Mortes e Revelações



Capítulo 18 – Mortes e Revelações


Pela primeira vez no mês, a sede da Ordem da Fênix estava calma. Poucos membros estavam ali, dentre eles os quatro comandantes: Moody, Quim, Lupin e Tonks. Eles estavam sentados na ponta da comprida mesa da sala de reuniões. Todos estavam ansiosos.


Depois de quase duas semanas insistindo, Tonks finalmente conseguira um contato com Owen e, através dele, com Cassius. Eles haviam marcado uma reunião naquele dia. O mago, pela primeira vez na vida, estava atrasado.


- Ele vem mesmo? – Moody estava impaciente, ainda não gostava daquela idéia.


- Claro que vem! – respondeu Tonks, firme, mesmo já não tendo certeza.


Permaneceram em silêncio por mais alguns minutos, até que a porta se abriu.


Eles ergueram o olhar e viram-no. Ainda usava as vestes negras que, mesmo não sendo essa a intenção, causou leve ira em todos ao lembrar-lhes de certo traidor.


Cassius mantinha o rosto sério, mas um nervosismo e uma ansiedade o afligiam por dentro. Ele fechou a porta e mentalizou alguns feitiços. Ninguém entraria na sala nem ouviria o que seria dito ali. Após olhar para todos, fez um cumprimento com a cabeça e se sentou na cadeira da ponta oposta aos outros.


- Obrigado por ter vindo. – Tonks deu um leve sorriso, aliviada.


- Não precisa agradecer. – Cassius fitou os olhos dela, ainda sério.


- Já deve saber o porquê de termos te chamado. – Moody se ajeitou na cadeira.


- Não, não sei. – Cassius manteve-se calmo.


- Você deve saber que há duas semanas nós batalhamos contra o Dragão Negro, certo? – Moody inclinou-se ameaçadoramente.


- Sei que combateram. Porém, acreditem, não combateram o Dragão Negro. – Cassius encostou-se na cadeira e juntou as mãos.


- Claro que combatemos o Dragão Negro. – Moody, definitivamente, estava sem paciência.


- Não. Não combateram. – estava sendo difícil, mas Cassius permanecia sério.


- Como não?! – Moody ergueu a voz.


Tonks colocou a mão na testa e abaixou o olhar. Lupin suspirou longamente e fitou a mesa. Quim possuía um brilho no olhar, fazia tempo que ele não via uma reunião pegar fogo.


- O Dragão Negro morreu a mais de um milênio. – explicou Cassius, sereno, atraindo o olhar de todos.


- Como?! – todos estavam espantados.


- Exatamente. – Cassius se ajeitou na cadeira – O Dragão Negro, o verdadeiro, morreu a mais de um milênio. Merlim o combateu. – ele ficou ainda mais sério, não devia falar mais nada sobre aquilo.


- Mas... – Moody se encostou à cadeira – Voldemort agora se identifica como...


- O Dragão Negro, é eu sei. – suspirou Cassius, seria uma longa reunião.


- Então? – Moody fitou-o com o olho normal.


- Porque vocês temem um nome? – Cassius olhou cada um nos olhos.


- Como assim? – Quim se inclinou para olhá-lo melhor.


- Assim mesmo. Vocês temem um nome. “O Dragão Negro”. Voldemort! – falou Cassius com deboche.


- Mas é assim que... – começou Quim.


- Sim, é assim que ele se identifica. – Cassius cortou-o – Mas o que nós temos ver com isso?


Eles se entreolharam.


- É apenas um nome. Que na verdade nem é um nome. – Cassius sorriu debochado – O nome dele é Tom Servolo Riddle.


Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes.


- Quando vocês temem um nome, vocês acabam por temer algo inexiste. O que é o nome além de um termo, pelo qual, nos referimos às pessoas? – Cassius ainda sorria debochado – “Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume” – citou o mago.


- Shakespeare. – falou Tonks incrivelmente tocada com as palavras dele.


- Sim. – Cassius olhou-a nos olhos – Chamando Tom pelo “nome” que ele usa, vocês acabam por alimentar um medo sem sentido. É claro que Tom ficou mais forte nos últimos meses, principalmente com o Dragão. – ele voltou a ficar sério ao pronunciar a última palavra.


- Então... o que você sugere? – Moody fitou-o.


- Começem a tratá-lo pelo verdadeiro nome. – aconselhou Cassius – Ele vai ficar com raiva, isso é um fato, porque ele odeia o próprio nome, ele o acha muito comum. Então, ele cometerá erros.


- Você o conhece muito bem. – falou Moody, desdenhoso.


- Sim. – falou Cassius seco, encerrando aquele assunto – Parem de dar rodeios, por que me chamaram?


- Você certamente sentiu uma mudança no equilíbrio mágico há duas semanas. – falou Quim, percebendo que não deviam voltar àquele assunto.


- Sim, eu senti. Três mudanças. A primeira foi a mais intensa, logo de manhã. A segunda foi a menos intensa, pouco tempo depois do anoitecer. A terceira foi mediana, uma ou duas horas depois da noite se concretizar. – falou Cassius sério, mas inquieto por dentro, aquele assunto não deveria ser espalhado, não ainda.


- O que sabe sobre essas mudanças? – perguntou Moody.


- Apenas sei que ocorreram. – mentiu Cassius com perfeição – Sei que não foram aqui na Inglaterra. Foi no continente.


- Aonde? – perguntou Lupin, falando pela primeira vez.


- Não sei exatamente. – Cassius olhou para Lupin – Mas foi ao sudeste.


Somente naquele instante o mago notou a mudança de aparência de Lupin. Ele sorriu, aprovando. Lupin olhou nos olhos do mago e retribuiu o sorriso. Tudo foi tão rápido que ninguém percebeu. O sorriso de ambos se desfez e eles voltaram a ficar sérios como se nada tivesse acontecido.


- Você sabe o que aconteceu para que essas energias viessem a tona? – perguntou Tonks.


- Não sei. – mentiu Cassius novamente.


Eles se olharam, como se conversassem pelo olhar. Cassius se ajeitou na cadeira e olhou a madeira da mesa. Ainda estava preocupado. Não com os assuntos abordados na reunião. Outra coisa muito mais importante o preocupava.


Uma sensação ruim o assombrava desde o começo do dia. Ficou tão preocupado que se atrasou quase duas horas. Aquela sensação estava ficando cada vez mais forte.


Os outros permaneciam calados, apenas se olhando.


- Bem. – Lupin olhou o mago – Já que o senhor não possui mais nenhum conhecimento sobre o assunto...


- Obrigada por ter vindo. – Tonks sorriu.


- Não foi incomodo algum. – Cassius ergueu o olhar.


- Quando precisarmos... – Quim começou.


- Entrem em contato com meu filho. – Cassius cortou-o – Se for algo importante e urgente, peçam para que ele me chame.


- Certamente que sim. – Tonks ainda sorria.


Cassius sorriu de leve para a bruxa.


O que aconteceu a seguir foi muito rápido. O mago arregalou os olhos, que espelhavam desespero. Seu sorriso sumiu e sua face ficou temerosa. Ele se ergueu em um pulo e olhou para a parede oposta.


Todos sentiram algo estranho. Sentiram o medo e o desespero dele, algo que nunca pensaram que poderiam sentir vindo do mago.


- O senhor está bem? – Tonks se preocupou.


- Sim. – a voz dele saiu fraca – Eu preciso ir.


Antes que alguém pudesse falar algo, ele se virou e saiu da sala.


- O que deu nele? – Moody olhou diretamente para Lupin.


- Não tenho idéia. Mas deve ter acontecido algo muito ruim. – suspirou Lupin.


- Será que é o Harry? – perguntou Tonks, lembrando-se que tinham esquecido de perguntar sobre o “garoto”.


- Talvez. – Lupin se encostou na cadeira e fechou os olhos, pensativo.


- Mesmo assim... – Tonks imitou o marido – é algo terrivel.


=-=-=


Havia um pátio vazio defronte a um prédio quadrado e sinistro cercado por altas grades. Havia também uma pequena escada que levava à porta de entrada. O mais estranho, naquele bairro isolado e esquecido de Londres, era um casal vestido de negro à frente do prédio.


Eles se entreolharam. Com um aceno da cabeça dela, avançaram. Ambos retiraram as varinhas dos bolsos e apontaram para a porta. Subiram à pequena escada e com um pequeno aceno da varinha dela, a porta se abriu lentamente.


O corredor possuía azulejos pretos e brancos, este quase não se distinguia do preto devido à quantidade de sujeira. Aquele lugar, mesmo limpo, já devia ser velho há mais de sessenta anos.


Eles examinaram o térreo, sempre juntos. Voltaram ao hall e olharam a escada de pedra. Eles subiram com cuidado, ouvindo seus passos ecoando na pedra. Havia um comprido corredor. Ambos sentiram um arrepio gélido percorrer suas espinhas.


Eles se entreolharam e depois focalizaram o mesmo lugar. A primeira porta do corredor. Eles se colocaram a frente da porta. Ele suspirou, como se recordasse de algo terrível. Ela segurou a varinha com mais força, esperando o pior.


Ele acenou a varinha e a maçaneta tremeu, mas não girou. Ela o olhou com preocupação. Ele moveu a varinha com mais força e a maçaneta girou meia volta, parou e voltou à posição normal. Ela tocou o ombro dele com a mão vazia e sorriu, dando-lhe paciência.


Eles olharam para a maçaneta e moveram as varinhas com brutalidade. A maçaneta girou varias e varias vezes até quebrar e rolar pelo chão. A porta se abriu com um baque. Uma falta de ar tomou-os por alguns segundos. Uma onda de energia negra saiu pela porta e tomou todo o prédio, fazendo a estrutura ranger.


Eles fizeram um círculo no ar com as varinhas e a magia parou de ser sentida com tanta intensidade. Eles entraram. Era um pequeno quarto vazio. Havia pedaços contorcidos de ferro e, para surpresa deles, um guarda-roupa intacto, velho, mas intacto.


Eles se entreolharam pela terceira vez e avançaram. Uma nova onda de energia negra, muito mais forte que a primeira, os fez recuar. Dois círculos no ar foram feitos com as varinhas. A percepção da energia diminuiu pouco, comparada à primeira vez. A respiração ficou pesada e os músculos duros.


- Se nós possuímos dúvidas, elas se esvaíram. – falou a mulher, com dificuldade.


- Concordo. Ele sentiu a nossa presença. Sentiu-se ameaçado. – o homem não retirou os olhos do guarda-roupa – Igual ao outro.


- Não podemos cometer o mesmo erro. – falou ela com aflição, lembrando-se o quanto haviam sofrido por causa da falha.


- Não quero correr o mínimo risco. – ele se endireitou, passando a varinha para a mão esquerda.


Ela olhou-o assustada.


“O que ele vai fazer?” – pensou ela.


Logo depois a aura azul escuro dele surgiu, embora fraca. Ele estava armazenando energia. Outra onda de energia negra foi emitida. Ele se abaixou e com a mão direita segurou-se no chão.Ela foi jogada de costas contra a parede e contra os ferros contorcidos. Sentiu alguns ferros perfurarem seu corpo. Não conseguia se mover e sua respiração ficara ainda mais difícil. Ele franziu a testa, queria ajudá-la, mas não podia.


Ele colocou a mão direita nas costas, por baixo do sobretudo, e retirou um longo objeto. Segurou com firmeza no punho cravejado de rubis e viu a lâmina prateada cintilar. No mesmo instante, outra onda de energia tomou o local. Dessa vez, ele também foi jogado para trás, mas não bateu nos ferros, somente na parede lisa.


A mulher foi pressionada contra os ferros, que entraram mais fundo em seu corpo, fazendo-a gritar. Agora ela mal conseguia respirar, tinha certeza que seus pulmões haviam sido perfurados. Ele se levantou, respirando com dificuldade e foi até ela. Ele se abaixou na frente dela e, com seu semblante, dizia que estava muito preocupado com a situação dela.


Ela olhou-o e moveu a cabeça em negação. Ele não devia se preocupar com ela, devia se preocupar com o objeto. Se demorasse mais, o objeto iria matar a ambos. Ele ficou relutante, ela estava certa, mas ele não queria correr o risco.


Ela conseguiu erguer a mão esquerda e apontou para o guarda-roupa, com o olhar ordenou que ele continuasse com a missão. Ele se levantou e se virou. Com a espada na mão direita e a varinha na esquerda. Ele ergueu a varinha e realizou inúmeros círculos no ar. Já não fazia mais efeito. Ele jogou a varinha no chão.


Sua aura tomou todo o quarto. Ele segurou o punho da espada com ambas as mãos e com força. Deu um passo a frente e uma nova onda de energia bateu contra ele. Com a espada ele se protegeu, mas o grito mal contido da mulher chegou aos seus ouvidos. Ele ia se virar, mas ela gritou:


- Faça o que deve ser feito!!!


Ele não ousou desobedecer-la. Focalizando o guarda-roupa, avançou. Ondas sucessivas de energia tentavam jogá-lo para trás, sem sucesso, e arrancavam gritos cada vez mais doloridos da mulher.


Ele cerrou os dentes, não podia ficar com raiva. Ao chegar a meio metro do guarda-roupa começou a falar em voz alta:


- Draco Dormiens Nunquam Titilandus! – ele começou a repetir como um mantra.


Sua aura se expandiu, ultrapassando os seus limites normais. Ele sentiu seus músculos começarem a doer. Logo seu corpo não aguentaria a própria energia. Com a espada ele abriu as portas do móvel e, com uma grande força nos pés e nas pernas, se manteve firme.


Uma onda muito forte, a mais forte de todas até aquele momento, bateu contra ele e contra a mulher. Ela não gritou e ele soube que ela já estava desmaiada. Ele olhou por todo o móvel, procurando algo. Na prateleira mais alta, acima de um trilho enferrujado, havia uma caixa de papelão. Ela era negra e era dela que vinham aquelas ondas.


Ele ergueu a espada acima da cabeça, agora gritando a frase que era o lema da Ordem de Merlim. A espada desceu com toda a força que os músculos dele podiam fazer. O guarda roupa se estilhaçou, dividindo-se em dois. A caixa caiu no chão, intacta.


Outra onda de energia o afastou alguns centímetros. Com a ponta da espada, ele abriu a caixa e viu um objeto dourado. Era uma pequena taça de ouro que possuía duas asas. Uma insígnia dizia claramente a quem aquele objeto havia pertencido.


Ele olhou o objeto com admiração por um segundo, era belíssimo. Muito mais belo que o medalhão. Outra onda de energia jogou seus cabelos negros para trás e o arrastou quase meio metro. Não poderia esperar mais. Segurou o punho com rubis com mais força. Gritava a frase da Ordem de Merlim com todo o fôlego.


Deu um passo a frente e voltou para perto da caixa. Ele ergueu a espada acima da cabeça novamente. Sua aura, que estava se expandido desde o começo, agora tomava quase o trilho do espaço normal. Ele sentia que seu corpo não aguentaria muito mais tempo. Com toda a força que possuía, ele gritou:


- LEMBRE-SE DISSO, DRACO DORMIENS NUNQUAM TITILANDUS!!!


Em um segundo sua aura retornou ao seu corpo, concentrando-se nos músculos dos braços e na espada. Uma forte dor atingiu-o nestes músculos, mas isso não o impediu de continuar. Ele desceu a espada com força.


Um grito agonizante de dor chegou aos ouvidos dele. A energia negra desapareceu em poucos segundos. Ele ergueu a espada e olhou dentro da caixa, que fora reduzida a pedaços de papelão. O objeto dourado estava partido ao meio, exatamente na insígnia.


Ele sorriu. Porém, o sorriso durou apenas poucos segundos. Seu corpo amoleceu e ele caiu de joelhos. A espada escapou dos seus dedos e brilhou ao chão. Ele não tinha mais forças. Sentia que seus músculos dos braços haviam feito esforço demais e, provavelmente, estavam atrofiados.


Ele tinha que se levantar. A mulher da sua vida estava logo atrás, desmaiada e com ferros enterrados pelo corpo. Ele tinha que resistir. Contudo, seus olhos começaram a pesar. Sua visão ficou turva. Pouco depois, não sentia mais dor. Não ouvia mais nada. Estava perdendo os sentidos. Ele tombou para trás. Olhou o teto e ergueu a mão.


- Venha nos ajudar... por favor! – pediu ele.


Sua mão caiu e seus olhos se fecharam.


=-=-=


Saint Mungus.


Terceiro andar, Envenenamento por Poções ou Plantas”. Ao final do corredor, curandeiros iam e vinham com pressas. Casos como aquele eles não viam há séculos.


Quarto andar, Danos por Magia”. O mesmo ocorria ao final do corredor.


No terceiro andar, uma mulher de cabelos negros estava sobre a cama. Havia perfurações profundas em todo o seu corpo. Respirava com tanta dificuldade que era imperceptível. Perdia sangue em abundância. Os curandeiros não conseguiam parar o sangramento. Seja lá o que tinha perfurado o corpo dela, possuía veneno e era um incrivelmente forte. Os curandeiros ainda não tinham conseguido identificá-lo. O que deixava as coisas mais difíceis.


No quarto andar, um homem de cabelos negros também estava sobre a cama. Em um intervalo de cinco minutos, seu coração parava. Os curandeiros o reanimavam e tentavam fazer aquilo parar, mesmo não sabendo exatamente o que o causava.


- SAIAM DA MINHA FRENTE!!!


Os curandeiros, que estavam perto do homem, olharam para a porta do quarto. Um homem alto, de vestes negras e cabelos grisalhos que iam até os ombros, entrou. Ele parecia calmo e assustado ao mesmo tempo.


Ele se aproximou da cama. Os curandeiros abriram passagem, pois eles já haviam visto aquele homem a mais de um ano e ele acompanhava O Eleito. O homem na cama também estivera com ele. O homem que acabara de entrar ficou ao lado da cama e se inclinou sobre o outro.


- SAIAM!!!


Os curandeiros não ousaram desobedecer-lo. Quando a porta se fechou, o homem a trancou magicamente. Seu olhar era de pura preocupação. Ele colocou as mãos sobre o peito do outro homem e se concentrou.


Um brilho cinza escuro emanou de seus dedos e tomou o corpo do outro. O brilho permaneceu por longos segundos. O homem à cama voltou a respirar normalmente. O outro se afastou. O homem abriu os olhos e o olhou. Seu olhar não foi de agradecimento, foi de raiva.


- Por...porque veio m...me salvar prim...primeiro?! – perguntou com dificuldades, sentindo dores nos músculos dos braços.


- Agora que os curandeiros podem cuidar de você eu irei até ela. Você era mais fácil de cuidar. Ela não. Precisarei de algumas horas para cuidar dela completamente. – o homem se virou e saiu.

Os curandeiros entraram logo depois, assustados. O homem à cama os encarou e disse que estava com dor nos braços. Contou-lhes que havia feito muito esforço nestes músculos e que precisaria de algumas poções. Os curandeiros se assustaram ainda mais com a “recuperação” do homem. Eles voltaram a se mover rapidamente, indo atrás das poções necessárias.


No terceiro andar, a situação já era critica. Os enfermeiros já não conseguiam limpar e repor o sangue que a mulher perdia, os lençóis da cama já estavam tingidos de vermelho. O homem de cabelos grisalhos entrou e olhou os curandeiros e enfermeiros ali presentes.


- Eu posso cuidar dela, retirem-se! – falou ele alto.


Ele teria que manter a calma para cuidar da mulher.


Os curandeiros, que também já conheciam aquele homem, ordenaram aos enfermeiros que se retirassem, fazendo o mesmo. O homem trancou a porta e se colocou ao lado da mulher.


- Merlim! O que aconteceu a você? – lamentou ele, vendo o estado do corpo dela.


Com um movimento das mãos, o sangue sumiu. Ele olhou as costas dela. Teria que começar pela região dos órgãos vitais. Ela não aguentaria por muito tempo. Ele sequer sabia o motivo dela ainda estar viva. Suas mãos brilharam novamente, um brilho mais forte que o anterior.


Ele tocou as costas dela e se concentrou ainda mais. O brilho cinza escuro tomou toda a região dos órgãos vitais dela. Demorou cerca de dois ou três minutos para o brilho sumir. Ele olhou a pele dela, nenhuma cicatriz.


“Graças à Merlim”


Agora ele devia cuidar dos órgãos em si. Virou o corpo dela e fitou sua face. Estava calma, embora ele tivesse certeza que na hora do desmaio ela estava com muita dor. Ele deixou a mão a cinco centímetros do corpo dela e se concentrou mais uma vez.


Artérias na região do coração partidas. Pulmões perfurados. Metade do fígado dilacerado. Baço completamente perfurado. Rins completamente dilacerados. Aquilo estava pior do que ele havia imaginado.


Ele tinha de ter certeza que ela não iria acordar. Colocou o dedo indicador na testa dela e murmurou um feitiço. Horas se passariam antes que dela acordasse. Se o fizesse. Ele se recriminou pelo próprio pensamento. O filho nunca o perdoaria se falhasse, ele próprio nunca se perdoaria. Não podia falhar, não novamente.


Ele se concentrou. Aqueles feitiços iriam deixá-lo inativo por horas. Eram feitiços de cura específicos. Agradecia à Merlim todos os dias por ter feito Alvo Dumbledore cruzar seu caminho depois de anos separados. Graças ao amigo ele poderia salvar a futura nora.


Ele liberou parte de sua aura. Os curandeiros, que estavam do lado de fora do quarto, sentiram a energia e tremeram. Naquele instante eles tiveram certeza que aquele bruxo era muito forte.


Ele mentalizou um feitiço e examinou novamente a região vital e ficou um pouco aliviado. As artérias voltaram a se unir e as chances de hemorragia interna haviam diminuído consideravelmente.


Outro feitiço foi mentalizado e, mais uma vez, ele examinou a região. O pulmão estava normal e já trabalhava em ritmo acelerado para gerar oxigênio para os órgãos. Ele notou que ela voltou a respirar normalmente, só que bem devagar.


Com outro feitiço, o baço voltou à ativa e ele teria uma coisa a menos para se preocupar. O próprio órgão criaria os anticorpos necessários para combater as infecções geradas pela ferrugem dos ferros.


Respirou profundamente e, com outro feitiço, o fígado se restaurou, para alivio dele. O fígado era o principal órgão do corpo, nem o cérebro funciona direito sem ele.


Com um último feitiço, ele sentiu as pernas tremerem levemente. Sua aura havia diminuído consideravelmente. Entretanto, estava feliz. Os rins iriam filtrar o sangue e retirar as impurezas.


Ele sentiu o tempo passar como se fossem apenas alguns minutos. De fato, haviam se passado quase duas horas.


Agora ele devia cuidar das perfurações nos braços e nas pernas. Em poucos minutos os músculos e os ossos estavam restaurados. Finalmente ele podia se preocupar com o último problema: o veneno. Ele tinha certeza de que era o veneno que havia dificultado o trabalho dos curandeiros.


“Se bem que eles não são tão bem preparados. Não deviam ter se preocupado primeiramente com o veneno, mas com os órgãos vitais. Contudo, agora... como descobrir que veneno é esse?”


Ele olhou a face dela. Parecia um anjo. Não era a toa que seus dois filhos eram apaixonados por ela. Era um anjo... um anjo sombrio, mas um anjo. Ele abriu os olhos dela e se assustou. A íris dela estava vermelha e a esclera estava negra.


“O que diabos é isso?! É o veneno, tenho certeza. Mas, qual veneno?”


Sem saber qual era o veneno ficava muito mais complicado. Ele teria que fazer algo que, quando tentara fazer, não dera certo. Tinha que se concentrar acima de tudo. Nenhum barulho podia chegar aos seus ouvidos. Ele moveu as mãos e privou-se da audição. Respirou fundo. Retirou a varinha de dentro das vestes e olhou para a mulher.


“Merlim... ajude-me! Não quero e não posso falhar novamente!”


Ele tocou a testa dela com a varinha. Em um segundo ela parou de respirar, o coração parou de bater, o cérebro parou de agir. Fez um corte no pescoço dela. Moveu a varinha sobre o corpo dela, dos pés até o pescoço, atraindo o sangue com a varinha. Ao sair pelo corte, o sangue flutuou no ar.


Poucos minutos depois, a pele dela ficou extremamente pálida. Ele olhou o liquido vermelho no ar. Não podia, de maneira nenhuma, se desconcentrar. Movendo a varinha com perfeição, retirou um liquido completamente do sangue. Com um leve aceno, colocou aquele liquido dentro de uma garrafa e a depositou sobre uma mesinha.


Ele respirou fundo. Aquela era à hora mais crítica. Movendo lentamente a varinha, levou o sangue para o corte no pescoço da mulher. Parecia se mover em câmera lenta e era exatamente isso que fazia, pois um centímetro errado poderia causar uma hemorragia sem precedentes.


A retirada do sangue, que durou alguns, ou muitos, minutos, foi infinitamente inferior ao retorno do mesmo, que pareceu demorar horas. Para ele foi só uma sensação, mas para o resto do hospital, não. A pele da mulher voltou a ficar natural. Ele fechou o corte no pescoço e tocou a testa dela novamente.


Ela voltou a respirar tranquilamente, o coração voltou a bombear o sangue e o cérebro retornou às suas funções. Ele olhou novamente os olhos dela e se sentiu aliviado. A íris voltara ao tom acinzentado e a esclera ao branco.


Ele se soltou sobre uma cadeira próxima, pois estava exausto. Ele ergueu a mão e pegou a garrafa com o veneno. Olhou o líquido com atenção e fechou-se em seus pensamentos.


Minutos depois ele lembrou-se que os curandeiros estavam do lado de fora do quarto. Guardou a garrafa dentro das vestes e acenou a varinha, mas nada aconteceu. Não ficou nem um pouco surpreso.


Ele se levantou e caminhou até a porta, abrindo-a. Os curandeiros olharam-no com preocupação e curiosidade. Ele deu passagem. Eles entraram e olharam a mulher com espanto. Não havia mais ferimentos nem sangue. Eles olharam o homem que parecia extremamente cansado.


- Ela vai demorar algumas horas para acordar. Se precisarem de mim, estarei no quarto do homem que a acompanhava. – informou o homem e saiu.


Ao entrar no quarto do outro homem ele recebeu o olhar deste. Ignorando o olhar, sentou-se numa cadeira próxima à cama e relaxou o corpo.


- Como ela está? – perguntou o homem sobre a cama.


O mais velho negou com a cabeça e apontou para os próprios ouvidos. O homem sobre a cama moveu as mãos e repetiu a pergunta.


- Estava péssima se você quer saber. Não sei nem como sobreviveu até chegar aqui. Mas agora ela está bem. Dormindo. – respondeu o outro enquanto fechava os olhos.


- Ela estava tão mal assim? – perguntou o homem com culpa, sentando-se na cama.


- Não foi culpa sua. – o outro sequer abriu os olhos – Mas sim, ela estava muito mal.


- Quero saber, diga-me!


- Artérias partidas. Pulmões e baço perfurados. Fígado e rins dilacerados.


- Merlim! – o homem sobre a cama levou as mãos ao rosto.


- Agora ela está bem. – o outro se ajeitou na cadeira e, ao abrir os olhos, retirou a garrafa com o veneno de dentro das vestes.


- O que é isso?


- Eu ainda vou descobrir. – ele analisou o líquido novamente – É como um veneno. Dificultou o trabalho dos curandeiros e a recuperação dela conforme eu ia curando-a.


Ouve um longo tempo de silêncio.


- Pai...


O homem à cadeira ergueu o olhar.


- Perdoe-me.


- Perdoar-te pelo quê? – o homem se levantou, colocou a garrafa sobre a mesinha e se colocou ao lado da cama.


- Quando me trouxe de volta, nem ao menos agradeci. E, ainda por cima, briguei por ter vindo até mim primeiramente. – eles se fitaram nos olhos da mesma cor.


- Apesar de você ter cometido um erro, não há o que perdoar. Vim até você primeiro porque sabia que iria demorar na cura dela e, assim, não conseguiria te ajudar. Sem levar em conta o fato de eu estar inativo.


- Impossível


- Olhe. – o homem pegou a varinha e sussurrou - Lumus! - Mas nada aconteceu – - Viu?


- Merlim. É a primeira vez que isso acontece.


- Não. Não é. – o homem guardou a varinha e se sentou na cama, ao lado do filho.


- Nunca me contou sobre isso. – o outro olhou o pai com interesse.


- Essa não é à hora. Você deve saber, mas não agora. – falou o pai, cansado.


Outro longo tempo de silêncio pairou no quarto.


- Quando saberei?


- Quando você e Sarah saírem daqui. Você poderá sair até amanhã de manhã. Mas ela vai ter que ficar mais tempo, para se recuperar. Semana que vem. Está bem?


- Sim.


Mais um tempo de silêncio. Até que o homem mais velho olhou o filho com vitória.


- Mais um!


- Mais um o quê?


- Mais um que foi pro inferno. Mais um irmão. Mais uma horcrux destruída.


- Sim. Era a Taça de Helga Lufa-Lufa. O senhor não a viu?


- Fiquei mais preocupado em retirar vocês daquele lugar. Quando cheguei você tinha acabado de desmaiar. Mandei-te pra cá com um feitiço. Com a Sarah foi mais trabalhoso. Tive que retirá-la com cuidado dos ferros e então a mandei também. – ele fez uma pausa, apesar daquilo ter acontecido mais cedo naquele dia, parecia algo mundo distante – E peguei a espada. Foi o que deu tempo de fazer.


- Como assim “foi o que deu tempo de fazer”?


- O prédio começou a tremer e a trincar. Aparatei para fora dele à tempo de vê-lo desmoronar. Sumi com o que sobrou. Com certeza as sobras da taça estavam no meio dos entulhos.


- Entendo. – o outro não pôde conter o sorriso.


O mais velho riu.


- O que foi?!


- Acabei de lembrar uma coisa que Dumbledore me disse quando eu ainda era jovem.


- O que? – a curiosidade tomou o filho novamente.


- “Escute bem Cassius, nossas famílias não são simplesmente membros da Ordem de Merlim. Nós somos guerreiros. Imagine só: ‘Dumbledores, os matadores de criaturas das trevas’. Mas você vai gostar mais dessa: ‘McWells, os destruidores de elementos negros’.” – o homem citou exatamente como o amigo havia lhe dito.


- Você só pode estar brincando. Dumbledore disse isso? – o mais novo gargalhou.


- E ele estava certo.


- Mas é claro. “Cassius e Owen, os destruidores de Horcruxes”. Soa bem, não?


- Sim. – o mago gargalhou.


Fazia anos que eles não conversavam daquela, como pai e filho. Há tempos que ambos esperavam por isso.


Entretanto, uma conversa ainda mais importante os aguardava. Owen teria que ser forte para suportar a nova “velha noticia”. E Cassius teria que ser mais forte ainda para contar e para receber a reação provavelmente descontrolada do filho.


=-=-=


Assim que o dia seguinte surgiu, Owen foi liberado. Pai e filho andaram lado a lado até o último quarto do terceiro andar. Uma enfermeira estava saindo quando eles se aproximaram. Ela sorriu e deu passagem para eles, fechando a porta logo depois. Cassius se afastou, sentando-se numa cadeira no outro lado da sala, ao lado da janela. Owen parou na porta.


Na cama, ajeitada em três travesseiros fofos, Sarah olhava-o. Ele sorriu imediatamente ao vê-la acordada. Ela retribuiu o sorriso. O sorriso dela foi um tanto dolorido, apesar de já estar completamente curada, a dor permanecia. Ele contornou a cama e ficou ao lado dela. Cassius deu um leve sorriso e, mesmo sem retirar os olhos do céu, fechou o cortinado da cama dela, dando a eles mais privacidade.


Owen sentou-se no colchão, ao lado dela.


- Como você está? – involuntariamente, a voz dele foi apenas um murmúrio.


- Estou bem. – ela ainda sorria – Meu corpo ainda dói, mas não tenho chances de piorar. – ela aumentou o tom da voz – Quem cuidou de mim fez um ótimo trabalho!


Cassius sorriu mais ainda. Ela deu um leve riso. Owen ergueu a mão e tocou-a na face.


- Perdoe-me por não ter impedido que você se machucasse.


- Você anda tendo uma péssima mania de pedir perdão por coisas sem sentido. – o sorriso dela tornou-se maroto – A culpa não foi sua, enfie isso na sua cabeça. Quando eu me ofereci para te ajudar na caçada eu sabia dos riscos.


- Mesmo assim... – falou ele, cansado – Se eu tivesse me preparado melhor, poderia ter evitado tudo aquilo.


- Se você não estava bem preparado, eu também não estava. – o sorriso dela diminuiu – Pare de se sentir culpado. Da próxima vez vai ser muito pior, sempre é. Então, para impedir que algum de nós saia machucado, temos que treinar mais.


- Agora falta três. Não temos a mínima idéia de onde elas estão. É claro que Nagini está com Tom, o que a torna a mais difícil de pegar. – falou ele, preocupado.


- Não vamos falar sobre isso agora. – ela voltou a sorrir.


Ele a olhou nos olhos e sorriu novamente. Ela ergueu a mão direita e pousou-a no rosto dele. Ele se aproximou e lhe deu um beijo suave. Ao se afastar, ele sorriu ainda mais.


- Eu te amo.


- Também te amo. – sussurrou ela.


Cassius se levantou e, sem fazer o menor barulho, se retirou do quarto. O casal precisava ficar sozinho.


O mago fechou a porta e se sentou numa cadeira que estava ao lado. Ele cruzou os braços e fechou-se em sua mente.


“E agora?”


Ele estava prestes a contar para Owen algo que, com toda a certeza, o deixaria com, no mínimo, ódio dele. Entretanto, apesar de qualquer reação que Owen tivesse, aquilo devia ser contado. Há muito tempo aquilo já devia ter sido contado.


Cassius suspirou longamente, já pensando em quais palavras iria utilizar.


=-=-=


Naquele mesmo dia, a Ordem da Fênix recebeu uma carta.


“Nimphadora Tonks,


Por meio desta carta peço desculpas a toda sua equipe. Meus modos no nosso último encontro não foram os corretos. Em outra ocasião, talvez, poderei explicar-te o motivo.


Para saciar tua curiosidade, o motivo da minha saída repentina não foi os nossos “jovens” conhecidos. Meu filho estava realizando uma tarefa perigosa e precisou de minha ajuda.


Como prova de meu arrependimento, estarei disposto a comparecer em outro encontro, caso necessitar.


Cassius McWell.”



O coração de Tonks deu um solavanco quando ela terminou de ler a carta. Para alívio de todos, nada envolvia os “jovens”. Porém, aquilo despertou uma preocupação ainda maior:


“Onde eles estão? O que estão fazendo?”


=-=-=


- Estou pronta, milorde. – ela fez uma longa reverência.


- Finalmente. – o Dragão Negro se levantou e caminhou até ela – Ele te acompanhará.


O comensal loiro saiu da escuridão e fez uma longa reverência para o mestre e uma leve reverência para a mulher, que o olhou com repugnância.


- Milorde, não preciso de escolta. – ela sentiu-se ofendida.


- Sou eu quem decide isso. – sibilou o Dragão Negro, enraivecido – Ele irá te acompanhar e depois retornará.


- Como queiras, milorde. – Ela fez outra reverência.


- Você já sabe para onde ir. – o Dragão Negro olhou o comensal – Conduza.


O comensal se aproximou da mulher que o olhou com ódio. Ele apenas sorriu e estendeu o braço direito.


- Cumpra seu dever. – O Dragão Negro olhou fundo nos olhos verdes-oliva do comensal.


- Ele será cumprido. – O comensal fez uma leve reverência depois que a mulher tomou seu braço.


- Até breve, milorde. – a mulher fez uma longa reverência antes de aparatar.


Quando ela abriu os olhos, se deparou com uma pequena e modesta casa. O comensal se soltou e deu alguns passos para trás.


- Necessitas de algo? – perguntou ele, fazendo uma leve reverência, ainda possuindo aquele sorriso na face.


- Sim. Que você vá embora. – respondeu ela com ira, e, quando se virou, ele já não estava mais lá.


O comensal aparatou a dois quilômetros de distância, em um morro vizinho. Ali havia outra casa, uma cabana, e dali ele conseguia ver a casa onde a mulher se hospedaria. Entrou na cabana e retirou o sobretudo preto. Caminhou até janela e a abriu. Sorriu largamente enquanto se aproximava de um telescópio. Gargalhou alto ao ver a mulher dentro da casa com o telescópio.


Seria uma missão muito divertida. Ele teria que ficar ali, de “folga”, apenas cuidando para que aquela mulher não corresse perigo. Não precisava se preocupar com “intrusos” porque ficara durante toda a noite anterior instalando armadilhas em torno da casa dela, em um raio de um quilometro.


Parou de rir e ajustou a lente do telescópio. Soltou um longo assobio.


“Agora eu sei o que o mestre viu nela. Uau! Qualquer um casado com uma dessa é corno e não sabe.”


Ele voltou a gargalhar enquanto espiava a mulher, que se dirigia ao banheiro, pronta para entrar na banheira.


=-=-=


Ele já estava sentado entre as flores desde o surgimento do sol. Respirava o aroma delas e sentia mais calma e mais coragem, que era o que precisava no momento. Ele olhou para uma área de quase dois metros quadrados sem flores, seu sorriso diminuiu consideravelmente. Nunca iria se esquecer das flores que preenchiam aquele lugar. Todas morreram. Mas ele ainda se lembrava da tonalidade das suaves pétalas.


Um casal saiu da casa e caminhou de mãos dadas até ele. Ele fez um movimento e eles se sentaram à frente dele. Respirou fundo por mais alguns segundos. Tudo o que havia relembrado na última semana. Todas as alegrias e todas as dores que havia desenterrado do fundo do seu ser. Tudo. Simplesmente tudo. Iria contar tudo ao filho. Tudo. Simplesmente tudo.


- Só te peço uma coisa, Owen. – ele olhou nos olhos do filho – Não diga nada. Não diga nada até que eu termine. Só diga algo caso eu pergunte. Isso vale para você também Sarah. – ele olhou a mulher – Eu pedi que viesse para que ajudasse o Owen a cumprir o que eu estou pedindo.


O casal acenou positivamente com a cabeça.


- Você se lembra o que a sua mãe fazia? No que ela trabalhava? – começou Cassius.


- Não exatamente. – respondeu Owen – Eu sei que ela era herbologista. Sei que ela mexia com as flores deste jardim, mas não sei exatamente o que ela fazia.


- Você sabe o que acontece a algumas destes espécies, não sabe?


- Três espécies estão interligados magicamente com à nossa família. Uma ao senhor, uma à mim e uma ao... – ele parou.


- E uma ao Lars. Sim, exatamente. – suspirou Cassius – Mas você sabe como?


- Não. – respondeu Owen.


- Essas três espécies eram o trabalho da vida da sua mãe. – disse Cassius.


Sarah apenas acompanhava a conversa e a cada segundo que se passava, uma sensação estranha a tomava. Algo iria acontecer. Ela só não sabia o que era.


- Contudo, para que entenda o que eu realmente quero te contar, você deve saber da história desde o começo. – Cassius respirou fundo.


Owen acenou positivamente com a cabeça pela segunda vez.


- Nossa família, antes de mim é claro, cultivava uma herança peculiar. Nós, os homens, nos casávamos depois de completar trinta e cinco anos. Até essa idade nós nos dedicávamos somente aos estudos e ao treinamento. – Cassius quase sorriu ao ver o filho se arrepiar – Aos trinta e cinco anos, nós acreditávamos que os homens já estavam prontos mentalmente para construir uma família e para ensiná-los tudo sobre a Magia Branca e sobre a Ordem de Merlim. Meu pai, o seu avô, casou-se com quarenta e cinco anos. Foi considerado um exemplo pelo resto da família. Quando eu tinha dezenove anos, ele morreu, aos sessenta e cinco anos. Foi aí que essa herança se perdeu. Foi comigo.


“Graças a Merlim. Fico todo arrepiado só de pensar que se essa herança persistisse eu ainda estaria treinando. Tirando que eu teria que esperar mais seis anos para me casar com a Sarah!” - Owen se arrepiou novamente.


- Como eu era o filho único e minha mãe já tinha morrido há muito tempo, continuei meu treinamento por conta própria. Se você acha que o seu treinamento foi duro, não imagina o quanto foi o meu. – Cassius permaneceu sério, cada palavra que falava o aproximava à sua pior lembrança.


Tanto Owen quanto Sarah se arrepiaram.


- Eu ficava vinte e quatro horas por dia treinando. Desde o meu avô nós moramos nessa casa. Eu treinava luta lá atrás. – ele apontou com a mão por cima do ombro – Atrás das árvores tem um pequeno córrego. Eu treinava a beira dele. Sempre que me feria, limpava meus ferimentos nele. – ele respirou fundo – Vivi assim até os vinte e sete anos.


Sarah se espantou, mas não tanto quanto Owen.


- Certa manhã, eu acordei com uma sensação muito estranha. – Cassius suspirou profundamente, lembrando-se pela décima vez daquilo naquela semana.


*- Flashback -*


Ele se levantou. Arfava como se tivesse corrido dezenas de maratonas, já que apenas uma não o cansava. Caminhou até o banheiro e jogou água no rosto, olhando-se no espelho logo depois. Seus cabelos negros estavam extremamente bagunçados.


“O que está acontecendo? Que sensação é esta?


Ele voltou para o quarto e trocou de roupa. Colocou uma calça jeans escura e uma camisa social de mangas cumpridas pretas, dobrou as mangas até abaixo do cotovelo.


Entrando em uma sala dentre as inúmeras salas de treinamento, caminhou até um local especifico. Pegou um cristal azul-marinho e olhou-o com concentração. Viu uma pequena cachoeira, com quase dois metros de altura, e árvores a circulando. Sorriu e colocou o cristal no lugar. Saindo da sala o mais rápido que pôde.


Voltando à superfície, aparatou.


Respirou fundo e, pelo ar, soube que estava no centro de Liverpool. Abriu os olhos e caminhou alguns metros, chegando à beira de um rio. Olhou atentamente para a cachoeira, até notar a presença de outra pessoa.


Era uma mulher, uma belíssima mulher. Seus cabelos eram loiros médios, lisos que, mesmo presos em um perfeito rabo de cavalo, caiam a um palmo da cintura. Sua franja caia levemente sobre os olhos, que ele ainda não conseguira distinguir a cor. Ela estava no meio da cachoeira, entre as pedras e as caídas de água. Ela tentava se aproximar de alguma coisa, que ele não conseguiu ver.

Balançou a cabeça, voltando a pensar no verdadeiro motivo de estar ali. Concentrou-se e olhou a cachoeira. Assustou-se ao ver uma aura cinza escuro preenchendo toda a queda d’água. Porém, antes que pudesse pensar sobre aquilo, um grito o trouxe para a realidade.


A mulher havia escorregado de uma pedra e estava sendo levada pela correnteza. Ela não nadava, só gritava por socorro. Certamente, estava machucada. Sem pensar duas vezes, ele pulou no rio e nadou até ela. Segurou-a com cuidado pelo braço.


Os olhos dela permaneciam fechados, sua expressão era de dor. Lutando contra a correnteza, ele nadou até a margem e a retirou da água, carregando-a nos braços. Deitou-a no chão e se ajoelhou ao lado dela. Ela tossiu enquanto se sentava. Ao abrir os olhos, o ar faltou para ele.


“Merlim.” - foi o pensamento dele - “Que olhos são esses?”


Os olhos dela eram verde-oliva e ele sentiu como se entrasse em um mar do caribe, com aquelas límpidas águas verdes.


- A senhorita está bem? – perguntou ele, minutos depois.


- Sim. – ela tentou se erguer, mas não conseguiu e sua face expressou uma incrível dor.


- Deixe-me ver isso. – ele se aproximou dos pés dela e se concentrou – É aqui que dói? – ele tocou o tornozelo direito dela, obtendo um gemido de dor – Acho que sim. – falou mais para si do que para ela.


Com todo o cuidado, ele retirou a bota e a meia do pé direito dela. Tomou o pé e, se concentrando, tocou cada osso que formava o tornozelo.


- É só uma torção. – concluiu – Logo estará bem. – ele rasgou uma faixa da própria camisa, fazendo com que ela se assustasse – Vou imobilizá-lo. – informou ele, enquanto enfaixada o tornozelo dela com firmeza.


Ele podia curar a torção facilmente, no entanto, não podia fazê-lo com uma trouxa.


- Obrigada. – agradeceu ela quando ele terminou.


- Não foi nada. – ele se aproximou dela novamente – Perdoe minha curiosidade, mas o que a senhorita estava fazendo no meio da cachoeira?


- Eu estava tentando pegar aquilo. – ela apontou para o ponto da cachoeira onde se encontrava antes.


Ele se virou e se assustou.


“Merlim! O que é isso?” – questionou ele.


É claro que ele sabia o que era aquilo, só não sabia o motivo daquilo estar ali. Era uma flor, muito parecida com uma tulipa vista àquela distância. Ele se concentrou novamente e seu susto foi maior. Toda aquela aura cinza escuro estava sendo emanada pela flor. Olhando mais atentamente, notou que aquela aura lhe era conhecida, o que o deixou não só assustado, mas preocupado.


- Quer que eu pegue para a senhorita? – ele a olhou.


- Você faria isso? – os olhos dela brilharam, esperançosos.


- Sim. – ele sorriu pela primeira vez, se levantou e caminhou na direção da cachoeira.


Na margem do rio, retirou os tênis e as meias. Entrou calmamente no rio e nadou até a cachoeira. Após subir na primeira pedra, se aproximou facilmente do centro da cachoeira. Abaixou-se ao lado da flor e a olhou com atenção. As pétalas pareciam ser suaves e ásperas ao mesmo tempo. A tonalidade cinza escuro deixava a flor sombria.


Ele esticou a mão para tocá-la e, quando o fez, sentiu sua aura surgir inconscientemente. Ouviu o grito espantado da mulher que, obviamente, podia vê-la. Decidiu por alterar a memória da mulher, naquele instante ficou ainda mais claro que ela era uma trouxa. Ele suspirou e segurou a flor com firmeza.


Seu coração disparou com o que aconteceu depois.


Toda a sua aura retraiu e se concentrou na flor. A tonalidade das pétalas se intensificou. Então, sua aura voltou com força total. Seu corpo ficou dolorido, pois nunca havia “descarregado” e “recarregado” sua aura tão rapidamente. Olhou novamente para a flor. Outro susto o assombrou. As pétalas dela estavam brancas. O branco mais puro que ele já vira.


Depois de passar minutos olhando a flor, ele se lembrou da mulher trouxa na margem do rio. Voltou até ela facilmente. Pegou um pouco de terra e preparou a flor, para que não morresse em breve por falta de terra e água.


Ele olhou a mulher. Ela exibia espanto. Com um suspiro, ele se aproximou.


- Você é um bruxo?! – a voz dela saiu mais alta do que pretendia.


- Isso não importa. – ele deixou a flor ao lado dela e, endireitando-se, enfiou a mão no bolso da calça.


- Não ouse! – ordenou ela energicamente – Nem tente usar o Obliviate em mim.


- Como?! – aquele foi o maior susto que ele levara em toda a vida.


- Eu também sou bruxa. – ela deu um leve sorriso, retirando uma varinha do bolso do shorts.


- Nossa. – ele sorriu, espantado.


- Como sou bruxa, e você também. – ela aproximou a varinha do tornozelo torcido – Posso cuidar disso.


Com um leve aceno da varinha, ela curou o machucado. Com outro aceno, fez a imobilização dele sumir. Guardou a varinha e colocou a meia e a bota novamente. Ele apenas olhou tudo aquilo.


“Hoje o dia promete.” – pensou ele, enquanto retirava a mão vazia do bolso.


- Quem é você? – ela se levantou e retirou a terra das roupas.


- Cassius McWell, muito prazer. – apresentou-se ele, cordialmente, fazendo uma leve reverência – E a senhorita?


- Sophia Flowst. E o prazer é todo meu. – ela riu com o comprimento dele.


Depois de algum tempo em silêncio, ela disse:


- Eu nunca vi você por aqui.


- Eu não venho muito para cá. – explicou ele – Moro aqui em Liverpool, mas fora da cidade.


- Ah. – ela sorriu.


- Não esqueça a flor. – ele apontou para a “muda” aos pés deles.


- É verdade. – ela se abaixou e pegou a “muda” – Muito obrigada.


- Porque precisa tanto dessa flor? – a curiosidade bateu nele.


- Eu sou herbologista. – respondeu ela – Venho aqui todas as manhãs em busca de espécies.


- Algum trabalho ou estudo? – ele pegou a varinha e secou a ambos.


- Obrigada. – ela agradeceu e completou – Não é um simples trabalho ou estudo. É “O Trabalho e Estudo da Minha Vida”.


- Perdoe minha curiosidade novamente. – pediu ele, completando com um sorriso – Mas gostaria de saber mais.


- Você é muito cordial. – ela riu – De que época você veio? Idade Média?!


- Fui criado assim. Minha família é muito rígida com comportamento. – respondeu ele, sereno.


- Ah, sim. – ela achou aquilo estranho – Sinta-se perdoado. – ela riu novamente – Vamos até o meu laboratório, lá eu poderei lhe explicar tudo.


=-=-=


- É um belo lugar. Deve ser um ótimo lugar para trabalhar. – Cassius olhou o laboratório.


- Sim. – Sophia colocou a “muda” sobre uma mesa cheia de outras espécies.

- Quantas flores. – ele se aproximou – A senhorita só usa flores no seu estudo?


- Primeiro: pare de me chamar de senhorita. Tudo bem que você foi criado assim, mas esse “senhorita” concede a mim um posto de respeito mais elevado do que eu mereço. Ok? – ele apenas acenou positivamente – Segundo: sim, só uso flores.


- Interessante.


- Eu estou tentando - e se Merlim permitir, eu conseguirei - criar uma ligação entre bruxos e plantas. Estou tentando há anos achar a espécie que me permita isso. – Sophia foi até uma estante e pegou um grosso livro, voltando para a mesa próxima.


- Sem sucesso imagino. – ele se aproximou dela e olhou-a colocando o pesado livro sobre a mesa.


- Infelizmente, sim. – ela abriu o livro quase no final.


- Qual a finalidade dessa ligação? – Cassius leu no topo da página: “Gênero: Tulipa”.


- Quando eu ainda estudava em Hogwarts, tive um sonho. – ela parou de olhar o livro e ficou muito séria – Sonhei com uma guerra. Uma guerra que durava mais de meio século. A pior guerra que os bruxos enfrentariam em toda a sua existência. – ela fez uma pausa – Não sei por que, mas a partir daí, quis ser herbologista. – ela deu de ombros e voltou sua atenção para o livro.


- Uma guerra? – ele não entendeu – O que uma flor pode fazer em uma guerra?


- Se eu conseguir criar essa ligação, poderemos saber, em caso de batalhas, quem está ferido e quem já morreu. – ela fitou os olhos azuis dele com seriedade – Ajudaria muito.


- Pensando por esse lado.


Depois de muito pensar, Cassius perguntou:


- Que guerra?


Sophia ergueu a cabeça e o olhou com incredulidade.


- Você não sabe?!


- Saber o que?


- Coisas estranhas estão acontecendo. – ela abaixou a voz – Pouca gente sabe. – ela fez uma pausa – Para falar a verdade, apenas o Ministério sabe.


- Então, como você sabe? – ele a fitou.


- O Ministério apóia meus estudos. – ela ficava cada vez mais séria – Dumbledore também.


Cassius se assustou novamente. Aqueles sustos já estavam cansando-o.


- Dumbledore?


- Sim. – ela estranhou a reação dele – Você o conhece?


- Não... quero dizer, sim! – ele sentiu-se confuso.


- Decida-se! – ela pareceu preocupada de repente.


- Meu pai era amigo dele. Há mais de dez anos não o vejo. – ele parou para pensar.


Ela ficou olhando-o com preocupação e com outro sentimento, que ele sabia reconhecer pelo “cheiro”.


- Não fique com medo de mim. – pediu Cassius – Não sou espião. Acredite. Se eu o fosse, já teria roubado tudo e levado pra quem quer que fosse.


- Como posso confiar em você? – Sophia estava com a mão no bolso, provavelmente segurando a varinha.


- Não pode.– respondeu ele,  sincero – Se quiser modificar minha memória e me mandar embora, não irei reagir.


Ela suspirou e retirou a mão do bolso.


- Tudo bem. – apontou a varinha para a cabeça dele.


- Foi um prazer te conhecer, Sophia. – Cassius sorriu, alegre.


Por alguns segundos, que pareceram algumas eternidades, eles ficaram parados apenas se olhando. Ela abaixou a varinha e a guardou. A atitude dela o espantou. Como se nada tivesse acontecido, Sophia voltou a analisar o livro.


- Não vai...


- Não. Não vou alterar sua memória. – ela sequer o olhou – Com sua atitude, você se provou digno de confiança.


Ele sorriu.


- O que está procurando? – Cassius apoiou-se na mesa.


- Quero saber de qual espécie aquela flor é. – ela apontou para a flor que eles haviam recolhido na cachoeira – Nunca vi nenhuma em toda a minha vida.


A busca dela durou quase meia hora. Durante esse tempo, ele ficou em silêncio, apenas olhando-a.


- Maravilha. – a voz dela expressava tanto alegria quanto frustração – Essa flor não existe.


- Então você acabou descobrindo uma nova espécie. – ele sorriu.


- Pelo jeito. – ela retribuiu o sorriso.


Eles ficaram o dia todo juntos. Sophia analisou a flor e fez toda a descrição, enviando-a para a Sociedade dos Herbologistas. Batizou a flor com o nome Cassianius, em homenagem a ele por tê-la ajudado a conseguir a espécie.


Ele auxiliou em algumas outras coisas, pois tinha algum conhecimento em herbologia. Era fato que seu conhecimento se restringia somente às plantas curativas e venenosas, mas isso não foi levado em consideração.


*- Fim do Flashback -*


- Era isso que o senhor queria me contar? – Owen olhou o pai, indignado.


- Não. – Cassius suspirou – Eu contei isso para você entender outras coisas. – ele olhou Sarah – Você percebeu, não percebeu?


- Sim. – ela deu um leve sorriso e olhou Owen – Sua mãe sonhou com as guerras Owen. Com a Primeira e a Segunda Guerra Bruxa. As guerras que travamos contra Tom.


- Correto. – falou Cassius sem nenhuma emoção – Eu conheci Sophia em 1966. É bom lembrar que a Primeira Guerra começou em 1970. Vocês tinham apenas um ano.


- Aquela flor era... – começou Sarah.


- Sim, Sarah. – Cassius olhou para algumas flores ao seu lado – Essas são as Cassianius. Elas deram certo. Sophia conseguiu cumprir seu trabalho e estudo com essa flor. Até hoje acho que nossos destinos eram se encontrar. Mesmo nos encontrando numa época pré-guerra.


Owen pareceu pensar por algum tempo. Até que seu olhar ficou apavorado e sua expressão parecia implorar por um não.


- Minha mãe foi...


- Vou te contar Owen. – Cassius suspirou profundamente, o filho já havia entendido – Vou te contar como aconteceu e porque aconteceu.


Cassius recomeçou a narrar. A cada palavra ele tinha que se segurar para não desistir, desaparecer de perto do filho e se fechar em sua própria tristeza.


*- Flashback -*


O ano era 1975. A Inglaterra estava um caos total. Lorde Voldemort e seus terríveis Comensais da Morte espalhavam o terror por todos os cantos. Ambos os lados daquela guerra, que parecia não ter fim, já haviam perdido inúmeros combatentes.


Ele correu para dentro de casa, vindo da Sala de Cristais, e seus olhos estavam carregados de lágrimas. Gritou com os filhos de apenas seis anos, mandando-os para o quarto. Trancou-os lá dentro e, saindo da casa, reforçou todas as proteções mágicas dali.


Aparatou em Liverpool, no meio do laboratório de Sophia. Mal sentiu os pés no chão, se abaixou, desviando de inúmeros feitiços. Escondeu-se atrás de uma mesa tombada e sacou a varinha. Concentrou-se e sentiu vinte comensais. Ficou ainda mais apavorado ao sentir que Sophia estava ao chão, cercada por metade dos bruxos.


- Venha até aqui! Quero te matar! – gritou uma voz masculina.


Respirou fundo e lembrou-se de todos os ensinamentos da Magia Branca. Antes de se levantar, porém, usou o Feitiço de Multiplicação. Lançou um Feitiço do Sono, que multiplicado por cinco, atingiu em cheio os cinco comensais que tentavam se aproximar. Protegeu-se de um Avada Kedavra jogando-se para o lado. Aproveitou o movimento e lançou outro Feitiço do Sono em mais cinco comensais.


Concentrou-se novamente e notou que ainda havia mais dez de pé. Quatro destes tentavam encurralá-lo. Ele sorriu. Ergueu-se e, jogando-se sobre o mais próximo, usou o corpo dele para se proteger das quatro Maldições da Morte que lhe foram lançadas. Com o corpo do comensal morto ainda o protegendo, usou novamente o Feitiço do Sono e viu os quatro comensais caírem ao chão.


Ergueu-se e, segurando o corpo do comensal à frente do seu, deu dois passos na direção dos cinco comensais restantes.


- Vamos embora, já temos o que viemos buscar. – ordenou o comensal no comando.


Ele jogou o corpo do comensal que o protegia e esticou o braço na direção do comandante.


- AVADA KEDAVRA!


Nenhum dos cinco comensais foi rápido o suficiente. Todos caíram mortos no chão. Ele sentia as lágrimas percorrerem seu rosto em brasa. Ao ver o corpo de Sophia ao chão, deixou a varinha cair e correu até ela.


- Sophia. – suplicou, ajoelhado ao lado dela.


Ela estava pálida. Um filete de sangue escorria pelo canto de seus lábios sem cor. Também respirava com dificuldade. Ele colocou a mão sobre ela e se concentrou. Logo depois a ouviu acordar.


- Sophia...


- Cas....ssius... – ela mal conseguiu falar.


- Fique calma. Eu vou te salvar. – ele ainda chorava.


Olhou o corpo dela e sentiu seu coração murchar.


“O que fizeram com você?”


Em várias partes do corpo dela havia hematomas. Entretanto, não era somente aquilo, não podia ser.


- O que eles te fizeram? – ele a olhou nos olhos e sentiu que iria morrer ao ver que os olhos verde-oliva dela estavam perdendo o brilho – Aguente Sophia. Aguente!

Ele estendeu a mão sobre o corpo dela e mentalizou um feitiço. Sua aura cobriu sua mão e brilhou sobre o corpo dela. Quando o brilho cessou, ele se desesperou ainda mais. Alguns hematomas ainda estavam ali.


“Por quê?! Esse feitiço devia tê-la curado completamente.”


Ele tentou mais uma vez. Ficou zonzo logo depois de mentalizar o feitiço, que não funcionou. Pela primeira vez na vida, estava inativo.


- Cassius... – murmurou ela – Não se preocupe comigo. – ela fechou os olhos e os abriu novamente – Cuide bem dos meninos. Não os maltrate. Você tem um ótimo coração. Você pode ser um ótimo pai. – disse ela, fazendo pausas entre as frases.


- Não fale assim Sophia. – ele sabia que tinha que ajudá-la, mas como?


- Owen é igual a você. Ele o seguirá sempre. – ela fez uma pausa mais longa, reunindo forças – Tenha paciência com o Lars. Ele é um bom menino. Só precisa de atenção. Não o exclua. Trate-os como iguais, como irmãos.

- Você vai me ajudar Sophia. Você vai sobreviver. Eu vou te curar... Eu vou. – ele sentiu o desespero em todo o seu corpo.


- Não... Cassius, não. – ela olhou nos olhos azuis dele – Preste atenção em mim...


- Não Sophia... – ele parou de olhá-la nos olhos – Eu tenho que te salvar. Eu tenho!


- Não adianta Cassius... – ela fechara os olhos – Agora já não adianta. Eles... Eles me envenenaram. Eu já devia estar morta. Veneno de Basilisco age rápido...


- Não! – ele voltou a olhá-la – Por favor, Sophia, diga-me que o que você acabou de dizer é mentira! DIGA!


- Eu nunca menti para você... – ela abriu os olhos e deu um fraco sorriso – Não será na hora da morte que eu o farei.


- Não Sophia! – ele a ergueu e a abraçou – Eu morrerei sem você! Você é a minha luz, Sophia! Não sei o que fazer sem você!


- Você saberá... – a voz dela começou a fraquejar ainda mais – Cuide bem dos nossos meninos. Eles vão precisar de você. Lars principalmente...

- Não Sophia... Eu não vou conseguir... – ele segurou os cabelos loiros dela com força.


- Cassius... Olhe nos meus olhos... – pediu ela.


Ele se separou dela e a afastou, ficando a centímetros de seu rosto.


- Eu sempre te amei, desde que te vi no rio. – a voz dela foi morrendo, mas ela sorriu.


- Eu também Sophia... Eu te amei desde o primeiro momento. – ele retribuiu o sorriso.


Ela abriu a boca, mas nenhum fio de voz foi emitido. Sophia olhou-o nos olhos e, pelos olhos, sorriu.


Cassius retribuiu o sorriso. Aos poucos, o sorriso dele foi morrendo, tal como o brilho de vida nos olhos de Sophia.


Abraçando o corpo inerte dela, gritou com todas as suas forças.


*- Fim do Flashback -*


Sarah escondeu o rosto com as mãos e se entregou às lagrimas. Owen encarava o pai, que retribuía o olhar. Os olhos do mago estavam completamente marejados, mas nenhuma lágrima ainda havia caído.


- Por quê?! – perguntou Owen, sua voz exibia tristeza e raiva.


- Defina esse por quê. – pediu Cassius, sereno.


- Por que não treinou minha mãe como deveria? Por que ela estava no laboratório? Por que não tentou salvá-la ao invés de ficar chorando e se entregando ao desespero? – a cada pergunta, a voz de Owen se elevava e ficava mais raivosa – POR QUE NÃO FOI MAIS FORTE? POR QUE NÃO A SALVOU?!

Ele se levantou e avançou contra o pai. Cassius ficou parado. Sarah retirou as mãos do rosto e viu a cena com pavor. Owen socou o rosto do próprio pai, descontrolado. Cassius não se defendeu, tão pouco se moveu.


Sarah se levantou e segurou Owen com custo.


- PARE! – ela puxou Owen para longe do mago.


- Solte-me! Eu vou matá-lo! Por culpa dele minha mãe está morta! – Owen se soltou da noiva e avançou novamente contra o pai, que permanecia sentado, a cabeça abaixada.


- Já chega! – Sarah pulou sobre as costas de Owen e aparatou, antes que as mãos dele, unidas, descessem sobre a nuca do mago.


Ele permaneceu ali. Sabia que aquilo iria acontecer. Sinceramente, havia pensado em algo pior. Imaginara uma Maldição da Morte atingindo-o no peito. Ou uma quebra de pescoço. Qualquer coisa que o matasse imediatamente.


Abriu os olhos e sentiu-os arderem. Owen era muito bom em luta trouxa. Tinha plena certeza que seu rosto estaria completamente roxo em alguns minutos. Sem contar os cortes que já sangravam.


Ele olhou para um lado e viu uma flor branca com manchas azuis. Ela estava “pálida”. O verde das folhas estava mais opaco. O branco das pétalas mais acinzentado e o azul das manchas mais escuro.


=-=-=


- Solte-me! – gritou ele.


- Fique calmo! – ela o segurou com mais força.


- Quero matá-lo! Deixe-me! – ele tentou se soltar.


- Ou você se acalma ou eu te desmaio! – ela aumentou a pressão dos braços no pescoço dele.


Ele parou. Sua respiração era forte e descompassada. Ambos suavam frio.


- Posso te soltar agora? – perguntou ela minutos depois, ao notar que ele já estava mais calmo.


- Deve. – respondeu ele, rouco.


Ela o soltou e se colocou à frente dele. Ele estava com os olhos fechados e seu rosto era tomado por um ódio que ela nunca vira, nem mesmo quando ele estivera descontrolado e a atacara.


- Owen...


- Ele a matou! – falou ele, alto – Não foi o veneno ou a tortura. Foi ele. Foi a inação dele. Minha mãe está morta por culpa dele!


- Não faça conclusões precipitadas. – ela sentia a raiva dele pairar no ar.


- Conclusões precipitadas?! – ele abriu os olhos e a encarou, raivoso – Você ouviu tudo. Ouviu o que ele disse. Ele é o culpado! Não há conclusões precipitadas. Há somente uma conclusão correta.


- Owen... acalme-se. – pediu ela.


- Acalmar-me?! – ele estava novamente entrando em desespero – Da próxima vez que eu o ver, ele morrerá. E é melhor que você não entre no caminho.


Antes que ele se virasse, ela viu uma sombra nos olhos dele. Já havia visto uma sombra igual àquela. Ele subiu as escadas e entrou no quarto, batendo a porta com força.


- Droga... – ela chutou o sofá.


Ficou algum tempo ali, parada, pensando. Foi quando se lembrou de algo.


- Espera ai. – fez uma pausa, analisando o que recordara – Cassius disse que iria contar como aconteceu e porque aconteceu. Nós só ouvimos o como. – ela deu um leve sorriso – Preciso ouvir o porquê.


=-=-=


Ela aparatou no mesmo lugar que estava antes. Não se assustou ao encontrar o mago sentado no mesmo lugar. Ele olhava para o lado. Ela acompanhou o olhar dele e seu leve sorriso sumiu. Sabia que aquela flor era a ligada à Owen. Voltou a se sentar. Suspirou profundamente, tentando ordenar os pensamentos.


- Como ele está? – a voz de Cassius soou preocupada.

- Descontrolado. – respondeu ela, cansada – Tomado por um ódio e um ressentimento que eu nunca havia visto.


- Já imaginava isso. – ele a fitou – Para falar a verdade, imaginava a minha própria morte.


- Não diga isso. Owen nunca teria a coragem de te ma... – ela parou, lembrando-se do que Owen dissera.


- Ele disse que me matará. Não disse? – ele não precisou ler a mente dela.


- Sim. E disse que era melhor eu não entrar no caminho. – respondeu ela.


- Eu mereço. – ele suspirou.


Ela o olhou com censura.


- Conte-me o por quê. – pediu ela, suplicante.


Ele suspirou, pois já esperava por aquilo.


- Quando Sophia conseguiu efetuar a ligação, poucos dias depois de nos casarmos, ela percebeu que seria perigoso se a flor caísse em mãos erradas. – ele fez uma pausa – Nós trouxemos o laboratório dela para cá. Deixamos algumas coisas que não tinham nenhuma ligação com a Cassianius. Eu a proibi de voltar lá sozinha. Eu a treinei, é claro. Mas ela era teimosa e só quis aprender o que a ajudaria em seu trabalho. Outro erro que cometi foi respeitar essa idéia dela. Eu não a ensinei a lutar. – ele fez uma pausa, sua voz estava fraca.


- E ela voltou ao laboratório para destruir tudo. Estou certa? – perguntou Sarah, emocionada.


- Sim. Ela saiu escondida. Isso foi depois do almoço. De fato, eu tinha acordado com uma sensação horrível. Quando percebi que ela não estava em casa, compreendi aquela sensação. Tirei minha dúvida na Sala de Cristais.


Houve um longo tempo de silêncio.


- O que aconteceu depois?


- Naquela época, o Ministério tinha um equipamento que rastreava quem quer que usasse a Maldição da Morte. Como os comensais usaram e eu também, eles rastrearam. Quando perceberam que era o laboratório de uma herbologista pesquisadora importante para eles, mandaram vários aurores o mais rápido que puderam.


- Deixe-me adivinhar, Dumbledore veio junto.


- Sim. Ele apoiava e ajudava Sophia. Embora aquela foi a primeira vez que o vi depois da morte de meu pai.


Outro silêncio reinou.


- Eu sou culpado por muitas coisas, Sarah. – ele a olhou nos olhos – Pela morte de Sophia. Pelo ódio de Owen pelo irmão. E, principalmente, pelo corrompimento de Lars.


- Não se culpe assim. – ela se chocou com ele.


- É a pura verdade. – falou ele, teimoso.


Sarah negou com a cabeça e deu de ombros, mostrando que não queria discutir. Depois, aproximou-se dele e ergueu as mãos. Seu rosto expressava perdão e melancolia.


- Deixe-me cuidar disso. – ela olhou os cortes e os hematomas do rosto dele.


- Não! – ele a segurou pelos pulsos com força, assustando-a – Deixe! – falou friamente – Essa é a minha pena. A minha sentença. Deixe!


Ela não conseguia acreditar no que via. Ele abaixou o olhar e a soltou.


Um estalo encheu o jardim. O rosto dele estava virado. A mão dela erguida e a marca dos dedos dela no rosto dele.


Ele a olhou. No inicio, seu olhar era indignado, mas passou a ser um olhar intrigado. Sarah possuía os olhos levemente marejados e mordia o lábio inferior, tentando conter a tristeza e a raiva.


- Pare! – gritou ela, suplicante – Pare de se castigar. Para de se torturar! Quando você se tortura, tortura a mim e, principalmente, ao Owen! – a cada palavra, seus olhos se enchiam mais de lágrimas, que se recusavam a cair.


Ela parou e tentou se acalmar, sem sucesso.


- Sarah... – falou ele, sereno.


- Não! Agora é a sua vez de ouvir! – falou ela, séria – A culpa não é do senhor! Não totalmente. Todos nós somos culpados! – uma lágrima silenciosa percorreu a face dela – Todos somos culpados por essa maldita guerra! Todos! Se não fosse essa maldita guerra, Sophia não teria morrido! Lars não teria mudado de lado! – as lágrimas começaram a cair em abundância – Se não fosse essa guerra, meu pai estaria aqui! – gritou ela e escondeu o rosto com as mãos, entregando-se às lagrimas.


Ele se espantou com a reação dela. Fechou os olhos e respirou profundamente. Minutos difíceis se passaram até que ela se acalmou.


- Sarah...


- Eu estou ao seu lado. – falou ela sem olhá-lo – Mas se continuar a torturar-se por uma culpa que não possuiu, terei que dizer que Owen estará certo em não te perdoar.


- Sarah...


- Não tome o peso da guerra sobre seus ombros. – ela o olhou no fundo dos olhos – Esse peso é de todos nós.


- Perdoe-me Sarah, pela minha atitude. – ele abaixou a cabeça.


- Está perdoado. Mas se tornar a agir assim, ao lado de Owen estarei. – garantiu ela, aproximando suas mãos do rosto dele.


Poucos minutos depois, o rosto de Cassius estava em perfeitas condições.


- Obrigado. – agradeceu ele.


- Não há de que. – ela deu um leve sorriso e se levantou – Agora eu vou. Quero conversar com Owen.


- Não apresse as coisas. – ele também se levantou – Ele está com a cabeça quente. Espere um pouco.


- Eu sei lidar com ele. – ela piscou um olho.


- Eu sei. – Ele sorriu de leve.


- Sabia que ele é igualzinho ao senhor? – ela riu.


Porém, antes que Sarah aparatasse, ambos sentiram uma energia surgir. Sarah ficou espantada, pois percebera que aquela energia tinha as mesmas características das outras três que surgiram há mais de três semanas. Porém, aquela energia era a mais forte de todas, mais forte até que a primeira.


Cassius abaixou a cabeça e sorriu.


- Finalmente. – murmurou.


- O que? – perguntou Sarah.


- Logo todos saberão. – ele ergueu a cabeça, mas já não sorria – Eu espero que seja mesmo logo.


- Tudo bem. – Sarah deu de ombros – Até breve. – E aparatou.


Cassius se virou e caminhou até a entrada secreta.


Sentou-se a frente da tapeçaria e uniu as mãos, entregando-se aos próprios pensamentos.


“A balança ainda pende para o Tom. Mas em breve, eu espero, ela penderá para nós. Ou, ao menos, se equilibrará.”


Ele fechou os olhos e sorriu.


Na tapeçaria, cinco nomes eram escritos em branco.


Finalmente, após centenas de anos, o Herdeiro Luz retornara para, enfim, impedir as trevas e sobrepor a LUZ.

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