O Vidente ouvido secretamente



O fato de que Harry Potter estava saindo com Gina Weasley pareceu interessar um grande número de pessoas, na maioria garotas; apesar disso Harry sentiu-se feliz pelas fofocas que aconteceram durante algumas semanas. Afinal, era uma boa mudança ser assunto por um motivo que o estava deixando mais feliz do que ele podia se lembrar em longo tempo, ao invés de virar fofoca por estar envolvido em horríveis cenas de magia negra.
"Você pensaria que as pessoas têm assuntos melhores pra fofocar" - disse Gina, enquanto se sentava no chão da sala comunal, encostando-se às pernas de Harry e lendo o Profeta Diário. “Três ataques de dementadores em uma semana, e tudo o que Romilda Vane me pergunta é se é verdade que você tem um Hipogrifo tatuado no peito”.
Rony e Hermione riram. Harry os ignorou.
"O que você disse pra ela?”.
"Eu disse que é um Rabo-Córneo Húngaro”, falou Gina, virando a página do jornal preguiçosamente. "Muito mais masculino".
“Obrigado” disse Harry, sorrindo. "E o que você disse pra ela que o Rony tem?".
"Um Ursinho Anão, mas não disse onde”.
Rony olhou zangado enquanto Hermione rolava de rir.
"Cuidado!" Ele disse, apontando para Harry e Gina. "Só porque eu dei minha permissão não significa que eu não posso retirá-la”.
"Permissão?” Zombou Gina. “Desde quando você me dá permissão pra fazer alguma coisa? De qualquer forma, você mesmo disse que preferia que fosse Harry ao invés de Michael ou Dino”.
“Sim, eu prefiro” disse Rony de má vontade. "Contanto que vocês não comecem a se agarrar em público".
"Seu hipócrita! E você e Lilá, se pegando como enguias em todos os lugares?" - perguntou Gina.
Mas a tolerância de Rony não estava pra ser testada enquanto eles entravam em Junho, e o tempo de Harry e Gina juntos tinha se tornado muito restrito. Os NOM's de Gina estavam se aproximando, portanto ela era forçada a revisar as matérias até de noite. Em uma delas, quando Gina foi para a biblioteca e Harry estava sentado perto da janela do salão comunal, supostamente terminando sua lição de Herbologia quando na realidade estava revivendo uma hora particularmente alegre que ele passou perto do lago com Gina na hora do almoço, Hermione se largou no assento entre Harry e Rony com uma expressão positivamente desagradável.
"Quero falar com você Harry”.
"Sobre o que?" Disse Harry desconfiado. No dia anterior, Hermione tinha lhe dado uma bronca por distrair Gina quando ela deveria estar se preparando para seus exames.
“Sobre o que se autodenomina Príncipe Mestiço”.
"Ah, não isso de novo", ele suspirou. "Deixe isso pra lá, por favor?".
Ele não tinha se atrevido a voltar à Sala Precisa para retirar o livro, e sua performance em Poções estava sofrível. (apesar de Slughorn, que aprovava Gina, ter comicamente atribuído isso ao fato de Harry estar doente de amor). Mas Harry estava certo de que Snape ainda não tinha desistido de colocar as mãos no livro, e estava determinado a deixá-lo onde estava enquanto Snape continuasse observando.
"Não deixo pra lá, não" disse Hermione firmemente, “Até você me escutar. Agora, eu venho tentado encontrar alguma coisa sobre quem teria como hobby inventar feitiços obscuros”.
"Ele não fazia disso um hobby...".
"Ele, ele - quem disse que é 'ele'?".
"Nós já discutimos isso" disse Harry zangado. "Príncipe, Hermione, Príncipe!".
"Certo!" Disse Hermione, com as bochechas vermelhas enquanto puxava um pedaço de jornal bem velho de dentro de sua mala e batia na mesa que estava na frente de Harry. "Olhe isso! Olhe esta foto!".
Harry pegou o pedaço de papel e encarou a foto em movimento, amarelada pela idade. Rony se inclinou para olhar também. A foto mostrava uma garota magrinha, por volta dos 15 anos. Ela não era bonita, parecia aflita e mau-humorada ao mesmo tempo, com uma forte expressão e uma pele pálida. Embaixo da foto vinha a legenda: Eileen Prince, capitã do time de Bexigas de Hogwarts.
"E...?" Disse Harry, lendo a curta notícia à qual a figura pertencia. Era uma história sobre competições intercolegiais.
"O nome dela era Eileen Prince. Prince, Harry”.
Eles se olharam e então Harry percebeu o que Hermione estava tentando dizer. Ele começou a rir.
"Sem chances”.
“O quê?".
"Você acha que ela era o Half-Blood...? Ah, fala sério...".
"Bom, por que não? Harry, não existem príncipes no mundo dos bruxos. Ou isso é um apelido, um título inventado que alguém deu para si mesmo, ou pode ser seu nome de verdade, não pode? Preste atenção! Se, digamos, o pai dela fosse um bruxo com o sobrenome 'Prince', e sua mãe fosse trouxa, isso a faria o ‘half-blood Prince!’”.
"Sim, muito engenhoso, Hermione...".
"Mas faria! Talvez ela tivesse orgulho de ser uma meio Prince!".
"Ouça, Hermione, eu posso dizer que não é uma garota. Simplesmente posso”.
"A verdade é que você não pensa que uma garota pode ter sido esperta suficiente”, disse Hermione brava.
"Como eu posso ter andado com você por cinco anos e não pensar que as garotas são espertas?" Disse Harry atormentado. "É o jeito que ele escreve. Eu simplesmente sei que o príncipe era um homem. Essa garota não tem nada a ver com isso. Alias, onde você arranjou isso?".
"Na biblioteca”. Disse Hermione, previsivelmente. "Tem toda uma coleção de velhos Profetas lá em cima. Bom, eu vou encontrar mais sobre Eileen Prince se eu puder”.
"Divirta-se”. Disse Harry irritado.
"Eu vou!" Disse Hermione. "E o primeiro lugar que eu irei olhar”, disse ela pra Harry, assim que chegou ao buraco do retrato da mulher gorda, "é o registro de antigos prêmios de Poções!".
Harry olhou zangado para ela por um momento, e então continuou a contemplar o céu que escurecia.
"Ela nunca vai superar o fato de que você se deu melhor que ela em Poções”, disse Rony, retornando a sua cópia de 1000 ervas mágicas e fungos.
"Você não acha que estou louco, por querer aquele livro de volta, acha?".
"Claro que não”, disse Rony vigorosamente. "Ele era um gênio, o príncipe. De qualquer forma, sem a dica do bezoar..." Ele passou o dedo pela própria garganta de maneira significativa, "Eu não estaria aqui pra discutir isso, estaria? Digo, não estou falando que o feitiço que você usou no Malfoy era ótimo...".
"Nem eu”, disse Harry rapidamente.
"Mas ele se curou bem, não? Ficou de pé novamente bem rápido”.
"Sim", disse Harry; isso era perfeitamente verdade, apesar de que sua consciência dizia aborrecida: 'Graças ao Snape...'
"Você ainda tem detenção com o Snape nesse sábado?" - Rony continuou.
"Sim, e no sábado depois desse, e no outro", disse Harry. "E ele está dizendo agora que se eu não tiver terminado todas as caixas até o fim do período, nos continuaremos no ano que vem”.
Ele estava achando essas detenções particularmente cansativas porque diminuía ainda mais o já limitado tempo que ele podia passar com Gina. De fato, ele vinha imaginando ultimamente que Snape sabia disso, porque ele segurava Harry até mais tarde, em cada sábado, enquanto falava sobre Harry estar perdendo o bom tempo e as diversas oportunidades que este oferecia.
Harry foi sacudido dessas amargas reflexões pela chegada de Jimmy Peakes, que estava segurando um pedaço de pergaminho.
"Obrigado Jimmy... Hei, é do Dumbledore!" Disse Harry excitado, desenrolando o pergaminho e começando a ler. "Ele quer que eu vá até a sala dele o mais rápido possível!".
Eles se encararam.
"Caramba", sussurrou Rony, "Você não acha... ele não encontrou...?".
"Melhor eu ir e ver, não?" - disse Harry, levantando.
Ele correu para fora da sala comunal e foi até o sétimo andar o mais rápido que pode, sem passar por ninguém além de Pirraça, que passava indo à direção oposta, jogando pedaços de giz em Harry de forma costumeira e rindo alto quando se esquivava da azaração defensiva de Harry. Assim que Pirraça foi embora, o corredor ficou em silêncio; com apenas 15 minutos para o toque de recolher a maioria das pessoas já tinha retornado para seus salões comunais.
E então Harry ouviu um grito e um estampido. Ele parou e escutou.
"Como - você - se - atreve - aaaaaargh!".
O barulho estava vindo de um corredor próximo. Harry correu em sua direção, com sua varinha pronta, virou mais um canto e viu a Professora Trelawney estirada no chão, sua cabeça coberta por um de seus muitos xales, diversas garrafas de vinho ao lado dela, uma quebrada.
"Professora...".
Harry se apressou e ajudou a Professora Trelawney a se levantar. Algumas de suas brilhantes contas tinham emaranhado com seus óculos. Ela soluçou alto, arrumou o cabelo, e se apoiou no braço que Harry ofereceu.
"O que aconteceu, professora?".
"Você pode perguntar!" Disse ela numa voz aguda. “Eu estava caminhando por aí, meditando sobre alguns obscuros presságios que eu tive...".
Mas Harry não estava prestando muita atenção. Ele tinha acabado de notar onde eles estavam parados. À sua direita tinha a tapeçaria dos trasgos dançantes e a esquerda aquela impenetrável parede de pedra que guardava... -
"Professora, você estava tentando entrar na Sala Precisa?".
"... anunciavam que eu fui autorizada - o quê?".
De repente ela pareceu sagaz.
"A Sala Precisa", repetiu Harry. "Você estava tentando entrar lá?".
"Eu - bem - eu não sabia que os alunos sabiam sobre...”.
"Nem todos sabem”, disse Harry. "Mas o que aconteceu? Você gritou! Soou como se você estivesse machucada...".
"Bem - eu”, disse Professora Trelawney, tirando seu xale e olhando para ele como seus vastos e magníficos olhos. "Eu queria - ah - colocar certos- hum - itens pessoais na Sala..." E ela murmurou algo como "desagradáveis acusações".
"Certo", disse Harry, olhando para as garrafas de vinho logo abaixo. "Mas você não conseguiu entrar e escondê-las?".
Ele achou isso muito estranho. A sala abriu pra ele, quando ele quis esconder o livro do Half-Blood Prince.
"Oh, eu entrei sim", disse Professora Trelawney, encarando a parede. "Mas já havia alguém lá dentro”.
"Alguém lá -? Quem?" Perguntou Harry. "Quem estava lá dentro?".
"Não tenho nem idéia”, disse a professora, estranhando a urgência na voz de Harry. "Eu entrei na sala e ouvi vozes, o que nunca tinha acontecido em todos os meus anos de esconder - de usar a sala, digo eu”.
"Uma voz? Dizendo o quê?".
"Eu não sei, não estava falando nada”, disse Trelawney. "Estava... gritando!".
"Gritando?".
"Alegremente", ela disse, balançando a cabeça afirmativamente.
Harry a encarou.
“Era homem ou mulher?”.
"Eu diria que era um homem”, disse a professora.
"E parecia feliz?".
"Muito feliz", disse Trelawney desdenhosamente.
“Como se estivesse celebrando?”.
"Definitivamente...".
"E então...?".
"E então eu disse 'Quem está aí?'...".
"Você não poderia ter descoberto quem era sem perguntar?" - Perguntou Harry, meio frustrado.
"A visão interior", disse a professora com dignidade, esticando seu xale e vários cordões de contas brilhantes, "está fixada sobre coisas além do mundano campo das alegres vozes”.
"Certo”, disse Harry de forma hostil. Ele ouvira falar da visão interior da professora com muita freqüência antes. "E a voz disse quem estava lá?”.
"Não, não disse”, falou a professora. "Tudo escureceu e logo em seguida eu estava sendo arremessada de ponta cabeça para fora da sala!".
"E você não previu isso?” Disse Harry, sem conseguir se conter.
"Não, eu não previ, como eu disse, estava escuro”. Ela parou e fixou os olhos nele suspeitamente.
"Eu acho que você deve contar ao Professor Dumbledore”, disse Harry. "Ele deve saber que Malfoy está celebrando - quer dizer, que alguém jogou você para fora da sala”.
Para sua surpresa, Professora Trelawney o olhou de forma arrogante depois dessa sugestão.
"O diretor disse que ele prefere receber menos visitas minhas”, disse ela, friamente. "Eu não vou pressionar a minha companhia sobre aqueles que não a valorizam. Se Dumbledore escolhe ignorar os avisos que as cartas mostram...".
Sua mão ossuda se fechou de repente em torno do pulso de Harry.
"De novo e mais uma vez, não importa como eu as tire-".
E ela puxou uma carta dramaticamente de dentro de seu xale.
“A brilhante torre”, ela sussurrou. "Calamidade. Desastre. Vindo mais perto todo o tempo...".
"Certo”, disse Harry novamente. "Bem... Eu ainda acho que você deve contar ao Dumbledore sobre essa voz e sobre tudo ter escurecido e você ter sido jogada pra fora da sala...".
"Você acha?" A professora parecia estar considerando o assunto por um instante, mas Harry podia dizer que ela gostou da idéia de recontar sua pequena aventura.
"Eu estava indo vê-lo agora”. Disse Harry. Eu tenho uma reunião com ele. Nós podemos ir juntos.
“Bom, neste caso”, disse a professora com um sorriso. Ela se abaixou, pegou suas garrafas de vinho e as jogou sem cerimônia num grande vaso azul e branco que ficava em um vão ali perto.
“Eu sinto falta de lhe ter nas minhas aulas, Harry”, disse ela de modo nobre, quando eles começaram a andar juntos. “Você não tinha muito talento como vidente... mas era um maravilhoso Objeto...”.
Harry não respondeu. Ele tinha odiado ser o objeto de predição de futuro da professora.
“Eu acho que”, ela continuou, “que o cavalo – quer dizer, o centauro – não sabe nada de cartomancia. Eu perguntei pra ele – de um vidente para outro – se ele não estava sentindo a vibração de catástrofes chegando, também? Mas ele pareceu me achar quase cômica. Sim, cômica”.
Sua voz soou meio histérica e Harry sentiu um poderoso bafo de vinho, mesmo com as garrafas de vinho tendo ficado para trás.
“Talvez o cavalo tenha ouvido que eu não herdei o dom da minha tetravó. Esses rumores têm sido espalhados pelos invejosos por muitos anos. Você sabe o que eu digo pra esse tipo de pessoa, Harry? Dumbledore teria me deixado ensinar nessa maravilhosa escola, colocado tanta confiança em mim todos esses anos, se eu não tivesse me provado pra ele?”.
Harry resmungou algo indistinto.
“Eu bem me lembro da minha primeira entrevista com o Dumbledore”, continuou Professora Trelawney, em um tom gutural. “Ele estava profundamente impressionado, claro, profundamente impressionado... Eu estava hospedada no Cabeça de Javali, que, aliás, eu não recomendo – insetos na cama, querido – mas os fundos estavam baixos. Dumbledore fez a cortesia de me chamar no meu quarto da hospedaria. Ele me perguntou... Eu devo confessar que no começo ele parecia desconfiado com relação à Adivinhação... eu lembro que eu estava começando a me sentir mal, não tinha comido nada naquele dia... mas então...”
E agora Harry estava prestando atenção, provavelmente pela primeira vez, porque ele sabia o que tinha acontecido então: a professora tinha feito a profecia que alterou todo o curso da vida dele, a profecia sobre ele e Voldemort.
“... mas então nós fomos bruscamente interrompidos por Severo Snape!”.
“O quê?!”
“Sim, havia um barulho lá fora e então a porta abriu, e lá estava aquele estranho barman parado com Snape, que estava dizendo que tinha subido pelo lado errado, apesar de que eu acho que ele estava pretendendo escutar a minha entrevista com Dumbledore – veja, ele mesmo estava procurando um emprego naquele momento, e sem dúvidas esperava pegar algumas dicas! Bom, depois disso, sabe, Dumbledore pareceu muito mais disposto para me dar o emprego, e eu não consegui evitar de pensar, Harry, que isso aconteceu porque ele apreciou o rígido contraste entre os meus modestos modos e absoluto talento, comparado com o impulsivo jovem que estava pronto para ouvir pelo buraco da fechadura – Harry, querido?”
Ela olhou pra trás, só percebendo agora que Harry não estava mais com ela; ele tinha parado de andar e eles estavam agora a 10 passos um do outro.
“Harry?” Ela repetiu, incerta.
Talvez o rosto dele estivesse branco, para fazer com que ela parecesse tão preocupada e assustada. Harry estava parado, chocado, apagando tudo menos a informação que tinha sido escondida dele por tanto tempo...
Foi Snape quem ouviu a profecia. Foi Snape quem levou as notícias da profecia para Voldemort. Snape e Pedro Pettigrew mandaram, juntos, Voldemort perseguir Lílian, Tiago e seu filho...
Nada mais importava para Harry agora.
“Harry?” Disse a professora mais uma vez. “Harry – eu achei que nós iríamos ver o diretor juntos?”.
“Você fica aqui”, disse Harry através de seus lábios paralisados.
“Mas, querido... eu ia contar a ele como eu fui atacada na Sala -”.
“Você fica aqui!” Repetiu Harry bravo;
Ela pareceu preocupada quando ele passou por ela, virou o canto rumo ao corredor onde ficava a gárgula que permitia a entrada no escritório de Dumbledore. Harry gritou a senha e subiu correndo a escada espiral, três degraus por vez. Ele espancou a porta, ou invés de bater. E a calma voz respondeu ‘entre’ depois que Harry já tinha se arremessado pra dentro da sala.
Fawkes, a fênix olhou em volta, seus brilhantes olhos pretos vislumbrando o pôr do sol pela da janela. Dumbledore estava próximo à janela olhando para os terrenos com uma capa preta de viagem em seus braços.
“Bom, Harry, eu prometi que você poderia vir comigo”.
Por um momento, ou dois, Harry não entendeu. A conversa com Trelawney tinha tirado todo o resto de sua cabeça e seu cérebro parecia se mover de forma bem devagar.
“Ir... com você?”.
“Claro que somente se você quiser...”.
“Se eu...”.
E então Harry lembrou porque tinha sido chamado, a princípio, para ir ao escritório de Dumbledore.
“Você achou um? Você achou um Horcrux?”.
“Acredito que sim”.
Raiva e ressentimento começaram a lutar contra o choque e empolgação. Por alguns momentos, Harry não conseguiu falar.
“É natural sentir medo”, disse Dumbledore.
“Eu não estou com medo!” Disse Harry de uma vez, e era perfeitamente verdade. Medo era uma emoção que ele não estava sentindo. “Qual Horcrux é? Onde está?”.
“Eu não tenho certeza de qual é – apesar de que acho que podemos esquecer a cobra - mas eu acredito que está escondido numa caverna a milhares de quilômetros daqui, uma caverna que eu venho tentando localizar por muito tempo: a caverna em que Tom Riddle uma vez aterrorizou duas crianças em uma das viagens anuais de seu orfanato, você se lembra?”.
“Sim”, disse Harry. “Como está protegido?”.
“Eu não sei. Eu tenho algumas suspeitas que podem estar completamente erradas”, disse Dumbledore hesitante, e então disse, “Harry eu prometi que você poderia vir comigo e eu mantenho essa promessa, mas seria muito errado da minha parte não o alertar para o fato de que será extremamente perigoso”.
“Eu vou”, disse Harry, antes mesmo de Dumbledore terminar de falar. Espumando de raiva de Snape, seu desejo de fazer algo desesperador e arriscado tinha aumentado dez vezes nos últimos minutos. Aparentemente isso tinha transparecido no rosto de Harry, porque Dumbledore se afastou da janela, e olhou mais de perto para Harry, uma pequena ruga surgindo entre suas sobrancelhas prateadas.
“O que aconteceu com você?”.
“Nada”, mentiu Harry prontamente.
“O que te chateou?”.
“Eu não estou chateado”.
“Harry, você nunca foi um bom oclumente”.
Essa palavra inflamou a fúria de Harry.
“Snape!” Disse Harry, muito alto, e Fawkes deu um suave grasno atrás deles. “Snape, foi o que aconteceu! Foi ele quem contou para Voldemort sobre a profecia, foi ele, ele ouviu por fora da porta, Trelawney me contou!”.
A expressão de Dumbledore não mudou, mas Harry percebeu que seu rosto empalideceu, por baixo do reflexo do sol que estava sumindo. Por um longo momento Dumbledore não falou nada.
“Quando você descobriu isso?” Ele perguntou, finalmente.
“Agora!” Disse Harry que estava se impedindo de gritar com grande dificuldade. E então, de repente, ele não conseguiu se conter. “E VOCÊ O DEIXOU ENSINAR AQUI, E ELE DISSE PARA VOLDEMOR IR ATRÁS DE MINHA MÃE E MEU PAI!”.
Respirando com dificuldade como se tivesse lutado, Harry deu as costas para Dumbledore, que até então não tinha movido um músculo, e passeou pela sala, esfregando os nós de seus dedos e se contendo para não sair quebrando todas as coisas. Ele queria berrar com Dumbledore, mas ao mesmo tempo ele queria ir com ele e tentar destruir o Horcrux; ele queria dizer que Dumbledore era um velho idiota por confiar em Snape, mas estava com medo de que Dumbledore não o levasse se não controlasse sua raiva...
“Harry”, disse Dumbledore calmamente. “Por favor, me escute”.
Foi difícil controlar seus nervos para não começar a gritar. Harry parou, mordeu seus lábios e olhou para o rosto de Dumbledore.
“O professor Snape cometeu um terrível...”.
“Não me diga que foi um engano, senhor, ele estava ouvindo através da porta!”.
“Por favor, deixe-me terminar”. Dumbledore esperou que Harry acenasse e então continuou. “Snape cometeu um terrível erro. Ele ainda era um empregado de Lord Voldemort na noite em que ele ouviu metade da profecia da professora. Naturalmente, ele correu para contar ao seu mestre o que tinha ouvido, porque isso muito o interessava. Mas ele não sabia – ele não tinha como saber – qual garoto Voldemort iria perseguir dali em diante, ou que os pais que ele destruiria em sua saga assassina eram pessoas que ele, Snape, conhecia; que eles eram seus pais”.
Harry deixou escapar uma risada melancólica.
“Ele odiava meu pai como odiava Sirius! Você não notou, Professor, como as pessoas que Snape odeia tendem a acabar morrendo?”.
“Você não tem idéia do remorso que Snape sentiu quando ele percebeu como Voldemort tinha interpretado a profecia, Harry. Eu acredito que tenha sido o maior arrependimento da vida dele e razão que fez com que ele voltasse...”.
“Mas ele é um ótimo oclumente, não é senhor?” Disse Harry, cuja voz estava tremendo com o esforço para mantê-la calma. “E Voldemort não estava convencido de que Snape estava do lado dele, mesmo agora? Professor... como você pode ter certeza de que Snape está do nosso lado?”.
Dumbledore não falou nada por um instante. Ele parecia estar tentando organizar sua mente sobre alguma coisa. Enfim ele disse, “Eu tenho certeza. Eu confio completamente em Severo Snape”.
Harry respirou profundamente por alguns instantes enquanto se esforçava para acalmar a si mesmo. Mas não funcionou.
“Bom, mas eu não!” Disse ele tão alto quanto antes. “Ele está tramando algo com Malfoy agora, bem debaixo de seu nariz, e você ainda -”.
“Nós já discutimos isso, Harry”, disse Dumbledore e agora ele parecia severo novamente. “Eu já te contei minha visão”.
“Você vai deixar a escola hoje à noite e eu aposto que você nem considerou que Snape e Malfoy podem decidir -”
“Fazer o quê?” Perguntou Dumbledore, com suas sobrancelhas levantadas. “O que você acha que eles estão fazendo, precisamente?”.
“Eu… eles estão aprontando alguma coisa!” Disse Harry e ele cerrou os punhos enquanto falava. “Professora Trelawney estava na Sala Precisa, tentando esconder suas garrafas de vinho quando ouviu Malfoy comemorando, celebrando! Ele estava tentando fazer algo perigoso lá dentro, e se você me perguntar, ele conseguiu e você está prestes a sair da escola sem -”.
“Chega”, disse Dumbledore. Ele disse isso calmamente, mas mesmo assim Harry finalmente se calou. Ele sabia que tinha cruzado uma linha invisível. “Você acha que alguma vez eu deixei a escola desprotegida durante minhas ausências esse ano? Não deixei. Esta noite, quando eu sair, haverá novamente proteção adicional por aqui. Por favor, não sugira que eu não levo a sério à segurança de meus alunos, Harry”.
“Eu não -” murmurou Harry, um pouco envergonhado, mas Dumbledore o interrompeu.
“Eu não quero mais discutir esse assunto”.
Harry reprimiu sua resposta, com medo de ter ido longe demais, e com isso ter arruinado sua chance de acompanhar Dumbledore, mas este continuou, “Você gostaria de ir comigo hoje?”.
“Sim”, disse Harry de uma vez.
“Muito bem, então: escute”.
Dumbledore se levantou por completo.
- “Eu te levo comigo com uma condição: que você obedeça qualquer ordem que eu dê, sem questionar”.
“Claro”.
“Tenha certeza de que me entendeu, Harry. Eu estou dizendo que você deve obedecer até mesmo ordens como ‘corra’, ‘se esconda’ ou ‘volte’. Eu tenho sua palavra?”
“Eu – sim, claro”.
“Se eu falar para você se esconder, você se esconderá?”.
“Sim”.
“Se eu falar pra você se esconder, você irá obedecer?”.
“Sim”.
“Se eu falar para me deixar, e se salvar, você fará o que eu estarei dizendo?”.
“Eu -”
“Harry?”.
Eles se olharam por um momento.
“Sim senhor”.
“Muito bem. Então eu quero que você vá, pegue sua capa e me encontre no Saguão de Entrada em 5 minutos”.
Dumbledore se virou e olhou para fora da flamejante janela. O sol agora estava vermelho no horizonte. Harry saiu rapidamente do escritório e desceu a escada espiral. Sua mente estava estranhamente clara. Ele sabia o que fazer.
Rony e Hermione estavam sentados juntos na sala comunal quando ele voltou.
“O que Dumbledore queria?” – Hermione disse de uma vez. “Harry, você está bem?” Ela acrescentou ansiosa.
“Eu estou bem”, disse Harry, passando rapidamente por eles. Ele subiu a escada e entrou no dormitório, abriu seu malão e tirou o Mapa do Maroto e um par de meias enroladas. Então ele se apressou a descer as escadas até a sala comunal, derrapando até o lugar onde Rony e Hermione estavam sentados, parecendo atordoados.
“Eu não tenho muito tempo”, ofegou Harry, “Dumbledore pensa que eu estou pegando minha Capa da Invisibilidade. Escutem...”.
Rapidamente ele contou aos dois onde estava indo e porquê. Não parou nem mesmo quando Hermione pareceu horrorizada ou quando Rony fez algumas perguntas; eles podiam adivinhar os detalhes por conta própria, depois.
“... então vocês entendem o que isto significa?” Harry terminou de uma vez. “Dumbledore não estará aqui esta noite, então Malfoy terá campo livre para o que quer que seja que ele está tramando. Não, me escutem!” Ele disse bravo, quando Rony e Hermione deram sinais de que iam interromper. “Eu sei que era Malfoy celebrando na Sala Precisa. Aqui -” Ele jogou o Mapa do Maroto nas mãos de Hermione. “Vocês tem que vigiar ele e Snape também. Usem qualquer pessoa que vocês conseguirem da AD também. Hermione, aqueles galeões que usávamos para contanto ainda funcionam, certo? Dumbledore disse que ele colocou proteção extra na escola, mas se Snape estiver envolvido, ele saberá que proteção é essa e como evitá-la – mas ele não estará esperando que vocês o estejam vigiando, estará?”.
“Harry -” começou Hermione, seus olhos cheios de medo.
“Não tenho tempo para argumentar”, disse Harry brevemente. “Peguem isso também -” Ele jogou a meia nas mãos de Rony.
“Obrigado”, disse Rony. “Hum – porque eu preciso de meias?”.
“Você vai precisar do que está dentro delas, é Felix Felicis. Dividam entre vocês e Gina. Digam ‘tchau’ a ela por mim. Eu preciso ir, Dumbledore está me esperando -”.
“Não!” Disse Hermione enquanto Rony desenrolava a pequena garrafa com a poção, olhando intimidado. “Nós não queremos, leve você, pois você, o que você estará encarando?”.
“Eu ficarei bem, estarei com Dumbledore”, disse Harry. “Eu quero saber que vocês estarão bem... não olhe assim, Hermione. Vejo vocês depois”.
E então ele correu para a saída do salão comunal rumo ao Saguão de Entrada.
Dumbledore estava esperando ao lado da porta da frente. Ele se virou enquanto Harry vinha deslizando no degrau mais alto, ofegando alto e sentindo pontadas em um dos lados do corpo.
“Eu gostaria que você vestisse sua capa, por favor”, disse Dumbledore, e esperou que Harry tivesse jogado a capa em si antes de dizer, “Muito bem, vamos, então?”.
Dumbledore desceu os degraus de pedra, sua capa de viagem balançando no ar de verão. Harry se apressou para ficar ao lado dele, debaixo da capa da invisibilidade, ainda ofegando e suando muito.
“Mas o que as pessoas pensarão quando virem o senhor saindo, Professor?” Harry perguntou, pensando em Malfoy e Snape.
“Que eu fui até Hogsmeade, beber”, disse Dumbledore. “Algumas vezes eu sou cliente de Rosmerta ou visito o Cabeça de Javali... É uma boa maneira de disfarçar meu verdadeiro destino”.
Eles seguiram o caminho na passagem no crescente crepúsculo. O ar estava cheio de cheiros de grama quente, água do lago e fumaça de madeira vinda da cabana de Hagrid. Era difícil acreditar que eles estavam indo para algo perigoso e assustador.
“Professor”, disse Harry calmamente, enquanto os portões apareciam no final do caminho, “nós vamos aparatar?”.
“Sim”, disse Dumbledore. “Você consegue aparatar agora, não?”.
“Sim”, disse Harry, “mas eu não tenho a licença”.
Ele sentiu que era melhor ser honesto. E se ele estragasse tudo aparecendo a 100 metros de onde ele deveria aparecer?
“Não tem problema”, disse Dumbledore, “eu posso te ajudar novamente”.
Eles saíram e entraram no deserto caminho para Hogsmeade. A escuridão aumentava rápido, e até eles atingirem a estrada à noite já tinha finalmente caído. Luzes brilhavam nas janelas das lojas, e quando se aproximaram do Três Vassouras eles ouviram um berro rouco.
“... e permaneça aí fora!” Gritou Madame Rosmerta, jogando para fora um bruxo com aparência suja. “Oh, olá, Alvo... você saindo tão tarde...”.
“Boa noite, Rosmerta, boa noite... me perdoe, eu estou indo ao Cabeça de Javali... Não se ofenda, mas eu prefiro uma atmosfera mais quieta hoje...”
Um minuto depois eles estavam virando a esquina, para o lado onde ficava o Cabeça de Javali, mas não havia nenhum barulho. Contrastando com o Três Vassouras, o pub parecia estar completamente vazio.
“Não vai ser necessário entrar”, murmurou Dumbledore, olhando em volta. “Contando que ninguém nos veja... agora coloque sua mão em cima do meu braço, Harry. Não tem necessidade de se agarrar com muita força, eu estarei simplesmente te guiando. No três – um... dois... três...”.
Harry girou. De uma vez, veio aquela horrível sensação de que ele estava sendo espremido em um fino tubo. Ele mal podia respirar, todo o corpo dele estava sendo comprimido, quase ultrapassando o tolerável e então, justamente quando ele pensou que estava sufocando, as fitas invisíveis pareceram abrir, e ele estava parado na gelada escuridão, respirando ar fresco e salgado.

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