um bom marido para minha mãe, tenho certeza. Bem... ao menos ela nunca reclamou!

Mas a voz do menino não tinha uma entonação firme, e ficou evidente que nem mesmo ele acreditava em suas próprias afirmações. Um silêncio pesado encheu a sala, mas Lúthien, como sempre, parecia alheia ao desconforto e perguntou:

- Por que será que o senhor Potter não quis ser submetido ao Recordatus Memoriae? Afinal, ele deveria ser o mais interessado nisso, não?

Embora ainda estivesse aborrecido pelos comentários maldosos sobre seu pai, Hermes também queria saber a opinião dos tios sobre o assunto. Então, conteve-se e voltou a se sentar entre as duas garotas enquanto Fred continuava a conversa:

- Nós também nos perguntamos isso. E não conseguimos encontrar uma explicação sequer para o fato.

- Se fosse eu – Jorge prosseguiu – ia querer recuperar minhas lembranças no mesmo minuto em que soubesse que poderia fazer isso. Acho que eu ia me sentir deprimido para o resto da vida se não me lembrasse da cara da sapa velha da Umbridge quando abandonamos Hogwarts.

- E não se esqueça do presente que deixamos, Jorge – Fred completou, de maneira solene. – O nosso incrível pântano portátil, mais uma criação da Gemialidades Weasley! Vendemos montes e montes deles depois de Hogwarts, lembra-se?

Mia pensou em questionar sobre o que exatamente os tios estavam falando, mas se conteve quando a voz de Lúthien voltou a se sobressair:

- Será que eu sou bruxa? Quer dizer, como Mia e Hermes?

O rosto da loira estava ansioso, um brilho de dúvida nos olhos grandes e negros. Era incrível a capacidade que ela tinha de trocar de assunto como quem troca de roupas no fim do dia para dormir. Ela processava e saboreava cada um deles num tempo de compreensão recorde. Era difícil acompanhar a mente veloz da menina e, por esse e outros motivos, ela era julgada como uma pessoa estranha.

Mas a pergunta despertou em Mia um sentimento de urgência que ela foi incapaz de conter. A ruiva se levantou de supetão e exclamou:

- É isso!

Saiu em seguida da sala, deixando para trás os gêmeos e Hermes perplexos, e Lúthien com um sorriso estranho enviesado no rosto.

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