Viagem à Toca



— CAPÍTULO UM —
Viagem à Toca




Uma névoa de fumaça de incenso cobria a sala, e o cheiro era tão forte que lhe causava náuseas. Hermione Granger estava sentada a uma mesa redonda, e em cima dela havia uma xícara, dentro da qual algumas folhas de chá molhadas formavam alguma figura qualquer que ela não reconhecia. Um pouco mais adiante da xícara, havia uma bola de cristal. Além dela mesma, somente a profa. Trelawnay estava na sala. A bruxa usava vestes estranhas, cravadas de pedras brilhantes, e óculos cujas lentes aumentavam estranhamente o tamanho de seus olhos.
— Gostaria de informar-lhe, srta. Granger, com muito pesar é claro, que desde o momento em que você entrou nesta sala, eu soube que não possuía o talento necessário para a nobre arte da Adivinhação. Na verdade, não me lembro de algum dia ter visto alguma outra aluna com a mente tão irreparavelmente terrena. Retire-se da minha sala; você está atrapalhando minhas vibrações.
Hermione sentiu o sangue esquentando nas veias. A professora sentou-se diante dela, com os olhos fixos na bola de cristal, depois apertou-os com força sob as lentes pesadas dos óculos. Hermione ia levantar-se para deixar a sala, mas neste momento a professora começou a fazer umas caretas esquisitas, como se estivesse tendo algum tipo de colapso nervoso. E então começou a dizer, com uma voz muito diferente do normal:
— O servo estava escondido... Esteve escondido durante doze anos. Agora, ele retornou para o seu mestre, para ajudá-lo a se reerguer. Tempos difíceis virão.
A professora abriu os olhos; por algum motivo, eles eram agora amarelados e muito vivos, pareciam olhos de gato. Seu rosto estava alaranjado e... peludo?
— Bichento... — Hermione murmurou, abrindo os olhos e logo em seguida protegendo-os com a mão da claridade do sol que já invadia o quarto.
O gato estava sentado em sua barriga, e ela deitada em sua cama. Olhou o relógio; eram dez da manhã. Bocejou e sentou-se, acariciando a nuca de Bichento e recapitulando o sonho. Ultimamente, Sibila Trelawnay visitava seu sono com freqüência, embora Hermione tivesse abandonado a disciplina ensinada por ela, Adivinhação, e nunca tivesse realmente acreditado em suas previsões. O sonho era sempre o mesmo, uma variação de algo que seu amigo Harry Potter lhe contara no final do ano letivo anterior. Segundo ele, a professora previra que um servo de Voldemort que estivera escondido se juntaria a ele. Naquele mesmo dia, eles descobriram que o rato de seu amigo Rony Weasley era na verdade um animago, um bruxo chamado Pedro Pettigrew, servo do lorde das trevas.
Mesmo que a previsão se confirmasse e voltasse em seus sonhos, Hermione continuava a não acreditar em Adivinhação. Não deu importância ao sonho, simplesmente saiu da cama e começou a se vestir.
Suas malas já estavam prontas; naquela tarde partiria para a casa dos Weasley, a família de seu amigo Rony, e ficaria lá hospedada até o final das férias. Ele também convidara Harry. O objetivo principal do encontro era irem todos juntos assistirem à final da Copa Mundial de Quadribol.
Hermione e seus amigos eram bruxos, e estudavam na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Às vezes, ela ainda custava a acreditar nisso, tendo vindo de uma família de trouxas, isto é, pessoas não-mágicas. Hermione valorizava muito suas amizades da escola. Harry era praticamente o irmão que não tinha, e era um garoto que parecia atrair magneticamente confusões, causando-lhe muita preocupação. Rúbeo Hagrid, guarda-caça da escola e professor da disciplina de Trato das Criaturas Mágicas, tinha se mostrado no ano anterior um verdadeiro porto seguro, sendo sua maior fonte de apoio no momento em que mais precisara. Já Rony Weasley era um caso complicado: eram, acima de tudo, grandes amigos e sem dúvida gostavam-se muito. Levavam, no entanto, uma relação muito tempestuosa, com constantes implicâncias, discussões e até períodos sem se falarem. Apesar disso, Hermione sentia por ele algo maior que a amizade, que nem ela mesma sabia definir, mas que a irmã dele, Gina, que era também uma grande amiga, classificava como amor.
Ela estremeceu só de pensar. Ela amava Rony? Que consideração séria! Amar... Ela nem sabia o que era amar. Preferia lembrar-se de que eram amigos, simplesmente. Já vestida, desceu para tomar café.

Depois do almoço, os pais de Hermione a levaram à casa dos Weasley. Rony enviara a ela um mapa indicando onde ficava exatamente, e seu pai julgou-se capaz de chegar até lá de carro. De fato, não era muito longe; levou cerca de uma hora para que chegassem ao destino. Hermione despediu-se dos pais e desembarcou do carro, com Bichento no colo e arrastando seu malão, que já continha inclusive o material escolar do próximo ano. Acenou para eles até que o carro desaparecesse de vista, e depois parou à frente da casa, contemplando-a.
A primeira coisa que viu foi uma placa onde lia-se "A Toca". A casa apresentava uma arquitetura que ela nunca teria imaginado, algo que, construído apenas com recursos trouxas, provavelmente não se sustentaria. Bichento saltou de seu colo e foi perseguir umas criaturinhas que corriam afoitas pelo jardim, e que ela reconheceu como gnomos, conforme a Enciclopédia das Criauras Mágicas. Eram pequenos, tinham a pele parecida com couro e cabeças enormes que se assemelhavam a batatas e eram cheias de calombos. Aproximou-se da casa, receosa, parou à porta e bateu. Depois de algum tempo, a porta abriu-se e a Sra. Weasley apareceu.
— Hermione, querida! — ela abraçou-a carinhosamente. — Como está? Fez boa viagem?
— Fiz sim, tudo ótimo, Sra. Weasley — respondeu ela.
— Seja bem-vinda, sinta-se em casa!
Hermione entrou e observou a sala. Encantou-se no mesmo instante; nunca tinha estado em uma casa de família bruxa, mas se fosse imaginar como uma deveria ser, imaginaria o que estava vendo. A sala era repleta de objetos mágicos. Ela aproximou-se, boquiaberta, de um par de agulhas que tricotava sozinho.
— Oi, Mione. — disse Rony, descendo a escada e corando levemente.
Hermione reparou que ele estava mais alto, e seu primeiro impulso foi correr para abraçá-lo.
— Oi, Rony — disse, encabulada. — Sua casa é incrível!
— Você acha mesmo?
— Claro! — ela aproximou-se, fascinada, de uma espécie de relógio na parede: havia um ponteiro para cada integrante da família Weasley, e opções como "na escola", "em casa", "no trabalho", entre outras.
Quando ela voltou a olhar para Rony, ele tinha um sorriso satisfeito no rosto.
— Mione! — disse Gina, que descia as escadas correndo. — Você vai dormir no meu quarto, venha ver a sua cama! — Gina pegou a mão de Hermione e puxou-a para a escada. Depois dirigiu-se a Rony: — Seja educado e traga o malão da Mione!
Rony ia protestar, mas desistiu; veio andando atrás das duas com o malão, resmungando. Hermione achou que tinha escutado algo como "não sou carregador de malas" e algo como "estava falando com ela primeiro". Chegaram ao quarto de Gina, mas a menina não deixou o irmão entrar.
— Obrigada por ter trazido o malão, mas você fica lá fora.
— Mas...
Gina fechou a porta, causando em Hermione um raro sentimento de pena por Rony. Ao ver a expressão em seu rosto, Gina disse:
— Ele merece bem pior do que isso, e você sabe. Ele não perde uma oportunidade de me expulsar, por que eu deveria perder?
— Faz sentido — disse Hermione, rindo.
O quarto de Gina não era muito grande, mas era caprichosamente decorado.
— Esta é a sua cama — disse ela, e depois abriu a porta do armário. — e aqui fiz um espacinho para você pôr as suas coisas.
— Obrigada, Gina...
Hermione abriu o malão e começou a armazenar ali naquele espaço que Gina lhe mostrara as coisas que mais usava. Olhou para Gina, que guardava agora um silêncio pensativo, os olhos perdidos em alguma direção. Quando voltou a olhar para Hermione, ela percebeu seu ar interrogativo, e respondeu à pergunta que ela nem chegara a fazer.
— Harry deve chegar amanhã.
Hermione sorriu, voltando a se concentrar na arrumação de suas coisas.

Na hora do jantar, Hermione pôde cumprimentar os Weasleys que ainda não tinha visto: Percy, os gêmeos Fred e Jorge, Arthur, pai de todos eles e os outros dois irmãos de Rony e Gina que não conhecia, Carlinhos e Gui. O assunto na mesa foi quadribol: comentaram a eliminação do time da Inglaterra e sobre os dois times finalistas, Bulgária e Irlanda. O Sr. Weasley comentou que havia trinta anos a Inglaterra não sediava a Copa do Mundo, e contou que conseguira no ministério da magia, onde trabalhava, ingressos de ótimos lugares para todos eles poderem assistir à partida final.
Assim que terminaram de comer, Hermione e Rony foram sentar-se na sala.
— Harry chega amanhã — ele disse. — Papai mandou ligarem a lareira dos tios dele na rede de Flu amanhã, para podermos buscá-lo. Minha mãe até mandou uma carta pelo correio trouxa perguntando se eles autorizavam.
Hermione riu. Bichento veio para o seu colo.
— Você viu ele entrar? Pensei que estava caçando gnomos até agora.
— Talvez ele tenha acabado com todos... Mamãe ficaria feliz. Contei a você que o Percy está trabalhando no ministério?
— Não...
— Pois é, no departamento de cooperação internacional. Ele tem esse chefe, o tal de Bartô Crouch... Fala nele o dia inteiro!
— Bem... Ele tinha muita vontade de trabalhar no ministério, não é? Como o seu pai.
— É, mas imagine que ele está totalmente obcecado. Se papai não o trouxesse de volta todas as noites acho que ele se mudava para lá. Quando está em casa, não aceita ser incomodado; fica trancado no quarto trabalhando.
Hermione estranhava a aversão de Rony a pessoas que se dedicavam ao que faziam. Não comentou nada, porém; não queria discutir com ele.
Naquela noite, Hermione demorou a dormir. Imaginou que a dificuldade devia estar ligada ao fato de estar dormindo naquela cama pela primeira vez, ou que estava ansiosa com o evento da Copa Mundial, ou talvez com a aproximação do início das aulas. Perguntou-se se o sonho com a profa. Trelawnay se repetiria naquela noite.
Quando acordou, na manhã seguinte, não se lembrava de ter sonhado com nada.

Pouco depois do almoço, a pequena coruja que Rony tinha ganhado de Sirius Black adentrou a sala, chocando-se contra o garoto.
— Olhe por onde anda, Píchi! — disse ele, irritado, desprendendo da perna da ave um bilhete.
— Píchi? — Hermione perguntou. — É esse o nome dela?
— Na verdade o nome é Pichitinho. Foi a Gina quem sugeriu, e é óbvio que eu detestei, mas não adianta porque ela não responde a nenhum outro nome. — ele desdobrou o bilhete. — É a resposta do Harry... ele está dizendo que os trouxas deixaram ele vir.
— Podemos ir junto buscá-lo, não podemos? — disse Fred, entrando na sala com Jorge.
— Queremos conhecer o primo dele, que ele disse que é um trouxa comilão e insuportável... Na verdade, o que queremos é testar nele esses novíssimos Caramelos Incha-Língua. — Jorge abriu a mão e mostrou os caramelos. — Mais um produto das Gemialidades Weasley.
Os dois saíram novamente da sala. Intrigada, Hermione perguntou:
— Gemialidades Weasley?
— São coisas que eles inventam. Sempre soubemos que eles inventavam coisas, mas mamãe descobriu que eles vêm fabricando e vendendo logros e brincadeiras como esses caramelos. Ela ficou uma fera com eles, não quer mais nem ouvir falar em “gemialidades”.
Às cinco horas, então, Rony foi com Fred, Jorge e o Sr. Weasley buscar Harry pela lareira, através do pó de Flu. Enquanto isso, Hermione e Gina faziam companhia à Sra. Weasley na cozinha enquanto ela preparava o jantar. De vez em quando, faziam pequenas tarefas para ajudá-la. Gina resmungava para Hermione que ela poderia fazer tudo com simples feitiços, enquanto elas, menores de idade, eram proibidas de praticar mágica fora da escola.
— Acho que os ouvi chegar — disse a Sra. Weasley, secando as mãos e saindo da cozinha.
Hermione e Gina ouviram a voz dela discutindo duramente com os Fred e Jorge, tão logo ela deixou a cozinha. As duas lavaram as mãos e foram para a sala. Gina deu um beliscão no braço de Hermione assim que viu Harry. A discussão da Sra. Weasley com os filhos era sobre as gemialidades Weasley; provavelmente eles tinham posto em prática o plano de testar os caramelos incha-língua no primo de Harry. A situação era um tanto desconfortável, então Hermione disse a Rony, lançando-lhe um olhar cheio de significado:
— Por que você não mostra ao Harry onde é que ele vai dormir?
— Ele já sabe, é no meu quarto.
Ela revirou os olhos, impaciente.
— Então todos podemos ir — disse, agora sublinhando as palavras, e ele finalmente entendeu.
Hermione subiu com Rony, Gina e Harry até o quarto dele. Ela nunca tinha estado ali; era realmente bem bagunçado, especialmente com as camas extras, pois além de Harry, os gêmeos estavam dormindo ali por terem cedido seu quarto a Gui e Carlinhos. As paredes eram forradas de pôsteres de um time de quadribol, os Chudley Cannons. Perto da janela, estava a gaiola de Píchi, onde a pequena corujinha se sacudia e guinchava.
— Tenho que guardá-la aqui, senão ela fica incomodando Errol e Hermes, a coruja de Percy. Se bem que me incomoda também.
— Como foi seu verão, Harry? — Hermione perguntou.
— Ah, o mesmo de sempre. — disse ele, meio desanimado.
Desceram depois para o jantar. Eram ao todo onze pessoas à mesa. Durante a refeição, Hermione e Rony perguntaram discretamente a Harry se ele tinha notícias de Sirius.
— Sim, — respondeu Harry, olhando para os lados para certificar-se de que estavam todos entretidos, conversando. — trocamos corujas. Ele parece estar bem.
Hermione sentiu-se mais tranqüila com a notícia. No ano anterior, tinham salvado a vida de Sirius, que seria sentenciado de morte por um crime que não cometera.
Todos deitaram-se cedo, pois segundo o Sr. Weasley, precisariam acordar muito cedo no dia seguinte, para partirem rumo à Copa Mundial de Quadribol.

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