Sol, mar, céu azul e rupinas..

Sol, mar, céu azul e rupinas..



Não havia uma única nuvem no magnífico céu azul de verão. As águas do mar Tirreno estavam calmas e uma brisa quente soprava enquanto o sol parecia mais brilhante do que nunca sobre suas cabeças. Ao longe, começava a se descortinar uma montanha, cujo cume era o único lugar onde as nuvens se permitiam existir. O Vesúvio.

Susan se debruçou sobre a amurada do navio, fascinada ao ver os graciosos prédios do porto de Nápoles. Por mais que já tivesse tido aquela visão dezenas de vezes, ela sempre conseguia ser fascinante aos seus olhos. O vento parecia trazer a voz de seu nonno, cantarolando o hino de sua terra.

- Stringiamci a coorte,
siam pronti alla morte.
Siam pronti alla morte,
l'Italia chiamò!
Noi fummo da secoli
calpesti, derisi,
perché non siam popoli,
perché siam divisi.
Raccolgaci un'unica
bandiera, una speme:
di fonderci insieme
già l'ora suonò.


Ela sentiu o vento bater contra seu rosto e uma mão delicada pousar sobre seu ombro.

- Saudades? – Lílian perguntou com um sorriso, parando ao lado dela.

Susan sorriu.

- Mesmo que eu adore a Inglaterra, que ame Hogwarts, eu ainda pertenço a esse lugar. Eu amo a Itália. – a morena recuou um pouco na amurada, puxando a amiga para que ambas pudessem ter a mesma visão – Veja... lá está o Vesúvio. Aos pés dele, repousa Pompéia, a cidade fantasma. Os murais de Pompéia ainda nos contam como foi a vida daqueles que lá moraram antes que sonhássemos nascer.

- Acho que isso explica porque você gosta tanto de História, mesmo com Binns sendo o professor... Só não entendi ainda uma coisa... Você me contou que mora na Sicília. Mas estamos muito distantes da ilha e eu perguntei ao capitão e ele me garantiu que a última escala do navio era Nápoles.

Lílian cruzou os braços, à espera de alguma explicação e Susan riu do semblante preocupado da ruiva.

- Porque você está rindo?

- Você se preocupa demais, Lily. É verdade, não estamos indo para a Sicília. Mas isso não significa que alguma coisa de errada esteja acontecendo. Meu avô está nos esperando em Nápoles. Ele quer levar a gente a Roma.

- Roma? – os lábios de Lílian curvaram-se em um sorriso – Quer dizer, Roma, Roma mesmo? Com o Coliseu e os templos e os museus e bibliotecas e, e...

Mais gargalhadas foram ouvidas atrás das duas amigas. Lílian e Susan viraram-se, encontrando Emelina e Alice.

- Lily, estamos de férias... – Emelina conseguiu dizer após se controlar um pouco – Tente não pensar tanto em livros, sim?

A ruiva suspirou, derrotada.

- Vocês são muito chatas.

- Hei, a chata aqui é você que até quando estamos de férias pensa em estudar. – Emelina respondeu, cruzando os braços numa clara pose de quem está a fim de começar uma discussão.

Susan meneou a cabeça sorrindo e voltou-se para Alice antes que Lílian pudesse responder.

- Onde está Selene?

- Acabando de arrumar a mala dela.

As quatro observaram em silêncio os contornos de Nápoles tornarem-se cada vez mais nítidos. Pouco depois, Selene juntou-se a elas em sua muda contemplação.

- É lindo... – Alice sussurrou.

Susan deu um belo sorriso, voltando-se para as amigas e abrindo os braços.

- Bem vindas ao meu país. Benvenuto in Italia.

Elas ainda passaram algum tempo admirando as costas do país de Susan antes de o capitão do navio, um simpático velhinho chamado Rigotti, aproximar-se delas para avisar que se preparassem para o desembarque.

Susan foi a primeira a colocar os pés em terra. E logo estava correndo na direção de um velho senhor de cabelos grisalhos.

- Nonno!!!

- Il mia cara. – o velho senhor sorriu, estreitando Susan nos braços – Come state andando?

Susan sorriu, soltando-se dos braços do avô e virando-se para uma outra mulher que estava atrás dele.

- Ciao, mamma.

Agatha Timms Matteotti era uma mulher jovem, de cabelos negros mais longos que os da filha e olhos castanhos, quase dourados. A bruxa sorriu, aproximando-se para abraçar Susan.

- Como está, mocinha? – afastou-se ligeiramente para encarar a morena e, em seguida, para as amigas de Susan – Vejamos... Você deve ser Lílian. É a única ruiva. A loirinha é Emelina, certo?

Lílian e Emelina assentiram com a cabeça, sorrindo. Agatha tirou da bolsa um frasquinho com pílulas cinzentas. E aproximou-se de Selene.

- Você é Selene, certo? – a mulher sorriu ao receber a confirmação da garota – Tome uma dessas pílulas. Vocês serão capazes de falar e entender italiano como se essa fosse a sua língua natal.

Em seguida ela deu uma pílula para Emelina e outra para Lílian antes de parar diante de Alice.

- E você é Alice. Tive medo de confundir você e Selene. Aqui está a sua.

Susan observou as amigas engolirem os pequenos comprimidos enquanto seu avô sorria.

- A magia é realmente fascinante, não? – ele perguntou para as garotas.

Lílian reabriu os olhos ao sentir o comprimido descer por sua garganta. Ela olhou para o velho senhor e sorriu. Genaro Matteotti piscou os olhos azuis para ela.

- Com toda a certeza. – ela se ouviu dizendo no idioma dele.

Agatha e Genaro encaminharam as garotas para uma pequena van. Enquanto ela dirigia, o avô de Susan contava para as visitantes histórias da cidade.

- No início do século XVIII, mais precisamente em 1889, Dom Raffaelo Espósito, comerciante de Nápoles, produzia e vendia um alimento, aperfeiçoado da popular massa de pão, recheada de torresmos, azeitona e queijo.

- Ou seja, a pizza. – Susan completou, sorrindo.

- Quer dizer que estamos na cidade da Pizza? Eu pensei que Pisa fosse a cidade da pizza. – Selene observou – Ou pelo menos, isso explicava o porquê do nome...

As outras riram e Genaro continuou.

- A fama de Espósito correu a Itália e fez com que o Rei Umberto I e a Rainha Margherita que passavam o verão no Palácio Capodimonte realizassem uma verdadeira operação de guerra para trazer à cozinha do palácio o conceituado pizzaiolo, Dom Raffaelo Espósito para que preparasse para a Rainha Margherita de Sabóia uma pizza.

- Quer dizer que a rainha era doida por uma pizza... – Emelina observou – E minha mãe diz que esse tipo de coisa não é alimento de gente... Vê se pode?

Mais uma rodada de risos.

- Bem, depois de ouvir a história da rainha e da pizza, você pode tentar convencer sua mãe, pequena. – Genaro recostou-se ao banco e fechou os olhos - Margherita já havia ouvido falar muito no prato que se tornara típico de Nápoles. Os comentários na corte eram todos excitantes, mas ela mesma nunca havia provado uma pizza. Assim, Dom Raffaelo e sua mulher foram apresentados ao casal real e logo após, conduzidos à cozinha onde imediatamente passaram a preparar sua especialidade. Ao final, Dom Raffaelo ofereceu a eles vários tipos de pizzas - mas a que mais agradou a rainha foi uma que irradiava as três cores nacionais da Itália, verde-branco-vermelho, mussarela, tomate e manjericão.

- Essa não é a pizza margherita? – Alice perguntou após alguns instantes de silêncio.

- Dom Raffaelo era um negociante esperto... Batizou a pizza com o nome da rainha, o que lhe rendeu lucros e o deixou na história.

Enquanto Genaro entretinha as garotas com suas histórias, a van deixava Nápoles para trás. Belas paisagens passavam pelas janelas do carro: árvores carregadas de frutas douradas, praias fascinantes, pequenas cidades aconchegantes e muitas, muitas ruínas.

Lílian estava agora com o nariz encostado à janela, os olhos arregalados, observando os escombros de mármore de algum prédio antigo. O vidro estava embaçado com sua respiração, mas ela pouco se importava.

Susan, sentada ao lado dela, colocou uma mão sobre seu ombro.

- Dizem que aqui existia uma entrada para o Inferno. Na Idade Média, a Inquisição mandou destruir o templo herege e obstruir a “boca de Hades”.

Os olhos verdes de Lílian tornaram-se levemente sombrios e ela redobrou sua atenção com aquele lugar.

- A boca de Hades... – ela murmurou para si mesma, sem entender porque aquilo lhe parecia tão importante.

- Os gregos o chamavam de Hades. – Genaro, que a ouvira, também olhava agora para o templo destruído – Aqui ele era chamado de Plutão. Mas é interessante, a imagem que os antigos tinham do Inferno é diferente daquela que a Igreja difundiu. Hades era apenas um juiz que decidia quem devia ir para o Tártaro e para os Campos Elísios.

- O Tártaro era o campo dos tormentos. Aqueles que tivessem desagradado aos outros deuses iam para lá. – Lílian concordou – Em compensação, os Campos Elísios eram apenas prazer. Os grandes heróis e aqueles que os deuses tinham amado moravam lá após sua morte.

Genaro sorriu.

- Muito bem, minha jovem. Susan, apesar de gostar de História, nunca ligou para a mitologia. Creio que vamos nos dar muito bem.

- Vovô tem uma bela biblioteca na casa onde vamos ficar. – Susan disse para a amiga.

Os olhos de Lílian brilharam.

- Biblioteca?

- E lá se vão nossas férias... – Emelina suspirou.

Selene riu, meneando a cabeça.

- Ora vamos, se a Lílian quer desperdiçar as férias dela na biblioteca, isso não significa que você não possa aproveitar as suas, Emelina. Deixe ela em paz ou não reclame quando ela descontar em você a crise de abstinência dela.

- Quem foi que disse que ler é desperdício? – Lílian resmungou, cruzando os braços, um sorriso divertido nos lábios.

As horas se passaram e já era noite quando Agatha estacionou o carro diante de um casarão no coração de Roma. Ela abriu a porta, ajudando o sogro a descer e dando espaço para que as meninas também desembarcassem.

A porta da casa se abriu e outra mulher, bem mais velha que Agatha, apareceu. Os cabelos castanhos quase dourados caiam em cachos pelos ombros dela enquanto os olhos verdes brilhavam em expectativa.

- Susan! – a mulher exclamou, puxando a garota para um abraço.

- Olá, tia Nice!

Nice afastou-se da sobrinha, observando-a com cuidado.

- Mas você está tão magrinha... Não te alimentam direito naquele castelo? Ou você anda se esforçando muito? Hein?

Susan corou de leve enquanto as amigas riam com o embaraço dela.

- Eu estou comendo direito, tia... A propósito, quero que conheça minhas amigas...

A mulher notou as outras garotas e sorriu.

- Vocês também estão tão magrinhas... Mas não se preocupem, enquanto estiverem aqui eu vou tratar pessoalmente disso. Por sinal hoje teremos uma macarronada bem suculenta, tipicamente italiana! Mas agora, vamos entrando, meninas, vamos entrando... Papai, o senhor está cansado? Se quiser, o quarto de Magno está desocupado, ele...

E enquanto tagarelava alegremente, Nice foi quase carregando o velho Genaro para dentro de casa. Agatha sorriu, abrindo o porta-malas para que elas pudessem pegar suas bagagens.

- Não se preocupem com Nice, ela sempre é assim, bem super protetora. E, para ela, comer é o remédio para todos os males. Preparem-se para ter que experimentar tudo que ela colocar na mesa, ela fará questão que experimentem tudo.

- E não tentem se recusar ou ela vai fazer vocês comerem na base do aviãozinho... – Susan completou com um suspiro – Espero que Cipião esteja aí, qualquer coisa a gente passa a comida para ele por debaixo da mesa.

- Quem é Cipião? – Selene perguntou, curiosa.

- Um comandante romano que acabou com Cartago. – Lílian respondeu, estreitando os olhos.

Agatha abriu a porta da casa mais uma vez e um pequeno bassê correu para Susan, latindo. A morena abaixou-se, fazendo festas ao cachorrinho.

- Correção... – Susan riu – Esse aqui é Cipião.

Finalmente elas entraram no casarão, de onde podiam ver o coliseu erguer-se altivo contra o céu escuro. Agatha as guiou por escadarias até chegarem ao quarto que Nice destinara às amigas da sobrinha.

- Susan ficará comigo em outro quarto, mas quando chegarmos a nossa casa, vocês poderão ficar todas juntas. – Agatha sorriu – Descansem bem, daqui a pouco Nice vai aparecer para levá-las ao jantar.

Susan seguiu a mãe enquanto as garotas observavam o aposento em que ficariam. Havia uma enorme varanda que dava para a rua e de onde elas podiam ver o Coliseu e várias outras pequenas casas, tão antigas quanto aquela em que se encontravam.

Pouco depois, a morena estava de volta. Susan sorriu ao vê-las embasbacadas com a vista.

- Amanhã veremos tudo isso de perto. Agora temos que descer para o jantar.

- Susan... Quem é Magno? – Alice perguntou curiosa – Sua tia o citou quando chegamos.

- É o filho mais velho dela. Magno está em Florença, mas acho que vovô o chamou para as férias também. Tia Nice é a irmã mais velha do meu pai, casada com tio Salvatore e tem três filhos: Magno, Valentim e Milano. Milano, que é mais novo, já tem dezenove anos. Magno vai se casar no fim do ano, Valentim vai entrar na faculdade e...

- Calma, moça, respira... – Emelina aproximou-se de Susan – Alice só perguntou quem é Magno, não precisava dar a ficha completa. Só precisava dizer “ele é meu primo”.

Susan sorriu.

- Acreditem, é melhor eu começar a apresentar todo mundo antes ou o tempo em que vocês ficarem aqui vai ser só para dizer “prazer em conhecê-lo”. Minha família é enorme.

- É melhor descermos logo, não? – Lílian observou, sorrindo – Não sei quanto a vocês, mas eu estou morrendo de fome.

As outras concordaram e Susan as guiou até a sala de jantar da casa de sua tia. E no momento em que bateram os olhos sobre a mesa, elas finalmente entenderam que Agatha não estava brincando.

Era melhor elas estarem muito preparadas...

Havia pelo menos umas dez terrinas fumegando com comidas tipicamente italianas. Havia canelone, fettuccini, talharim, ravióli, cabelo de anjo, macarrão parafuso ao molho branco, ao molho de tomate, lasanha...

Emelina, Alice e Selene estavam com os olhos esbugalhados. Susan, acostumada com aquilo, deu apenas um mero suspiro. Quanto a Lílian, ela tinha um sorriso de orelha a orelha. Aparentemente, não seria através dela que Cipião teria sua cota naquele dia.

- Olá, bruxinha! – uma voz masculina soou atrás das meninas e Susan virou-se, sorrindo para os dois rapazes que tinham acabado de entrar na sala.

O mais alto tinha os cabelos encaracolados, como os de Nice, e olhos esverdeados. O outro, que parecia ser mais novo, também tinha o cabelo encaracolado, mas diferente da mãe e do irmão, era loiro.

Susan abraçou o loiro, que foi quem primeiro se aproximou e voltou-se novamente para as amigas.

- Milano, essas são minhas amigas. Lílian, Alice... – e enquanto falava ia apontando para cada uma delas – Selene e Emelina. Meninas, essas são meus primos, Milano e Valentim.

Os dois rapazes as cumprimentaram alegremente ao mesmo tempo em que Nice entrava na sala, acompanhada do pai, de Agatha e de um outro homem loiro, extremamente parecido com Milano.

- Estamos todos aqui? – Nice perguntou – Excelente. Salvatore, essas são as amigas de Susan.

O marido de Nice, Salvatore Pagliari, aproximou-se delas, sorrindo.

- Bem vindas a Roma. Acredito que estejam cansadas pela viagem, então descansem bastante hoje, pois amanhã vou levá-las para conhecer a cidade.

- Tio Salvatore é guia turístico. – Susan observou para elas antes que surgisse alguma pergunta – Agora vamos nos sentar.

Logo estavam todos sentados junto à mesa, exceto por Nice que, como anfitriã, fazia questão de servir a todos. A italiana serviu o pai, o marido, a cunhada e Susan. A moreninha suspirou ao ver a quantidade de comida que a tia colocara para ela. O prato era quase uma montanha... Susan duvidava que, mesmo com todo o apetite que as amigas tinham demonstrado nos bilhetes que trocaram em Hogwarts, elas agüentassem o exagero da tia.

- Eu ajudo você com as meninas, Nice. – Agatha disse, levantando-se ao ver as caretas das amigas da filha.

- Não precisa, Agatha, eu...

- Mas eu faço questão! – a mulher insistiu, sorrindo, e puxou para si o prato de Selene e Alice.

As duas garotas suspiraram aliviadas enquanto Lílian entregava seu prato para Nice, ainda com um enorme sorriso. Enquanto a cunhada caprichava no prato da ruivinha, Agatha serviu Emelina.

Finalmente, todos estavam devidamente servidos e a própria Nice se sentou para compartilhar a refeição.

- Então, vocês são todas bruxinhas? – Milano perguntou, entre uma garfada e outra de sua macarronada à bolognesa.

- Com toda a certeza. – Emelina respondeu, sorrindo.

- O que vocês aprendem exatamente em uma escola de bruxaria? – foi a vez de Valentim perguntar – Transformam sapos em príncipes, pedras em ouro, esse tipo de coisa?

- Mais ou menos. – Lílian levantou a cabeça de seu prato – Nós estudamos transfiguração, feitiços, poções...

- Não é tão divertido quanto parece à primeira vista para quem não conhece o mundo mágico. – Alice continuou – Nós temos que aprender a mágica na teoria antes de ir para a prática.

- Mas quando vamos para a prática... – Selene sorriu, sonhadoramente – Eu nunca pensei em transformar um sapo em príncipe. Como se faz isso?

- Você se lembra do que estudamos sobre a pele dos sapos em poções, Selene? – Lílian perguntou – Sobre as substâncias alucinógenas...

- Lembro sim. O que elas têm a ver com o príncipe?

- Nos contos de fadas trouxas, as princesas tinham que beijar o sapo para desencantá-lo. – Susan respondeu – Na verdade, isso é inspirado nos rituais de algumas bruxas que beijavam os sapos para terem visões proféticas.

- Não falem sobre isso na frente de Debora e Lorena. – Valentim observou divertido – Vai quebrar todas as ilusões infantis delas.

- Quem é Debora e Lorena? – Selene perguntou.

- São as princesinhas da família. – Milano respondeu – As filhas de tia Lívia e tia Catarina.

- Susan, quantos tios você tem afinal? – Emelina perguntou, impedindo a amiga de entregar disfarçadamente para Cipião uma garfada de ravióli já que a atenção se desviara para ela.

- Eu tive sete filhos. – Genaro respondeu no lugar da neta – Nice, Virgília, Lívia, Marco, Mário, Catarina e Raul. Desses, só Mário não se casou.

- Ele é padre. – Nice continuou – Vocês vão conhecê-lo amanhã quando forem ao Vaticano.

- Se fosse só os filhos de Dom Genaro, seria fácil decorar o nome de todo mundo. – Salvatore observou, enquanto abria uma garrafa de vinho – A questão é que além dos genros e netos, ainda tem os irmãos dele, os irmãos de Dona Lavina, os primos em terceiro e quarto grau...

- É uma família bem grande. – Genaro concordou sorrindo – Mas é assim que são as famílias italianas. Mas não se preocupem, ninguém vai culpá-las caso esqueçam o nome de alguém.

Aos poucos, as garotas foram conseguindo terminar seus jantares, até mesmo Lílian, que parecia muito satisfeita com toda a comida que Nice colocara para ela. Já estava tarde, estavam todos cansados pela viagem, então Genaro e Agatha simplesmente mandaram as garotas subirem para dormir. O dia seguinte seria bem longo.




Salvatore levou o pequeno microfone à boca enquanto Agatha dirigia o microônibus de turismo com “teto solar” – como Milano dissera ao embarcar. Susan tentava desesperadamente segurar o cabelo com as mãos, já que eles estavam soltos, enquanto Selene resmungava a perda de seu chapéu novo.

- De acordo com o mito, a cidade de Roma foi fundada pelos irmãos Rômulo e Remo, filhos do deus da guerra, Marte. – o homem sorriu ao ver que a atenção delas agora estava completamente concentrada nele - A cidade passou por vários períodos históricos, razão pela qual nossos bairros são uma mistura de construções da antiguidade, medievais, renascentistas e modernas.

Genaro, que estava ao seu lado, pediu o microfone.

- Originalmente, nossa cidade foi construída entre sete montes místicos: Aventino, Capitolino, Esquilino, Caelino, Palataino, Quirinal e Vimina. Nós estamos agora no Palatino.

- Palatino... Palatino... – Lílian murmurou para si mesma – Já ouvi esse nome antes...

- Não teve uma revolta de duendes ou gigantes ou sei lá o quê aqui? – Emelina tentou ajudar.

- Houve uma revolta de escravos aqui durante o Império Romano. – Susan respondeu – Mas isso é História Trouxa.

- Eu acho que sonhei alguma coisa com isso ontem. – Lílian respondeu, tentando lembrar-se de seu sonho – Havia uma mulher com os olhos iguais aos meus.

- Talvez você tenha “entrado em contato com seu mundo interior”, como diz a professora de adivinhação. – Alice sorriu – Essa mulher pode ter morado aqui e você ser descendente dela.

- Bem, eu não sei sobre “entrar em contato com seu mundo interior” – Salvatore sorriu - Mas o Palatino, de acordo com a lenda, é o lugar onde Rômulo fundou Roma no século XVIII a.C., ou seja, é o coração da antiga Roma, com o Fórum Romano e o Coliseu como representantes máximos da arquitetura imperial.

Susan foi a primeira a se levantar quando o carro parou junto ao Coliseu. Salvatore fez com que elas dessem uma volta ao redor do prédio, comentando sobre a arquitetura claramente inspirada na grega e depois as guiou para dentro do Coliseu.

O anfiteatro era enorme. Nas muitas vezes em que estivera ali, Susan sempre imaginava aquela platéia lotada, enquanto bigas corriam deixando seu rastro na areia; gladiadores atacavam-se mutuamente para deleite do povo e cristãos enfrentavam a morte nos dentes de alguma fera.

- Dizem que se você fechar os olhos... – ela sussurrou para Lílian, que estava ao seu lado - ... ainda pode ouvir os gritos da multidão e do Imperador, dando vida ou morte àqueles que se enfrentavam aqui dentro.

A ruiva fechou os olhos, retendo neles a imagem grandiosa do maior símbolo do Império de Roma. Como bruxa, ela tinha muito mais afinidade com o mundo que os trouxas chamavam de “sobrenatural” e logo ouviu sussurros, que pouco depois se transformaram em gritos animados.

Ela reabriu os olhos. Susan ainda estava ao seu lado, sorrindo, mas no lugar dos turistas que visitavam o Coliseu com elas, havia milhares de pessoas sentadas, gritando, enquanto bigas corriam a toda velocidade ao redor delas.

- Eu não disse? – Susan piscou o olho para ela.

- Engraçadinha... – Lílian respondeu, desfazendo o feitiço da amiga – O Ministério podia...

- O Coliseu tem uma aura mágica tão grande que eles seriam incapazes de afirmar com certeza que uma menor usou magia aqui.

As duas sorriram quando Salvatore as chamou para voltarem ao carro. Próximo ao Coliseu surgiu o Arco de Constantino, construído para celebrar a vitória do Imperador contra um dos muitos inimigos de Roma. Em seguida, visitaram o Fórum Romano, entre o Capitólio e o Palatino, que era o centro das atividades sociais, comerciais e administrativas da Roma Antiga.

Passaram depois à praça Veneza, onde visitaram a famosa igreja de São Marcos. Não muito longe, estava o Panteão, templo pagão dedicado a todos os deuses, que guardava o túmulo do pintor Rafael.

Atravessaram quase toda a cidade até o monte Quirinal, o mais alto dos sete, onde chegarem a mais famosa das fontes romanas.

- A Fontana di Trevi foi desenhada por Nicola Salvi, e simboliza as deusas da Salubridade e da Abundância, juntamente à figura de Netuno. – Salvatore observou enquanto elas se aproximavam da famosa fonte.

- Joguem uma moeda e façam um desejo. – Milano, que as acompanhava junto com o pai, sorriu.

- Que Lílian consiga se livrar de seu vício por livros e não nos atormente com estudos. – Emelina pediu, jogando um nuque na fonte.

- Que eu me veja livre de Emelina e do Potter para o resto da minha vida. – Lílian respondeu, repetindo o gesto da amiga.

- Ela não podia esquecer do Potter... – Selene riu, meneando a cabeça.

- Quem é Potter? – Genaro perguntou para a neta ao ver o sorriso de Lílian se transformar em uma carranca.

- A pedra no sapato dela. Um colega nosso que vive chamando a ruivinha para sair... – Alice respondeu, rindo também.

- Bem, vamos agora à basílica de São Pedro. Visitar Roma e não passar pela Capela Sistina é um crime. – Salvatore os chamou novamente para o carro.

- E para ver tio Mário também. – Susan observou com um tênue sorriso.

Agatha estacionou antes da Praça de São Pedro.

- Vamos a pé daqui. Há muita coisa para se ver. – ela sorriu, deixando o carro.

Salvatore contou a elas como a Basílica fora construída à base da venda de Indulgências, o que acabou por resultar no surgimento do protestantismo, falou sobre o temperamento de Michelangelo, o principal artista na pintura da Capela Sistina e sobre a vida dissoluta de alguns papas que haviam passado pelo trono de Pedro.

Elas se encantaram com a Pietá, com a Basílica e com a capela particular do papa. Assistiram uma missa celebrada em honra à canonização de um santo que nunca nenhum deles tinha ouvido falar. E, ao fim de tudo, esperaram na entrada da Basílica até um dos padres que celebrara a missa aproximou-se.

- Então essas são as pequenas feiticeiras. – o padre sorriu condescente ao parar ao lado de Genaro – O que o cardeal não diria se soubesse que tenho uma sobrinha bruxa?

- Olá, Mário. – Genaro cumprimentou o filho – E então, não vai preparar a fogueira?

Mário Matteotti riu. Lílian observou-o com cuidado. Ele lembrava muito o pai, com a diferença que seus cabelos negros ainda não tinham perdido a cor. Susan aproximou-se para abraçar o tio.

- E como vai a senhorita?

- Muito bem. Embora tia Nice possa achar que estou passando fome ou alguma coisa do tipo.

Milano e Salvatore riram.

- Mamãe é mesmo exagerada...

- Exagerada é pouco para Nice. – Mário observou sorrindo.

Selene olhou-o curiosa.

- Eu pensei que padres não gostavam muito de bruxos.

- Eles não gostam. – Agatha respondeu, cruzando os braços e sorrindo de leve – Mas nós não correspondemos exatamente à visão que eles têm de bruxos. Mário quase me queima viva quando me casei com Marco. Eu tive algum trabalho para convencê-lo que não passava minhas noites destripando morcegos e gatos negros e adorando satã.

- Bem... Você não pode pedir que um trouxa entenda logo de cara que seres mágicos não são necessariamente demônios, minha cara cunhada. – Mário sorriu – Não pode negar que seja estranho descobrirmos que existem bruxas “boas” e “más” como nos contos de fada infantis.

Agatha sorriu.

- Eu entendo. Mesmo que não tenha boas lembranças da sua tentativa de me exorcizar.

Mário pareceu levemente sem graça com essa última parte enquanto Genaro e Salvatore riam disfarçadamente.

- Isso são águas passadas. Mas venham... Quero lhes dar algumas lembranças de sua passagem por nossa Basílica.

O dia fora realmente cansativo. Depois do padre Mário dar a cada uma delas uma miniatura da Pietá, eles almoçaram em um restaurante próximo a Basílica e passaram a tarde visitando museus. Quando começou a anoitecer, Agatha decidiu levá-los para uma caminhada na praia antes de finalmente voltarem.

Já era noite quando voltaram para casa. Nice já os esperava, dessa vez com um enorme prato de filé à parmegiana. Jantaram e em seguida elas se dirigiram para seu quarto, onde logo caíram no sono.

Agora só lhes restava dormir. Porque no dia seguinte teriam que acordar cedo para pegarem mais o navio que as levaria para seu verdadeiro destino de férias.

Sicília.

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