Um Sábado Indigno



Já eram onze e meia da manhã quando Ronald Weasley finalmente acordou, numa fria manhã de fevereiro. Ele se espreguiçou e ficou uns bons cinco minutos encarando o teto antes de se levantar, relutante. O dia seria horrível. Bom, pelo menos a partir das duas da tarde.
O rapaz andou vagarosamente até o banheiro, tentando espantar os vestígios de sono. "É sábado, Ron". Sim, ele sabia que era sábado. E marcaram a maldita entrevista, convocação ou o que fosse justo em um sábado. Sábado é dia de dormir até tarde e ficar de pijama até as sete da noite, quando iria com Harry ao Três Vassouras. Isso é um sábado digno.
Ele saiu do banheiro e desceu para a cozinha apertada de seu apartamento, onde o Profeta Diário estava aberto, chamando a atenção dele para uma reportagem sobre quadribol.
- Hmmm, os Cannons caíram – murmurou Ron, enquanto tomava uma xícara de café bem forte. "Que vida, homem. Pelo menos você vai ao Ministério hoje".

**

"Apresse-se, Hermione! Você vai ao Ministério hoje!"
Às onze e meia da manhã, completamente vestida e arrumada, Hermione Granger lia, aliás, relia, muito ansiosa, a convocação do Ministério da Magia a jovens que haviam recentemente se formado para diversas opções de empregos, cursos, oportunidades. Era uma espécie de reunião em busca de talentos. Não que ela não estivesse razoavelmente satisfeita como bibliotecária em uma biblioteca nova em Hogsmeade – a Fenix Feather -, mas queria colocar sua vida em uma reta definitiva para seu futuro. Sim, ainda tinha dúvidas... Mas quem não as tem?
Levantou-se e olhou para o relógio, nervosa. Ainda eram onze e meia! Ao meio-dia ela iria almoçar... "Vou sair quando for mais ou menos uma e meia", pensou.
Toc, toc, toc. Algo estava batendo em sua janela. Virou-se, rápido, mas era apenas sua coruja Hailey. A moça só recentemente arranjara uma coruja para si mesma – Hailey não era lá muito amiga de Bichento, que costumava fitá-la com um olhar muito sugestivo, mas com o tempo se dariam bem. Hailey fora presente de seu namorado, Doug. Ele tinha vinte e dois anos e trabalhava no Ministério como assistente júnior no Departamento de Cooperação Internacional em Magia. Era muito dedicado e, às vezes, sério, mas era simpático e transmitia confiança. Estavam juntos há dois meses.
- Você provavelmente me verá se for ao Ministério – dissera ele há alguns dias, na última vez em que haviam se visto: na biblioteca em que Hermione trabalha, onde ele fora procurar um Código Penal Mágico.
- Você vai trabalhar nesse horário? – perguntou ela enquanto pegava o livro.
- Sim – respondeu ele – e posso dar uma olhada em você. Você sairá de lá com um novo rumo de vida, acredite. Você promete.

**

Ron vestiu-se e encarou o espelho com um pente nas mãos. Parecia sério? Parecia promissor? "Deveria arranjar uns óculos", pensou. Precisava de um emprego novo – não agüentava mais trabalhar como assistente na organização do Beco Diagonal. Tinha que verificar os nomes de quem estivesse querendo comprar ou alugar uma loja lá, conferir os pagamentos, e sabe-se lá para quê, porque tudo seria conferido de novo por seu chefe. Era o trabalho mais chato do mundo, e o salário não era nada promissor. Sentia dores de cabeça só de pensar em seu emprego.
Guardou o pente e passou a mão pelos cabelos ruivos, molhados. Sacudiu a cabeça e deu as costas para o espelho.
Em cima de sua cama, estava a carta que recebera do Ministério. Apenas alguns fragmentos entravam em sua cabeça: “...uma juventude dedicada...” “...mentes promissoras...” “...esforço e seriedade...” Isso não combinava nem um pouco com ele. Talvez o trabalho que arranjasse fosse ainda mais monótono do que o atual.
- Você tem que seguir uma vocação – aconselhara-o Harry, no último sábado no Três Vassouras. O amigo era auror. Não que Ron ficasse surpreso com isso – ser auror parecia algo atraente, mas a urgência de dinheiro era-lhe mais importante, e fazer três anos de preparação não era algo exatamente a seu alcance.
Vocação. E ele tinha alguma vocação? Em que era bom, de fato? Além de xadrez e...
"Parabéns, Ron. Você é bom em xadrez. Definitivamente um cara talentoso. É claro que há milhares de empregos para pessoas que são apenas BOAS EM XADREZ".
Sacudiu a cabeça novamente. Ele precisava ser confiante. Só isso. Justamente o que mais lhe custava. "Não pense nisso, Ron. Acredite em você mesmo. Acredite em você mesmo!"
Olhou para o relógio. Eram uma e meia da tarde.
- Bom, lá vou eu – murmurou para o quarto vazio, aparatando em seguida com um sonoro estalo.

**

Hermione abriu a janela. Hailey entrou. Era uma bela coruja castanha, com um olhar penetrante, talvez a barreira para que Bichento se desentendesse com ela: era um olhar muito sólido. Francamente, Hermione. Olhares não são sólidos.
A moça acariciou a cabeça de Hailey e desamarrou a carta de sua perna. Reconheceu a caligrafia de Doug.

Querida Hermione,
Boa sorte em sua entrevista de hoje. Ocorreu um imprevisto, você provavelmente me verá apenas quando ela terminar. Você tem que ir para o Departamento de Cooperação Internacional em Magia, é perto de onde trabalho. Haverá vários jovens lá, mas você com certeza irá se sobressair entre eles. Andei conversando com algumas pessoas importantes do mercado internacional. Alguns estarão de olho em você.
Irei encontrá-la no final da entrevista.
Amor,

Doug

Um pensamento surgiu em sua cabeça, de repente. Doug era tão... profissional. Não que isso a irritasse, é claro... mas sua vida estava se tornando algo estritamente profissional. "Mas que besteira, Hermione! Você é uma pessoa séria". Mas uma boa piada não faz mal a ninguém, faz? Um tempo sem estar grudada nos livros também não fazia mal... isso mesmo: não fazIA. Ela não era mais nenhuma adolescente. Tinha vinte anos e um compromisso importantíssimo nesse dia. Isso mesmo. "Concentre-se, Hermione".

Olhou para o relógio. Uma e meia. Ajeitou os cabelos presos e ficou mais ereta, segurando sua pasta firmemente. Girou nos calcanhares e aparatou para o Ministério.


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