Dama Ravenclaw



O trote do cavalo podia ser ouvido a longa distância no campo de flores e capins. A dama nele montado observava o horizonte, na exata hora em que o sol se punha. Ergueu a mão na testa para proteger os claros olhos de tal iluminação. Uma lufada de vento fresco de outono atingiu seus longos cabelos pretos.

Rowena Revenclaw desceu do cavalo marrom que montava, ajeitou o chapéu que se desarrumara com o trote, e sentou-se em seu lugar preferido. O penhasco próximo ao castelo, de onde podia se ver o revolto mar logo abaixo. Inspirou profundamente o ar livre que a rodeava. Fugira mais uma vez de suas damas de companhia, mas sabia que mais cedo ou mais tarde, todos os Chevalier de seu pai estariam a sua procura.

Continuou a observar o bonito horizonte a sua frente e lembrou-se de sua avó, mãe de sua mãe, que lhe passara os dons e os conhecimentos que possuía. Voltou seu pensamento para dois invernos atrás, quando sua avó adoeceu, com uma gripe violenta.

Lembrou-se que estava tomando suas aulas secretas de magias, com cadernos de couro muito usados, os quais quem havia lhe dado era a mulher que viu deitada, sem forças, na cama, quando entrou no quarto ao qual havia sido chamada por uma empregada.

-Avó, a senhora está bem? –perguntou ela num tom ansioso, atravessando o aposento rapidamente, as saias balançando-se ao redor de suas pernas esguias.

-Já vi dias melhores, minha menina, já vi dias melhores. –respondeu a velha senhora com a voz muito fraca. –Sente-se aqui!

Chamou ela indicando os pés de sua cama de dossel. Rowena sentou-se ao mesmo tempo em que a mulher começava um ataque de tosse. Correu para lhe ajudar, mas a senhora a deteve.

-Não se incomode minha criança, preciso ir, mais cedo ou mais tarde... –respondeu ela num tom sereno. –Mas precisava falar com você antes de partir para minha ultima viajem...

-Avó, não diga isso, por favor! –implorou Rowena em tom firme, mas seu lábio inferior tremeu ligeiramente.

-Você precisa aprender a lidar com a morte e seus mistérios, sabe disso! –a repreendeu a mulher.

-Já lidei o suficiente ao ver minha mãe morrendo por causa da peste que atacou o país, mas não agüentaria perder a senhora! –argumentou a jovem, observando as próprias mãos descansadas em seu colo.

-Jamais me perderá, estarei sempre aqui! –respondeu a senhora, ao que baixou o tom de sua voz. –Somos bruxas, nos encontraremos em breve! E já lhe ensinei, Rowena, quando falar com alguém, deve olhá-lo nos olhos, não para suas próprias mãos! Isso não é comportamento para a filha do Conde!

Rowena ergueu a cabeça e observou a avó, que mostrava cada vez mais sinais de fraqueza.

-Já vivi o que tinha para viver, passei a quem pude meus ensinamentos, mas agora minha menina, você é a encarregada disso! –falou a senhora, segurando as mãos tremulas da neta.

-Não tenho a mesma coragem que a senhora! –respondeu Rowena esganiçada. –A igreja e a inquisição me caçarão, e então serei morta!

A senhora sorriu bondosamente antes de responder.

-Coragem é o que menos falta neste seu bonito coração, Rowena. Tenho certeza de que ajudará aqueles a quem precisar quando a hora certa chegar! E vai chegar! –completou sobre o olhar descrente da neta.

-Não, não irá! –respondeu Rowena. –Sou filha do Conde Revenclaw, sou uma dama da sociedade! Tenho deveres para com a igreja e a corte!

-Exatamente! Com o poder que exerce poderá construir grandes coisas, acredito em você Rowena! Você é o meu eu mais jovem! –respondeu a velha sem se abalar, antes de tossir.

Para seu completo horror, Rowena percebeu que no linho em que a avó tossira, formaram-se grandes manchas de sangue.

-Vovó! Vou chamar alguém, espere um momento! –mas antes que Rowena pudesse sair, a avó segurara seu braço. –Vovó, você precisa de ajuda...

-Estou indo, quero ir, mas não antes de você prometer que irá ensinar a novas pessoas as obras mágicas.

Rowena demorou em responder. Seus profundos olhos verdes observando a senhora que continuava a cuspir sangue. Desesperada, respondeu:

-Está bem, eu prometo vovó! Agora me deixe procurar ajuda.

-As réias... –suspirou a avó, levando a mão ao peito arfante.

Rowena virou-se rapidamente e ajoelhou-se a cama de sua avó, a mão segurando a da velha. Menina e mulher se encararam.

-Me prometa menina, que jamais deixarás a linhagem morrer!

-Eu prometo! –respondeu Rowena, já com raras lágrimas nos olhos. A senhora deu um ultimo suspiro, e morreu.

Rowena voltou ao presente antes do que imaginava, agora aos dezessete anos, ao perceber que o céu estava azul petróleo, e algumas estrelas já piscavam. Correu até o cavalo, calçou suas luvas de montaria, e subiu na cela. Olhou novamente para as estrelas e suspirou.

-Ainda não esqueci da minha promessa, vovó! –murmurou para os céus.

Cavalgou o mais rápido que podia e alcançou a estrada de chão batido que levava a castelo dos Revenclaw. Aproximou-se dos portões, e o jovem comandante da guarda deixou-a passar. Desceu do cavalo e entregou as rédeas ao filho do ferreiro que lhe oferecia ajuda. Ajeitou o longo vestido e caminhou em direção as grandes portas duplas, ladeadas por leões de pedra. Adentrou no castelo, e uma empregada muito nova aproximou-se trazendo um lampião.

-Onde esteve? –perguntou uma voz grave vindo da direção das escadas. Rowena ergueu os olhos, e pode ver o pai, Conde Revenclaw descendo-as com os passos firmes.

-Perguntei onde esteve! –repetiu ao que não ganhara resposta alguma.

-Cavalgando nos campos próximos... Precisava de um ar fresco! –respondeu beijando a mão do pai. –Desculpe-me, senhor, mas não gosto de estar acompanhada a todo instante.

-E espera que eu aceite a idéia de minha única filha passeando pelos arredores da casa sozinha? –perguntou o pai muito sério. –Está na época de casar, Rowena, e sabe o que os bons partidos pensarão se a virem sozinha?

Rowena permaneceu calada. Não gostava da idéia de casar, mas estava cada vez mais difícil esquivar-se de tal acontecimento. Todo domingo, na igreja, uma pequena porção de cortesões ofereciam-se para alcançar-lhe o terço que deixava cair. Os galanteadores cortejavam-na nos poucos minutos de paz que a moça tinha fora das muralhas do grande castelo.

-Desculpe-me. Não tornarei a fazer isso, senhor. –respondeu Rowena, enquanto alisava as pregas do elegante vestido.

-Não irá mesmo, Rowena, não tolerarei mais isso!

-Não senhor... –concordou Rowena, abaixando a cabeça diante da repressão do pai.

-Pode ir dormir então, amanha é domingo e acho bom você estar de bom humor na hora da missa.

Rowena subiu depressa as escadas por onde o pai recém-descera em direção a seus aposentos. Jogou-se na cama absorta em pensamentos. Teria de terminar com aquilo.

Tinha de fugir e cumprir sua promessa longe dos olhos do pai, ou acabaria casada com o primeiro primo arrogante e dono de terras que resolvesse desposa-la.

Tocou uma pequena sineta prateada ao lado da cama, e alguns minutos depois uma moça não muito mais velha que ela, entrou timidamente no quarto.

-A senhorita me chamou Dama Rowena? –perguntou ela.

-Sim, me ajude com o espartilho... –ordenou ela, apontando para o tronco apertado. –Depois aqueça minha cama e me prepare um banho e chá, sim?

-Sim,Dama Rowena... –respondeu a moça, enquanto desfazia os apertados nós do espartilho de Rowena.

Mirando-se de frente ao espelho, um certo temor possuiu Rowena.

“Mas deixarei tudo? E para onde irei?” perguntava a si própria, enquanto entrelaçava o cabelo em uma comprida trança para dormir. “E com quem irei? São poucos os bruxos que restaram nestes dias de Inquisição...”.

E de repente, Rowena sentiu-se impura ao saber que o sangue mágico que lhe corria as veias servia ao rei da Inglaterra e a Santa Igreja. Teria de fazer aquilo, mais cedo ou mais tarde.



O cavaleiro que conduzia a carruagem abriu a porta diante da igreja, e o Conde Revenclaw saiu rapidamente. O cavaleiro ofereceu a mão para auxiliar Rowena, que respirava com dificuldade, pois o espartilho fora por demais, apertado. Quando finalmente percebeu quem lhe concedia a mão para que saísse da carruagem. O mesmo rapaz que abrira os portões para ela na noite passada.

Alto, bonito, olhos cinzentos e o cabelo muito escuro.Rowena reparou na cicatriz próxima sua sobrancelha esquerda.

-Qual é seu nome, gentil cavaleiro? –perguntou Rowena, retirando da bolsa um pequeno saquinho com moedas de ouro.

-Salazar Shyltren a seu dispor, dama! –respondeu, retribuindo o olhar interessado de Rowena.

-Obrigado por ter nos trazido aqui, tome algumas moedas de ouro como recompensa! –falou Rowena, empurrando-lhe o saquinho.

-Já recebo meu ordenado, senhorita. –respondeu ele tentando devolver o saquinho para as mãos encobertas por luvas de Rowena.

-Aceite como um presente, então. Compre um bonito medalhão na feira, para usar quando está de serviço... –respondeu ela.

-Mas não devo...

-Faço questão! –respondeu Rowena, pondo um ponto final na história.

Procurou o pai com os olhos, e o encontrou conversando com um homem de quarenta e poucos anos, com aparência muito rica.

-Ah, ai está você, Rowena, estava lhe procurando! –falou o pai percebendo sua chegada. –Cumprimente o Duque Griffindor, minha querida, ele veio de longe!

-Bom dia, Duque Griffindor, espero que esteja gostando de Londres. –cumprimentou Rowena educadamente, como manda a etiqueta.

-Estou apreciando a vista. –respondeu ele com sinceridade.

-Estava contando para o Duque, que você está em idade para casar Rowena, e seu sobrinho por um acaso, também. –comentou seu pai muito interessado.

Rowena não respondeu, apenas acenou com a cabeça e passou seu olhar pelo homem a sua frente. Com certeza, se o sobrinho tivesse puxado ao tio não seria grandes coisas.

-Pensamos em apresentá-los em um jantar daqui a uma semana, que é o tempo que ele levaria para chegar até Londres. O que você acha? –perguntou o pai, com um sorriso pouco convincente.

-Seria encantador... –respondeu Rowena com frieza, e pedindo desculpas dirigiu-se a porta da igreja.



-Como ousa ter tal comportamento diante do Duque Griffindor? –explodiu o Conde Revenclaw ao chegarem em casa.

Constrangida pela presença do cavaleiro Salazar Shyltren, Rowena respondeu em baixo tom.

-Parecia que o senhor estava fazendo negócios, e não arranjando um casamento! –falou ela. –Não que mude grandes coisas, mas papai... Percebi as jóias caras que aquele homem usava! Quer herdar a fortuna dele, não é?

-Como ousa falar comigo neste tom, menina?

-Estou farta! Jamais serei feliz com um homem que não conheço!

-Ele lhe fará feliz. Garantira seguridade financeira, e assim que o atual Duque morrer, ele passa a ter tal título. Você se tornará uma duquesa, a primeira a tomar o trono no caso da morte da família real!

-Não sei como mamãe casou com o senhor, é tão frio!

-Nos casamos, pois nossos pais assim combinaram!

-E veja o que aconteceu...

Num impulso de raiva, o conde Revenclaw, segurou a filha pelos ombros e a olhando profundamente nos olhos.

-És minha filha, e farei o que quiser e ordenar. Irá conhecer e casar com o herdeiro de Griffindor!

-Recuso-me a tal coisa! Prefiro tornar-me estéril a casar-me com um homem pelo seu posto na sociedade! –falou ela, as faces vermelhas, num desesperado tormento pela liberdade.

Sentiu então, a mão forte do pai apertar firmemente o braço delicado, e puxa-la contra vontade a subir as escadas decoradas, levando-a assim, a prisão em seu próprio quarto.

-Passarás a pão e água até a vinda de seu futuro noivo, e irá comportar-se como uma dama da corte! –gritou ele, jogando-a sem remorso em sua cama acolchoada.

Virou o rosto imponente para a jovem empregada que havia recuado contra a parede, quando entraram sem avisar.

-Você! Você irá cuidar para que ela não saia do quarto! Ninguém entra ninguém sai, sem meu comando! –esbravejou indicando a filha que o fulminava com os olhos. –Admira-me sua ousadia, Rowena, mas uma personalidade forte não a salvará da fogueira se continuar sem um marido!

-Sou nobre! Tenho sangue azul correndo em minhas veias! Nada poderá atingir-me! –retrucou ela.

-Amanha pela manhã, o vigário virá para seu catecismo, esteja decente assim que o sol brilhar! –falou ele, ignorando o último jorro de palavras da filha. –Comporte-se como filha de um conde!

Ao terminar de dizer tal coisa, deixou a chave do quarto na mão da empregada, que tremia ao assistir tal cena.

-Ajude-a a arrumar-se para deitar, e ao sair, tranque a porta e entregue-a a mim!

E com os passos firmes, caminhou para fora do recinto, fechando a porta com um estrondo.



-Dama Ravenclaw! Acorde, precisa vestir-se antes da chegada do vigário... –chamou uma voz leviana interrompendo seus sonhos.

Rowena acordou. A cabeça dolorida pelos devaneios da noite anterior.

-Deve tirar a roupa de dormir e vestir se espartilho e vestido, senhorita, pude ver a carruagem do vigário aproximando-se pela estrada que leva a cidade... –falou ela novamente. –Vou ajudá-la a arrumar o cabelo...

A empregada puxou de um armário de madeira uma pequena escova, com a qual começou a escovar os sedosos e compridos cabelos de Rowena, que se sentara em um banquinho estofado. Depois de feito o coque cristão e sóbrio, ajudou a enlaçar os compridos barbantes do espartilho. Quando terminava de calçar os sapatos, pode ouvir uma batida discreta na grossa porta de madeira.

A empregada correu atender, e após alguns cochichos, voltou e apressou-se em informar que o vigário e uma freirinha aguardavam-na na biblioteca de estudos.

Rowena então se deslocou rapidamente pelos requintados corredores do chatêau, para evitar quaisquer atrasos, e que o vigário reclamasse de sua conduta e falta de boa fé na igreja. Chegou ao primeiro andar da casa, onde se situava a biblioteca, mas parou de chofre ao passar pelo saguão de entrada, onde seu pai e o Duque Griffindor conversavam em tom de negócios.

Rowena escondeu-se rapidamente atrás de uma coluna, a fim de ouvir a conversa.

-Então, quando Godric chegar à cidade, creio que todos podemos montar nossos cavalos e ir visitar suas terras, não concorda? –comentou o homem, arrumando a peruca branca e enrolada que usava com extrema agilidade. –Acho que meu sobrinho gostaria de ver com quem irá misturar seu sangue, não é mesmo?

O pai riu com uma facilidade incomum, os sapatos de fivela batendo contra o chão de pedra em sinal de descontração.

-Hum-hum... –pigarreou uma voz conhecida por Rowena.

Virou-se lentamente, e percebeu que havia esquecido de juntar-se ao vigário e a aspirante a freira no catecismo. O primeiro, usando uma bata marrom que ia até os tornozelos, batia suas sandálias contra o chão.

-Desculpe-me, vossa santidade, estava em meu caminho ao catecismo agora mesmo, perdoe-me! –pediu ela, humilhando-se de joelhos e beijando o anel vermelho que o padre possuía em um dedo.

-A Santa Igreja não pode esperar pelos caprichos mundanos, temos mais o que fazer...

“Como caçar aqueles que deixam a igreja para adorar seus demônios”...

Rowena ouviu a voz do padre, mas não percebeu sua boca mexer-se. Pensou se estaria imaginando coisas. Afastou o pensamento da cabeça. Levantou-se de imediato e seguiu o vigário, a aspirante a freira ao seu lado.

Rowena sorriu para ela ao perceber que não era uma velha, com mantos negros e véus a tapar os cabelos. Ao seu lado encontrava-se uma moça, pouco mais velha que si própria, de cabelos louros escuros e enrolados, a pele alva e jovem, e os olhos confortadoramente azuis. Esta sorriu de volta para ela.

-Meu nome é Helga. Helga Huffepluff... –apresentou-se, e Rowena pode ver que ela apertara firmemente o rosário em suas mãos.


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