Tédio mata



A água enfurnada nas nuvens de Londres parecia ter se empolgado no ato de precipitar-se sob forma de gotas, pois chovia incessantemente dês do início da tarde. As gotas pipocavam no asfalto,estalavam nas folhas,escorriam pelas janelas. Pingavam,pingavam, continuamente,sem descanso, sem exitar. Um ou outro trovão resmungava em meio àquele mar de cinza nebuloso, seguido por um raio fino e seco. A cidade tomava um banho muito bem tomado á horas, por isso as casas tremiam, enregeladas, enquanto por suas calhas escoavam os pingos de água. Nas calçadas eram poucos os pedestres, pedestres mesmo que tadinhos, empunhando guardas chuvas e escancarando-os sob suas cabeças. Nas ruas muitos carros e pouco trânsito e, graças á lentidão, muita buzinada.

Dos ponteiros do relógio mais famoso do muito escorregava a água, a mesma água que ia despencar na cabeça de algum desavisado que passava derrapando lá embaixo. O Big Bang badalou: agora já eram cinco horas de chuva, cinco molhadas horas sem nem sequer um intervalo de claridade.Nada. São Pedro estava mesmo revoltado...talvez fosse apenas o stress do fim de verão,de férias,de calmaria. Ou talvez fosse mesmo uma vontade louca que ele tinha de inundar a Picadilly Circus, ou ainda de ver a família real atolada no palácio de Buckingham...quem sabe se era apenas um desejo maníaco de transformar o Green Park em um lamaçal de proporções titânicas? Será que o santo queria apenas purificar aquelas almas, dando-lhes um banho de água benta?Ou queria apenas tentar desmoronar a Torre de Londres, obrigar o London Eye a ficar parado, e interditar as avenidas com os imensos e atolados ônibus vermelhos de dois andares?

Fosse o que fosse, o senhor climático estava começando a passar dos limites.

-Chuvinha de verão?! É só uma chuvinha de verão?!-disse Sirius exasperado, ainda com a testa apoiada no vidro gelado da janela.-Eu não quero nem ver o que você considera uma tempestade, Remo!

-Ok Sirius,eu errei... mas dá pra ficar quieto?Eu também estou de saco cheio de ficar aqui!- retrucou o rapazinho,assoprando alguns de seus fios de cabelo acaju,que agora atrapalhavam sua visão monótona da sala de estar da casa dos Potter.

-Eu to entediado!Meu cérebro vai se liquefazer se eu não fizer alguma coisa...-continuava Almofadinhas,agora dando as costas para a janela e se deixando escorregar no sofá como se fosse um pudim em roupas negras.

Tiago, que mais se parecia com um trapo abandonado numa poltrona próxima, gemeu em resposta:

-Eu também to me decompondo Sirius,mas vê se fica quieto e me deixa mofar em paz!

-Não!Eu não quero morrer,Pontas!Não assim,não agora!-Sirius dava á sua voz um tom de desespero desiludido- Preciso me movimentar,agir,fazer qualquer coisa!Minha nossa,isso é degradante!

-Eu também estou cansado de não fazer nada! – frisou Pedro, um gordinho estirado no tapete central em formato de saco de batatas atirado nos fundos de uma cozinha; a barriga virada para o teto, os braços e dedos de suíno arreganhados, as pernas grossas molemente esticadas,os olhinhos de rato vidrados num ponto qualquer do lustre.

Os quatro marotos suspiraram enfadados. Estavam aprisionados dês do início daquele toró, pois a senhora Potter, a anfitriã e responsável pela casa e saúde dos meninos, proibira terminantemente brincadeiras e jogos no jardim até que a chuva passasse. Havia, é claro, um pequeno problema: o que começara como uma inocente garoa se tornara uma infindável chuva de verão, querida e adorada estação do ano que terminaria dentro de uma semana.

Em certo ponto os garotos não tinham do que reclamar: as férias tinham sido ótimas. Sirius viajara com a família Potter para os Estados Unidos, pois fazia quase um ano que o rebelde adolescente não morava mais com sua odiosa família. Os Lupin não tinham deixado seus problemas financeiros atrapalharem o relaxamento de seu filho, o que resultou numa humilde mas deliciosa viajem da família para a casa de seus parentes trouxas,em Liverpool. Remo até mesmo ganhara alguns necessários quilinhos na casa de seus avós maternos e retornara muito mais corado semanas mais tarde. Pedro Pettigrew e sua mãe fizeram diversos e isolados passeios nos primeiros dias também, mas sempre de olho nas horas que Rabicho devia dedicar para os estudos (mesmo de férias, o animago ficara atolado em recuperações e trabalhos extras). É óbvio que Pedro já se acostumara com sua semi-liberdade,já que sempre acabava arrastando as matérias de Hogwarts com a barriga,pés e mãos até seu limite estourar.

A questão é que, muita diversão depois, os rapazes finalmente decidiram se reencontrar. Tiago convidou os marotos restantes para passarem uma última semana de férias em sua casa e ainda sugeriu,mais animado,que fossem juntos para as compras no Beco diagonal ao final do período de descanso. Remo e Pedro aprovaram prontamente a sugestão, e logo lá estavam eles, malas feitas, se utilizando da linha de Flú para alcançarem o lar da família Potter,em Londres, onde encontraram um Tiago de braços abertos e um Sirius muito sorridente os aguardando.

Os pais de Pontas gostavam muito dos amigos do filho.Guardavam um carinho muito especial por Sirius Black,é claro, mas também apreciavam a companhia de Remo. Pedro era meio desastrado e causava certo pânico na mãe de Tiago sempre que entrava na impecável cozinha e se aproximava da prataria, mas era também muito bem tratado. O pai de Tiago se deliciava em conversas quase que profissionais com Aluado durante os jantares,ou ainda em diálogos meio íntimos com o “filho adotivo”;Sirius. Não era,no geral,um sacrifício para o amigável casal Potter manter os quatro marotos juntos durante uma semana, ainda mais porque durante quase todo o dia ambos estavam trabalhando. Henry Potter trabalhava no Ministério da Magia e tinha um cargo elevado o suficiente para lhe garantir um excelente salário, enquanto Judy Potter se orgulhava em ser uma jornalista de peso do Profeta Diário.

Naquele exato e encharcado momento,por exemplo, nem um nem outro adulto se encontrava em casa. Ausentes, os pais de Tiago pareciam ter proporcionado aos garotos o ambiente perfeito para muita diversão e bagunça, ambiente que, graças ás nuvens carregadas, não se concretizara.

-Vamos jogar alguma coisa?-grunhiu Rabicho por fim,sem mover um músculo sequer além dos faciais.

-Ah não!Já jogamos todos os jogos de tabuleiro que tem nessa casa!-lembrou Remo numa voz fatigada. Ele também estava dopado sobre o sofá, ao lado de Sirius. Sentiu por isso o “colchão” se mexer quando o moreno desceu escorregando até o chão e sentou-se sobre o tapete:

-E se a gente sair pelado lá na rua pra tomar banho de chuva?

Tiago roncou num riso enfadonho, enquanto que Lupin chiou num tom céptico:

-Oh,mas é claro!Essa é definitivamente a coisa mais esperta a se fazer numa hora como essa...você primeiro,ok?

-Não esquece de tirar uma foto pra mostrar pra gente depois.-lembrou a voz insípida de Pedro.

-Ah caras, mas isso aqui ta muito chato!-resmungou Sirius metendo a cabeça nos joelhos,que estavam dobrados e acolhidos pelos seus braços fortes.

-Vamos maquiar o Rabicho com as coisas da minha mãe só pra ver como é que fica?-sugeriu Pontas,que se afundava cada vez mais para dentro de sua poltrona. Pedro soergueu-se,apoiado nos cotovelos,para fitá-lo pasmado:

-Hei!Eu estou bem aqui,sabia disso?

-Ah não,maquiar ele não!Aposto que ele faz isso todos os dias...já deve estar acostumado!-riu Sirius.

-Eu ainda estou aqui!

Remo,depois de rir discretamente, opinou de modo mais sensato:

-E se a gente tirar um cochilo?Talvez a chuva já tenha passado depois que a gente acordar...pelo menos não vamos notar a demora.

-Ah não Remo, daí vai ser tempo desperdiçado!Eu quero aproveitar esse fim de férias mesmo estando a bosta que está...-Almofadinhas era sempre agitado nas palavras.E direto também.

-Eu devia ter ficado em casa. –choramingou Pedro.

-Então vai,volta!- resmungou Tiago, desapontado.-Eu não sou o culpado por estar chovendo, caso não tenha notado.

-Calma gente...-pediu Remo.

-Eu to calmo,merda!-repeliu Tiago, jogando as pernas sob o encosto para os braços de sua poltrona, e encostando a cabeça no encosto da outra extremidade, extremamente irritado.

-Sua mãe iria te capar se te visse sentando assim!-lembrou Sirius,gargalhando.

-Que se da...

-TIAGO!

-Tá legal Remo,desculpa! Mas é que eu to nervoso com essa falta do que fazer!

-Todos nós estamos, mas isso não é motivo pra ficar soltando um palavrão á cada instante.-concluiu o sensato maroto, turvando os olhos mel num sinal de desagrado.

Assentindo como se pedisse desculpas uma segunda vez,Tiago ficou mudo. Sirius agora cantarolava mentalmente uma de suas melodias preferidas,enquanto que Pedro,sempre deitado de barriga para o alto,começava a analisar o forro do teto. Remo apanhou um jornal que estava sobre uma mesinha próxima e começou a folhá-lo sem interesse, quando, de repente, algo vindo do Hall de Entrada quebrou aquele silêncio mórbido...



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