Em Algum Lugar, à Espreita



— CAPÍTULO VINTE E CINCO —
Em Algum Lugar, à Espreita




O corpo branco e o rosto plano de olhos vermelhos e fendas no lugar do nariz ficou muito presente na imaginação de Hermione por alguns dias, mas não muito mais do que isso. Com o retorno das aulas e a tranqüilidade da semana que se seguiu, foi impossível continuar se preocupando tanto, embora ela continuasse apreensiva, procurando notícias no jornal todos os dias e esperando o momento em que ouviria falar de algum acontecimento ligado a Voldemort. No tempo livre que passava na sala comunal com Rony e Harry, os três conversavam sobre outros assuntos, jogavam snap explosivo ou xadrez de bruxo.
Em geral, os alunos da escola não souberam da verdade sobre o que acontecera na noite do trágico final do torneio Tribruxo, portanto corriam pela escola várias versões especulativas sobre o que poderia ter acontecido. Já o Profeta Diário parecia estar sendo obrigado a calar-se sobre os fatos, e Hermione desconfiava que isso era obra de Cornélio Fudge. O jornal mal noticiara o final do torneio e a vitória de Harry, enquanto a morte de Cedrico Diggory sequer fora mencionada.
Com o passar dos dias, os alunos de Durmstrang voltaram a aparecer no salão principal para as refeições, com exceção de Vítor Krum. Preocupada, Hermione o procurou na tarde de quarta-feira. Os dois sentaram-se lado a lado no gramado, perto do navio, sob o sol forte.
— Vim saber como você está. — ela disse, vendo nos olhos de Krum que ele estava deprimido. — Vai me contar por que nunca mais entrou no castelo?
— Estou com verrgonha — respondeu ele, com os olhos fixos no lago. — Usei uma maldiçon imperrdoáfel contrra Digorry. Depois, ele acabou...
Ele não terminou a frase. Hermione protestou.
— Mas a morte dele não foi sua culpa! Além do mais, quando lançou a maldição você estava dominado pela maldição imperius, não era você!
— Non era eu, clarro que non. Mas era minha mon, segurrando minha varinha, e minha voz dizendo crucio.
Hermione não soube o que dizer. Krum prosseguiu. — Tenho verrgonha de Karkaroff também. No momento em que ele deverria terr ficado ao lado de Dumbledorre, ele teve medo e fugiu, pensando apenas em si mesmo e abandonando os próprrios alunos. Non que antes ele fizesse muito porr nós, de qualquerr maneira.
— Talvez isso seja bom, não é? Talvez vocês tenham um novo diretor, alguém que faça mais do que ele fazia.
Krum continuou dirigindo um olhar perdido e desanimado em direção ao lago. Ela pousou a mão no ombro dele. — Você não tem motivos para sentir vergonha. O que você fez durante o ano todo foi honrar o nome da sua escola, não apenas durante o torneio mas com as suas atitudes. É uma pessoa correta, bondosa e consciente, que são qualidades melhores de se ter do que qualquer troféu.
Agora ele a olhou, ainda chateado mas com um sorriso sincero.
— Obrrigado, Hermi-ônini.
— Não precisa agradecer — disse ela, sorrindo. — Aliás, me chame de Mione. É assim que os meus amigos me chamam.
— Está pem. — ele fez uma pausa e tornou a sorrir. — Aliás, focê poderria terr me dito isso antes, porrque Mione é muito mais fácil de falarr.
A tarde de quinta-feira dos alunos do quarto ano da Grifinória foi livre por não terem mais professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, então Hermione, Rony e Harry aproveitaram para visitar Hagrid. Não tinham falando com o amigo ainda depois do final do torneio Tribruxo, e Hermione estava ansiosa para saber o que ele pensava sobre a volta de Voldemort. Assim que chegaram, ele abraçou Harry demoradamente, e disse:
— Bom ver você, companheiro.
Os quatro entraram na cabana e Hermione reparou que havia duas xícaras enormes sobre a mesa. — Estava tomando um chá com Olímpia — disse Hagrid.
— Quem? — Rony perguntou, confuso.
— Madame Maxime, é claro. — Hagrid respondeu, servindo chá em três xícaras menores. Ele ainda trouxe depois delas um prato com biscoitos, e preocupado com Harry, perguntou: — Você está bem?
— Sim — foi a resposta curta e desanimada do garoto.
— Claro que não está, mas vai ficar. Eu sabia que ele ia voltar. — Hermione, Rony e Harry olharam para o amigo espantados. — Sempre soube que ele estava escondido, esperando a hora de voltar. E agora teremos que conviver com isso... Vamos lutar, o plano de Dumbledore é detê-lo antes que ele se firme. Grande homem, Dumbledore. Enquanto pudermos contar com ele, não estou preocupado. Vou partir em uma missão que ele me pediu, e acho que convenci Olímpia a ir junto. Mas não posso contar a vocês o que é, não posso mesmo.
Na hora de se despedirem, Hagrid deu outro abraço demorado em Harry, um em Rony e um em Hermione.
— Cuide-se — ela disse, com o coração apertado e um nó na garganta.
— Não se preocupe comigo, Mione. Cuidem-se vocês três, de vocês e uns dos outros.
Hermione já estava com o malão arrumado na véspera da viagem de volta a Londres, então ajudou Gina a arrumar a sua pouco antes da festa de despedida, no salão principal. A festa foi diferente do que costumava ser; ao invés da decoração em homenagem à vencedora do campeonato das casas, havia panos pretos pendurados nas paredes e menos barulho nas mesas, especialmente na da Lufa-Lufa, onde os alunos pareciam pálidos e tristes. Dumbledore pronunciou-se, ao final:
— O fim de mais um ano. Há muito que eu quero dizer a vocês, mas primeiro precisamos lembrar a perda de uma excelente pessoa, que deveria estar aqui conosco hoje. Quero que todos se levantem e brindem a Cedrico Diggory. — todos obedeceram, depois tornaram a sentar-se. — Cedrico representava muitas qualidades da Lufa-Lufa, a casa à qual pertencia. Sua morte nos afetou a todos, quer vocês o conhecessem bem ou não. Portanto, creio que vocês têm o direito de saber exatamente o que aconteceu. Cedrico Diggory foi morto por lord Voldemort.
O choque foi geral no salão. Os alunos entreolharam-se, alguns murmuraram em tom de pânico. Dumbledore prosseguiu: — O ministro da magia não quer que eu lhes diga isso, e pode ser que suas famílias fiquem horrorizadas com o que estou fazendo, ou por não acreditarem no ressurgimento de Voldemort ou por julgarem vocês novos demais para saber disso. Creio, no entanto, que a verdade é, em geral, preferível às mentiras, e qualquer tentativa de fingir que Cedrico morreu em conseqüência de um acidente ou de algum erro que cometeu é um insulto à sua memória. Há ainda mais alguém que deve ser mencionado em relação a esse assunto; Harry Potter. Ele escapou de Voldemort e arriscou sua vida para trazer o corpo de Cedrico de volta a Hogwarts. Isto é uma demonstração de excepcional bravura, e por isso eu o homenageio.
Novamente, os alunos e professores se levantaram para fazer um brinde a Harry. Hermione tinha os olhos marejados quando ergueu sua taça e murmurou, junto com o resto do salão:
— Harry Potter.
Olhou furtivamente para a mesa da Sonserina, perguntando-se se Draco Malfoy se daria o trabalho de brindar a Harry, e ele continuava sentado, assim como muitos colegas de mesa. Dumbledore não demonstrou ter notado, e continuou seu discurso.
— O objetivo do torneio Tribruxo era criar laços entre jovens bruxos de diferentes partes do mundo. Agora, depois do que aconteceu e com a volta de lord Voldemort, esses laços tornam-se mais importantes do que nunca. Cada convidado neste salão será bem vindo se algum dia quiser voltar para cá. — o olhar do diretor recaiu sobre a ponta da mesa da Sonserina, onde estavam os alunos de Durmstrang. Krum levantou os olhos para o diretor, parecendo agradecido, e depois olhou para Hermione, ao que ela lhe deu um breve sorriso de incentivo. — Creio, e nunca tive tantas esperanças de estar enganado, que estamos diante de tempos difíceis. O talento de lord Voldemort para disseminar a desarmonia e a inimizade é muito grande, só podemos combatê-lo mostrando uma ligação igualmente forte de amizade e confiança. Seremos tão fortes quanto formos unidos e tão fracos quanto formos desunidos. Alguns de vocês neste salão já sofreram diretamente nas mãos de Voldemort. As famílias de muitos já foram despedaçadas. Há apenas uma semana, um aluno foi levado do nosso meio. Lembrem-se de Cedrico Diggory, quando chegar a hora de escolher entre o que é certo e o que é fácil, lembrem-se do que aconteceu a um rapaz que era bom, generoso e corajoso, simplesmente porque ele cruzou o caminho de Voldemort.
O silêncio imperou por alguns instantes, até Dumbledore voltar a se sentar, e então o salão encheu-se de murmúrios. Rony e Harry foram se deitar logo depois do banquete, mas Hermione ficou conversando com Gina na sala comunal até bem tarde, as duas sem sono. Falaram sobre assuntos variados, mas nada que envolvesse o clima tenso que permeara a festa de despedida.

Os alunos do quarto ano esperavam no saguão de entrada apinhado a chegada das carruagens sem cavalos que os levariam à estação de Hogsmeade, onde pegariam o trem para Londres. De repente, Fleur Delacour entrou correndo para despedir-se de Harry. Hermione viu que Rony a observava e fechou a cara.
— Nos verremes outrra vez, esperro. Querro arranjarr um emprrego aqui para melhorrarr meu inglês.
— Já é bastante bom — Rony disse, com um sorriso bobo.
Fleur sorriu para ele e Hermione sentiu um enjôo repentino.
— Adeus, Arry — disse a garota, acenando.
Fleur retirou-se, mas Hermione só melhorou do enjôo quando ela sumiu do campo de visão de Rony e ele voltou a falar:
— Será que os alunos de Durmstrang dão conta de comandar aquele navio sem Karkaroff?
— Karkaroff non comandou. — disse Vítor Krum, um tanto ríspido, aparecendo subitamente ao lado de Hermione. — Ficou na cabine e deixou o trrabalho parra nós.
Rony encarava Krum com uma expressão esquisita, tanto que não era possível supor o que ele estava pensando. Krum disse para Hermione: — Podemos darr uma palavrrinha?
— Ah, claro — ela respondeu, e distanciou-se com ele.
— É melhor você se apressar! — Hermione ouviu Rony gritar. — As carruagens vão chegar a qualquer momento!
Quando pararam de andar, Krum disse:
— Ele também gosta de focê, o garroto do cabelo ferrmelho. É dele que focê gosta, non é?
Hermione procurou ressentimento, mágoa ou qualquer outro sentimento ruim na expressão de Krum, mas na verdade ele tinha um meio sorriso no rosto, sem vestígios de irritação. Ela permitiu-se sorrir, então, e perguntou, mordendo o lábio:
— Você acha?
— Clarro — respondeu ele, corando mas abrindo mais o sorriso. — Agorra mesmo ele está se esticando todo parra tentarr nos enxergarr.
Hermione sorriu outra vez, sentindo o rosto corar também.
— Mas não é isso que você tinha para me dizer, suponho.
— Non, na ferrdade eu só querria me despedirr... Focê fai escrrefer parra mim?
— Claro! Me escreva também... Foi muito bom ter conhecido você.
— Digo o mesmo de focê.
Krum deu um beijo na bochecha de Hermione, e em seguida os dois voltaram para onde Rony e Harry estavam. Krum disse a Harry:
— Eu gostafa de Diggorry, erra semprre educado comigo, mesmo eu sendo de Durmstrang, com... Karkaroff. — a expressão dele ficou carrancuda ao mencionar o professor.
— Vocês já têm um novo diretor? — Harry perguntou.
Em resposta, Krum sacudiu os ombros. Depois, estendeu a mão para apertar a de Harry e em seguida a de Rony, que parecia estar se esforçando muito para conter alguma coisa. Krum ainda sorriu mais uma vez para Hermione antes de começar a se afastar.
— Pode me dar seu autógrafo? — Rony disse abruptamente, como se as palavras lhe tivessem escapado involuntariamente.
Hermione riu, mas para que Rony não visse olhou para as carruagens sem cavalos, que estavam chegando agora. Quando virou-se de volta, com a mão sobre os lábios para esconder o resto de riso, Krum assinara um pergaminho e o entregava tímida mas gentilmente a Rony, que agradeceu com o rosto tingido de vermelho vivo.
Ao embarcarem no trem, Hermione, Rony e Harry conseguiram uma cabine só para eles. Durante a viagem, pela primeira vez os três discutiram sobre as medidas que Dumbledore poderia estar tomando ou planejando para deter Voldemort. Hermione ainda contou aos amigos sobre Rita Skeeter, agora que sentia o clima mais leve, e foi nesse momento que receberam visitas desagradáveis.
— Muito esperta, Granger — disse Draco Malfoy, seguido pelos amigos Goyle e Crabbe como sempre. Quer dizer que apanharam uma repórter patética e Potter voltou a ser o aluno favorito de Dumbledore... Grande coisa.
O garoto sorria; ele e os amigos pareciam especialmente arrogantes e cheios de si. Malfoy presseguiu com as provocações. — Estamos tentando não pensar naquilo, é?
— Nos deixe em paz — disse Harry, sem paciência.
— Você escolheu o lado perdedor, Potter! Eu lhe avisei que deveria escolher com cuidado com quem anda, no primeiro ano, você se lembra? Eu lhe disse para não andar com ralé desse tipo. — ele indicou Hermione e Rony com a cabeça.
Hermione sentiu-se capaz de desferir outro tapa na cara de Malfoy, mas teve uma idéia melhor. — Eles serão os primeiros a ir — Malfoy continuou — agora que o lord das trevas voltou! Sangues ruins e amantes de trouxas primeiro!
Ela puxou a varinha de dentro das vestes e apontou-a para Malfoy, exclamando:
Estupefaça!
Sua voz não foi a única, porém. Além dela, não só Rony e Harry também tinham lançado feitiços contra os garotos como também Fred e Jorge, parados agora à porta da cabine. Com a mistura de feitiços, os três caíram nocauteados, com tentáculos, pêlos e furúnculos nos lugares mais esquisitos.
Jorge, Rony e Harry os chutaram para fora da cabine, e os gêmeos ficaram para jogar snap explosivo e conversar. Hermione, Harry e Rony puderam saciar uma curiosidade antiga: Ludo Bagman estava tentando ajudar Harry no torneio porque, conforme disseram os gêmeos, ele apostara com duendes que o garoto venceria.
O resto da viagem transcorreu tranqüilamente, e quando começaram a desembarcar em Londres foi realmente difícil passar com os malões com Malfoy, Crabbe e Goyle estendidos no chão. Hermione desceu do trem com Rony e os dois atravessaram juntos a barreira da plataforma nove e meia. Logo que saíram à estação dos trouxas, entre as plataformas nove e dez, ela avistou seus pais. Abanou para eles e fez sinal para que esperassem ela se despedir dos amigos. Arthur e Molly Weasley também abanaram para ela e o filho, e Hermione reconheceu o tio de Harry parado ali por perto, com uma expressão de impaciência. Perguntou-se quais seriam as razões de Dumbledore para insistir que Harry continuasse voltando para lá durante as férias, mesmo que os Weasley quisessem levá-lo diretamente para sua casa.
Um pouco mais tarde vieram Harry e os gêmeos. A sra. Weasley abraçou Harry, Rony deu-lhe uma palmadinha nas costas e Hermione, num impulso, deu-lhe um beijo na bochecha. O garoto então acenou uma última vez antes de ir-se com o tio. Gina atravessou a barreira quando eles já se afastavam, e pareceu muito decepcionada com isso.
Hermione abraçou cada um dos Weasley, deixando Rony por último de propósito. Quando se aproximou dele, ele corou instantaneamente, e pelo calor que ela sentiu nas faces, ficara vermelha também.
— Bom... Mione... — ele sorriu, corando mais ainda. — Boas férias...
Ela abraçou-o com força e sentiu um nó na garganta. Antes que começasse a chorar, afastou-se e disse:
— Para você também.
Deu as costas, andando apressada na direção em que seus pais a esperavam, uma lágrima dançando no olho esquerdo e outra deslizando pela bochecha direita. Chorava não apenas por estar deixando a escola e os amigos mas também relembrando a criatura branca de olhos vermelhos, que poderia estar espreitando em qualquer lugar. Ao abraçar seus pais, porém, um fio de esperança adentrou seu coração, e ela se esforçou para agarrar-se a ele.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.