Vivendo Rosa-Chiclete



Cap. 19 - Vivendo Rosa-Chiclete

Pode me perdoar? Pode me perdoar?

Tonks deu passo incerto para trás, tentando impedir o contato. Ficou tonta por um instante, mas sentiu as mãos firmes de Remus segurarem-na. Não tinha certeza do que ouvira e não tinha a menor idéia do que responder. A sua última alternativa foi gaguejar debilmente:

- O-o quê?

- Eu sinto muito pelo que aconteceu neste ano. Mas eu amo você Tonks, de verdade, e sei que não devia ter me afastado desse modo...

- Mas se afastou – cortou ela, não de forma grosseira, apenas direta – Mesmo sabendo que estava me fazendo mal.

- Sim, mas... – ele parecia tão desconfortável que ela quase sentiu pena dele. Estava mesmo desesperado pelo seu perdão – Mas eu tinha que obedecer Dumbledore. Ele havia me dado uma missão e eu não podia abandoná-la por nada.

- Esse é o problema – disse ela, com a voz incrivelmente controlada e calma – Você não podia abandoná-la por nada. Isso mostra suas prioridades, Remus, e não sou eu. Você pode dizer que eu sou nova demais para entender essas coisas, como já disse antes, mas eu tenho uma novidade para você: eu não sou mais uma criança, eu sei o que quero. E não é o segundo lugar na vida de um cara.

Finalmente o calor dele desapareceu. Ele se distanciou, passando as mãos pelo rosto cansado, mas não a culpando. Sabia, mesmo que não quisesse aceitar, que ela estava certa em sua atitude.

- Tonks, eu amo você.

- Eu também – admitiu ela, sem emoção – Amo mesmo, Remus. Mas nós estamos nesse jogo há anos, e, sinceramente, eu cansei. Não agüento mais esperar que você crie coragem e assuma um relacionamento sério, e se é assim que as coisas funcionam para você, sinto muito – agora ouvia o tom agudo em sua voz, e sabia que aumentara o volume consideravelmente em meio ao seu discurso exasperado. Mas não havia vestígios de lágrimas. Nenhumazinha. E isso mais do que qualquer coisa, deu força para que continuasse.

- Sei que vai ser muito difícil esquecer o que tivemos. E pode ter certeza de que eu adoraria ficar com você – ela sorriu – puxa, eu te amo. Só que eu descobri esse ano que às vezes amor não é suficiente para um relacionamento dar certo. E o nosso não deu. Eu corri atrás de você muito tempo, mas finalmente acho que saquei. E, na boa, vai ser melhor assim. Você mesmo disse – pela primeira vez seu coração se encheu de tristeza, por que sabia que o que ia dizer ia magoá-lo. Era sua última cartada, uma alfinetada da dor que ela sentira durante meses a fio – eu mereço alguém melhor.

Remus parecia ter sido petrificado. O olhar fixo nela por muito tempo, surpreendeu-a ver um par de lágrimas escorrerem até quase a altura do nariz, quando ele apressadamente as secou. Baixou o rosto e, quando voltou a erguê-lo trazia um sorriso mínimo, entre sarcástico e resignado. Mas não ria dela. Ria de si mesmo que a deixara esperando por tempo demais.

- Está certa – ele disse com a voz rouca – Você tem toda a razão. Eu a amei mais do que tudo, Tonks, mas não consegui tratá-la como devia. Sinto muito por tê-la feito sofrer. Juro que sempre pensei que estava fazendo o melhor, eu nunca quis magoá-la.

- Tudo bem – agora sua própria voz estava falhada – Acho que você não fez por mal, afinal de contas. E desculpe por ter ido até as cavernas, naquela noite. Foi uma coisa idiota – ele balançou a cabeça, concordando – Eu sinto muito – e finalmente sentiu os olhos marejados e a garganta apertada – Queria que tivesse dado certo.

- Eu também.

Remus andou até ela e a abraçou. Um abraço apertado e cheio de carinho que ela retribuiu com uma sensação estranha de que finalmente haviam encerrado sua história, de que poderia enfim superá-lo, e uma onda de amizade e amor, e uma pontada de orgulho, por ele e por ela, que haviam feito o que era certo. No final, então, os dois haviam aprendido muito com aquele romance, para os próximos. Não parecia muito excitante no momento. Não queriam deixar um ao outro por um futuro incerto, um ouro amor que não conheciam. Mas haviam tido tempo o suficiente e não tinham conseguido. Era hora de partir para outra.

- Até mais – ele a beijou na testa – Ninfa – ele andou até as escadas e virou-se – Aliás – disse tirando algo do bolso – Você perdeu isso não batalha.

Era o pequeno prendedor de cabelo que ela estivera usando, e do qual se esquecera completamente.

- Obrigada.

- Acho que vai combinar muito bem com seus cabelos cor-de-rosa – ele piscou para ela, antes de partir. Tonks ficou parada, olhando para o lugar onde ele estivera até conseguir processar o que ele havia dito. Será que...? Ela entrou correndo em seu apartamento, o grampo apertado na mão quase a ponto de machucá-la, o coração batendo forte pelo que fizera, sim, mas também pela expectativa...

... E lá estava seu rosto refletido no espelho, um rosto em formato de coração, olhos grandes e negros e cabelos vivamente coloridos, de um rosa tão vivo que machucaria seus olhos se olhasse por muito tempo. Sorriu para si mesma, e viu-se corresponder do outro lado. Foi esse o momento em que sentou, tremendo, e riu como há muito tempo não ria, até lhe escorrerem lágrimas. Mas essas eram boas, de felicidade. E Tonks continuou ali, sentada sozinha em seu quarto, rindo ao notar que, depois de tudo o que passara, ela vencera.

---

- Ei, ei, mãe!

Andrômeda suspirou e pousou o livro que segurava na mesa de cabeceira. Era a terceira vez que lia a mesma página. Levantou os olhos para a garota de sete anos a sua frente, os cabelos compridos passando da cintura – quantas vezes não mandara cortá-los e os vira exatamente iguais no dia seguinte! – e a franja caindo nos olhos – idem – de um não pouco chamativo azul anil. Tinha os mesmos olhos grandes e negros que ela, e era pequena, de aparência frágil em contraste a toda a esperteza e independência que a mãe sabia que escondia. Tinha colocado um par de calças jeans grandes demais, de modo que elas se amontoavam a seus pés, e os tênis velhos e surrados que já deveriam ter sido jogados fora há séculos.

Era assim que Ninfadora ia para a festa de aniversário de uma amiga, destacando-se da multidão de garotas com seus vestidinhos cor de rosa e laços no cabelo. Andy até tentara vesti-la durante um tempo, mas depois que a garota fizera um ano e aprendera a dizer “não” se tornara cada vez mais difícil. Então simplesmente deixava que usasse o que quisesse. Além de evitar tumulto dentro de casa, achava ótimo que a menina já tivesse alguma personalidade.

- O que foi, Ninfadora? Já disse que ainda não está na hora de sairmos.

- Não – ela balançou fervorosamente a cabeça, fazendo mechas de cabelo baterem no rosto – Não, não, eu sei. Mas eu lembrei de uma coisa...

Enquanto observava a filha engatinhar até ela na cama, já sabia o que a esperava. Era mais uma das centenas de histórias que vinha escutando desde o dia em que deixara Tonks com seu primo, Sirius. Tonks sempre gostara dele, então a princípio tinha sido uma boa escolha. Depois, é claro, soube que naquela noite ele resolvera dar uma festa em seu apartamento novo em folha com dezenas de adolescentes irresponsáveis. Embora a criança insistisse que tinha se divertido muito mais lá do que nas festas dos amigos de sua idade – tinha até medo de pensar no que isso significava – ficara furiosa com ele por alguns dias. Tonks não pareceu se incomodar em nada, já que vivia comentando, sempre que se abria uma brecha, algum acontecimento daquela noite. Normalmente era sobre alguma piadinha ou brincadeira que o primo fizera. Mas, duas ou três vezes, ela já a ouvira falar de um outro rapaz, que aparentemente ajudara a tomar conta dela.

- Lembra quando o primo deu uma festa? – era como sempre começava.

- Sim?

- Tinha um cara lá, também, sabe? Ele era bem alto, assim – ela se esticou, erguendo os braços para cima o máximo que podia – e bem, bem bonito! Mais bonito que o Brian, que era meu namorado.

- Hmm, e o que aconteceu com o Brian? – Brian era o vizinho delas, um menino sardento, com cabelos encaracolados, a quem Tonks se declarara namorada havia algumas semanas. Ele apenas não sabia, é claro.

- Eu terminei com ele – ela fez um gesto de descaso com a mão – Ele ficava mascando aquele chiclete que deixa a língua azul e fazia um barulho engraçado. Além disso – pulou na cama, entusiasmada – Eu tenho outro namorado agora. Sabe quem é? É o amigo do Sirius! Ele estava na festa e contou uma história muito engraçada, e eu gosto de homens engraçados.

Andrômeda sufocou uma risada ao ouvir a pequena dizer que gostava de “homens” engraçados com tanta firmeza, como se já tivesse tido milhões de namorados.

- Gosta, é?

- Aham – confirmou com um meneio de cabeça – E ele é bem melhor que o Brian, mãe, porque ele até comprou um sorvete para mim! Eu guardei a colher do sorvete no meu quarto!

- E por que fez isso?

- Como assim? – Tonks arregalou os olhos – Porque é uma lembrança do primeiro encontro meu com o meu namorado. Daí, quando a gente tiver filhos, eu vou mostrar para eles a colher... Só espero que não venham formigas – ponderou – eu não quis lavar para não perder nada!

- Você guardou uma colher suja no seu quarto?

- Dentro da fronha do meu travesseiro!

A mãe tentou controlar o impulso de ir lá e arrancar a colher de sorvete da menina agora mesmo. Mas ela parecia tão bonitinha agora, narrando sua paixão, que preferiu deixar para mais tarde.

- Meu bem, ele não é velho demais para você?

- Eu não me importo. Eu vou amar ele para sempre, até eu crescer! A idade não importa – constatou.

- Certo. E o que você queria me contar, querida?

- Hã?

- Disse que queria me contar uma coisa, não? Não foi por isso que veio aqui, Ninfadora?

- Ahn... é... eu acho... – ela enrolou uma mecha dos cabelos no dedo – Esqueci. Bom, eu vou voltar pra sala. Papai está vendo coisas de trouxas de novo, na televisão. É bem legal. Acho que quando eu casar com o meu namorado, vou comprar uma televisão também, você acha que ele vai gostar? Eu guardei seis nuques, da semana passada, será que é suficiente? Se sobrar posso comprar mais coisas!

- Acho que vai ser um pouco mais caro, querida.

- Ah. Hum, tudo bem. Talvez ele também fique feliz com um pedaço de bolo ou coisa assim. Ele é muito bonzinho, não vai ligar.

- Certo – Tonks pulou da cama para o chão com agilidade, ignorando os conselhos da mãe de que acabaria quebrando a cabeça se fizesse isso. Deu algumas piruetas para extravasar a energia, e, rindo, foi até a porta – Ei, Tonks, querida?

- Hum? – respondeu desatenta.

- Como é mesmo o nome desse seu novo namorado?

- Remus. Remus alguma coisa... É a pessoa mais simpática, legal, bonita, engraçada, e querida do mundo! E, quando eu crescer, vou me casar com ele! – disse com os olhos brilhantes. Andrômeda riu.

- É claro, querida. Tenho certeza que sim.

---

- Bom dia, senhorita Tonks.

- Bom dia, Dawlish! Não está uma manhã incrível?

Há alguns dias desde a morte de Dumbledore, e faltando apenas um para seu enterro, uma Tonks de cabelos verde-limão – ela estava recuperando o tempo perdido, sem dúvida – entrava no pequeno prédio de Hogsmeade, agora lotado de convidados que vinham se despedir do grande bruxo e diretor. Sentira-se um pouco culpada, a princípio, por sua alegria, mas sabia que seria essa a vontade dele. Então se esforçou para acordar bem humorada todos os dias. Havia visitado sua mãe e seu pai, e passara o dia comendo os biscoitos de Andrômeda – a mulher aventureira e viajada que era também tinha algum tempo para mimar sua única filha com doces – e conversando sobre tudo, lembrando de sua infância naquela casa. Lembrando, inclusive, por um momento, de Remus naquela casa – isso já não a abatia mais. Marcara de se encontrar com antigos amigos da escola, e com seus amigos atuais, da Ordem e do quartel-general dos aurores. Em duas noites, havia saído para dançar, e, naquela manhã, ela jogara quadribol, coisa que não fazia há séculos. Essa era sua homenagem a Alvo Dumbledore. Viveria sua vida de forma intensa, se divertiria, não perderia tempo sofrendo. Sabia que tinha sido isso que ele fizera, desde sempre. E havia decidido que, na cerimônia, usaria um par de novas meias de lã, peça de roupa preferida dele. E não iria chorar. Bem, não muito.

- Realmente linda – suspirou ele – Pena estarmos passando por tempos tão difíceis.

Mas já não havia momentos difíceis na vida de Ninfadora Tonks. Tudo parecia estar no lugar certo agora. No dia seguinte, quando colocou seu vestido preto e um brinco discreto, deixou os cabelos em sua cor preferida, rosa-chiclete, mesmo sob os protestos de seus colegas de trabalho. Mas sabia que a cor de seus cabelos não mudava o quanto sentia pela morte de Dumbledore. Pensar que nunca mais falaria com ele ainda lhe sufocava às vezes.

Quando chegou, em silêncio, aos jardins de Hogwarts, viu fileiras de cadeiras já ocupadas e muitas também ainda vazias. Remus estava sentado sozinho em uma delas, e foi até ele. Sentou-se ao seu lado, sem dizer nada, e ele enlaçou sua mão com a sua.

- Andei pensando – isso fora outra coisa sobre a qual filosofara bastante durante aquela semana – sobre nós.

- É? – ela podia sentir que a postura dele se enrijecera.

- É – ela não ia apressar as coisas. Deitou a cabeça em seu ombro e os dois continuaram a olhar para frente, para o lago, e ver as pessoas chegando. Não achava que todas elas realmente sentiam alguma dor com este funeral. Mas quem era ela para contestar?

- E o que pensou? – insistiu. Ela sorriu ao ver o quanto ele precisava daquela resposta.

- Que algumas dúzias de flores no meu apartamento seriam um bom primeiro passo – brincou.

- Vou me lembrar disso. O que mais?

- Que acho que nunca vou conseguir amar outra pessoa na minha vida, mas isso me pareceu dramático demais para dizer em voz alta.

Ela conseguia sentir o coração dele acelerando, tão rápido quanto o dela. Aconchegou-se nele, a mão segurando seu braço, sem se importar que pensassem se eram ou não um casal.

- Eu pensei a mesma coisa – admitiu – Mas você foi bem clara naquela noite quando disse que seguiria em frente. Eu fiz o mesmo... ou tentei fazer.

- Acho que era o certo a fazer, naquele momento. Mas depois cheguei à conclusão de que, na primeira vez, eu era nova demais para me comprometer. E na segunda vez, havia coisas demais se pondo entre nós. Acho que merecíamos uma terceira chance, não?

- Três é meu numero da sorte.

- Não é incrível? – ela arregalou os olhos, rindo – O meu também. Isso deve ser um sinal – e, passado um minuto de silêncio, acrescentou – Fomos feitos um para o outro, sem dúvida.

- Com certeza.

Ele colocou o braço ao redor de seus ombros abraçando-a e sentiu novamente aquele perfume, aquele cheiro só dela, que o embriagava, pensando em quanto ansiara por aquele momento. Mas queria deixar um assunto bem claro.

- Sabe que a guerra só está começando.

- Sim...

- Ainda pode haver missões perigosas e obstáculos entre nós.

- Eu sei.

- Mas dessa vez, você virá em primeiro lugar.

Ela sorriu.

- Eu sabia.

Riram os dois, abraçados. Viram Harry e os outros chegarem e tomarem seus lugares e assistiram a toda a cerimônia, embora fosse muito chata. Quando terminou, Tonks admitiu que havia chorado, e afagou os cabelos de Remus, sabendo que a perda significava demais para ele. Ao deixarem Hogwarts, ele a puxou para um canto, à sombra de uma arvore grande e vistosa, coberta de flores amarelas, um desvio no caminho que levava ao povoado. Mexeu nos bolsos da capa, e tirou uma caixinha pequena, preta, com um laço bonito em cima. Os olhos de Tonks se arregalaram quando ele a abriu, revelando o anel mais lindo que já vira.

- Tinha pensado em te dar na noite em que fui ao seu apartamento – começou – Mas acabou não sendo o momento certo.

Ela o abraçou, rindo e chorando ao mesmo tempo. Já aceitara antes mesmo de ele pedir. Beijou-o com paixão, com amor, o melhor beijo de toda a sua vida, e com certeza o mais longo. Não podia dizer se havia passado dez minutos ou dez anos, mas podiam ser cem, e ela não teria se desgrudado dele se não precisasse recuperar o fôlego. Ficaram os dois deitados embaixo da árvore, uma ou outra flor perfumada caindo sobre eles. Tinham tantos beijos perdidos a recuperar, e tanto para conversar! Esse era o dia deles, só deles, e prometeram que, de tempos em tempos, tirariam um dia à parte da guerra e do resto do mundo, apenas para isso.

- Eu te amo – ele sussurrou em seu ouvido pela milésima vez naquela hora, percorrendo com os dedos o seu rosto, a curva do pescoço, e beijando-a.

- Eu também – ela disse, com medo que seu coração explodisse de tanta felicidade – Muito.

*

O último capítulo!!!!!!!!! Espero que tenham gostado! Estou preparando o epílogo, onde quero agradecer especialmente a todos que comentaram, acompanharam e votaram na fic! Mas desde já, considerem-se abraçados e agradecidos, ok? Prometo que não demoro tanto pra postar a última partezinha da história, mas eu estava mesmo mesmo mesmo sem tempo e inspiração. Ainda não tenho muuito tempo, mas vou tentar conciliar as coisas, prometo.
Beijos pra todos,
Holly Granger

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