Cunae



Afundava a fronte dolorida com violência no exageradamente grande travesseiro de penas. Bebera demais. Ou talvez fosse efeito da Imperius... Ela? Agindo daquele jeito?! Só poderia ter tido a mente dominada!
- Ahhh! - gritou no travesseiro.
Não, ela sabia que não tinha sido Imperius. E agora? Aquele... Aquele arrogante! Ele iria achar que ela não passava de uma mocinha ingênua e obediente! Que ódio!!! - seu pensamento rugia. Não, ela não sairia do quarto tão cedo. Mesmo que...
Alguém batia na porta. Pulou da cama rapidamente, o que lhe causou uma terrível pontada nas têmporas, vestiu de qualquer jeito o robe e, tentando assentar os cabelos com a mão, abriu a pesada porta.
- Boa tarde, Lacrima. - falou sorridente Dumbledore para uma Lacrima boquiaberta e extremamente encabulada.

Aurea desceu sonolenta naquela fria manhã de domingo. Ainda esfregava os olhos quando Draco chamou-a de uma poltrona.
- Aurea! Sua irmã foi ao baile! - ele segurava na mão um pergaminho que a garota julgou ser uma carta.
- Nossa! Que bom! Não achei que ela fosse... Não consegui conversar direito com ela toda a semana.
- Acabei de receber essa carta do meu pai. Disse que gostou muito de conhecê-la... "Me surpreendi com sua inteligência, espírito e beleza. Tenho certeza que tem muito a aprender com ela."
- Hmm, ela vai ficar feliz em saber! Aposto que ela também adorou. Ela é boba de temer se expor... É mais seguro do que se isolar... - Obviamente a garota nunca diria qual era, especificamente, o medo da irmã.
- Queria poder participar dessas reuniões... - lamentou-se Draco.
- Ah, por que nunca podemos ir?! Meus pais também nunca me deixam participar. - reclamava Pansy.
- O que será que tanto eles fazem que não podemos ver?
- Talvez eles não façam nada... Só bebam vinho, dancem valsas e falem sobre política a noite toda e não gostariam que ficássemos, sei lá, fazendo barulho... - supôs Allard com uma certa indiferença.
- É... Parece-me uma boa teoria...
- Para alguém que nunca freqüentou salões, você parece saber bastante.
- É que perguntei pro... - ele calou-se de súbito e logo tentou disfarçar - quer dizer, ouvi o professor Lockhart dizendo...
- Lockhart não parece ser alguém que tenha uma opinião negativa sobre festas.
- É que... Bem... Ele parecia entusiasmado quando falou, mas mesmo assim não me pareceu muito legal...
- É, eu também penso o mesmo.
Quase revelara o segredo de sua paternidade. Bem o gostaria, mas o pai dissera-lhe ser arriscado. Gostaria tanto que todos soubessem que era filho do professor de poções, que seu nome agora era Allard Blake Snape... Era tão bom ter uma família! Mesmo ela sendo composta por apenas um membro além dele próprio. Os avós eram mortos - pelo menos os paternos. A mãe... Ainda lembrava de quando perguntara sobre ela.
- Sua mãe? - havia surpresa e dor na voz dele. Fora pego de surpresa por aquela vozinha que tentava desenterrar memórias tão profundas. - Bem... Ela... Ela morreu! - disse rispidamente depois de longa hesitação.
- Desculpa... - falou triste - Não sabia que não deveria perguntar sobre ela...
A resposta do garoto fê-lo paralisar. Sentiu a lava da culpa derreter-lhe as entranhas. Não havia motivo - fora sua própria dor - para privá-lo da verdade sobre aquela que lhe dera a luz. Ele já tinha maturidade para compreender todas as máscaras, mentiras e sacrifícios que a sociedade exigia.
- Não se desculpe. - disse num suspiro - Você tem o direito de saber. É a sua história. - Abaixou a cabeça como que tomando coragem para iniciar o relato. - Igraine Greatfield, você deve ter visto na árvore genealógica, é sua mãe. Há mais ou menos treze anos nós tivemos um relacionamento secreto. Igraine era prometida desde os cinco a um descendente de uma notável família bruxa. Ela também era de descendência nobre, embora seus pais estivessem completamente falidos. Ela contava então dezessete anos. Acabara de se formar em Hogwarts. Era muito bonita. Tinha longos cabelos ruivos e a pele muito branca. Era bastante sagaz e foi isso que me cativou. Encontravamo-nos sempre e um dia, sem maiores explicações, ela disse que me deixaria. Eu tentei conversar com ela, mas estava inflexível. Apelei para a legilimência e descobri que ela carregava um filho meu. Implorei que ela cancelasse o antigo contrato de casamento e ficasse comigo, como seu futuro noivo eu poderia reestabelecer a vida confortável que a família dela desejava e tinha... Ahn... Contatos que poderiam ajudar na negociação. Ela negou veemente. Disse que não poderia, que a família nunca aceitaria, que seria um escândalo... Estava claro que se eu oferecesse uma boa soma para a família estaria tudo acertado, mas o problema era um só: Igraine não me amava como eu a amava. Ela não queria se aborrecer com conversas mais sérias, preferia obedecer sem questionar. Era mais cômodo. Ela se foi e eu nunca mais soube dela. Aconselharam-me a esquecê-la e, deveras, ao final de algum tempo eu o consegui. Ela fora muitíssimo mesquinha para que eu teimasse em amá-la. Soube que, por volta de um ano depois de me deixar, ela se casou com o noivo. Mas houve algo... Alguém... Que nunca me abandonou os pensamentos. Nas horas de solidão eu me torturava imaginando se estava vivo ou morto. Era óbvio para mim que estaria morto, mas eu sempre procurei localizá-lo de alguma forma. Nos últimos anos, porém, vi meus sentimentos definharem. O desespero e a esperança estavam entre eles e a lembrança foi soterrada pelos seus escombros. Não me restava mais muita consciência de mim mesmo, já não via meu reflexo no espelho, vivia apenas para minhas obrigações. E então, há um ano meus olhos tocaram um rosto que me fez sentir uma nostalgia tão grande... Ele me lembrava algo que eu não sabia o que era. Então eu descobri que ele lembrava a mim mesmo. Você teve o azar de não parecer com sua mãe, Allard. Embora eu já não me lembre com certeza do rosto dela, estou certo de que não era esse. Quando soube quem era você, agradeci Igraine do fundo de minha alma por não ter se livrado do meu filho.
Era como se tivesse tomado veneno. Um gosto amargo na boca e as entranhas queimando, foi o que sentiu quando soube da mãe. Queria, antes, sabê-la morta. Passado o primeiro momento de decepção, resolveu ignorar o conhecimento. Depois de muitos anos no orfanato, finalmente encontrara o pai. Já não era felicidade suficiente? Não precisava dela...

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