Prólogo



A feira, organizada por camponeses estava mais do que cheia.


As pequenas e precárias instalações com seus tetos de lona, balançavam ao vento  impreciso e gelado de um outono que ainda não havia chegado.


Ao canto, homens de turbante diziam encantar serpentes, outros, vendiam plantas curativas.


Mulheres belas e devassas dançavam a um lado, instigando o interesse de homens, na entrada do bordel.


Vestia-se com um belo vestido de seda azul, que tampava seu pequeno corpo ainda sem curvas. Seus cabelos negros estavam soltos e bagunçados, e seus pés pretos e descalços dançavam a melodia da doce flauta de um homem sujo, e seu filho.


Uma trombeta dourada tocou, uma comitiva importante acabara de chegar à cidade. Era composta por três cavaleiros a pé e um coche de dois cavalos brancos que puxavam uma carruagem de ouro branco e veludo azul.


Inevitáveis sussurros irromperam pelo lugar.


- É ela não é?


- É claro que sim, ouvi dizer que é muito rica.


- Para mim, parece mais uma bruxa.


- Deveria arder na fogueira...


- Cale-se! Ela pode mandar cortar sua cabeça por isso.


A carruagem finalmente parou, e o brilho do sol pareceu se direcionar todo para a figura divina que saía e caminhava graciosamente pelo chão de terra batida.


Era uma mulher alta, tinha uma pele alva, seus olhos eram escuros, tão quão o seu cabelo era brilhante e liso. Seus lábios eram vermelhos e carnudos, e mesmo assim, não deixava transparecer uma semelhança assustadora, com a figura imprecisa e sem curvas, que dançava ao som da flauta, agora, silenciosa.


- Helena!


Sua voz forte irrompeu de seu pescoço, e pareceu vibrar por toda a feira.


Todo filho se reduz a cinzas diante da voz de seu pai, e não foi diferente com a pequena ternura que dançava descalça.


Seus cabelos se esvoaçaram  pelo vento, e seu semblante assustado se reprimiu diante de sua mãe.


- Por que insiste em vir aqui? Não é o nosso lugar.


Ela agarrou o pulso de sua pequena e a arrastou pelo chão de folhas laranjas.


...


O balanço da carruagem apenas completava o silêncio lúgubre que se instalou entre as duas.


Sua voz, repleta de inocência e compaixão, resolveu transpassar a linha tênue entre a escuridão e o mistério na face de sua mãe.


- Por que não posso me divertir com eles? São apenas pessoas.


Ela nada disse, apenas seguiram viagem para fora da cidade.


A escuridão da noite atravessava as janelas da carruagem e instalava a dúvida e o medo em Helena.


- Espere...Esse não é o caminho certo, para onde estamos indo? – indagou, assustada, mirando suas orbes negras em sua mãe –


- É melhor esquecer seu jantar hoje Helena. Vou mostrar-lhe de uma vez por todas, o motivo pelo qual você não pode sair.


Gritos foram ouvidos ao longe, cada vez mais raivosos e altos a medida que a carruagem se aproximava.


- Podemos parar aqui – disse em alto tom –


Antes de Helena descer, um cavaleiro meteu-lhe nos pés duas botas de veludo negro, fazendo a menina torcer o nariz em tom de reprovação.


- Por que eles gritam assim mãe?


- Apenas olhe – disse ela suavemente, parando a alguns metros do lugar –


Era uma clareira muito escura, apenas iluminada por algumas tochas de fogo.


O vento parecia açoitar mais cruelmente ali, e as corujas piavam atordoadas pelos gritos dos camponeses.


Ao centro, duas mulheres trajando vestidos brancos, estavam amarradas a dois pilares de carvalho. Suas mãos amarradas e seus olhos tampados. Um homem que segurava uma tocha, bradou em alto e bom som:


- Bruxas! Vocês se arrependem de seus feitiços e práticas diabólicas?


- S-sim...Por favor, não fizemos nada! – gritou a primeira –


A outra, apenas chorava, não mais conseguia falar.


- Ótimo! Que deus tenha piedade de suas almas.


Dizendo isso, ateou fogo aos dois pilares de madeira, atiçando o fogo contra as duas mulheres que apenas gritavam, sem nada fazer.


Ninguém jamais poderia expressar com palavras o horror estampado na delicada face de Helena Ravenclaw.


Seus olhos se encheram de lágrimas e ela escondeu seu rosto em suas pequenas mãos.


- Rowena...- disse uma voz suave – Já é o bastante, não acha?


A mulher se virou, com um sorriso recatado em sua face.


- O que faz aqui em uma noite como essa Godric?


- Isso sou eu quem pergunto Viscondessa Rowena. O que faz com uma criança em um lugar desses?


- Eu esperava mais de sua parte. Sejamos sensatos quanto ao futuro desta criança, presumo que...Andar sozinha e desprotegida pela feira dos trouxas não seja algo bom, não é o nosso território.


Os olhos azuis de Godric miraram com pena a pequena Helena que se debulhava em lágrimas. Voltou sua atenção para Rowena, e após um pesado suspiro, disse:


- Regressarei a Hogwarts essa noite, recebi uma carta de Helga, e ela não me parecia nada feliz com as atitudes de Salazar. Em meus aposentos, poderemos discutir isso melhor.


- Como quiser, Godric.


Mais uma vez, ele tentava decifrar o mistério que era Rowena. Essa era uma das coisas que ele mais admirava nela.


Helena entrou na carruagem, seu semblante era frio e dela não irrompeu nenhuma palavra.


Até o cocheiro transpassava sua pena pela garota, e de minuto em minuto, espiava pela janela da carruagem.


...


Hogwarts estava silenciosa, apenas as paredes de pedra fria falavam entre si, palavras que apenas o vento poderia decifrar.


A porta de mogno se abriu, provocando um ranger fino. Ela dava para um pequeno aposento oval, composto em geral de  uma janela, e uma escrivaninha.


O som crepitante da lareira deixava um ar romântico no ar, se não fosse quebrado pela frieza indecifrável de Rowena, essa não seria a nossa história.


Rowena sorriu sutilmente, pousando as mãos uma em cima da outra e sentando-se a frente de Godric.


- Ainda acordado?


- Estava esperando por você – disse, levantando-se e olhando para fora da janela -


- Sobre o que quer falar?


- Sobre sua atitude cruel para com Helena.


- Cruel? – riu – Pretende criá-la em um mundo perfeito por quanto tempo Gryffindor? Sabe muito bem o que está acontecendo lá fora, principalmente na feira com os trouxas.


- Com os trouxas? Não sabia que você mantinha esse tipo de preconceito Rowena...Sendo assim, é natural que se junte a Salazar.


- O senhor me ofende comparando-me a Slytherin, e não, não mantenho preconceito, mas...Não somos nós que queimamos trouxas na fogueira, não é mesmo? Me diga Godric...O que acontecerá com Helena se a virem praticando magia?


- Não há justificativa para tê-la submetido a tal visão. Elas foram queimadas Rowena! Queimadas! – vociferou Godric –


- Por que está gritando? Deseja acordar o castelo inteiro? – disse Rowena em um tom suavemente irritante, levantando-se da cadeira –


Godric deu um soco na escrivaninha, derrubando a tinta negra pela madeira, manchando alguns pergaminhos que estavam abertos.


- Não irá fugir dessa conversa, ainda não terminamos.


Rowena se virou, então soltou um suspiro e disse:


- Por que insiste em intervir na vida de Helena? Estou educando-a para suceder a liderança de Hogwarts em um futuro próximo. Ela deve ser uma mulher forte, e não uma menina.


- Uma mulher forte, mas não arrogante.


- Ela vai acabar na fogueira Godric!


Rowena se exaltou, mas foi abaixando o tom de voz gradativamente, conforme terminava a frase.


O homem deu um sorriso irônico, colocou as mãos para trás e disse:


- Você sabe mais do que ninguém que verdadeiras bruxas jamais seriam pegas.


- Helena é uma criança Gryffindor. Ela nem chegou aos 11 anos ainda! Ela não sabe executar o mais simples feitiço. Sabe como isso me desgasta?


- Está exigindo demais de uma criança Rowena, é como disse, ela ainda não freqüenta as aulas do castelo, isso é natural.


- Seria se ela fosse uma criança comum, mas ela não é comum Godric, ela é filha de Rowena Ravenclaw, uma das maiores bruxas da Grã-Bretanha.


Helena se sentou arrasada atrás da porta.


Ela sentiu suas forças se esvaírem em suas lágrimas, como podia ser tão inútil? Sua mãe tinha razão, não havia humilhação maior para ela, do que sua filha burra.


- Com os talentos que ela tem, sua única saída vai ser se casar com um nobre.


- Não acredito que esteja pensando em empurrá-la para alguém com tão pouca idade...Você não é mais a mesma Rowena.


Ela riu, contendo-se respondeu:


- Tudo o que eu sempre quis, foi que meus pais reconhecessem meus talentos, mas eles nunca o fizeram. Eu os aprimorei e me tornei o que sou hoje graças às minhas habilidades Godric, e eu prometi a mim mesma, que reconheceria os talentos de minha filha...Mas Helena não tem talento nenhum e eu não vou deixar ela alcançar o sucesso pendurada nos meus feitos.


Rowena fez menção de sair mas Godric pegou sua mão direita e olhou em seus impenetráveis olhos negros.


- Ainda não é tarde Rowena.


Ela engoliu em seco, e juntou as mãos saindo da sala.


A essa altura, Helena já havia corrido para o único lugar em que se sentiria bem, a torre da Corvinal.
E enquanto corria, a rebeldia ardia ainda mais em seu peito, como poderia ter nascido de um ventre tão egoísta e hostil? Helena seria o oposto de tudo o que sua mãe ansiava, pois esse era o seu desejo. 

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