Absinto



Londres, 21 de dezembro de 1977.


 


Boa noite!


Bom, talvez não faça sentido começar assim, você provavelmente não lerá isso de noite. Mas aqui, minha flor, a madrugada vai longe ainda. Creio que sabe onde estou, não é?


O outro ser dorme. Porém eu, como sempre, tive uma daquelas minhas crises de insônia por pensar demais nesses assuntos complexos e que deveriam ser muito simples. Comecei a pensar em você.


É curioso, sabe, porque estou de frente a uma foto sua... uma foto que eu mesmo bati três meses atrás. É aquela na qual vocês se abraçam, deve se lembrar que o ser dormente gostou muito dela. Eu olho para a sua imagem e a dele.


Essa madrugada, independente da foto, você entrou na minha mente e começou a lamber meu cérebro sem piedade, persistindo em meus pensamentos e me dando ideias inusitadas. Em toda parte eu via seus traços. Seus traços verdes.


Talvez porque a própria coberta que me estava aquecendo era verde, talvez porque a luz amarela e bruxuleante da vela acesa causasse um efeito curiosíssimo sobre a parede azul, mas eu comecei a pensar todas as coisas que não devia. Ou devia?


Estava me lembrando daquele dia no bosque. O nosso dia, eu sei que você se lembra. Creio que nunca fui tão feliz em minha vida, Lílian, nunca. E, mais uma vez, o seu verde impregnava tudo ao redor, as folhas, as árvores, o próprio ar. O verde nunca mais saiu de mim depois disso, ele se enterrou no meu peito e a própria dor que sinto quando vejo você e Tiago juntos me aparece num tom nefasto de verde escuro.


Mas agora estou tranquilo. Tenho pensamentos calmos e bons, vejo nós dois juntos e o beijo que aconteceu tão espontaneamente quanto a vida. Naquela hora nada importou, não é? Eu só via a imensidão verde diante de mim, um abismo de folhas, esmeraldas, musgos e olhos. Achei incrível o fato de conseguirmos transformar aquilo no melhor dia da minha vida, apesar de todos os sentimentos que vieram depois.


Encontrar Tiago foi cruel para mim, imagino para você. Eu o amo muito, ele é como um irmão, então encará-lo era terrível. Ele havia te conquistado depois de tanto tempo, e eu, que nunca lutei por esse amor, que amei sem esperar nada, havia tido minha parcela de Evans também.


Não é curioso? Ele nunca entendeu porque eu odiava tanto o verde. Não é só por causa daquela casa odiosa, mas também porque você era distante e é muito verde. Digo, não apenas nos olhos. Você tem frescor e acolhe, dá esperança e cuida de todos, e é exatamente essa a impressão que a cor me passa: acolhimento, conforto, esperança.


Esperança de quê?


Eu nunca quis um namoro, uma casa, uma família. Eu até sou romântico, mas não dessa forma, odeio me prender. Então esperança de quê? Talvez de que, no fim, as coisas dessem certo, embora as chances fossem mínimas.


Agora, nesse exato instante, eu desejo do fundo da alma que tudo simplesmente não acabe em lágrimas. Não posso mais olhar para o ser dormente sem ver fagulhas verdes de culpa na frente dos olhos, mas contar o que aconteceu seria encerrar seu namoro e minha amizade com ele. E qualquer chance de nós dois ficarmos juntos, seja sincera.


É, andei pensando nisso, embora seja muito insensato. É algo que não sei se quero, só parece extremamente acolhedor nessa noite fria de inverno, na qual seria ótimo abraçar seu corpo adormecido e me esquentar no aconchego dos seus cabelos. Vê, estou sendo perseguido pelos piores sentimentos. Sensações de vício e impotência. De uma dependência quase física, alcoólica.


Você já provou absinto, Lílian? Se não, deve tomar, porque ele é exatamente igual a você. À primeira vista, é algo verde e muito bonito de se olhar, mas apenas uma bebida. Depois se tem contato com o cheiro, que é anilado, envolvente e por si só embriagante. Mas o gosto... o gosto, minha flor, é forte e intenso, arrebatador. Desce pela garganta como fogo, drena as forças por uma fração de segundo e então as devolve numa explosão esverdeada de fadas e elfos que te possuem a alma e a levam para bailar em volta de uma fogueira na floresta, ao som dos poemas mais belos.


Foi o que aconteceu comigo naquele dia, naquela longa embriaguez de absinto que foi meu dia com você.


Mas agora eu estou encurralado, perseguido por essa imensidão de verde e, sinceramente, não sei o que fazer. Só sei que me dói. Tudo a minha volta me lembra você, mas você não é minha e nunca mais será, porque ama seu namorado e o escolheu.


Olho para o quarto e a vela lança chamas verdes sobre a parede e o pergaminho, a luz da lua passa pelas árvores e entra verde nesse quarto, a roupa de cama tem múltiplos tons desse verde, a água no copo de vidro sobre essa mesa é o mais verde dos absintos. É tudo insano, é tudo verde, é tudo Lílian!


Eu não serei jamais libertado, eu traí meu melhor amigo!


A dor que me corrói nesse segundo é verdadeira, merecida. Eu estou sofrendo e mereço, porque eu nunca penso antes de fazer as coisas. Eu deveria pensar, meus amigos não devem pagar por isso.


Peço desculpas por tudo isso, o dia no bosque, a carta. Mas eu não podia simplesmente dormir sabendo que, duas semanas atrás, estávamos aos beijos por longas horas enquanto Tiago cumpria uma detenção. Foi um dia que começou estranho, eu me livrando milagrosamente de uma punição, sendo que Tiago foi pego pelo tenebroso do Filch, depois Remo e Pedro resolvendo não ir a Hogsmeade para terminar um trabalho que eu (e ainda me espanto com isso) já havia feito na noite anterior. Suas amigas também estavam ocupadas com os namorados e isso a deixou sozinha. Ficamos sozinhos juntos.


Chego a pensar que foi o destino que nos pôs nos bosques de Hogsmeade a sós. Foi a fada verde do absinto que possuo que se livrou e resolveu nos enfeitiçar com seus sortilégios. Mas desculpe por colocar em outros fatores uma culpa que é somente minha.


Peço desculpas também por tê-la beijado repetidas vezes num dia de suave embriaguez dos sentidos. Lílian, você sabe como é difícil para Sírius Black pedir tantas desculpas assim, mas não consigo me manter com esse inferno verde ao meu redor.


E, no fim, estou escrevendo só para dizer que a escolha é sua. Se quiser contar o que houve, tudo bem. Minha vida será um tom de verde muito claro e transparente, de doer os olhos e arranhar a vista. Se não quiser, tudo bem também. Minha vida será um tom quase negro de verde musgo a esmagar o coração. Ambas parecem ruins, não é?


Perdoe-me por deixar esse amor ultrapassar a barreira que eu mesmo havia imposto, e que sei que você muito bem sentia no brilho dos meus olhos quando você sorria tão verdemente. Será assim de novo, se quiser: eu me contentarei em beber o absinto da sua presença, sem me embriagar outra vez. Eu faria isso por você e por Tiago. Mas a quem quero enganar? Eu faria isso por mim também.


A vela se acaba na mesa, então tenho que encerrar. Escolha, pequena. Escolha e me avise, eu acatarei sua decisão.


 


Com amor, S.B.


 


***


 


Comentários?


Bjos, L.W.

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Comentários (5)

  • Diênifer Santos Granger

    Ameeei! Liiindo!

    2013-12-10
  • Vanity Black

    Ai, que lindo *-* Sempre procurei por fics Sirius/Lily legais... É tão dificil D: Linda sua fic, sério *-* Você escreve super bem hahahahahBeijos 

    2013-02-26
  • Neuzimar de Faria

    Você, realmente, escreve muito bem!

    2012-10-17
  • willi santana

    PQP, que carta foi essa??!! arrepiei aqui! nossa..... perfeita, uma explosão de sentimentos muito bem narrada, envolvente, verde, caramba, morrei de pena de Sírus, tão amante dos amigos e altruista... muito boa, realmente mereceu o premio!

    2012-10-15
  • Violettaa

    Perfeito demais adorei *-*Você escreve Super bem, absorvi cada linha vidrada na tela tão perfeito tão lindo que me senti na pele Sirius já que não sou tão romântica, serio você escreve Super bem e me surpreendeu demais...Amei muitooBeijo,beijo ^_~     

    2012-10-07
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