Palas Sitiada



Na segunda semana de abril, no dia 12, quando já formavam três semanas e um dia que fora para ala hospitalar a enfermeira Odete (que estava substituindo a Sra. Johnson) liberou Arthur. Odete fora tão chata como a antiga enfermeira em suas milhões de recomendações.
Aquela coisa amarelo de gosto horrível que o Virgilius lhe dera agora era parte de suas refeições, e pelo gosto da comida desses dias, parecia ser a da escola inteira. Mas, se alivia um pouco a consciência, o garoto descobriu o nome da coisa, que de tão difícil foi apelidado de “fecha mente”, que fazia exatamente o que o nome sugeri.
Mesmo já tendo se desculpado com os colegas (menos Blackheart e Ana) as primeiras duas horas de liberdade dele foram se desculpando. É claro, que agora a par da situação de Arthur, não foi difícil para eles aceitarem as desculpas.
- Tudo bem, Arthur, pra ser sincero aquela parte do Blackheart foi até justa... Ai, droga! – Thiago estava animado relembrando quando Arthur, sabe-se-la-como, lançara a maldição cruciatus sobre Felipe. Liana lhe deu uma cotovelada de impaciência.
- Arthur espero que Belforth tenha lhe contado o que aquele Eto queria... – disse Liana.
- É Leto! – corrigiu Thiago.
- Que seja! – voltou-se para Arthur. – o importante é o Arthur ter aprendido que é perigoso seguir idéias que surgem em nossa cabeça, que nos ordenam como essa idéia fixa que você tem de achar a Sala do Infinito.
Arthur se atirou no muro de pedra do corredor norte que dava de vista para o povoado local semiescondido por arvores e morros.
- Eu sempre soube que era perigoso. – contou. – sabia que ele queria me usar, mas também sabia que era minha única chance.
- Chance? Chance de quê?
- De destruir o Amuleto de Jagaha. Acha que podemos viver pra sempre com aquela coisa aqui? Alguém precisa destruí-la e esse alguém sou eu.
Liana meneou a cabeça.
- Belforth nos disse, e TE disse, que só basta você ficar longe disso tudo. – alvejou a garota em tom choroso. – ele já tem tudo sobre controle, ele...
- NÃO PODE DESTRUIR O AMULETO! – gritou Arthur, saltando tão de repente do muro que Thiago puxou a varinha. – e guarde essa coisa. Estou bem. – coçou a cabeça. – Belforth morreria se tocasse no Amuleto, só eu posso pegá-lo, só eu posso destruí-lo.
Os olhos da garota se encheram de lágrimas e com um grunhido semelhante a “tchau” ela se afastou sumindo pelos corredores. Logo em seguida um grupo de três homens, vestidos de azul-escuro com o emblema “Ministério da Magia” marcharam pelo corredor que Arthur e Thiago estavam.
- Que fazem aqui? – perguntou um deles á Arthur e Thiago.
- Não é da sua conta. – retrucou Arthur que estava aborrecido com os chiliques de Liana.
- Quê? – exclamou o homem. – você...
- Ele tava na enfermaria até hoje. – Thiago se apressou em dizer. – anda por fora das coisas aqui, sabe?
Os homens se entreolharam mal-humorados e riram. Tornaram a guardar as varinhas que haviam sacado apenas por hábito.
- É... – disse um outro. – a gente sabe.
- Acho melhor contar as “regrinhas” ao seu amigo. – disse o terceiro e então os três sumiram pelo corredor.
Quando já estavam a uma distância segura, Thiago catatônico, tornou a falar com Arthur.
- Você é louco? – disse ele. – como fala assim com um membro do sitie...
- Sitie?
Thiago então contou o que estava acontecendo em Palas desde a Aquela Noite. O garoto contou que o Ministério da Magia havia rodeado a escola com dezenas de aurores, que agora andavam por ai se achando no direito, e obrigação, de “dar uma dura” em qualquer aluno que fosse pego desprevenido.
Um colega de Silvano, Gary McOrange, disse que esses tais aurores haviam lhe roubado todos os galeões, sicles e nuques que tinha no bolso. Porém Silvano, apesar de acreditar que aqueles aurores estranhos eram capazes disso, disse que duvidava que houvessem roubado Gary.
- Ele não tem dinheiro para ser roubado. – comentou rindo no jantar daquele dia.


Foi durante a madrugada de 13 de abril que o último pesadelo de Arthur Mortense em Palas ocorreu. O último de seus “Pesadelos Reais”. O que também pode ser lembrado como o prelúdio das tormentas muito piores que logo viriam.
Não demorara muito a dormir naquela noite. Tomara um banho rápido e relaxante, lera uma parte do livro de História da Magia que já estava pendente e então desabou num sono confortável, mesmo que inconscientemente travasse uma batalha contra as mãos maliciosas de Leto Mortense que tentava em sua mente novamente penetrar.
Com o aumento significativo das forças de Leto o “fecha mente” não tinha tanta eficácia sobre Arthur como sobre todos os outros. Ele e seu “tio” haviam estado ´por demasiado tempo ligados para que o remédio, mesmo em doses extremas, pudesse manter o velho mago longe por muito tempo.
Esse último sonho começou de maneira comum com Arthur acordando em seu quarto, no seu velho cafofo feito de tijolos finos como papel, com a tradicional discussão matinal dos Souza no apartamento 8B.
Arthur se levantava e via Pedro, Diego, Carlos e sua mãe estavam dormindo sobre as camas improvisadas com cobertores e colchões tão finos e embolorados que você pudesse vir a escolher folhas de papel oficio a eles.
Com temor o garoto notou que um líquido vermelho escorria sobre sua família. A principio temera que fosse sangue, mas não era. Ao redor deles havia vários frutos avermelhados, que pareciam e cheiravam a tomates podres. A seiva que saia desses frutos era o que escorria sobre sua mãe e irmãos.
Com estômago dando cambalhotas coma aquele cheiro forte de gato morto, Arthur tentou acordá-los, no entanto eles permaneceram duros, imóveis como pedra. De vagar seu ventre foi ficando gelado, não queria acreditar no que estava pensando. Não queria aceitar.
Sua família estava morta.
Havia vermes agora. Monte deles. Cobriam aqueles quatro corpos e os devoravam numa velocidade descomunal. Os seres pequeninos cor de pus se misturavam à pele fria e lentamente iam se infiltrando nela. O odor pútrido aumentava cada vez mais.
Arthur caiu no chão e se sentiu infestado de vermes por todo o corpo. Entravam por sua boca olhos, ouvidos e pele. Sentia sua carne sendo cortada e as coisinhas mergulharem em sua corrente sanguínea e se embebedarem com seu sangue jovem.
Num grito surdo da dor que o dilacerava acordou largado numa praia infecta, onde s ondas de águas negras lançavam pela extensão de areia escura os frutos vermelhos. Ergueu os olhos e se deparou com um imenso prédio negro que se erguia tortuoso até as nuvens escuras no céu coberto de fumaça e serragem.
Milhões de árvores mortas, que não eram mais que troncos retorcidos e ocos, que se estendiam por uma terra deserta coberta de cinzas até a onde as vistas alcançavam. Um rio de água espessa e obscura desembocava no mar escuro com sua onda de maldade e morte.
Os relâmpagos eram a única luz que cruzavam aquelas trevas sem fim. Arthur sentia como se todo o inferno o olhasse. Sentia as forças escuras penetrarem em seu peito, dominarem seu coração e o fazerem desejar.
“Este é o meu mundo”, disse sonambulamente, “Esse é o meu reino. O reino que um dia ire comandar... O Reino Sombrio”.
Arthur se rastejou pelo solo escuro e cinzento, cravando seus dedos naquelas terras onde somente o mal descansa. Seus lábios secos e doloridos estavam cobertos pela saliva de desejo que lhe escorria. Avançou como o pior dos vermes para os frutos vermelhos espalhados por toda parte. Agarrou um deles, que estava parcialmente coberto de fuligem e onde um grupo despreocupado de insetos caminhava.
O fedor da fruta era tão horrenda como antes. A sensação de que era um tomate podre do que qualquer outra coisa aumentara. Assim como a dose vontade de se alimentar daquela coisa pavorosa.
O garoto encostou a ponta da língua no suco que escorria daquele fruto ao menor toque. Era o pior gosto que uma pessoa pode imaginar, era como beber o líquido que escorria de um corpo em decomposição.
Mas era bom.
Arthur nunca se sentira tão bem assim antes. Lambeu o suco que escorria ainda mais rápido e com mais vontade, lambuzando todo seu rosto sujo. Seus dentes roçaram na pele delicada e frágil do fruto e então o penetraram. A carne apodrecida aumentava a sensação de poder em Arthur embora seu estomago continuasse a dar voltas e voltas.
Já havia devorado quase toda a coisa quando vomitou. Um vômito verde com partes vermelhas salpicadas no meio. A boca ressecada do líquido podre daquele fruto ficou aberta enquanto vermes e insetos negros vagavam por ela livremente.
“Este é o reino que deseja milorde?”, disse dois olhos cor de sangue que emergiram na areia.
Arthur acordou em sua cama se debatendo.
Felizmente, não acordara ninguém com seu susto.


Os meses que se arrastaram até as férias de meio de ano não haviam sido nada agradáveis. Os aurores pareciam dispostos a fazer qualquer coisa para darem detenções aos alunos, e o número de queixas de que moedas de bronze, prata e ouro estavam sumindo aumentava.
Nem mesmo no mundo da magia podia se confiar na “polícia”, pensava Arthur.
O garoto, mesmo depois de uma série de exames difíceis, não conseguia esquecer a sensação de nojo que acordara naquele 13 de abril. Teve de lavar a boca várias vezes, e olhá-la várias vezes, para ter certeza de que nenhum verme estivera ali. Ou mesmo aquelas coisas como tomates.
Fora tudo mais um dos malditos pesadelos.
Assim, sempre meio fora do que se passava ao seu redor, Arthur começou suas férias e teve de retornar ao Cafofo. Sua mãe lhe mandara uma carta (será que ela havia aprendido a usar um pomba?) em meados de junho pedindo – exigindo – sua visita nas duas semanas das férias de julho.
No dia 17 de julho, de sábado, os alunos embarcaram no Báltico de volta ao continente. Praticamente ninguém havia ficado na escola embora fosse permitido. Arthur sinceramente teria ficado na escola, mesmo que agora tivesse de lidar com aqueles guardas idiotas. Rever o Cafofo era tudo que ele não queria.
Na viagem, Arthur, se sentou com Liana, Thiago, Vítor, Felícia e Ana (ela é Blackheart pareciam estar numa fase difícil, segundo Thiago), a última, como já se esperava, se recusava ao menos a olhar o garoto mesmo depois de ele ter lhe pedido formais desculpas que ela disse não aceitar. Arthur até se espantou que ela tivesse se sentado tão perto dele.
- E não gosto daqueles guardas. – comentou Vítor que estava sentado ao lado da janela. Tinha-se uma visão impressionante do pôr-do-sol do terceiro nível do Báltico onde se encontravam.
Um trouxa que estivesse vendo o veloz Báltico voando a 6 metros da água teria se perguntado que diabos via. O Báltico era uma construção de madeira e ferro que não fora muito bem adornada, lembra muito um barco pesqueiro em que fora se incluindo, imprudentemente, meia dúzia de andares tortos magicamente estáveis, e cujas velas se abriam para os lados formando estranhas asas.
Arthur, Thiago e Ana fizeram parte do primeiro grupo a descer. O ancoradouro da Praça 15 era o primeiro que o Báltico passava na volta de Palas e o último na ida. Num amontoado de pais e mães Arthur reconheceu Cléber Watson Freidel com uma capa azul e uma blusa terrivelmente vermelha por baixo.
- Tudo bem, Arthur? – disse o secretário do Postal, assim que Arthur desceu da embarcação. – se divertiu em Palas?
Arthur lhe deu um falso sorriso. Verdadeiramente, ele não havia se divertido nem um pouco.
“Nadinha, meu bem”.
O garoto coçou o ouvido, pensara ter ouvido alguma coisa. Em todo caso Leto não podia ter contato com ele ali, podia?
Na caminhada com Freidel para casa achou ter ouvido uma fria gargalhada. Desejou só a tê-la imaginado. Quando o secretário lhe deixou na entrada do prédio sujo e malcheiroso que vivia a sensação de insignificância lhe retornou.
Entrou pelo corredor cheio de papel e lixo, com o cheiro ácido de urina. Subiu pelas escadas recheadas de camisinhas que foram usadas ali mesmo, e restos de artefatos de drogados. Como ele odiava aquele lugar. No oitavo andar, bateu na porta do 8A.
Sua mãe atendeu. Ela parecia mais abatida, e até mais triste do que antes. Deu-lhe um sorriso, um beijo (contra sua vontade) e o pôs para dentro do seu tão odiado Cafofo. Seus três irmãos que assistiam alguma coisa na velha televisão se resumiram a dizer um “oi” quando o viram e depois o ignoraram por completo.
E como ele já tinha previsto foram duas semanas de infelicidade.
Não que ligasse, mas seus irmãos-pivete nem ao menos se davam ao trabalho de fingir quererem saber dele, como estava ou onde fora. Sua mãe depois do segundo dia parara de lhe encher e voltara a suas costuras. Nesse tempo ele pode pensar muito no Amuleto e na Sala do Infinito.
Ele já havia se decidido. Sempre estivera decidido. Mesmo sabendo do risco que isso representava ele iria para aquela sala. Só tinha que esperar a poeira baixar, a atenção de Belforth nele enfraquecer e iria a Sala do Infinito, descobriria a entrada para aquele infecto calabouço e acabaria com aquele Amuleto. Livraria-se de Leto para sempre.
Quando suas malditas férias terminaram, Arthur não sabia como esconder tamanha felicidade, se despediu às presas da sua família pensando como seria bom se ela não existisse, assim poderia nunca mais retornar ao Cafofo.
Freidel o levou para o ancoradouro três novamente.
O Báltico levantou voou as cinco da tarde e todo aquele mundo trouxa ficou para trás. Thiago e Ana pareciam estar ainda mais raivosos um com o outro do que nunca estiveram antes. Liana estava narrando suas férias incríveis a Felícia que como sempre estava leve e feliz. Vítor espiava a conversa das duas com total atenção, e não parecia muito feliz.
Foi quando Blackheart apareceu.
- Ana eu quero falar com você?
- Mas eu não quero falar com você, tchau! – disse ela secamente.
O terceirianista a puxou pelo braço e retrucou:
- Eu disse que VOCÊ vai falar comigo.
- Me larga, seu idiota. – disse ela puxando seu braço.
- Deixa ela, Blackheart. – avisou Thiago.
- Cala boca, Brandevil seu pasmo. Toda sua família é pasma como você.
- Acho... – começou Arthur fazendo todos se calar. – que está na parte errada do Báltico, Felipe.
Blackheart o fitou embasbacado.
- Você pensa que pode me desafiar, seu verme. – gritou. – você me... derrubou, naquela vez, porque tava possuído por aquela coisa. Não pense que é gente, seu pobretão mestiço.
De onde Arthur lúcido retirou coragem ninguém sabe. O que se sabe é que no outro instante ele estava acertando um soco na cara de Felipe. No entanto, não fora um soco tão forte como o que ele tomara que fizera seu nariz cuspir sangue.
Josías, o negro que ajudara Arthur no primeiro dia de escola, quando Blackheart lançara o garoto na água, surgiu neste minuto no nível três. Fitou Felipe, mas antes que pudesse ralhar com ele o garoto desapareceu.
Arthur escondeu o nariz ensangüentado.
A única coisa boa que se pode tirar desse soco é que Ana Rivers passou a falar com Arthur. Ela sempre o cumprimentava quando o via nos corredores desde então, e se Felipe estivesse olhando até o abraçava.
- Desculpe Thiago, mas sua prima é demasiadamente vulgar. – disse Liana três semanas depois. Ana acaba de abraçar Arthur porque Felipe e uns amigos de quadribol iam passando.
Thiago murmurou algo do tipo “como se eu não soubesse”.


Em meados de setembro, com a reta final para o fim do ano, Arthur começava a se preparar para sua grande tacada. No entanto tivera azar na sua primeira tentativa. Assim que passava pelas escadas para o sexto andar um quadro de uma bruxa baixinha de cara de tijolo começou a gritar como um alarme.
Se Arthur não fosse tão rápido, teria sido pego pelos inspetores.
Agora, em primeiro plano era necessário saber se fora má sorte ou se aquele quadro estava lá de propósito. Os alunos, em geral, não iam ao sexto andar, mas aquilo podia ser muito bem um meio criado por Belforth para barrá-lo na sua jornada ao sétimo andar e a Sala do Infinito.
Com aulas cada vez mais difíceis, com Virgilius cada vez mais diabólico nas reuniões da CBCV (Thiago não duvidava mais de Vitor, já fazia tempo que não o chamava de galinha) e com a sensação de que eram vigiados vinte cinco horas por dia – como dissera Silvano – a vida em Palas havia se tornado um inferno.
Vítor na última reunião do CBCV acabou indo pela vigésima vez, como dissera Virgilius apático para o Quarto Escuro.
Quando os colegas tentaram consola-lo mais tarde no jantar notaram que ele parecia ter sido tão torturado que estava meio abobalhado e esquecido. Tremia por qualquer coisa, gritava sem razão, estava extremamente nervoso, e só em pronunciarem “Vi” num raio de 100 metros dele, ele já pulava e se agarrava ao teto.
Por alguém, que não se sabia qual, Virgilius ficou sabendo disso e dispensou o garoto do curso. Isso pareceu melhorar totalmente o humor e a vida do pobre segundanista, que agora estava mais e mais trancado na biblioteca. Ninguém parecia estudar mais que Vítor ou saber mais que ele, Ana (que agora estava bem em turmada com o “pessoal do Thiago”) contou que nem Blackheart sabia tanto sobre magia como Vítor Menezes.
Liana praticamente bebia o que o garoto falava sobre as provas dos primeiranistas. Embora ela não fosse tão inteligente como Vítor, ela parecia tão alucinada quanto ele. Segundo ela, por de trás daqueles óculos de cerveja amanteigada (como batizara Thiago) se escondia um grande professor – um ótimo professor, ela acrescentara no fim.
- Se continuar assim – disse Thiago mal-humorado. – ela vai pedi-lo em casamento.
- Hum... – disse Arthur fingindo interesse. Ele estava concentrado demais em suas indagações sobre como chegaria a Sala do Infinito para dar atenção a Thiago.
Quando os amigos se reuniram aquela tarde, Silvano pareceu reparar que Felícia volta e outra olhava para Arthur esperançosa como dissera ao mesmo mais tarde.
- To dizendo, Arthur. Pensei que o pescoço dela fosse quebrar de tanto que ela se virava para te ver! – disse ele animado.
- Hum... – respondeu Arthur simplesmente.
- Ela até que é jeitosinha, Arthur. – afirmou Thiago pensativo. – não seria mau se você desse uns... hum... “peguinhas” nela só pra passar o tempo. Sabe? Sem nada sério...
- Hum... Também gosto de transfiguração. – concordou Arthur que parecia esta em outro mundo.
Thiago lhe deu um tapa no tampo da cabeça.
- Está ouvindo o que estamos falando? – perguntou.
- Claro! – Arthur pareceu se ofender. – disse que a aula de transfiguração era boa e que dava pra passar o tempo sem compromisso.
- Você é um idiota. – retrucou Silvano rindo, deduzindo que ele falara aquilo de brincadeira. Pra desviar o assunto.


Na noite do mesmo dia Arthur decidira arriscar. Já nem conseguia dormir mais só pensando em entrar na Sala do Infinito. Vestiu uma roupa qualquer e saiu esgueirado pelos corredores. Estava começando a subir para o primeiro andar, quando deu de cara com um inspetor.
Para Arthur seria detenção sem desculpas. Fora do dormitório àquela hora da noite não haveria fuga. Não em um caso normal.
Mas aquele inspetor não parecia normal.
Ele andava como um sonâmbulo com os olhos fechados e as pálpebras se debatendo lentamente, assim como os lábios que tremiam, murmurando algo indistinguível. Caminhava lentamente como uma múmia.
Arthur deu a volta nele e aguardou. Pensou se deveria chamar alguém, ele estava realmente estranho. Mas ao pensar que isso sacrificaria uma chance, quem sabe a última, de ir a Sala do Infinito, e ainda significaria horas de explicações, decidiu que era melhor deixar o inspetor para lá.
Assim que pisou no terceiro andar quase foi visto pelos guardas que passavam, conseguiu se espremer no portal da escada e eles acabaram por não vê-lo. Depois que o perigo havia passado se adiantou pelo corredor até a escada e não teve problemas até o sexto andar.
Sua principal preocupação era aquele quadro que gritava. Abaixou-se e engatinhando conseguiu passar sem ser visto. Atravessou quase correndo os corredores do sexto andar, rezando para não ser pego.
Seus passos ecoavam medonhamente pelo corredor às escuras. Estava tão alerta que se assustava com sua própria sombra a cada passo. Sempre pensando que podia ser um professor (já pensou se encontrasse o Virgilius?), que podia ser um guarda ou inspetor ou mesmo o diretor.
Os corredores do sétimo andar eram proibidos aos alunos, e os professores só iam lá por motivos muito especiais. A sala do diretor ficava lá, e mais algumas outras que ninguém conhecia, entretanto Arthur conhecia uma delas na verdade – a Sala do Infinito. Não sabia exatamente o que havia na sala ou mesmo porque ela tinha este nome.
Mas sabia que ela o ajudaria a encontrar o Amuleto dos Pesadelos.
Já havia se passado um bom tempo que Arthur caminhava desajeitado pelo sexto andar quando se ligou que fazia muito barulho no andar onde os professores dormiam. E os funcionários. Diminuiu a passada quando já estava a metros da grande escada de mármore – seus corrimões de madeira tinham uma pequena estatua de leopardo nas bordas. Os olhos das duas estatuas eram de rubis e pareciam vigiar quem se aproximavam.
O garoto achava que não era impossível que elas o vigiassem, é claro. Não se tratando da Escola de Magia e Bruxaria de Palas. Mas o Amuleto dos Pesadelos era mais importante que o risco. Subiu o mais rápido que pode para perder de vista as estatuas e, finalmente, pisou no sétimo andar.
Onde estaria a sala agora?
O sétimo andar era de longe o mais cheio de portas e corredores que pareciam infinitos, terminados em mantos negros que não se viam a outra ponta. Arthur só reconheceu uma porta que era a da sala de Belforth que ele já havia estado outrora. Mas quanto às outras...
Parado como aquelas estatuas que havia visto ficou a imaginar por qual dos corredores, ou portas deveria seguir. Mesmo sem ter ordenado, suas pernas começaram a se mover entre os corredores sombrios, que faziam sua nunca se arrepia.
“Palas guarda muitos segredos, nem sempre isso foi uma escola”, murmurou a Voz Invasora – Leto Mortense.
Deveras ele se lembrava desse fato. Palas nem sempre foi uma pacata escola. Já fora um cofre, uma guardiã de um terrível segredo. O segredo de Octavio Mortense.
“Está escola é um esconderijo. Um forte. Um manto pegajoso e rígido que guarda o Meu Amuleto...”.
- Nosso. – lembrou Arthur com a voz grave e rouca. Parecia o grasnido de um animal feroz e raivoso.
“Sim, nosso”, silvou Leto. “Traga o para nós Arthur. É o seu destino me ajudar, é seu destino às trevas sobre Terra dos Homens, onde tudo Iremos ruir, consumir e destruir. Sem leveza ou piedade. Pois hoje a noite, a segunda era das trevas a de surgir”
- Eu... irei... destruir... o Amuleto! – discordou o garoto com muito esforço.
“Você não deve resistir... É o seu destino DESTRUIR!”.
- Cale a BOCA!
O berrou ecoou por todo o extenso sétimo andar. O som corria como um rastro de pólvora, vazando feito água pelas paredes e consumindo o silêncio como chamas ardentes. Até o chão parecia remexer-se com o estrondo provocado.
Leto desapareceu da mente de Arthur.
Ele se sentia fraco agora, menos propicio a achar o Amuleto. E muito mais apavorado
(como fazia frio naquele corredor)
com a situação na qual se encontrava. Parecia tão mais fácil ser pego agora que estava sem coragem. Assim como era mais fácil não encontrar a Sala do Infinito. Não acharia com certeza, pensou. Não passava de um sangue-ruim, mestiço e fraco sem Leto...
- Leto... – murmurou.
A palavra ecoou lentamente e muito baixo.
Ele já estava quase dando meia volta e retornando aos dormitórios quando chegou ao fim deste corredor que seguia e no qual se encontrava uma porta vermelha, de metal, do tamanho de uma porta comum e de onde vinha uma claridade intensa pelas laterais.
Marcado a fogo, lia-se na porta: Imortais Não Findam Incoerente Não Indaga Teus Olhos.
Achou que a frase pouco lhe fazia sentindo.
Levou a mão à maçaneta da porta e ela gelou de imediato. Era como se a porta fosse feita de gelo de tão gelada. Esfregou a mão enrijecida pela porta na roupa até esquentar o sangue novamente.
O som de ar entrando por espaços rochosos e limitados escorreu pelo corredor até chegar no menino acompanhado de uma rajada calorosa de ar. Ao sentir aquele vento morno pode saber que a porta já não estava fria.
Sabia disso assim como sabia que precisava entrar na sala que ela guardava.
Pôs a mão novamente na maçaneta fria, que dessa vez estava na temperatura ambiente. Girou-a e o estalo, de uma fechadura que não se abre a séculos se fez ouvir. A porta correu sozinha para o lado com um arranhado de ferro com ferro. A claridade ali ficava cada vez maior. Uma neblina de luz intensa cobria o portal da sala agora.
Enheeeeeeeemmmmmmmmmiiiiiiiiiiinnnnnnnneernhennnnn!
Mais um estrondo quando a porta bateu contra parede.
Arthur ficou imóvel, parado diante daquela luz sem conseguir abrir os olhos direito. Parecia está olhando para um sol muito próximo. O calor que vinha de lá de dentro era calmo e bom. Sentia-se menos sombrio com toda aquela luz.
Caminhou para dentro dela.
Imagens de uma torre que alcançava o céu, de frutos vermelhos e podres, rios de águas turvas e escuras e da própria maldade pousaram na sua cabeça mais uma vez e então sumiram. Todos os pensamentos sumiram.
Ouviu a porta se fechar atrás de si.
Caminhava de vagar, com o braço na frente dos olhos, pela nevoa de luz. Não se via nada a não ser um mundo incrivelmente branco, morno e vazio. Suas retinas queimavam tanto que temeu que pudesse ficar cego.
Não era nada fácil manter os olhos abertos ali dentro. Sentia que havia mãos o tocando, sentindo sua pele e sua vida. Era como se a extensão de luz também fosse abrigada por milhões, bilhões de espíritos que o estudavam com a mesma curiosidade que Arthur estudava a sala.
Gemendo, seus olhos vermelhos e lacrimejados, distinguiram alguma coisa mais à frente. Apressou o passo na esperança de ver outra coisa que não fosse aquela claridade branca. Apertava os olhos para conseguir ver. As luzes começavam a se dissipar...
... até que sumiram.
Olhou admirado a Sala do Infinito. Era maravilhosa – incrível, pensou.
Nunca havia visto nada como aquilo... Nunca...

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