O Lobo das Trevas



Capítulo Cinco
O Lobo das Trevas

Passou-se pelo menos quatro semanas desde a morte do irmão mais velho de Sofia até que ela reencontrasse o pai, a esta altura, ela já pensava que nunca mais o reveria, que ele havia se esquecido dela. Tempo em que Miguel esforçou-se para explicar a garota que se não fosse pelo pai que tinham, nada daquilo teria acontecido. Sofia aceitara todas as palavras do irmão calada, pensando que jamais teria coragem suficiente para dizer-lhe a verdade, amava-o mais do que todos os parentes, mais até mesmo que amava a própria mãe, e não queria vê-lo sofrer. Antes ter alguém em quem depositar suas frustrações que ter ninguém, pensava Sofia.
Aos poucos tudo foi regressando ao normal, mesmo que Sofia não quisesse, depois da missa de sétimo dia, a vida tem de seguir seu ritmo tortuoso. E por mais que ela visitasse todos os dias o cemitério, aos poucos foi se dando conta do mundo ao seu redor, e talvez entendendo que ainda era preciso continuar depois de tudo, e que ela mesma estaria sozinha quando chegasse a hora dela, por tanto, que aproveitasse a vida enquanto era tempo.

E foi numa manhã chuvosa de segunda-feira que Sofia percebeu um carro estacionar em frente ao seu prédio, era o Sr. Wolfe, seu pai. A garota agradeceu que Miguel estivesse fora, assim como a mãe e os irmãos menores. Escreveu apenas um bilhetinho avisando aonde iria, e o colocou em cima da televisão, quando a mãe chegasse eufórica para assistir seu programa de TV favorito, encontrá-lo-ia na certa.

Aparentemente os meio-irmãos de Sofia não estavam em casa àquele dia. A garota foi levada para um grande salão, onde já estava reunidos um grupo de mais ou menos meia dúzia de homens e mulheres bem vestidos, que pareciam animados. Entre eles estava a senhora Wolfe, que apresentou a menina para os demais:
-Esta é Olga Sofia, de quem vos falei.
Os outros meramente sorriram.
-Lembra muito a Yolanda... –Comentou alguém.
-É, lembra muito a minha filha. –Repetiu Dona Olga, para si mesma, com o olhar perdido.
-Eu trouxe seus livros. –Disse Sofia, entregando a avó os dois livros muito pesados.
-Lestes? O que achastes? Conseguistes formar alguma opinião? –Inquiriu Rogério Wolfe, curioso.
-Não tive como ler todo, apenas folheei. Eu não tive um bom momento este último mês, o Alexander morreu.
-Soubemos do acontecido, querida.
-Souberam?
-Bem, sim, claro que soubemos. As fontes não são dignas de esclarecimentos agora, o importante é que nos guardamos e resolvemos procurá-la quando a poeira estivesse assentada, pelo visto fizemos o correto.
-Eu pensei que tinham esquecido de mim... –Disse Sofia, tentando sorrir, mas na verdade estava magoada.
-Claro que não, Sofia. –Disse-lhe o pai segurando sua mão na dele, que estava muito quente. –Claro que não, meu amor...
-Então, o que a garota vai decidir?-Questionou um dos homens mais jovens, com ar impaciente. –Você sabe que não temos muito tempo para esperar, se não vier da família de vocês, traremos nossa opção, nossa família não é tão abastada de dons, mas somos dedicados...
-Acalme-se, Cristóvão, tenha paciência, não irão se arrepender, tenho certeza de que Sofia é a garota indicada para nós.
-Mas senhora Wolfe eu tenho...
-Cristóvão, ainda é nossa a última palavra.
-Ok, como a senhora quiser. –Aceitou este, resignadamente.
-Sofia, meu bem, o que eu lhe falei sobre a sua decisão, ham?
-Senhora Wolfe, eu...
-Vovó, querida, vovó.
-V-vovó eu, eu sinceramente não acredito em bruxas ou magos ou... Isto tudo é muito bonito nos contos de fada, mas a realidade...
-Querida, querida, a realidade é só o mundo imaginário que o homem criou para encobrir aquilo que ele não entende, não conhece ou tem medo de conhecer. Se você me diz que bruxaria não existe, eu lhe digo que a realidade também não. E sim, meu bem, somos todos racionais, e muitos aqui grandes intelectuais, logo não acreditamos em bruxas que voam em vassouras e nem que comem criancinhas, mas bruxaria no sentindo de conhecer os elementos que compõe este mundo e na louvação à grande deusa. Somos antes de tudo pessoas que têm plena consciência que as respostas para o mundo estão no próprio mundo e no coração do homem.
Sofia não soube o que responder a tal colocação, apenas dirigiu o olhar à avó para explicitar que compreendera.
-Muito bem, então, pretendes crescer neste conhecimento?
-Eu... Eu não tenho certeza.
-Esperaremos o tempo que for necessário para sua decisão.
-Sra. Wolfe, a senhora sabe que não temos muito tempo, a sua doença... –Alegou uma senhora distinta, com voz esnobe.
-Tenho certeza que a Sofia será breve, mas, por favor, não a pressionem. Querida, pode nos deixar a sós? Procure o meu neto, ele deve estar na biblioteca, tome, fique com estes livros para você, vejo que tens muito que estudar. –Pediu D. Olga.
-Sim, senhora. –Respondeu a garota, deixando aquela sala por uma porta estreita do outro lado.
Sofia imaginou que ela estaria se referindo a Rick, quando a mandou procurar pelo neto. Carregando os livros sob os braços, ela caminhou por um dos corredores compridos da casa à procura da biblioteca, que ela não lembrava direito onde ficava. Havia uma porta entreaberta, que ela julgou ser o cômodo, mas ali estava um breu. A garota tateou no escuro a procura de um interruptor, mas não encontrou. Foi quando uma luzinha bruxuleante lhe roubou a atenção, ela se aproximou, e percebeu que se tratava de uma estátua muito esquisita. Se havia um defeito em Sofia era a curiosidade, e ela queria observar melhor a peça. Pelos contornos a menina pôde perceber que se tratava de um anjo em cristal, em cujo fundo estava fincada uma vela vermelha que emitia uma luz vacilante. Ainda estarrecida com a peça, a garota acabou pisando no próprio cadarço e caindo sobre esta, que caiu ao chão, espatifando-se em milhares de pedaços.
-Eu não acredito que você quebrou a estátua do anjo Morrondar...
Ainda que sem se refazer do susto que pegou ao quebrar a peça e com a voz que ecoou na sala, Sofia levantou-se rapidamente e afastou-se, sentindo que cortara as palmas das mãos. Os livros de bruxaria estavam caídos ao chão.
-Não vai dizer nada?-Insistiu a voz, que a espreitava do portal.
-Quem é você? É o Rick?
-É claro que não sou o Mason, e você é a tal da Sofia.
-Quem é você?-Insistiu a garota, que não podia vê-lo por causa da escuridão.
-The Dark wolf.
The-Dark-Wolf, pelo pouco que Sofia conhecia de inglês, isso queria dizer o lobo obscuro, ou até mesmo o lobo das trevas. Sentiu que se arrepiava, e que o sangue começava a jorrar das suas mãos estendidas.
O lobo ligou a luz, e a garota pôde perceber que se tratava de um rapaz alto, mais ou menos da idade dela, com cabelos negros que lhe caíam até a cintura, e olhos muito escuros. Ele tinha mesmo uma aparência de cão, lobo. Sofia observou que ele tinha um sorrisinho debochado nos lábios.
-Tsc-tsc-tsc-tsc, a vovó não vai gostar nada-nada disso.
-Eu... Não foi porque eu quis.
-Em primeiro lugar, você não deveria estar aqui, ninguém tem permissão de vir até aqui a não ser o tio Rogério, a vovó ou o Santiago.
-Então por que deixam aquela porta aberta? Eu pensei que aqui fosse a biblioteca...
-Pensou, mas não é. A vovó deve ter esquecido, e agora a estátua está quebrada, e acredite, isto não é nada bom. –Ele falou, circulando ao redor da garota, para observá-la melhor.
Sofia tinha as mãos cortadas enroladas na barra da camiseta, não queria que o garoto visse que se ferira. O menino apanhou os livros caídos do chão e ofereceu-os a Sofia.
-Não vai pegar, não, hein? Peraí, eu tô conhecendo esses livros, eles são da vovó e...
-Foi ela quem me deu.
Parecendo frustrado, o garoto fez menção de entregá-los novamente. Mas Sofia não podia estender as mãos.
-O que você tem aí?-Perguntou o garoto curioso, observando as mãos dela embrulhadas.
-Nada.
Não satisfeito, ele puxou as mãos da menina com violência, sujando as próprias mãos dele com o sangue muito vivo.
-Sangue fresco. –Disse com um olhar maligno, e tomando uma das mãos da garota, sorveu o líquido purpúreo.
-Você é louco?! –Perguntou Sofia, assustada, tirando a mão com violência.
-Sem sal, como você. –Ele acrescentou, com os lábios vermelhos.
-Seu idiota!
Mas ele tirava um lenço do bolso, e rasgando o em dois, enfaixou as mãos da menina. E em seguida devolveu-lhe os livros. Sem saber o que dizer, Sofia ia sair da sala, quando ele acrescentou:
-Obrigado ainda se usa...

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