O Início da Tragédia



Capítulo Um


O Início da Tragédia


ou


Algo Desagradável Acontece à Protagonista Para Descobrir Interesse


no qual


Uma Rapariga Aparentemente Comum Está Destinada a Uma Vida Aparentemente Comum
 





David e Rute Evans eram, de todas as maneiras possíveis, um casal normal. Foram apresentados através de amigo em comum, apaixonaram-se e casaram-se no início dos seus vinte anos. David trabalha numa fábrica, Rute trabalhava como secretária. Puseram algum dinheiro de lado e compraram uma casa pequena na melhor parte de um não tão excelente bairro. Foi uma casa apenas para começarem, nada espectacular, apesar de ter um jardim pequeno e vários vasos, que deixaram Rute, cuja primeira paixão era jardinagem, muito entusiasmada.


Sim, David e Rute Evanas eram, de todas as maneiras possíveis, um casal normal.


David estava satisfeito. Eles tinham uma boa vida, um boa casa e um salário decente para sustentar a sua família.


Rute estava meramente normal. Ela tinha crescido a ler história sobre maravilhosas aventuras e finais felizes. Ela sabia que era improvável mas ela queria que isso lhe acontecesse. Talvez encontrar David fora uma grande aventura, apesar de não ter sido como nos romances, e agora, bem, agora estava a viver o seu final feliz. Ela estava perfeitamente satisfeita mas, por alguma razão, ela não conseguia parar de sentir que queria - que estava destinada - para algo mais, e tudo o que tinha era uma vida ordinária.


Quando teve as suas filhas, deu-lhes nomes de flores. Ela esperou que os seus nomes pelo menos as distinguissem do resto do mundo.


Petunia veio primeiro. Alegre e saudável, mas sempre com necessidade de ser o centro das atenções. Simetricamente bonita. Ansiosa por agradar e sempre disposta a ajudar.


Depois veio Lily. Alegre e saudável. Delicada mas amigável. Nunca precisava de atenção mas, fosse como fosse, conseguia-a sempre. Requintadamente bonita. Orgulhosa e amorosa.


Rute lembrava-se de se ter sentado com as duas nas primeiras noites das suas vidas. Contou cada dedo das mãos delas e cada dedo dos pés, só para se assegurar que eram reais. Ela sentiu o batimento dos corações delas e o ritmo das suas respirações, tendo a certeza absoluta de que mais nenhum som poderia ser tão belo. Ela olhou fixamente para as suas caras e pensou nos seus futuros. Ela desejou para que fossem saudáveis, fortes, inteligentes e corajosas. Ela rezou para que vivessem vidas longas e felizes.


E apesar de nunca o ter admitido, ela desejou que fizessem parte de algo extraordinário.


Ela viu as duas flores mais lindas do seu jardim crescerem. Ela cultivou-as com mais delicadeza e empenho do que alguma vez tinha cultivado um jardim. Ela alimentava-as, dava-lhes banho, vestia-as e brincava com mais felicidade do que alguma vez imaginara.


Cada dia era passado a observar as realizações diárias das suas filhas enquanto radiava de alegria. Cada noite era passada a desejar o mesmo que tinha desejado na primeira noite das suas vidas e, secretamente, a chorar porque sabia que as suas vidas seriam tão ordinárias como era a sua.


Isso é que era uma verdadeira tragédia, pensava ela, o pior da vida. Ser nada mais do que um número ou mais uma cara no meio de multidão. Deixando apenas lembranças; sem grandes feitos duradores no mundo. Era uma tragédia que as suas duas jovens, bonitas e expecionais raparigas que ela sabia que eram capazes de mudar o mundo, provavelmente nunca o fariam.


No entanto, se tivessem de ser comuns, ela desejava com todo o seu coração que fossem saudáveis, seguras e felizes. Porque a felicidade era, no final das contas, a maior realização possível.


Rute Evans chorava pelas suas filhas porque pensava que elas mereciam mais do que normalidade e nunca o teriam. Ela era mãe, esposa, jardineira, amante da aventura e secretária.


Ela estava também extremamente errada.




Rapidamente ficou claro que a mais nova das flores era evidentemente... diferente. Certas coisas aconteciam quando ficava zangada... coisas estranhas. Ela queria que as suas filhas fossem diferentes e não esquisitas.


Ela tentou reprimir tudo. Ela disse à Lily para não fazer coisas que conseguia controlar como, por exemplo, voar das escadas ou fazer botões saltarem na palma da sua mão. Ela tentou ao máximo que Lily não ficasse zangada porque, quando quando ficava, aconteciam situações ainda piores do que voar das escadas. Era difícil, para dizer a verdade, visto que Lily tinha um temperamento difícil e, apesar de adorar a sua mãe, ela tinha tendência para não cumprir as regras que achava serem inúteis.


Lily começou a mudar quando entrou na escola. Ela nunca tinha tido problemas em fazer amigos. Ela era uma rapariga adorável e querida mas rapidamente ficou claro que quando não gostava de alguma coisa (que acontecia mais vezes do que alguém poderia desejar) coisas desagradáveis aconteciam. Objectos que cresciam ou ficavam reduzidas a tamanhos desproporcionais, que desapareciam, que ficavam fora do alcançe ou que estavam escondidos subitamente encontravam-se nas suas mãos. As crianças evidentemente repararam e Lily não conseguiu manter as suas amizades. Ela tornou-se tímida e reservada, excepto quando estava com a sua família.


Rute passou muitas noites a reconfortar a sua pequenina que tanto chorava. À medida que a acalmava até adormecer, Rute pensava que faria qualquer coisa para que a sua filha fosse apenas... normal. Lily não era feliz daquela maneira e, indo ao cerne da questão, isso era tudo o que Rute nunca tinha querido. Ela era extraordinária, de facto, mas a que custo?


Lily era miserável e Rute estava certa de que essa era a verdadeira tragédia.

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