Turning Tables - ON






Close enough to start a war


All that I have is on the floor


God only knows what we're fighting for


All that I say, you always say more


 


Pressionei minhas têmporas levemente, fechando os olhos. Respirei fundo e tomei um gole da minha xícara. Nada poderia ter me preparado para aquela ansiedade, aquele friozinho na barriga.


- Não se preocupe, querida, você vai se sair bem. É só uma aula.


Olhei para meu namorado com o olhar zangado.


- uma aula, Percy? Você tem noção do quanto eu esperei pra ser aprovada no concurso do Instituto? Tem noção do quanto esse emprego é bom?


Ele pareceu desconcertado e tocou meu rosto com afeição.


O gesto me acalmou um pouco. Aquele olhar envergonhado dele era uma verdadeira fofura. Mesmo que escondesse certa ignorância. Ele não tinha mesmo nenhuma ideia de como eu tinha me esforçado pra chegar aonde cheguei. Certamente, sou a professora mais nova que o IBDE – Instituto Britânico de Dragões e Esfinges – já contratou em uns bons anos. Quarenta, disseram.


- A única coisa que eu quis dizer é que você vai se sair bem.


- Assim espero. – Murmurei.


- Carlinhos mandou boa sorte no seu primeiro dia de trabalho. – Ele sorriu, obviamente querendo me agradar, mas as lembranças despertadas não eram tão amáveis quanto suas intenções.


Quando nos formamos Hogwarts, estava embevecida pelo meu sonho de estudar dragões. Consegui aprovação na mais conceituada universidade egípcia, uma das melhores do mundo. Só que Percy não partilhou minha empolgação. Terminamos um relacionamento de dois anos. Mas, num golpe do destino, três anos atrás - quando comecei meu mestrado - nossos caminhos se cruzaram novamente. Eu precisava muito dos conhecimentos de Carlinhos Weasley, um excelente criador de dragões. Procurei Percy para que ele me ajudasse a contatar o irmão. Foi então que retomamos a relação.


- Carlinhos... ele sempre me apoiou no que eu quis. Você, por outro lado... – Comecei, contendo-me para não iniciar outra discussão.


Percy me olhou contrariado, e percebi que não havia me contido o suficiente.


- Você sabe que eu não poderia aguentar um relacionamento à distância, Penélope. Não sou esse tipo de homem.


- Não é o tipo de homem que faz sacrifícios por amor?


- O que você esperava? Que eu largasse meu emprego e ficasse esperando parado você terminar a aulinha do dia?


- Você poderia esperar dentro de alguma tumba também, eu não me importaria. – Respondi, ofendida.


Ele me mirou com desaprovação.


- Isso não fez sentido algum. E não quero voltar nesse assunto. É passado. Por que você insiste?


Bufei e contei mentalmente até dez.


- Você tem razão. Não vamos retomar isso agora.


- Nem agora e nem nunca, Penélope. Estamos juntos, não estamos?


Teoricamente.


- Tenho que ir. – Levantei-me e depositei um beijo seco em sua bochecha. – Vejo você mais tarde?


- Claro, claro. – Ele assentiu, erguendo sua xícara.


Aparatei. Depois de pegar a informação na recepção, fui até a sala de aula. Respirei fundo novamente antes de abrir a porta. A maioria dos alunos já estava em sala. Sentei e esperei cinco minutos para que cessassem as conversinhas e para que os que estavam de fora se acomodassem devidamente.


- Bom dia. Meu nome é Penélope Clearwater e eu serei a professora de vocês em Estudo dos Dragões Ancestrais...


Quando eu ia me erguer, esbarrei na mesa e um dos meus livros caiu no chão com um baque surdo. Algumas risadinhas encheram a sala e eu me desconcertei, nervosa.


Uma aluna com longos cabelos loiros, sentada na primeira fila, levantou-se rapidamente e pegou o livro para mim.


- Ah, obrigada...                                                                  


- Imagina. – Ela sorriu e suas bochechas coraram.


- Bom... – Comecei, quando a aluna voltou para seu lugar. – Esse livrinho minúsculo de duas mil páginas que acabou de cair – Ergui com as duas mãos o enorme exemplar de “Dragões seculares e seus mistérios” – É o livro texto que iremos utilizar.


Mais algumas risadinhas, e finalmente consegui me descontrair.


Afinal, o primeiro dia de aula não foi tão assustador assim.


 


I can't keep up with your turning tables


Under your thumb, I can't breathe


Senti certa resistência ao passar pelo Feitiço de Proteção de Aparatação quando entrei na casa de Percy, o que provavelmente significava que ele estava desgastado e precisava de reparos. “Assim como nosso relacionamento”, acrescentou uma parte maldosa da minha mente. Afastei essa questão para longe e fiz uma anotação mental para cuidar do feitiço outra hora, pois a última coisa que eu queria fazer no momento era manutenção de feitiços domésticos. 


 


Sobre a mesa da sala e o sofá havia uma habitual caótica, porém não desorganizada, pilha de pergaminhos, e debaixo dela o olhar concentrado e sério de meu namorado. Ele tirou os óculos para me dar um beijo no rosto quando me sentei ao seu lado por apenas um segundo e não desviou a atenção do trabalho.


- Oi, Penne.


- Você parece concentrado. Algo sério? - perguntei massageando meu calcanhar esquerdo após tirar o sapato de salto.


- O de sempre. Você?


- Nada excepcional também. - reprimi automaticamente o desejo de conversar sobre minha nova turma, não era um assunto interessante ou importante. - Já jantou?


- Não. Você prepara alguma coisa?


- Sim. Alguma sugestão?


- Não, nenhuma.


Levitei meus sapatos e os de Percy (que parecia sofrer de uma total e completa incapacidade de encontrar a sapateira tanto na hora de calçá-los quanto de guardá-los) organizando-os em seus respectivos lugares e fui tomar banho.


Senti o prazer da água quente desfazendo os nós endurecidos do meu corpo como se fossem uma poção caseira antitensão muscular e deixei minha mente vagar superficialmente para alguma receita fácil.


Percy ainda estava trabalhando quando voltei para a cozinha.  Por menor que fosse a refeição, eu gostava de uma mesa perfeitamente organizada, por isso fui arrumá-la enquanto alguns legumes se auto-picavam e a água fervia. Vantagens das bruxas donas de casa. Eu estava terminando de organizar os utensílios caprichosamente quando uma coruja desastrada adentrou pela janela da cozinha.


A ave voou baixo e esbarrou no meu arranjo de flores, espalhando água e cacos de louça por toda a minha mesa. Ela soltou um pio resmungão enquanto continuava seu caminho até meu namorado, que erguera os olhos, intrigado, com a bagunça. 


- Droga. - resmunguei baixinho. - Reparo. De quem é?


- Trabalho.


- Essa hora?


- Sim. Aparentemente, Audrey teve problemas ao agendar aquele almoço de terça-feira.


Bati a faca sobre a última cenoura, interrompendo o encantamento com brutalidade ao ouvir a informação.


- Essa mulher de novo, Percy?


- Não, querida. Imprevistos no trabalho de novo.


- Você sabe qual a definição de “imprevisto”, Percy? Quando uma série de acontecimentos começa a ocorrer frequentemente, esperadamente, deixa de ser um imprevisto.


- Penélope...


- Essa Audrey está sempre arrumando desculpas para estar perto de você.


- Bem, pelo menos alguém faz isso em vez de arrumar desculpas para brigar o tempo todo.


- O que você disse?


- Nada, Penélope, nada.


- Você está dizendo que a culpa disso é minha? Que eu não tenho o direito de querer meu namorado apenas pra mim após um dia cheio e cansativo de trabalho?


- É claro que você pode, mas você não pode reclamar quando tenho que resolver alguma coisa. Por Merlim, você nem está aqui, você está cozinhando!


- Eu não precisaria estar cozinhando se você ao menos se dignasse a colocar um legume pra se auto-picar antes de eu chegar! Ou ao menos eu não precisaria estar cozinhando sozinha, se você me ajudasse a pôr a mesa.


- Você está brigando comigo por que não sou bom em feitiços domésticos?


- Não são os feitiços, caramba! São as intenções, as tentativas, o interesse. Estou cansada de você andando com trabalho pra lá e pra cá. E certamente estou cansada de dividir a atenção que você me dá, que já é pouca, com essa mulher.


Ficamos calados enquanto eu me focava em terminar a refeição, que foi servida e consumida alguns minutos mais tarde num jantar monossilábico.


Não disse mais nada enquanto organizava a cozinha depois de comermos, e até os feitiços de limpeza foram não verbais.  Como sempre, deixei minha mente vagar por assuntos triviais como as apostilas que eu tinha que pegar para a turma nova, o botão que eu precisava pregar na minha veste do dia seguinte, e até mesmo em um documentário sobre mulheres que escolhiam a área prática do estudo e criação de dragões.


Fui me deitar assim que terminei o trabalho e felizmente não demorei a cair no sono. Só acordei provavelmente horas depois, quando Percy veio se deitar, o mais afastado de mim possível, do outro lado da cama, de costas para mim. Eu até quis, mas não consegui dizer nada. Também não consegui voltar a dormir.


Na manhã seguinte, despertei sem vontade, e tive que me arrastar para fora da cama. Percy já havia saído, provavelmente por causa de mais um imprevisto anunciado por Aubrey em mais uma de suas incontáveis corujas urgentes logo cedo, ou para simplesmente me evitar. Talvez os dois.


Sentei-me para comer sem vontade. Sempre detestei comer sozinha. Entre uma garfada na panqueca de morango, que, inclusive, eu havia errado no ponto, transformando a massa supostamente leve e fofa em uma borrachuda e sem gosto, notei que a carta de Aubrey ainda jazia sobre a mesa. Não resisti.


 


Percy,


Desculpe-me incomodá-lo a essa hora, mas surgiu um problema com aquela reserva para a reunião com o pessoal do departamento.


Decidi passar no Feitiço Dourado ainda hoje para realizar a reserva por conta da temporada de convenções bruxas, mas infelizmente eles já não tinham mais mesas disponíveis.


Como solução, sugiro que a reunião seja remarcada para o mesmo horário na quarta-feira.


Também podemos manter o dia e remarcar o horário para duas horas mais tarde.


Já verifiquei e eles ainda possuem mesas disponíveis para ambos os casos.


Ou podemos ainda manter o dia e o horário, mas trocarmos a recepção do Feitiço Dourado pela não menos agradável do Magia Russa.


Peço desculpas pelo transtorno e fico no aguardo de novas instruções.


Tenha uma boa noite,


Audrey.”


 


O conteúdo da carta não parecia inapropriado e nem continha nenhuma informação desconhecida por mim, mas ainda assim, era de Audrey.


Audrey. Não Aubrey. Sempre prestativa, sempre atenciosa, sempre adiantando trabalho, prevendo problemas, trazendo as melhores e mais variadas soluções. Sempre rondando. 


Eu definitivamente odiava aquela mulher.


E talvez, por causa de minha já fundada antipatia por ela, eu tivesse sido injusta com Percy. Talvez, e apenas talvez, ele tivesse razão ao reclamar das brigas que eu começava. Talvez.


 


So I won't let you close enough to hurt me


No, I won't ask you, you to just desert me


 


Por via das dúvidas, decidi dar uma passada rápida no Ministério antes de ir para o Instituto. Levei comigo alguns muffins de abóbora e café, porque, se eu bem o conhecia, não devia ter tomado café da manhã.


Cumprimentei uns dois ou três colegas do meu namorado antes de conseguir chegar à sua sala. Encontrei também o Sr. Weasley, meu futuro sogro, que me levou alguns bolinhos em segredo. “Molly odeia comida industrializada, consideraria isso alta traição” disse ele me arrancando um sorriso.


Mas esse sorriso morreu no instante em que entrei na sala de Percy. Engoli em seco, arrependendo-me de ter ido até ela instantaneamente.


Aparentemente eu não havia sido tão injusta ou chata na noite anterior, ou ao menos ele não estava se importando. Audrey estava sentada na mesa de Percy e ele estava parado perto dela, perto demais, segurando seu braço intimamente. E os dois riam com algum comentário espirituoso e divertidíssimo.


Ela parou de rir levantando-se imediatamente e assumindo uma postura séria quando me viu.


- Olá, senhorita Clearwater.


Minha única resposta foi um olhar frio e arrogante, como se eu me sentisse superior por ela ser uma empregada. Não que eu realmente pensasse assim, mas não me importei em deixar essa imagem transparecer. Ela podia se sentir mal o quanto quisesse perto de mim, eu não ligava.


- Penélope, você trouxe café. - ele sorriu, quase que desconcertado. Quase, porque Percy Weasley jamais ficava desconcertado.


- E bolinhos. - forcei a educação para fora de minha garganta, arranhando e ardendo.


- Obrigado. - disse ele antes de pregar um beijo rápido na minha testa.


- Você já tomou café?


- Bem, sim...


Só então eu notei as duas canecas ainda fumegantes sobre a escrivaninha dele.


- De qualquer forma, o que te traz aqui?


Procurei uma lista mental de mentiras e desculpas rápidas imediatamente, mas nada pareceu surgir em minha mente, por isso disse a verdade. Ou metade dela, pelo menos.


- Nada.


- Como assim?


- Nada, Percy. Tenham um bom dia.


 


I can’t give you what you think you gave me


It's time to say goodbye to turning tables


To turning tables


 


Olhei para o meu relógio de pulso e meu sangue ferveu. Ótimo. Eu estava atrasada.


- Desculpe pelo atraso, classe, tive alguns contratempos...


Entrei apressada e logo percebi que estava falando para apenas três alunos.


- Está tudo bem, professora... ninguém chegou ainda.


Olhei para a garota loira e segurei uma resposta nada educada. Ela não tinha culpa alguma pela estupidez de Percy.


- Muito bem. E você sabe me dizer por que isso, senhorita...


- Greengrass. – Ela respondeu rapidamente. – Bom, a mãe de um dos nossos colegas faleceu... a maior parte da turma foi acompanhá-lo no velório.


- Ah... – Olhei para os alunos restantes. – E vocês não foram com eles?


- Ficamos para ver se a senhora vai dar alguma coisa importante. – Um garoto franzino, no melhor estereótipo de nerd, falou.


- Não... não, claro que não. Vocês devem ir. Mostrar algum apoio... além do mais, eu não posso dar aula com menos de 10% dos alunos presentes.


Ele se levantou juntamente com outro aluno.


- Bom, não sabemos ainda que tipo de professora você é, né? Ano passado, quando a maioria das pessoas faltou, tivemos uma prova surpresa. – O outro disse com uma careta.


Eu sorri.


- Não se preocupem.


Quando eles saíram, eu olhei para a garota loira.


- A senhorita não vai?


- Posso te mostrar uma coisa, professora? Aproveitando que não tem mais ninguém aqui... - Ela veio até mim e falou, em um tom de voz empolgado.


Aquela frase definitivamente soaria estranha se não viesse de uma mulher.


- Erm... claro, senhorita...


- Greengrass. – Ela completou pacientemente. Bem, eu não era a melhor do mundo em decorar nomes. – Mas você pode me chamar de Daphne.


- Isso não seria muito ético, não é?


Ela sorriu para mim, mostrando os dentes perfeitamente alinhados, e começou a erguer a blusa. Meus ombros se tencionaram, mas, antes que eu pudesse falar alguma coisa, eu vi o que ela gostaria de me mostrar.


- Uau. – Disse baixinho. Analisei a pele exposta com admiração. – Eu nunca vi algo assim. E olha que já vi muitas cicatrizes de cauda de dragão. Não, não... não pode ser... uau...Causada por um Aborígene Dourado? Pelo padrão dos pequenos losangos ao lado da linha principal... Caramba... por volta quatrocentos e setenta anos?


O sorriso da mulher se estendeu.


- Quatrocentos e setenta e dois. Fui a campo nas minhas últimas férias. Os dragões australianos são fantásticos. Esse espécime principalmente... foi preciso uma força tarefa de quarenta bruxos para que conseguíssemos tratar de seu ferimento na articulação da asa.


- Imagino. Os dragões ficam mais fortes com o tempo. Até certo ponto, logicamente... Os Aborígenes Dourados chegam à sua força máxima com quinhentos anos. Espécie rara. Merlin, extremamente rara... alguns especialistas dizem que estavam extintos... os recentes livros textos nem mesmo os mencionam.


- De fato... os criadores disseram que foi o único visto em mais de cem anos.


Não aguentei. Minha emoção era grande demais. Perpassei a cicatriz com a ponta dos meus dedos, e depois com a palma inteira. Era incrível. Eu havia visto fotos, mas uma cicatriz causada por um dragão tão raro... ao alcance das minhas mãos... então eu caí em mim e afastei-me hesitante.


- Me desculpe... eu não resisti.


Não pude deixar de notar que a pele da mulher havia ficado levemente arrepiada. Tive certeza de que minhas bochechas estavam se colorindo.


- Tudo bem, você pode tocar. – Ela disse com a voz baixa, seus olhos verdes fixos nos meus.


Aquilo era... uma insinuação? Não, não. Claro que não.


Sorri gentilmente e me levantei.


- Uau. Obrigado por me mostrar isso... Greenlass?


- Greengrass. – Ela sorriu.


Sorri de volta. Eu não me esqueceria mais.


Under haunted skies I see you oh


Where love is lost, your ghost is found


I braved a hundred storms to leave you


As hard as you try, no, I will never be knocked down


 


De certa forma, a cicatriz havia elevado meu ânimo. Fez-me, ao menos, ignorar o que havia acontecido de manhã. Audrey podia ser aquela secretária perfeita e proativa que adiantava e aprontava tudo o que o chefe queria de antemão, sendo o cúmulo da eficiência. Ela podia até ter aqueles olhos grandes e aquele cabelo naturalmente sedoso, mas ela não era a namorada de Percy. Na verdade, Audrey não era nada, nada na vida dele. Percy era meu e eu pertencia a ele, eu era tudo. Ele só precisava se lembrar disso. Portanto, eu precisava ajudá-lo. 


Faltava romance no meu relacionamento. Faltava chama. Faltava lembrar-nos com mais frequência de todos os motivos pelos quais nos amávamos. Apesar do cansaço e de todos os atritos que ultimamente não vinham sendo pouco, resolvi tomar uma atitude. Percy não era tão chegado a sentimentalismos, por isso achei melhor investir mais na parte sensual da coisa.


Quando cheguei em casa no começo da noite, tudo estava perfeitamente limpo e em ordem, então só precisei cuidar de mim mesma e do meu novo conjunto vermelho de lingerie antes de lidar com pequenos detalhes como cabelo solto, o perfume certo e o salto mais sexy.


 


Dei atenção especial também à letra caprichada e o papel apropriado para escrever


 “Lembra daquela sua vontade que prometi realizar? Chegue mais cedo em casa e surpreenda-se.”


Depois disso, apenas esperei.


Mas Percy não chegou mais cedo. Isso me irritou e eu tive que fazer muito, muito esforço para não desistir da coisa toda e ir dormir. Mas eu estava fazendo isso por nós, e era necessário, então apenas tive paciência e encontrei a grande força de vontade necessária para não reclamar quando ele entrou.


Tirei o paletó de Percy deixando minhas unhas compridas e feitas passarem por ele, arranhando-o de leve. Abri um sorriso largo ao sentá-lo no sofá.


- Uau, Pen! - foi tudo o que ele conseguiu dizer.


- Não recebeu meu bilhete? - não resisti à cobrança, mas a fiz enquanto beijava seu pescoço.


- Sim. - disse ele. - Desculpe-me, não consegui sair mais cedo. Mas também não consegui parar de pensar em você.


- Tudo bem. - menti forçando minha voz em um tom agradável em seu ouvido. - Temos a noite inteira.


Percy me beijou tentando tirar meu sutiã, mas eu não deixei. Afastei suas mãos para trás enquanto eu mesma o retirava.


- Você não vai me deixar te tocar? - perguntou, mas estava sorrindo.


- É claro que vou. - sussurrei contra seus lábios, livrando-me de suas vestes. - Mas só quando eu quiser.


Havia um volume em seu casaco quando eu o tirei do caminho.


- O que foi isso? - perguntei, sem dar importância.


- Nada. - disse-me, beijando meu pescoço. - Eu te amo.


Sorri entre os beijos e abri minha boca para dizer que também o amava, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa avistei um pedaço de pergaminho bem ao meu lado no sofá.


Em uma letra perfeita estava escrito:


 


“Vi isto no Beco Diagonal e lembrei-me de você.


Não que seja do seu nível, é claro, mas poderia ser útil ao nosso futuro ministro.


Você é muito especial, Percy.


Audrey.”


 


- O que é isso? - exigi, parando tudo o que estávamos fazendo imediatamente.


- Isso o quê? - perguntou, claramente aborrecido por eu parar.


- Esse pedaço de pergaminho que caiu da sua roupa!


- Não é nada importante.


- Se não é importante, por que eu não posso saber?


Saí de cima dele e fui até a peça, ridiculamente caída no chão. Dentro do bolso interno havia uma longa caixa aveludada, parecida com uma caixa de joia. Respirei fundo quando seu conteúdo caro e fútil revelou-se para mim. Havia uma pena ornamental dentro da caixa, mas não era uma pena ornamental qualquer, ela pesava algumas boas centenas de gramas e possuía detalhes vermelhos por toda sua extensão. Sem mencionar que era feita de ouro puro.


- Isso não é nada importante?


- É uma lembrancinha.


- Percy, isso aqui é feito de ouro! Quantos galeões essa mulher deu nisso aqui? Não posso nem imaginar!


- Ela conseguiu um aumento de salário graças a uma recomendação que fiz com nosso superior, ok? É um jeito que Audrey julgou apropriado para agradecer.


- Não, Percy! Essa mulher está se oferecendo pra você! - exclamei.


- Você vai começar com isso de novo? - acusou ele, irritado.


- É claro que vou. Você é o meu namorado! O meu!


- Sim, eu sou. - disse com um suspiro. - Você sabe disso. Eu sou seu, não dela.


Sentei ao lado do meu namorado novamente e suspirei encarando a lembrancinha de sua assistente. De repente minha cabeça estava muito pesada e eu sentia muito sono.


Levantei e fui para o quarto. Quando percebeu que eu não ia dizer mais nada, Percy me seguiu e me puxou pela cintura para si.


- Pen, essa noite não era pra ser sobre nós?


- Sim, era.


- Então por que você não esquece isso e pensa em nós?


- Porque agora a noite já se tornou sobre ela.


Ele respondeu com um suspiro, voltando para o seu lado da cama. 


Encolhi-me, pensativa, isolada do meu lado. As discussões eram tão frequentes que eu nem tinha vontade de chorar mais. Era apenas ok. Eu sabia que ia ficar tudo bem, e que ao mesmo tempo não ia. Eu não sentia e sentia ao mesmo tempo. Eu só queria... nada. Eu não queria nada. Eu só queria que ele não falasse mais comigo durante aquela noite, mas que também não fosse embora.


 


I can't keep up with your turning tables


Under your thumb, I can't breathe


 


Os dias passavam e minha rotina com Percy era quase insuportável. Questionava-me sempre se deveria continuar assim. Mas a grande verdade é que eu não tinha coragem suficiente para largá-lo. Quer dizer... depois de tudo que passamos, aquilo só poderia ser mais uma fase ruim... só mais uma fase ruim.


Se no âmbito pessoal eu estava cada vez pior, no profissional não poderia estar melhor. Meu trabalho. Eu o adorava. Por vezes chegava a pensar que gostava mais de dragões do que de pessoas. E olha que minha especialidade nem ao menos era campo, e sim estudos teóricos.


Cheguei em casa exausta depois de um dia cheio. Foi marcada uma reunião com a diretoria no fim do expediente. Tudo que eu queria fazer era tomar um banho e dormir. E eu realmente o faria, se não fosse sexta-feira.


Toda sexta meu namorado vinha até minha casa, e nós jantávamos algo um pouco mais especial. Pelo menos era a intenção, já que eu não tinha certeza se ele reparava sempre.


  Com um suspiro, comecei a cozinhar. Já estava quase terminando quando ouvi um estalo na porta, indicando que Percy havia chegado.


- Olá, Penne. – Ele entrou sorridente, com um pacote nas mãos.


- Olá, querido. – Beijei seus lábios rapidamente e voltei minha atenção para a frigideira, antes que os camarões fritassem demais.


- Meu bem, por que você está cozinhando? Eu não avisei que traria comida hoje? Passei no nosso restaurante preferido antes de vir até aqui.


Olhei para ele e então para o pacote, frustrada.


- Não, Percy. Você não avisou.


- Mas Pen, eu... – Então seus olhos se desfocaram e ele murchou. – Ah... Audrey deve ter esquecido... tivemos o dia tão cheio no escritório, não paramos um segundo...


- Claro. De comprar presentes para você ela não se esquece, agora de me avisar uma coisinha tão simples... claro, ela deve ter tido um breve lapso na memória. – Exclamei irritada, brandindo a varinha para desligar o fogo.


Marchei decidida até o banheiro, mas, antes que eu pudesse entrar, senti um toque no meu braço. Virei-me furiosa.


- O que você quer? Eu vou tomar um banho!


Percy rolou os olhos como se estivesse pedindo paciência. Aquilo me irritou ainda mais.


- Penne... Eu termino de ajeitar o jantar, podemos guardar o que eu trouxe para o almoço de amanhã, que tal? Enquanto isso você toma seu banho. Depois de comermos eu lavo a louça, não se preocupe mais. – Ele beijou o topo da minha cabeça, e parte da minha mágoa esvaiu-se. Percy não era de fazer serviços domésticos. 


Entrei no box do banheiro consideravelmente mais calma, mas não durou muito. Logo comecei a me perguntar por que ele estava sendo tão atencioso. “Tivemos o dia tão cheio no escritório, não paramos um segundo”... Então as inseguranças ocuparam todo o lugar da tranquilidade, e meu banho relaxante, de relaxante, não teve nada.


Jantamos, como sempre, sem muita conversa. Quando nos deitamos, Percy até ensaiou alguma coisa além de uns parcos amassos, mas não havia clima. Dormimos cada um em um lado da cama, como estranhos.


Acordei com um barulhinho irritante na janela. Ainda meio zonza, vi uma coruja carregando uma pequena caixa e uma carta. Recebi a carga e observei sonolenta a ave balançar as penas orgulhosamente antes de levantar voo.


O pacote estava cuidadosamente embrulhado em um papel simples. Desembrulhei-o e demorei um segundo para entender do que se tratava. Então meu sono passou rapidinho quando eu me toquei do que era. A caixinha, feita de vidro, claramente tinha o propósito de expor o que havia dentro como se fosse um objeto de decoração qualquer. Mas não era.


Rompi o lacre da carta e meu queixo caiu enquanto eu lia.


 


“Penélope,


Recebi esse fóssil de presente de um amigo arqueólogo. Como talvez tenha suposto, sou encantada pela criação de dragões, e prefiro trabalhar diretamente em campo. Cerca de duas semanas atrás você comentou em sala de aula que estava pesquisando a fundo os já extintos dragões egípcios. Pensei, portanto, que essa pequena relíquia pode ser muito melhor aproveitada por você.


Estou repassando-a porque espero realmente que ela ajude em seus estudos, e que você consiga compreender ainda mais os enigmas que envolvem os dragões ancestrais.


Sinceramente,


Daphne Greengrass”


 


Levantei-me e fui até o escritório, ainda perplexa. Calcei minhas luvas e coloquei meus óculos especiais, antes de abrir a caixa de vidro.


Mirei um perfeito exemplar de escama fossilizada de dragão. Faraó de areia. Um dos mais admirados dragões egípcios, muito embora a maior parte de suas características ainda fosse um mistério.


Perdi a noção do tempo enquanto analisava o fóssil. Com alguns feitiços, descobri que a escama pertencera a um dragão fêmea, que morreu jovem. A causa da morte, contudo, estava particularmente difícil de sondar, e eu nem ao menos havia tentado procurar as propriedades mágicas. Era necessário levá-la para o laboratório do Instituto a fim de realizar um levantamento mais profundo dos dados.


Peguei novamente a carta e a reli. “Penélope” foi como ela me chamou. Não professora. Não Srta. Clearwater. Penélope.


Lembrei-me de Daphne na sala de aula. A primeira a chegar, a última a sair. Sempre muito participativa, à frente de todos os outros alunos. Interesse demasiado por uma matéria que nem ao menos fazia parte de sua área de atuação.


Então eu me lembrei de Daphne fora da sala de aula. Sorrisos fáceis, toques casuais no fim da aula... Olhos brilhando que - eu me recusava antes a acreditar - revelavam segundas intenções. Cabelos loiros compridos, sempre bem cuidados. Curvas balanceadas, um olhar firme e seguro.


Aquele presente... superava qualquer dúvida. Ela estava flertando. Estava claramente flertando. E aquilo não me perturbava. Era o contrário. Sentia-me lisonjeada.


Ouvi umas batidas na porta e balancei a cabeça pra espantar aquele pensamento.


- Penne? – Percy abriu a porta. – Você vem tomar café?


- Já estou indo. – Respondi.


- Venha antes que esfrie. – Ele disse antes de sair.


Depositei cuidadosamente a escama fossilizada na caixinha e guardei meu material de análise.


Levantei-me decidida a dar atenção ao meu namorado.


- O que estava fazendo tão cedo no escritório, querida?


- Você não vai acreditar! – Disse entusiasmada. – Eu ganh... consegui um fóssil de uma escama de dragão! Vai ser de excelente ajuda para aquela minha pesquisa...


- Que bom! – Ele me serviu chá. Parecia realmente arrependido pelo descuido da noite passada.


Mirei-o criticamente.


- Você não se lembra da minha pesquisa, não é mesmo?


Percy ao menos se deu ao trabalho de parecer desconsertado.


- Você tem tantas, Pen...


- Eu te falei dela esses dias! Te disse que estou empolgada! Como você não se lembra?


Ele permaneceu em silêncio, então eu suspirei.


- É uma pesquisa para o próximo livro que pretendo escrever. Sobre dragões egípcios já extintos.


- Ah! – Ele exclamou. – Que legal.


Voltei-me para minha xícara, mais resignada do que qualquer outra coisa. Percy não se importava nem um pouquinho com o que eu fazia. Provavelmente achava perda de tempo o estudo de criaturas que nem existiam mais... eu quase podia ler seus pensamentos.


É. Definitivamente tinha vezes que eu preferia dragões a pessoas.


 


So I won't let you close enough to hurt me, no


I won't ask you, you to just desert me


 


Aquele dia a aula foi corrida. O conteúdo era extenso e complexo, e muitos alunos não conseguiam acompanhar. Alguns poucos, no entanto, pareciam absorvê-lo com facilidade. Daphne Greengrass estava entre esses alunos, o que, francamente, me impressionava, mas não surpreendia.


Aparentemente ela era excelente aluna em todas as matérias, mas em nenhuma era tão participativa quanto na minha, especialmente no núcleo que abrangia a área teórica, pois ela havia optado pela especialização prática.  Certamente Daphne não mandava presentes raríssimos para os outros professores. O curioso, entretanto, não era como ela se portava nas minhas aulas ou de terceiros, e sim o fato de que eu havia me importado o suficiente para perguntar.


- Então a senhora vai mesmo revisar a matéria antes da prova? Posso contar com isso?


- É claro, senhorita...


Não consegui prosseguir. Eu não me lembrava o nome da aluna magra e preocupadíssima com suas notas na próxima prova, eu não tinha nem ideia. Talvez o olhar firme de certa outra aluna loira ainda sentada na primeira fila claramente enrolando para terminar de copiar as anotações do quadro estivesse desviando meu foco.


- Thompson. - lembrou-me a garota.


- É claro, senhorita Thompson. Ainda vamos tratar do assunto por algum tempo, então não há com o que se preocupar. - garanti.


- Obrigada.


Observei o último aluno – além de Daphne – sair da sala logo após a garota Thompson enquanto guardava meu material. Quando terminei, apontei a varinha para o quadro.


- Terminou, senhorita Greengrass? Posso apagar?


- Sim. - disse ela ao levantar-se convenientemente terminando a lição naquele exato momento.


Apanhei minha bolsa e caminhei até ela, diminuindo o volume da minha voz.


- Em situações comuns, eu diria que não posso aceitar, que é demais e você deveria ficar com ele. Mas, me desculpe, não posso recusar um couro do Faraó de Areia. Eu nem tenho palavras para agradecer.


- Acho que acertei então.


- Bem, você me mandou a pele de provavelmente um dos últimos dragões da face da terra de uma espécie rara. Estou segura de que você acertou. - parei, sorrindo. - Obrigada. Mesmo. Eu estou fazendo esse estudo para um livro e -


- Sim, você comentou que só precisava de mais informações e material de estudo. Por isso quando vi o fóssil lembrei-me de você imediatamente.


- Você tem uma memória espetacular, Greengrass.


- Daphne, por favor. - corrigiu.


- Você se daria muito bem nos estudos teóricos, Daphne. Não sei por que optou pela prática...


- Não que os estudos não sejam fascinantes, Penélope, mas eu realmente, realmente poderia listar mil motivos pelos quais escolhi a prática.


- Olha... eu estou morrendo de fome, ia passar em algum lugar pra comer. Por que você não vem comigo e me explica alguns?


Daphne abriu um largo sorriso.


- Claro.


Pensei em ter ouvido um “só estava esperando você dizer”, mas tenho quase certeza de que as palavras foram pronunciadas apenas na minha mente.


- Você tem algum lugar preferido?


- Na verdade não. Você?


- Humm... não também. - sorrimos. - Mas tenho uma ideia.


 


- Para uma cafeteria de escola, essa comida está realmente muito boa.


- Desculpe te fazer comer aqui.


- Não se preocupe, já comi piores.


- Não está tão ruim. - protestei.


- Foi o que eu disse.


- Eu não tenho muito tempo, - comecei após um longo gole no meu suco de abóbora – antes da próxima aula. Sempre digo que vou aparatar para outro lugar nas redondezas, mas sempre acabo aqui.


- Então sua tão falada zona de conforto é almoçar na cafeteria do Instituto? Nada mal, huh?


- Quem me dera. - soltei sem pensar.


Daphne abriu a boca para dizer alguma coisa, mas preferiu calar-se.


- Seja lá o que for, você sempre pode mudar. - continuou após alguns segundos de silêncio constrangedor.


- Eu não sou exatamente o tipo que faz mudanças radicais.


- E quem disse que precisa ser radical? Você pode começar pedindo um molho diferente para a salada amanhã.


Sorri.


- Pelo menos ninguém poderá te acusar de não estar tentando.


- Uma pessoa que pede um molho diferente para a salada querendo sair de alguma situação de zona de conforto não está realmente tentando.


- Bom, foi só uma sugestão. Eu não disse que você não pode realmente tentar o radical. - o duplo sentido estúpido da última frase ficou evidente não só pelo tom de voz que ela utilizou, mas também pelo tanto que ela se inclinou para mim ao dizer as palavras, encarando minha boca.


Mas isso só durou um segundo, porque assim que ela notou meu choque momentâneo, voltou para seu lugar sorrindo e jogando o cabelo para trás, expondo seus ombros, o que me lembrou de outro tópico, menos inapropriado.


- Como estão suas costas?


Daphne encarou seu prato por um momento, sorriu e até coçou o rosto antes de me olhar novamente e responder.


- Estão ótimas. Pode parecer loucura, mas... é quase como um troféu, quase como uma tatuagem muito, muito especial. - ela parou e me olhou, ainda sorrindo, como se para saber se eu estava achando aquilo alguma esquisitice bizarra. - Eu meio que gosto dela... a cicatriz. Muito bizarro?


Balancei a cabeça, rindo.


- Eu entendo perfeitamente.


- Entende?


- Sim. A paixão por dragões é inexplicável, e, cá entre nós, meio bizarra por si própria.


Ela riu comigo.


- E tem mais.


- Merlim.


- Quando tocam a cicatriz, eu não sinto como sinto quanto tocam as outras partes da minha pele. Sinto como um rastro de calor, apenas um grau antes de realmente queimar, mas é prazeroso.


- São as propriedades mágicas. - sibilei, encantada. - Afinal, é um Aborígene Dourado. Fogo puro, ouro líquido.


- Imaginei que fosse isso mesmo. - ela sorriu comigo. - Não sei o quanto isso pode ser maluco, mas eu realmente, realmente amo a minha cicatriz.


- Não soa tão maluco quanto eu invejando sua cicatriz.


- Bem, se isso te consola, você também tem coisas bastante invejáveis.


- Como o que, por exemplo?


Eu não percebi o quanto fiquei tensa e na expectativa, ou seja, o quanto me importava com a resposta até que ela falou, me desapontando um pouco.


- Um couro ressecado de Faraó da Areia.


- Ah, claro. - sorri amarelo, inexplicavelmente decepcionada.


- Não é só isso, é claro.


- É mesmo? - Soltei uma risada (mais uma vez) inexplicavelmente nervosa, jogando a parte da frente do meu cabelo para trás.


- Não. Não é propriamente inveja.


- É o que então? - cutuquei, meio incomodada.


Daphne me olhou de lado com um sorriso meio malicioso.


- Bem, acho que você tem que ir. - disse ela checando o relógio. - Não quero atrapalhar seus horários. Além disso, ainda tenho que arranjar um almoço decente. - completou revirando os olhos, mas sorrindo, deixando clara a brincadeira.


- Calúnia. - protestei, também brincando.


Daphne pegou juntou seu material, colocou alguns galeões em cima da mesa.


- Não. - segurei seu pulso com suavidade. - Tem muito mais do que sua parte aí.


- Eu faço questão, Penélope.


Quando ela pronunciou meu primeiro nome, dei-me conta da situação. Soltei seu pulso, sentindo-me embaraçada de imediato.


- Vejo você. - Daphne fingiu não notar minha reação, mas quando caminhou para longe, tive a certeza de que ela estava sorrindo.


 


I can’t give you, the heart you think you gave me


It's time to say goodbye to turning tables


Turning tables


 


Se a aula com a turma de Daphne passou rapidamente, a de depois do almoço pareceu se arrastar por horas. A conversa no almoço foi agradável e perfeitamente cabível, porém algo sobre ela não parava de me incomodar.


Quando o ponteiro do relógio do saguão finalmente chegou ao doze, quase soltei um suspiro de alegria ao poder ir embora. Mas o que eu estava sentindo não era isso, alegria, se fosse eu não teria invadido a casa de Percy chorando.


- Pra onde está indo nosso relacionamento?


- Pen? O que...? Está tudo bem. - disse ele afagando meu cabelo durante o abraço.


- Não, não está! Mal nos falamos, você passa mais tempo com sua secretária do que comigo, você é mais íntimo dela do que de mim, tudo aqui vira briga. Não estamos bem. Há muito tempo. Não sei o que está acontecendo, não sei pra onde estamos indo.


- Você não confia em mim, Penélope.


- Sua secretária te deu uma pena de ouro!


- Quando foi a última vez que você me deu alguma coisa?


Desabei no sofá. Enterrei o rosto em minhas mãos. As lágrimas haviam ido embora. Agora só restava cansaço e dor.


- Pra onde está indo nosso relacionamento? - Repeti baixinho.


- Eu não sei, Pen. - disse ele, um tom de choro aparecendo ao fundo de sua voz. - Eu não sei...


- Nós paramos de viver, focamos tanto nos nossos projetos individuais que nos esquecemos como casal.


Percy não respondeu, então eu continuei.


- Há quanto tempo não ficamos realmente juntos?


- Eu não sei.


- O que você sabe, Percy?


- Que a culpa não é só minha. Nem só sua.


Respirei fundo.


- Você ainda me ama?


- Claro que amo, Pen.


- Então o que a gente faz? Se é que ainda vale a pena fazer alguma coisa?


- É claro que vale. Pra você não?


- Sim.


Percy sentou-se ao meu lado e abraçou meus ombros.


- Então, o que a gente faz? - repeti.


- Nós podemos, não sei, tentar passar mais tempo juntos e brigar menos, podemos tentar entender mais um ao outro, e evitar essas discussões por coisas bobas. Nós podemos salvar nossa relação, Penélope. Não são meses, são anos.


- Está certo. - concordei segurando seu rosto com firmeza, repentinamente notando a diferença entre sua pele do rosto já um pouco áspera da barba voltando a nascer e a macia e lisa do pulso de certa aluna. - Nós podemos fazer isso. Só depende de nós.


- Sim. - ele beijou meu rosto – Podemos fazer algo toda semana. Você escolhe. Vai dar certo.


Eu confiei que daria.


 


“Penne,


Desculpe, meu bem, mas infelizmente não poderei ir com você na exposição. Chegarei mais tarde em casa. Problemas no escritório. Mas, por favor, não fique decepcionada, nos vemos amanhã bem cedinho. Vou te compensar de alguma forma. Eu prometo.


Carinhosamente,


Percy”


 


Suspirei tristemente. Eu realmente tinha alguma esperança de que meu namorado honraria seu compromisso comigo. Percy nunca deixava de comparecer nos seus compromissos profissionais. Mas àquela altura já estava claro que, para ele, era sempre trabalho em primeiro lugar. Com um segundo suspiro, agora resignado, dobrei o bilhete e coloquei-o no bolso da minha jaqueta. Brandi a varinha e embrulhei a comida que havia preparado para nós. Bom, talvez a noite não estivesse perdida. Se Percy não deixaria o escritório, eu iria até ele.


Aparatei até o Ministério e cumprimentei as mesmas pessoas de sempre. Passei pela mesa vazia de Audrey e abri a porta de sua sala, mas ele não estava lá.


Meu sangue ferveu. A secretária sumida, meu namorado sumido. Respirei fundo para me acalmar. Eles poderiam estar em alguma reunião... em algum outro departamento resolvendo problemas.


- Sr. Pearke, você sabe onde está Percy? – Alcancei um senhor meio careca, que trabalhava no escritório ao lado.


- Ele encerrou o horário mais cedo hoje. – Foi sua secretária que respondeu. – Eu o vi saindo... ele estava com certa pressa. – Ela abaixou o tom de voz. Claramente estava louca para fofocar.


- Audrey saiu com ele? – Perguntei.


- Sim... saíram juntos. – A mulher sussurrou, como se isso fosse algo a ser escondido.


Não disse mais nada, apenas saí do Ministério e aparatei em casa. Não estava pensando direito. Na verdade, estava pensando em excesso. Estava visualizando claramente cenas nada agradáveis de Percy com a oferecida. A risada de vagabunda de Audrey quando meu namorado mostrou o bilhete curto e insuficiente que escreveu para mim. Os dois se divertindo às minhas custas, achando que eu estaria na exposição de fósseis de dragão e nem desconfiaria da traição.


 E eu de fato estarei na exposição. Mas não sozinha. Não, não senhor. Certamente não sozinha.


 


Next time I'll be braver


I'll be my own savior


When the thunder calls for me


 


 


Meia hora depois, eu recebi a resposta que estava esperando.


“Penélope,


Claro que eu te acompanho na exposição. Estava ansiosa para conferir a simulação de campo que eles prepararam.  


Até breve,


Daphne Greengrass”


 


Sorri. Se Percy pensava que eu ia aguentar a situação passivamente, como sempre fiz, ele estava muito enganado.


Na hora certa, aparatei até o lugar indicado.


Demorei um pouco para identificar Daphne. Ela não estava com suas roupas simples do dia a dia. Nem estava com o longo cabelo loiro solto, como geralmente. Ela o havia prendido em um rabo alto, fazendo um pequeno topete com a franja. Usava um vestido verde-esmeralda colado, e um salto alto preto. Parecia pronta para... um encontro.


- Penélope. – A mulher veio até mim e me abraçou. Fui pega brevemente de surpresa, mas, de certa forma, apreciei o gesto.


- Daphne... – Sorri para ela e espantei meus pensamentos. Foi um simples cumprimento.  – Er... estou me sentindo extremamente mal vestida perto de você.


Ela abriu um sorriso.


- Você está linda. E eu sempre exagero. Estou super produzida para uma exposição!


- Você está ótima. – Respondi.


Ela me encarou em silêncio e eu senti um rubor passar pelo meu rosto.


- Bom... vamos entrar? – Sugeri.


Eu quase esperava que ela me estendesse a mão... e ela pareceu pensar a mesma coisa, mas parou no meio do caminho, deixando o braço pender ao lado do corpo.


- Claro.


A exposição estava incrível. Reconheci alguns renomados profissionais da área, que me cumprimentaram animadamente, elogiando meu artigo publicado recentemente. Os fósseis eram mais impressionantes do que a descrição – geralmente exagerada – do jornal. E observar Daphne no simulador de campo foi um espetáculo a parte.


Enquanto ela tentava domar uma representação de dragão, a lateral do seu vestido rasgou, e uma boa parte de sua perna ficou exposta. Corei novamente quando percebi que estava mais interessada na coxa esquerda da mulher do que em sua perícia.


- Uau. Isso foi interessante. – Ela saiu descabelada do simulador, e calçou suas sandálias. – Definitivamente vim super produzida. Devo estar um desastre...


Só que não estava. Seu cabelo, agora mal preso, dava um ar selvagem à mulher que não poderia, de forma alguma, ser caracterizado como desastroso.


- Impossível. – Deixei escapar.


Ela me olhou de forma galanteadora e atrevida, embora tivesse tido a educação de demonstrar alguma surpresa com o meu comentário.


- Anh... sua roupa. – Apontei a varinha para o vestido e o consertei.


- Obrigada. – Ela aproximou-se um passo.


Na terceira vez que corei, comecei a me sentir ridícula.


- Acho que podemos ir embora... a não ser que você esteja interessada na palestra de arqueo...


- Você não gostaria de beber alguma coisa? – Ela me interrompeu.


Considerei por um segundo e senti seus olhos verdes me perfurando. Logo percebi que não havia mais nada para se considerar.


 


- É um belo lugar. – Daphne elogiou quando entrou na minha sala.


- Está meio desarrumado.


Ela soltou uma risada melodiosa.


- Não consigo nem imaginar como deve ser arrumado, então...


Sorri educadamente.


- Você bebe o que?


- O que você quiser.


Fui até minha pequena adega e escolhi um vinho tinto.


- Ótima safra. – Ela olhou a garrafa aprovadoramente.


Servi um pouco para que ela pudesse experimentar.


Daphne balançou a taça e sentiu o aroma do vinho, colocou um pouco na boca e, após um segundo, olhou diretamente para mim.


- Perfeita. – Falou com a voz ligeiramente rouca.


Senti um arrepio na minha espinha. Ela não se referira ao vinho.


Terminei de servir e tomei um grande gole, esquecendo-me totalmente de apreciar o sabor da bebida.


Bebemos toda a taça em silêncio e minhas mãos formigavam. Eu queria tomar a iniciativa, mas parecia paralisada no sofá.


- Daphne... - Suspirei sofregamente.


- Eu sei.


Então me beijou.


Abri espaço para ela, senti sua língua fria e, finalmente, apreciei o vinho, que se mesclava muito bem com o sabor de Daphne. A mulher passou a mão pela minha cintura gentilmente, como se ainda esperasse uma aprovação maior. Eu não fui tão paciente assim.


Percorri ansiosamente suas coxas desnudas pelo vestido, apertando-as com desejo. Ela gemeu fracamente e eu apertei mais forte. As pernas de uma verdadeira criadora de dragões. O pensamento me arrepiou ainda mais.


Daphne me deitou no sofá, e tirou minhas mãos de seu corpo. Comecei a soltar uma exclamação insatisfeita, mas ela sorriu. Observei fixamente seus dedos encaminharem-se para o zíper lateral, e ela abaixá-lo vagarosamente, os olhos provocadores e ousados. Estava outra vez presa entre a vontade de agir e o receio de não saber bem o que fazer.


- Tira. – Pedi, olhando para seus seios, e sentindo um calor conhecido tomar conta de mim.


- Você tira. – Ela falou firme.


Hesitei antes de abrir seu sutiã e abaixar sua calcinha. Minha pressa havia desaparecido, e eu analisei a pele nua como costumava avaliar minhas relíquias. Toquei sua cicatriz do inicio ao fim, enquanto ondas de tesão apertavam meu baixo-ventre. Tinha medo que se desfizesse nos meus dedos. Passei-os delicadamente pelas auréolas róseas, pela lateral da sua cintura. Apertei os quadris e os mamilos. Sentia sua pele arrepiada e a umidade em suas pernas começar descer para minha roupa.


Daphne sorriu meio ofegante, as pupilas dilatadas escondendo parcialmente o verde já escurecido de seus olhos.


- Esperei por isso desde a primeira vez que te vi. – Ela sussurrou a confissão, fechando os olhos e gemendo quando mordi um de seus mamilos.


- Não espere mais. - Eu poderia facilmente estar implorando.


Ela levantou-me levemente do sofá, e eu senti minha roupa deslizar pelo meu tronco, e roçar meus pés ao sair. Com Daphne não houve hesitação. Logo eu estava completamente nua e seu corpo envolvia o meu totalmente. Seus movimentos de quadril, os beijos no lóbulo na orelha, a forma com que ela apertava meus seios e beliscava meus mamilos, arrastava as unhas pela parte interna da minha coxa, explorava ritmicamente minha intimidade... A língua da mulher deixava um rastro quente em meu clitóris e entrava em mim inesperadamente... Daphne parecia fogo de dragão, e, no momento de êxtase, eu tive certeza de que havia entrado em combustão.


Tive um grande espasmo e soltei um gemido profundo. Senti meu corpo mole em uma satisfação plena pós-orgasmo, e a mulher deitou-se ao meu lado com um grande sorriso. Aconcheguei-me melhor a ela e deixei que ela me envolvesse. Mal percebi o sono chegar.


 


Next time I'll be braver


I'll be my own savior


Standing on my own two feet


 


Acordei com um raio de sol irritante no rosto. Levantei-me meio cambaleante e olhei para as roupas espalhadas no chão. Um bilhete saía pelo bolso da minha jaqueta. Soltei uma exclamação alta. Percy.


- Daphne. – Sacudi suavemente a mulher. – Daphne, você precisa se vestir.


A mulher abriu os olhos desnorteada e levou um minuto para entender o que eu estava falando.


- Por favor. - Gemi contrariada, já com o vestido que eu usara na noite anterior.


- O que está acontecendo? – Ela perguntou, mas, para meu alívio, começou a se vestir.


- Você precisa ir. – Eu respondi, convocando minha escova e tentando dar um jeito nos meus cabelos.


- Penélope, o que está acontecendo? – Ela repetiu, já totalmente vestida.


- Meu namorado...


- Seu namorado? – Daphne olhou para mim incrédula, mas eu não tive tempo de responder.


Ouvi um estalo familiar do lado de fora e a fechadura girar, revelando um Percy sorridente com um buquê de rosas vermelhas.


- Penne... – Ele entrou na sala com um ar feliz, então viu Daphne com seu vestido colado, a garrafa de vinho pela metade, duas taças vazias, as almofadas desarrumadas, e, por fim, seus olhos encararam os meus. E eu tinha certeza de que eles gritavam minha traição.


Ele deixou as rosas caírem no chão.


- O que é isso? – Ele exclamou, incrédulo.


- Do que você está falando? – Tentei me fazer de desentendida.


- O que você estava fazendo com essa... mulher? – Ele disse a última palavra com um leve tom de asco na voz.


- Ela é minha estudante. Do que você está falando?! – Fiz força para que minha voz não tremesse.


- O que uma estudante estaria fazendo aqui essa hora da manhã?


- Eu já te falei dela... é a que tem uma cicatriz. Ela estava sentindo umas dores estranhas... – Comecei a improvisar, então me lembrei da noite passada, de porque era Daphne quem dormira comigo e não ele. – E eu não entendo porque estou me justificando com você! Você acha que eu estou tendo um caso com uma mulher? VOCÊ ESTÁ ME CONFUNDINDO COM UM ESPELHO? – Gritei por fim, a raiva tomando conta de mim.


Percy pareceu confuso.


- Penélope...


- Eu fui ontem a noite ao seu escritório. – Continuei em tom de acusação. – Disseram-me que você tinha saído mais cedo com Audrey.  VOCÊ ME DISPENSOU ONTEM PRA IR TREPAR COM ESSA MULHER, PERCY?!!


Meu namorado estava assustado.


- Penne...


- NÃO ME VENHA COM “PENNE”!  E AINDA VEM AQUI TOMAR SATISFAÇÃO?! QUER SABER, SE EU TIVESSE UM CASO ONTEM A NOITE, ELE SERIA TOTALMENTE JUSTIFICADO!


- Você me traiu? – Ele perguntou, perplexo.


- VOCÊ ME TRAIU!


- Eu... eu... – ele balbuciou. – Penélope, eu não te traí. Eu fui comprar isso. – Percy tirou uma caixinha preta do bolso interno do paletó e a abriu, revelando um bonito anel de ouro. – A joalheria fecha cedo... antes do meu expediente. E como eu não iria mais trabalhar no dia, dispensei Audrey... Penélope, o que você acha de mim?! – Ele disse magoado. – Eu vim aqui te chamar para jantar hoje, para que eu pudesse fazer isso certo, mas agora está tudo arruinado. Eu só queria salvar nosso relacionamento... Penélope... você me traiu?


Eu não podia acreditar. Não, não, não... NÃO! Desmoronei de joelhos no chão, as lágrimas caindo ininterruptamente pelo meu rosto. Vergonha. Arrependimento. Dor. Novamente arrependimento. Eu sentia tudo isso passar por mim, e comecei a tremer.


- Me desculpe. – Murmurei fracamente.


Percy me encarou com tanta mágoa, mas tanta mágoa, que eu desejei ser qualquer outra pessoa no mundo.


- Com quem, Penélope? – Ele perguntou anormalmente calmo, mas eu o conhecia. Seu rosto estava totalmente vermelho, e ele estava provavelmente à beira de um ataque de raiva.


- Ele foi embora ontem à noite. – Menti. Eu não podia aguentar mais a vergonha. Eu não podia contá-lo totalmente a verdade.


Os olhos de Percy agora estavam inteiramente nublados de ódio. Ele pisou nas flores caídas no chão em um movimento brusco e saiu como um raio pela porta, batendo-a com força ao sair.


Daphne passou ao meu lado após um minuto. Nem ao menos olhou para mim antes de ir embora. Eu havia esquecido que ela estava lá. Esquecido completamente. Bati os punhos com força no chão.


Por que tudo deu errado assim?


Soltei um grito de agonia.


 


I won't let you close enough to hurt me, no


I won't ask you, you to just desert me


I can’t give you, what you think you gave me


 


Não percebi o quanto havia me acostumado com a presença de Daphne Greengrass nas minhas aulas até que a perdi. Não literalmente, porque ela continuava pontualmente sentada na primeira fileira com o longo cabelo loiro solto ombros abaixo. Mas era só isso, a presença física.


Senti falta de suas perguntas interessadas e de seus comentários inteligentes, mas, acima de tudo, de seus olhos penetrantes seguindo cada movimento meu, bebendo cada gota de informação das minhas palavras.


Em suma, senti falta da atenção de Daphne voltada para mim, exclusivamente para mim.


Naquele dia ela só pareceu notar a minha presença no local quando o último estudante se retirou. Ela levantou e veio até a minha mesa, estendendo-me um pergaminho com o logo do Instituto, imediatamente despertando minha atenção por ser um documento oficial. Isso me fez encolher, egoistamente temendo que aquilo fosse uma carta de denúncia, processo, demissão, eu não sei... minha mente viajou longe, arrepiando cada pelo do meu corpo, dessa vez no mau sentido.


Mas sua voz saiu fria, anunciando que ela não era baixa a ponto de fazer algo tão sério só para descontar, só por vingança. Em outras palavras, que Daphne não era como eu.


Quando venci minha própria imaginação e examinei o conteúdo do pergaminho, tratava-se apenas de um pedido de transferência.


- Daphne! Você não pre -


- Você pode apenas assinar, professora?


O termo fez meu coração dar uma reviravolta. Ela nunca o tinha usado antes, nunca.


- Daphne. - segurei seu braço gentilmente. - Por favor, eu me sentiria muito mal se você atrapalhasse suas notas assim no meio do semestre -


- A senhora não tem nada com que se preocupar, senhorita Clearwater -


- Pare de me chamar assim.


- Você não tem nada com o que se preocupar, Penélope. Você sabe que não tenho problema nenhum com notas.


- Sim, mas você vai -


- Eu não pedi sua opinião.


Suspirei.


- Daphne, eu sinto muito por tudo isso, eu realmente não planejei que as coisas aconte-


- Caralho, Penélope, só assina essa droga logo.


Parei, encarando-a, em choque. Abri a boca para dizer alguma coisa, mas nada saiu, especialmente porque um segundo depois meus olhos captaram uma terceira figura nos observando da porta.


- Percy...


Imediatamente dei um passo em sua direção, mas ele ergueu a mão – deixando cair o buquê de flores que trazia consigo – em sinal para que eu não chegasse perto.


- Percy... - repeti, minha voz morrendo antes de pronunciar a última letra.


Ele apenas balançou a cabeça e foi embora, pisando nas flores antes de sair.


Voltei-me para Daphne, ainda boquiaberta, desnorteada e aturdida.


- Só assina.


- Desculpa, Daphne.


- Só assina. - repetiu.


- Eu...


- Assina logo e então você pode ir atrás dele! - vociferou.


Obedeci.


- Há quanto tempo você estava lá, Percy? – Perguntei, finalmente alcançando-o na saída do Instituto.


- O suficiente. – Ele respondeu entredentes antes de aparatar.


 


It's time to say goodbye to turning tables


To turning tables


Turning tables, yeah


Turning oh...


 


Entrei no bar tentando me convencer de que apenas precisava me distrair, espairecer, ver gente, e de uma boa dose de álcool. Claro que eu poderia obter as quatro coisas em qualquer bar bruxo ou trouxa do país, mas eu tinha escolhido justamente aquele que Percy costumava frequentar com os amigos do Ministério às vezes após o trabalho. Só cheguei a ir com ele uma ou duas vezes, mas havia sido o suficiente para me deixar com uma boa impressão, oras. Ou pelo menos era o que eu dizia a mim mesma.


A escolha de mesa também não foi proposital. Era perfeitamente natural escolher a mesa perto da janela e longe dos banheiros, não porque fosse o lugar preferido dele, mas porque realmente era uma localização agradável.


Mas essas desculpas esfarrapadas que nem eu comprava desmoronaram quando eu o vi precisamente no lugar para o qual eu estava indo. Só que minha reação física não foi meu coração acelerar e sim meu estômago revirar, porque ele não estava sozinho. Alguns amigos que eu reconheci do Ministério estavam ali, quase todos acompanhados de mulheres, do trabalho ou não, e Percy não fazia parte das exceções. Mesmo à distância, podia ver sua mão segurando a de Audrey em cima da mesa ainda vazia. Provavelmente tinham acabado de chegar.


E aquilo só significava duas coisas: primeira, eu estivera certa o tempo todo; e, segunda, não havia mais nada que eu pudesse fazer por nós dois.


O ácido que subiu pelo meu estômago até minha boca, preenchendo-a com um gosto amargo que me fez prender a respiração, borbulhava dentro de mim pedindo um escândalo. Uma cena ridícula em que eu pudesse humilhar a Audrey e acusar a Percy, mas... eu não era esse tipo de mulher.


Reprimi as ondas de raiva e virei em direção à saída, para ir embora antes que algum conhecido me visse naquela situação humilhante, só que mais alguns colegas do trabalho de Percy estavam entrando pela única saída. Ou seja, eu encurralada entre meu namorado e sua amante e seus amigos. Minha única opção viável era o banheiro.


As lágrimas que vieram enquanto eu entrava no lugar admiravelmente deserto e limpo queimavam meu rosto e eu não sabia se eram de tristeza, vergonha ou raiva. Provavelmente um misto dos três. Apoiei-me na pia, encarando meus olhos vermelhos no espelho, fazendo força para fazer meus pulmões absorverem o oxigênio necessário.


Como as coisas tinham chegado aqui? Como eu tinha me deixado chegar a esse ponto? O que eu tinha feito com a minha vida amorosa? O que eu tinha feito com um relacionamento de anos? O que ele tinha feito? O que... as perguntas explodiam sem coerência ou resposta na minha mente, e foram interrompidas pelo barulho da porta se abrindo e vozes risonhas.


Me escondi dentro de um box, não seria vista chorando em público, pelo menos dessa humilhação seria poupada. Engoli o choro para não me entregar e fiz silêncio, deixando que as duas vozes animadas tomassem conta do ambiente frio e úmido.


- Mas como foi isso?


- Eu não sei!


- Você disse que vocês dois não tinham nada!


- Eu sei! Eu sempre quis, mas como eu te disse, ele nunca tinha me dado abertura! Eu pensei que ele fosse fiel, todos esses anos... ele nunca me deixou aproximar realmente.


- Então o que mudou?


- Eu não sei. Eu não sei... algo mudou essa semana, eu não sei o que, mas eu não vou questionar. Não agora que está tudo tão bem, que eu tenho o que eu sempre quis. Parece um sonho.


Entreabri a porta o mais silenciosamente que pude, embora eu estivesse com a impressão de que meu coração estava batendo na minha garganta, golpeando meus ouvidos dolorosamente, e que qualquer um pudesse ouvi-lo. Segurei minha respiração, para confirmar que a dona daquela última voz era Audrey, garantindo que, até a minha traição, Percy sempre havia pertencido a mim.


 


 por xMilax e Belle Black.

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Comentários (4)

  • Grega

    Parabéns meninas! Ficou mto foda msm a fic... mas não consegui sentir pena do Percy .-.   Sempre odiei ele... Enfim, esperando a continuação...

    2012-06-11
  • MiSyroff

    Cara, essa fic me prendeu mesmo. Adorei, vocês devia mesmo fazer mais parcerias. E foi bizarro, no começo queria que o Percy ficasse feliz, mas depois que a Daphne apareceu,tava pouco me lichando kkkk. Me lembrou um pouco a Bette e aquela estudante rsrsrsrsrs Muito boa mesmo maninas, saudade das fics de vocês ;) 

    2012-06-04
  • Hufflepuffs Bitch

    Puts, essa fic tá demais!! Eu amei o fato de a Penelope ter se fodido no final, por culpa dela mesma, e não do "amor impossível" como acontece  na maioria das Femmes. Eu até fiquei com dó do Percy (um pouquinho só). E amei essa Daphne.

    2012-05-17
  • Beatriz Potter

    Man, essa é disparadamente a Daphne mais sexy que já vi em todas as fanfics femme. Sério. E geralmente nem gosto da Daphne. Parece que ela sempre tá nessa posição de destruidora de lares, né? paoskaoskoa Tadinha. Mas essa Daphne ficou foda porque flerta muito, muito bem. Os diálogos ficaram perfeitos. Críveis. A coisa toda com os dragões... muito bom. Estou seriamente estranhando o Percy não ter se dado mal no final (quer dizer...) e a garota sim :O quantas vezes na história uma fic femme acabou bem pra um Weasley que não seja a Gina? .-. Enfim... a escrita de vocês duas é fodástica e eu já sabia que viria uma ótima fic. E veio mesmo. Parabéns, meninas. 

    2012-05-17
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