O Palácio Do Sofrimento



Acordei e sentei-me na macia cama de meu quarto. Na verdade, não tinha muita certeza se era macia ou não, mas assim me parecia. Muitas coisas agora soam estranhas nesse novo corpo. A nova morada de Lord Voldemort.
Sonhei, como raramente acontecia até algum tempo, e sei que deveria sentir alguma coisa a respeito. No entanto, minha mente não capta nada de meu corpo. Nem medo. Nem espanto. Esses sentimentos me parecem agora tão... Triviais.
Potter. O maldito Potter, o pesadelo dos meus planos, agora vem à minha mente, assombrando meus sonhos, mesmo que deles eu esteja quase desprovido. Não me assombra como o Potter de há dois anos atrás, aquele que conseguiu perpetrar meus planos ao entrar em minha mente, mas sim alguém diferente! Um Potter que, em meus sonhos, possui algo a rodeá-lo e engrandecê-lo de tal forma que seus poderes se tornam intangíveis para minhas garras... E mesmo, talvez, para o velho Dumbledore.
No sonho, sinto esse poder, embora não possa vê-lo. É ridícula a mínima tentativa de conceber isso como real, mas a visão dessa grandiosidade queimaria meus olhos horrivelmente, e de forma mais branda não seria.
No sonho eu estou caído no chão; Minha varinha bem segura na mão... dele. Meus comensais me abandonaram, como sempre previra. Ainda mais agora, frente a esse potencial mágico (e como me dói pensar), maior que o meu. Triste pesadelo.
Ele avança sobre mim, as varinhas gêmeas erguidas na mesma mão, num gesto que certamente aumentará o poder do feitiço. Sua risada é fria e cruel e sinto como se fosse um eco de minha própria risada em idos tempos, onde a diferença se encontra na inversão dos papéis de atacante e oprimido.
Murmurei uma praga, pois essa magia negra não requer o uso da varinha. O efeito foi fazer o volume das gargalhadas apenas aumentar em minha cabeça. As palavras, carregadas de ódio e más intenções, silenciaram ante a horripilante risada do Menino-Que-Sobreviveu. O Salvador. O MALDITO POTTER!
Do patamar mais alto onde ele se encontrava para o meu, havia um único degrau. Mármore branco e frio, conforme minhas costas confirmavam. Quando o maldito garoto desceu o degrau, eu então pude ver seu poder, irradiando a sua volta como um halo. E isso foi tudo o que meu cérebro pôde captar no instante antes de meus olhos arderem, como se estivesse em chamas... Vermelhas e escaldantes.
Acordei.
A dor... Indescritível.
O Poder... Real.
Real e flamejante, incandescente. E essa profusão de vermelho apenas parecia emoldurar o verdadeiro poder: Algo como uma floresta verdejante coberta de neve, lembrando-me das esmeraldas incrustadas nos olhos das esculturas dos igualmente mórbidos lugares pelos quais passei em toda minha vida. A única diferença era que as esculturas não conseguiam me assustar como essa visão.
A visão que tive do Poder!
E tão magnífico que só posso supor ser o centro de toda a magia conhecida!
Logo da primeira vez que tive essa visão, no sonho, ordenei que meus comensais mais leais iniciassem uma pesquisa detalhada sobre qualquer vestígio de incêndio numa floresta com potencial mágico, como a Floresta Negra da Alemanha, ou qualquer outra floresta onde haja períodos de nevascas intensas.
O incêndio representaria o vermelho; A neve, a brancura, significando a pureza desse poder; O verde, brilhante, a verdadeira fonte! Onde residia todo o potencial!
Meus comensais ainda não voltaram com notícias do paradeiro dessa inesgotável fonte. Talvez um “estímulo” seja necessário para ajudar nas buscas. Um estímulo nada dolorido em comparação ao que eu senti ante a simples suposição de não possuir essa grandiosidade.
E, afinal, sou Lord Voldemort! A dor e a morte não devem fazer parte da minha vida! E esse é ponto, a questão central de todo o serviço pérfido e sujo!
Imortalidade.
Não é nada com os trouxas. Claro, não desejo nada mais além do mal para a raça genitora da aberração que é o meu pai. Destruí-los seria magnífico... Em longo prazo. Mas eles não são importantes. Eu é que sou!
A sociedade não pode simplesmente ser concebida sem a idéia de um ser mais poderoso para comandar os demais, ou seja, sem a idéia de Lord Voldemort. Por isso espalhei minhas Horcruxes pelo planeta inteiro, assim, minha existência permanecerá enquanto os recipientes de minha alma se mantiverem intactos. Minha alma materializada... Permanecerei para sempre, pois sempre haverá alguém para matar e uma alma para dividir.
Mas esse não era o tipo de imortalidade desejada pelo Lord das Trevas...
Sentado no encosto da cama, eu debato sobre esses assuntos. Finalmente eu me levanto e ando até o espelho ao lado da janela, no outro extremo do quarto. É noite e não me surpreendo ao constatar isso. Esse frágil corpo é sensível a luz solar, e talvez seja isso um castigo por ter ousado aproximar-me do horror das Horcruxes. Mas que importa o Sol, a luz, quando nas trevas se escondem os mais importantes mistérios jamais imaginados?
É como Paris, a Cidade Luz. Mas só vem a luz quem estiver no escuro. Assim foi com a cidade, aonde escurecido estava o ideal de liberdade atrás dos monarcas absolutos, vindo à tona apenas quando os pensadores decidiram resgatar da escuridão nossa concepção atual de sociedade, mesmo que falha. Porém só puderam exercer essas mudanças em nosso pensamento por causa de sua opção, pela escolha de penetrar nos frios recantos da escuridão, tateando cegamente na busca pela verdade. Cegos, pois seus olhos não devem acostumar-se a escuridão, pois eles podem querê-la mais que o Sol. Ato admirável, o de tais trouxas... De certa forma.
Nesse aspecto de trazer à luz, a eles sou semelhante. Em partes, pois, segundo o pensamento “racional”, minhas artes não podem ser consideradas dignas do nome luz.
Mas eles se igualam a mim no sentido de ambos estarmos na mesma busca de maravilhas inimagináveis, as quais, diferentemente desses pensadores, não levarei a parte alguma, preferindo deixá-las na escuridão! O resto dos humanos não merece desfrutar de minhas glórias sem nenhum sacrifício. Talvez por isso que eu mate tantos trouxas! Porque suas mortes podem servir de pagamento em espécie do conhecimento que eu posso fornecer, tanto à comunidade bruxa quanto à trouxa...
Paro de devanear, ando fazendo muito isso. Não há por que justificar meus atos. O simples fato de eu fazê-los já é uma justificativa. Percebo que já olhava no espelho há algum tempo, mas só agora que parara de divagar é que percebera isso. Surpreendo-me, como sempre.
Que belo monstro eu me tornei... Não era o que eu queria.
Sujeitinho interessante quem me fez perceber isso, seis anos após meu encontro com os Potter. Tinha uma facilidade impressionante para a Legilimência. Sua pele lembrava a porcelana, seja em rigidez quanto em brancura ou beleza.
Cheirava à morte. E, oh, como seu cheiro é detestável. Morte velha. Seus cabelos caíam-lhe em cachos negros pelos ombros, movimentava-se com digna elegância de um cavalheiro antigo. Olhando atentamente, era como se deslizasse de uma forma sutil.
Eu estava jogado ao chão. O dia fora exaustivo para o espectro de minha alma. Fora apanhado por uma corrente de vento e arrastado por dez metros antes de conseguir me infiltrar nos pensamentos de uma cobra e fazê-la carregar-me até uma saliência na terra, de considerável tamanho, que proteger-me-ia do frio.
No cume dessa saliência foi onde ele apareceu.
“Um maldito vampiro” foi o que pensei na hora, ao olhar para o alto. Não era necessária muita habilidade para perceber isso, bastava ver como sua brancura brilhava na noite.
-Pois sim, acertastes em cada palavra, meu caro! – Ele sorrira e eu percebera seus caninos pontiagudos. – Embora tivestes sido redundante, afinal, qual vampiro não é maldito?
-Um maldito vampiro legilimente... O que mais me falta?!
-Céus, que más maneiras! Ficaria extasiado se parasse com esses comentários impertinentes. – Comentou, em tom de gozação. – E é assim chamada pelos mortais a capacidade de desvendar os segredos das mentes?
-Mortais? Tem alguma idéia de com quem está falando, vampiro?
-Ora, é claro!
-Pois saiba que sou...
-... um idiota idealista? – completou ele. – É só o que pode ser, para ter feito uma Horcrux.
-Como sabem de meus feitos?! – surpreendi-me, logicamente. Houvera um feitiço fidelius para que o segredo do sucesso das Horcruxes não se espalhasse.
-Os vampiros podem ser considerados ótimos detectores de objetos das trevas em potencial! – Riu ele, e sua risada me fez gelar o sangue... de ódio. – As Horcruxes são os objetos mais cobiçados pelos vampiros, uma lenda entre os amaldiçoados, pois já que contém uma parte da alma humana! A última conquista para os não-mortos, embora não para todos... Mas a maioria percebe o erro, a crueldade e egoísmo de ter sonhado com a imortalidade após o primeiro assassinato... Alguns conseguem lidar com isso, outros sofrem agonias para se manterem vivos, outros mais cultos procuram monstros como você para extirpar do mundo o mal por duas vezes: Matando-o e consumindo sua Horcrux e deixando de ser um vampiro, de ser imortal.
-Fala da imortalidade como se não a desejasse mais!
-De fato, não desejo. Mas sou fraco demais para por um fim em minha existência, admito. E, desprovida da valiosa alma, temo o que passa me aguardar do outro lado, caso um dia eu morra. – Em nenhum momento ele perdera o tom displicente, embora soubesse estar sofrendo ao contar-me seus medos. – Eu, se fosse você, teria cuidado ao sair por aí distribuindo Horcruxes aos quatro ventos – ele parou por um momento, como se estivesse a pensar sobre o que acabara de dizer, embora fosse claro ele estar bem longe de refletir, era tudo premeditado. – Pensando bem, distribua sim! Muitas! Mutile-se e quem sabe eu consiga por as mãos em uma e assim reaver o restante da minha própria alma!
Comecei a rir: -Então chegou tarde, meu caro! Minha Horcrux já foi consumida por mim mesmo! Suas esperanças se foram! – Ao mesmo tempo em que ria, lutava para esconder a terrível verdade da existência de outras Horcruxes. – Mas você não pode tomar minha alma!
-Com medo, Lord? – Caçoou, jogando os cachos negros para trás. – É claro que posso, mas alegra-te em saber que não foi desta vez, morreste antes de acharmos o recipiente de tua alma. E, pela lenda (e graças a ti, não é mais uma lenda), o horror de uma Horcrux é grande demais; seus efeitos, cruéis e “só um tolo ousaria repetir um ato tão hediondo contra si próprio, sua humanidade e, também, a de todos os outros”. CALYG, D’A mais pura Magia Negra, capítulo seis, página 246.
-Imaginei que não fosse apenas uma citação, não parece ter capacidade para bolar frases muito complexas. – comentei, debochado. E aqui, neste exato ponto, pode-se dizer que foi o ápice de minha dissimulação, minha habilidade na Oclumência! Feito em iguais condições não será repetido por muito tempo. – E, amaldiçoando-me, sou obrigado a concordar com você. Nem mesmo eu pude suportar o horror, a imortalidade não vale a repetição para que outra Horcrux surja. – Pronto! Eis uma obra-prima! A medida certa entre o fantástico e o real! Se algo mudasse, o momento se estragaria e ponto final! Mas... – Nem mesmo você suportaria esse horror pela segunda vez!
Tardiamente, percebi meu fatal erro. Até mesmo antes de terminar a frase eu sabia que fora tudo por água abaixo, pois enquanto eu falava, ele abria seu sorriso mortal. Caíra por terra quando vi as pequenas rugas de felicidade em seu belo rosto, sobre os olhos verdes do vampiro. E, depois, em silêncio, ele passou a mão pelos cabelo, gemeu de felicidade e disse, com uma risada suave:
-Está mentindo! E eu sou o único que sabe! Pela minha carcaça imortal, eu agradeço SEU MENTIROSO! – gritou com uma potente voz, pondo-se a rir ensandecidamente, desaparecendo na névoa da noite.
Sua inesperada visita ainda volta às minhas lembranças às vezes e me faz refletir sobre meus objetivos. A imortalidade é deliciosa, porém aproveitá-la sozinho é o primeiro erro. Desfrutá-la num corpo assustador, cada vez mais longe do belo mortal que um dia eu fui é o segundo. Quero usufruir seus prazeres, ó vida eterna, mas cada vez menos eu sinto o mundo a me envolver. Pelo contrário, minha sensação é a de ser constantemente repelido pela beleza, pelo bem, pela felicidade.
Cada vez mais torno-me introspectivo. Sem contato com o exterior, o que resta em mim é a feiúra, a maldade, o horror e arrependimento do que já fiz. Fecho-me no meu próprio Palácio do Sofrimento, de onde as saídas estão lacradas, mas a entrada é bem adornada, receptiva, escondendo o verdadeiro mal que espreita. Convida a todos para uma breve visita à Dor, ao pesadelo encerrado em minha flagelada alma.
Esses momentos de reflexão apenas servem para me confundir sobre meus propósitos. Olho a noite fria e me recupero dessa queda. Peço pouco e não vejo absurdo nesse pedido... Aceitem comigo o meu bem-adornado palácio da morte, ó comunidade bruxa! Que governem ao meu lado sobre as cabeças dos trouxas! Regozijem-se com seus gritos por clemência, com o desespero de suas almas. Percebam que não é infundado todo esse mal “ sem sentido”, mas é apenas o sabor ácido da vingança por não me quererem! Só com minha marca negra, rasgada na superfície da Terra, ardendo como um revide à Inquisição trouxa é que me sentirei verdadeiramente imortal!
Sento-me no chão. Os gritos começaram a tomar conta de mim novamente, meu palácio está lotado, mas sempre há espaço. Busco na terra apoio para todo o peso que carrego, o peso de expurgar a humanidade da imperfeição. Repleto novamente das minhas forças, olho para dentro do que sobrou de minha alma, adentro a morada daqueles que gritam e vejo a interposição sólida entre meus sonhos e o mundo. Harry Potter e sua possível arma ao seu lado, brilhando verde, com vida, com esperança.
Sorrio. Começo a entender...

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Curta observação do autor: Gostaria que me escrevessem com comentários sobre a fan fic. Confesso que o primeiro capítulo é meio parado, mas acredito que Voldemort, como todos, merece um meio de expor o seus sentimentos, suas sensações sobre o que está acontecendo com ele atualmente. É visível uma imagem meio perturbada do Lord, variando entre momentos de arrependimento lúcido e insensatez doentia. Escrevam para [email protected] ! :D

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