A sede da Nova Ordem



Os cabelos claros ficavam ainda mais dourados quando o sol de inverno que entrava timidamente pela janela incidia sobre eles. A aurora suave e o canto dos pássaros anunciavam o início de mais um dia. Eles estavam numa pequena choupana no meio da floresta. Tinham voado para lá nas asas do dragão vermelho. Enquanto se aproximavam, o jovem conseguiu abrir as brumas apenas com um leve movimento de braços e um murmurar de palavras mágicas e milenares. Agora ela repousava numa cama com mantas de lã de carneiro, o rosto coberto por um curativo de ervas no local em que havia sido cortado no momento em que deixou a prisão de vidro.

Ele começou a se movimentar ao seu lado, abrindo os olhos e encontrando os dela. Sorriu e tocou com a ponta dos dedos gelados o rosto machucado, porém com toda a sua beleza conservada. Ela se sentiu aquecer por dentro, um sentimento de ternura se espalhando em cada centímetro de seu corpo. Sorriu de volta para ele.

A cena foi cortada de repente. Ela ainda estava diante do jovem de cabelos loiros, mas agora estavam numa espécie de arena de treinamento. A dama segurava uma espada brilhante, incrustada de pedras preciosas verdes, com a mão direita. Com a esquerda, empunhava uma varinha com enfeites azulados, feita de madeira de freixo e bastante rústica. Desta escapava um fiapo prateado que se parecia com fumaça, mas então tomou forma e tamanho até se transformar numa perfeita águia prateada, que voou livre enquanto o jovem de cabelos dourados aplaudia. E seu olhar era pura determinação quando ela viu novamente o dragão, desta vez prateado e brilhante, tão brilhante que chegava a cegar.

Um borrão e então uma nova cena se formou. O sorriso no rosto da dama se transformou num olhar de fúria. Ela não usava mais um vestido longo e vermelho, mas sim uma cota de malha e um elmo feitos especialmente para ela, com formas femininas. Voava nas asas do dragão, sozinha e chorando. A única coisa que conseguia cortar a escuridão que tomava o local era o fogo que queimava as choupanas, o Templo, a floresta, e que fazia os olhos molhados arderem. Uma vida de dedicação às forças da natureza destruídas pela ambição de um rei ingrato. Um homem que se anunciava cristão, mas que matava para provar que seu deus era o verdadeiro.

Mia acordou ofegando e tomada por uma emoção saudosista que logo se dissipou. Era apenas um sonho, e agora a realidade vinha cobrar o seu preço. Remexeu-se e virou para o outro lado ainda debaixo das cobertas, a fim de encarar o pai, a mãe e a avó, que ressonavam naquele início da primeira manhã de relativa paz depois de um Natal bastante conturbado.

Embora tentasse evitar, logo a ruiva foi assaltada pelas lembranças. Um dia antes, a manhã de Natal amanheceu cinzenta e fria. Ela, Hermes, Lúthien, tia Gina e Harry Potter voltaram da Sala das Profecias do Oráculo quando o sol tinha nascido há pouco. Acreditavam que Fred e Jorge haviam explicado aos demais quem era Wyrda, portanto, seriam poupados de contar uma história longa demais. Tudo o que Mia queria era se deitar, fechar os olhos e se entregar ao sono. No entanto, a movimentação na casa não era apenas aquela que esperava por Harry, na ânsia de que ele estivesse convencido de quem era. Na verdade, havia algo estranho no ar. Quando Mia entrou na sala de estar, viu que os Renegados estavam reunidos enquanto a caixa de som da televisão antiga dos Gêmeos berrava desafinada o noticiário colorido e dramático:

- ... na manhã de Natal! É alarmante o que fizeram à estação Kings Cross de Metrô e Trem no centro de Londres. Nenhum grupo terrorista assumiu a autoria dos atentados por enquanto. E o que mais intriga as autoridades é que não há indício nenhum do uso de bombas ou qualquer tipo de artefato explosivo. A não ser, é claro, o fato de que a estação e os prédios ao redor vieram abaixo numa nuvem de poeira e escombros em questão de segundos, matando centenas de pessoas.

Mia sentiu as pernas vacilarem enquanto procurava apoio no ombro de Hermes. Ambos olhavam as imagens surpreendentes do noticiário trouxa sem conseguir sequer respirar: a estação de Kings Cross destruída, equipes de bombeiros correndo de um lado para o outro tentando resgatar vítimas debaixo dos escombros, gritos e desespero transmitidos pelo vidro do televisor como se fosse a programação de um filme de guerra.

- Não foi nenhum atentado terrorista e isso não é obra de nenhum homem-bomba maluco querendo acabar com a supremacia do capitalismo inglês e outras coisas que os trouxas gostam de dizer – enquanto falava, Jorge balançava freneticamente as páginas de um jornal sensacionalista da Inglaterra. - Esta desgraça só aconteceu por causa disso! Por causa desta estúpida reportagem!

Mia, Hermes e Lúthien temeram o pior e se aproximaram da mesa onde Jorge havia abandonado as páginas do jornal para se juntar novamente ao grupo de feições preocupadas que não se despregavam do noticiário. O loiro tomou a primeira página do jornal nas mãos e leu a manchete que fez seu estômago rodar:

Rituais de magia negra mataram menino de Kings Cross
Um laudo da Scothland Yard aponta a família Weasley, mais precisamente a menor M.G.W, como a principal responsável pela suposta morte do filho dos vizinhos Barish. D.B., dezesseis anos, desapareceu sem deixar vestígios há pelo menos dois meses e acredita-se que ele esteja morto, embora seu corpo não tenha sido encontrado. A mãe, Helena Barish, afirmou em depoimento à polícia e a este jornal, que os assassinos do filho assumiram a culpa pelo crime e clamou por punição. “Eles foram até a minha casa e disseram que meu filho estava morto. Eu posso provar! E só quero justiça”. A polícia deve entrar hoje com mandados de busca para o senhor e a senhora Weasley, e também um processo em nome da menor.


Então Helena Barish atacou outra vez, mas ela não poderia prever a rapidez com que o Mal era capaz de responder. Mia encarou Hermes e percebeu que ele estava tão alarmado quanto ela. Lúthien tinha os olhos esbugalhados, tentando compreender o que acontecia ao redor, sua mente trabalhando rápida, de forma que ela já começava a juntar os pedaços quebrados da fina trama. Porém, para Mia e Hermes já era óbvio que o atentado só tinha um propósito: acabar com a família Weasley. Mas o que deixava Mia com o estômago embrulhado era a possibilidade de Voldemort descobrir que Daniel era filho de Harry Potter, se é que ele já não sabia disso.

Agora, deitada no conforto da cama que ocupava na casa dos gêmeos, Mia percebia o quanto tinham sido estúpidos em continuar vivendo em Kings Crooss depois do retorno de Azkaban. Aquela tragédia deveria ter sido prevista. Afinal, a Polícia Negra tinha a exata localização da casa dos Weasley, pois veio pessoalmente seqüestrar marido e mulher. Agora tudo fazia sentido. E os trouxas não encontrariam nenhum grupo terrorista no qual pudessem colocar a culpa pelas mortes dos inocentes. Aquelas pessoas estavam no lugar errado numa hora mais errada ainda. A fúria do Lorde das Trevas não se importava com a quantidade de baixas, ainda mais se representassem menos trouxas no mundo. Voldemort queria apenas cumprir aquilo a que se propunha na escalada ao poder cada vez mais supremo, soberano e único. E naquele momento o que ele pretendia era acabar com a vida de Mia, o que fez com que ela engolisse em seco diante de tal constatação. Afinal, ele sabia que ela representava perigo ao seu domínio. E, pela primeira vez, Mia sentiu medo do futuro e vacilou na determinação de se vingar pela morte do amigo. Sentiu que lidava com o Mal absoluto na figura daquele bruxo que não poderia sequer ser considerado um ser humano. O que uma menina como ela faria contra tanto poder?

A ruiva se encolheu na cama diante das lembranças. O medo congelava sua vontade e fazia com que ela não quisesse nunca mais sair da proteção quente dos cobertores. Mas estes não a impediam de reviver a cena dos olhos inchados de Harry quando ele soube que a esposa estava entre as vítimas do atentado. O Lorde das Trevas não teve piedade nem ao menos daquela que, de certa forma, ajudou-o a executar seus planos ao publicar aquela matéria no jornal. Mas ela era trouxa, como centenas de outros que foram soterrados e nunca mais veriam a luz do sol novamente. Harry chorou em silêncio, porque provavelmente já estava conformado diante do fato de que sua vida mudaria para sempre depois daquele Natal. Ou pelo menos a vida que viveu depois de se esquecer de quem era.

Os Weasley não puderam recuperar nada do que tinham, perderam todos os bens junto com o apartamento. Mia respirou aliviada por terem trazido Bichento. A família então decidiu ficar e viver com os Gêmeos. Luna e Neville também não voltariam ao hotel onde estavam hospedados, era arriscado demais caso fossem rastreados. O inimigo poderia ter espiões infiltrados em toda a Londres. Harry não tinha mais para onde ir e ficaria por lá também. Foi assim que a casa dos Gêmeos se tornou a sede oficial da Ordem de Resistência dos Renegados.

Carlinhos voltou para a Romênia ainda naquele dia, prometendo angariar reforços e procurar os antigos tratadores de dragões. Ele usava suas habilidades para cuidar de animais em fazendas trouxas, mas tinha certeza que, em algum lugar do país, ainda poderia encontrar os companheiros de antes, os bruxos que também estivessem Renegados naquele país. Não seria tarefa fácil, pois eles se calavam em relação aos antigos poderes. Não importava. Quando entraram na nova Ordem, os Renegados sabiam que tinham uma missão quase impossível pela frente. E se entregavam a ela como kamikazes, diante da única perspectiva de talvez, um dia, voltar a ser o que eram antes: bruxos livres. Gui e Fleur também partiram de volta para o interior da Inglaterra, prometendo voltar assim que conseguissem resolver os pormenores das terras que colocariam a venda. A única que continuaria morando em Londres, mas longe da sede da OdRR era tia Gina, que ainda não havia encontrado um meio de convencer o senhor Malfoy a vir morar com os Weasley e vice versa. A idéia não agradava a ambas as partes, exceto a ela mesma. Não havia confiança para Draco Malfoy. Ele seria eternamente marcado como um traidor.

Hermes tinha ido embora com a mãe naquela tarde também. E aquela noite chegou trazendo uma assustadora crise para Harry Potter. Seus gritos desesperados podiam ser ouvidos por toda a casa:

- NÃO! PARE, POR FAVOR, CHEGA! EU DIGO, EU FALO! LARGUE MEU FILHO!

Ainda escondida entre os cobertores, Mia sentiu o coração dar uma cambalhota ao se lembrar das palavras de Harry, dos olhos muito verdes vidrados e amedrontados. Ele só parou de gritar e quebrar coisas quando Mia irrompeu pelo quarto onde ele estava, ajoelhou ao seu lado, pegou em seus punhos e encarou seu rosto pálido. Então, viu que ele estava com as roupas molhadas e perguntou a Fred e Jorge, que estavam tentando detê-lo antes de Mia entrar no quarto:

- O que aconteceu com ele? Como ele se molhou?

- Encontramos ele assim, Mia – Fred começou, o olhar desanimado que não combinava com ele. – Mergulhado até a cabeça na banheira do quarto. Quando tiramos ele de lá, começou a gritar desta maneira e não havia quem o acalmasse até você chegar.

Mia lembrava-se de que um arrepio havia percorrido sua espinha quando Harry, de joelhos diante dela, sacudiu os cabelos escuros e espirrou água em seu rosto, murmurando de forma que apenas ela poderia ouvir:

- Destino...

Deitada na cama e envolta em lembranças, Mia apenas cobriu a cabeça como se isso pudesse ajudá-la a escapar da trama que as fiandeiras do destino faziam questão de tecer para ela.


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