"HEI, POTTER!"



Namorar Tiago Potter é muito mais estranho do que eu um dia eu podia imaginar. A começar pelo fato dele ser um cara realmente conhecido. Ninguém tem noção da dificuldade de atravessar um corredor com ele. Ele tem "conversas ocasionais" com metade da escola. Eu tenho que parar de tempo em tempo, e olhar interessada para a cara das pessoas com quem ele conversa. Na maioria das vezes eu nem sei o nome do cidadão.


 


De agora em diante eu determino que a minha frase do pânico é "Hei, Potter!". Eu acho que já chego a estremecer quando ouço alguém o chamar. Ele não percebe. Sempre responde simpático a todos os "Hei, Potter!". Eu sou compreensiva, cumprimento as pessoas junto com ele, até tento entender os enigmas, mas ele não nota que me sinto verdadeiramente desconfortável nessas situações. Além de ter um jeito muito estranho de falar com os amigos dele. É uma mistura de gírias inimagináveis com tapinhas "amigáveis" nas costas. Sinceramente, eu ainda não sei como ele não deslocou o ombro. Ele pode ter sérios problemas com a posição de artilheiro se continuar a ser batido e bater nas pessoas dessa forma. O pior, é que ele parece levar algum tempo para voltar ao normal, e sem perceber, passa uns cinco minutos falando daquela maneira estranha comigo.


 


Apesar de eu ter sempre pensado que não, descobri que ele é a mesma pessoa "dentro e fora do palco". Juro! Risadas escandalosas, cheio daquele ego inflado, só sorrisos, mas é assim com todo mundo. E eu que pensei que "frases convencidas" fosse desprivilegio meu. De qualquer forma, ainda acho que comigo a coisa é pouco mais acentuada.


 


Também, aquele velho "tique" dele não o abandona, e não o abandonará jamais. Eu confesso que pode ser charmoso em alguns momentos, mas depois de um dia inteiro vendo ele fazer aquele senhor movimento, não tem como eu não me irritar.


 


Começo de namoro é uma coisa estranha. Você começa a descobrir coisas inusitadas, e isso pode até lhe aborrecer, mas basta se afastar um segundo para a sua mente voltar a se encher de pensamentos apaixonados. Em alguns momentos é terrível, porque você simplesmente fantasia, e quando volta a olhar para o mundo real, leva um choque. Eu tive uma experiência assim há dois dias atrás.


 


Era fim de semana, e para o meu desagrado, o time da grifinória já havia ido para o campo de quadribol. Agatha logo me informou que eles tinham treino, já que o segundo jogo da temporada estava próximo. A grifinória batera a Lufa-lufa na semana passada com uma diferença de oitenta pontos. Apesar de um tanto quanto enciumada do quadribol (Babaquice!), eu entendi completamente esse fato.


 


Segui alegremente para o café da manhã, demorei tanto quanto podia tomando suco, comendo bolo e torradas. Sem que eu me desse conta, meus pensamentos foram preenchidos pela imagem do Tiago, e um sorriso bobo (O que está acontecendo comigo? Eu nunca fui de sorrir bestamente!) teve lugar nos meus lábios. Ainda mais satisfeita, se isso é possível, sai caminhando sem rumo pelo jardim. Os meus pés não tinham porque me trair agora. Eu me esqueci, entretanto, que ele e o meu cérebro são amigos antigos.


 


As minhas divagações foram tomando formas cada vez mais claras, e se unindo de tal forma, que de repente, eu me vi narrando uma história dentro da minha cabeça, com falas, descrições.


 


Tiago estava exibidamente andando pelo jardim, e cumprimentando as pessoas que lançavam "Hei, Potter". Eu estava ao seu lado, me sentindo meio irritada por toda a atenção, que involuntariamente estava recebendo.


 


Depois da décima pessoas, eu não pude me controlar. Cruzei os meus braços, e posicionei-me de forma que ele, por mais que fosse lerdo, percebesse que eu estava irritada. Surpreendentemente, ele não demorou a notar a alteração no meu humor.


 


"O que foi Lily?". Ele perguntou carinhosamente.


 


"Como 'o que foi'? Seria mais apropriado se você perguntasse: 'O que eu fiz de errado?'. Porque eu presumo, que a essa altura, você já saiba que esses seus constastes cumprimentos a todos os estudantes dessa escola me irritam”.


 


Sonhos. É incrível como em sonhos a gente consegue dizer tudo sem ser influenciado por sorrisos perturbadores, ou olhares marotos. Sonhar acordada é ainda melhor, porque eu realmente controlava a situação.


 


"Desculpa, Lily. Eu realmente não tinha percebido, mas não precisa mais se preocupar." É claro que esse não era o Tiago. Eu acho que estava tão ávida por algo assim, que criei uma fantasia para me satisfazer.


 


O meu sonho terminaria com uma imagem de um Tiago sorrindo, com as mãos em seus bolsos, e o cabelo balançando com o vento que rodeava o lugar, se não fosse o verdadeiro Tiago.


 


Os meus pés haviam me levado ao campo de quadribol. Eles já tinham feito isso uma vez. Devem ter achado divertido para repetir a dose. A cena parecia ser a mesma, só que dessa vez eu não achava que sairia irritada.


 


Ainda em algum outro mundo eu observei o treino. Tenho certeza que Tiago não me notara, mas mesmo assim, voava de uma forma que chamava a atenção. Eu só pude concluir que esse jeito pomposo nasceu com ele. Em pensar nas milhares de vezes que o acusei de voar daquela maneira apenas para chamar a atenção.


 


Não demorou muito e o capitão apitou, terminando o treino. Talvez tenha sido essa hora que eu, realmente, voltei para o planeta Terra. Pisquei várias vezes quando vi mais barro do que Tiago vindo em minha direção.


 


Na mesma hora a fantasia que eu havia criado simplesmente se despedaçou. Sorrindo, e se distanciando dos "Hei, Potter!", Tiago caminhava distraidamente. Quando finalmente parou, o espaço que me separava do seu uniforme imundo, era menor do que eu gostaria.


 


"Oi Lily. Veio ver o treino?". Ele perguntou ainda sem fôlego, e sorriu.


 


"Tiago! Como você consegue se sujar tanto estando no ar?". Eu perguntei verdadeiramente intrigada. Ele riu, e me olhou pelo canto dos olhos. Eu deveria ter percebido naquela hora. Sempre que ele faz isso, tem algo maligno em mente.


 


"Sirius. Ele atirou propositalmente um balaço em mim quando eu disse que ele estava irritante. Ele não parava de falar na Belle”. Ele deu dois pequenos passos para trás, e eu me senti a salvo do uniforme dele. "Eu cai. Mas não estava muito alto.". Ele acrescentou essa última frase rapidamente quando viu a minha cara de preocupação. Eu comecei a vasculhar Tiago inteiro para ver se tudo estava no devido lugar. Quadribol é muito brusco!


 


De repente, não me dando chance para lutar contra aquilo, ele simplesmente me abraçou, ele e o uniforme impecável. Como uma vez sentira na sala comunal, dei um giro de trezentos e sessenta graus. Fechando os olhos de raiva, falei.


 


"Eu vou matar você, Potter!". Ou melhor, berrei, dividida entre a raiva, e uma gostosa gargalhada. Tiago já havia optado, ria do meu desespero em não me sujar muito. Que graça! Uma doçura de pessoa!


 


Ele finalmente me colocou de novo no chão, e coroou a cena com toque especial, me deu um beijo repentino, e apaixonado. Pela segunda vez no dia eu fiquei abraçada àquele uniforme, no entanto, dessa vez fora por livre e espontânea vontade. Devo acrescentar que isso é uma grande covardia, já que esses beijos me impedem de ficar brava com o Tiago.


 


Pareceu que só depois de uma eternidade nos afastamos o bastante para que eu pudesse enxergar mais do que a boca de Tiago. Ele logo disse uma das típicas falas.


 


"Lily, você consegue continuar linda mesmo cheia de barro”. Ele me olhava pervertidamente. Eu cruzei os braços, e quando estava pronta para responder a altura, ouvi aquela frase.


 


"Hei, Potter!". O capitão do time.


 


Eu fechei a minha boca, tentando imaginar que fora apenas alucinação, mas logo em seguida ouvi a resposta de Tiago, "O que é?". Dessa vez eu abri a minha boca furiosa e berrei como quem não se conforma, "Hei, Potter!". Virei-me e comecei a andar apressada. Ainda pude vislumbrar a figura de Tiago olhando para mim com um grande ponto de interrogação marcando a sua expressão.


 


Eu cheguei ao salão comunal pisando fundo, e em um estado ainda pior do que eu podia imaginar. Além de estar completamente suja, estava irritada, e o meu cabelo parecia ter entrado para o mesmo clube que o do Tiago, ele não parava de atrapalhar a minha visão.


 


Pude notar Agatha me olhando intrigada, e ouvir ela me perguntando: "O que houve?". Mas eu não estava exatamente em condições de responder. Nada do que eu dissesse naquela hora iria prestar, eu me conheço. Então, eu simplesmente berrei um "Não pergunte!" E subi as escadas para o dormitório. Eu queria um banho, outras vestes, e quinze minutos livre de "Hei, Potter!".


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Sério! Eu não encarei aquela minha irritação como uma briga, mas aparentemente Tiago sim. Horas depois, eu estava sentada no sofá do salão comunal lendo um livro, quando Tiago se jogou ao meu lado, e disse muito cauteloso: "Vai me contar o que aconteceu naquela hora, ou eu vou ter que continuar tentando adivinhar?". Eu abaixei o livro, cruzei os braços e respondi claramente:


 


"Eu não agüento tanta gente falando o seu nome num mesmo dia”.


 


"O que?". Ele perguntou, e para o meu espanto, parecia verdadeiramente confuso.


 


"Não é possível que você nunca tenha notado.". Eu disse exasperada. "Você tem noção da quantidade de pessoas que falam 'Hei, Potter' por dia?".


 


"Eu nunca contei”. Ele falou, parecendo ainda mais perdido. "Mas o que isso tem a ver com você ter ficado brava?".


 


"Tudo a ver”. Eu fiz uma pausa, e tentei escolher as palavras. "Tiago, eu entendo que eles sejam seus amigos, mas é simplesmente impossível andar e parar a cada dois segundos, participar, e tentar entender todas as conversas que começam com 'Hei, Potter!'. Quero dizer, será que eles não podem ao menos variar? Quem sabe, 'Alô, Potter', ou simplesmente 'Potter'“. Ele pareceu meio chocado.


 


"Você está chateada com isso?". Como se isso fosse pouca coisa.


 


"Quer dizer, como você ainda não ficou paranóico. Se eu ouvisse a mesma quantidade de vezes o meu nome, como você ouve o seu, eu enlouqueceria. Começaria a escutar coisa que não existe. Juro! Seria um tormento”. Ele parecia não acreditar.


 


"Eu nunca vi dessa forma. Aliás, eu nem percebo. As pessoas me chamam e eu respondo. Só isso”.


 


"Só isso?".


 


"Lily, eu não posso começar a ignorar as pessoas”. Ele sentia-se mais satisfeito, agora que entendia o que se passava pela minha cabeça.


 


Eu me senti derrotada. É claro que não podia, e não iria. Tiago é a pessoa mais social que eu já conheci. Como ele mesmo disse, nem percebe, o que eu considero um fato completamente espantoso, e que deve ser analisado atentamente. Entretanto, eu me peguei sorrindo dois segundos depois.


 


"Talvez se você me dissesse o nome da pessoa com quem está conversando, eu não me sinta tão deslocada”. Eu realmente queria achar uma solução para aquilo tudo.


 


"Você se sente deslocada?". Pare tudo um momentinho! Qual era o problema com o Tiago? Porque ele não entendia nada do que eu dizia? Eu sei que ele é desligado, e não percebe as coisas, mas esperava que já tivesse notado que me sinto desconfortável.


 


"É claro que me sinto deslocada, Tiago! Eu não conheço as pessoas, e ainda tento entender as suas conversas enigmáticas. Você tem que concordar que o meu trabalho não vem sendo muito fácil”.


 


Escandalosamente, ele riu. E como se tivesse entendido tudo de uma vez só, começou a falar o nome de um mundaréu de gente, e me dar o histórico de cada uma delas. Eu fiquei mais impressionada com o fato do Tiago se lembrar de todos os nomes, e de tantos acontecimentos, do que com as histórias propriamente ditas. Finalmente eu descobri o que ele faz em sala de aula. Porque se não é anotar e prestar atenção, só pode ser decorar a vida de todas aquelas pessoas.


 


Não consegui captar metade do que ele disse, mas espero conseguir me lembrar alguma coisa quando as pessoas virem falar com Tiago. Tenho que concordar que ele facilitou muito as coisas para mim.


 


Eu deveria estar dormindo agora, mas estou deitada de barriga para baixo, olhando as estrelas, através da janela do dormitório, e escrevendo sobre uma coisa que nunca pensei que aconteceria. Estranho...

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