IN THE DARK



 IN THE DARK


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 O quarto estava escuro. As cortinas estavam fechadas, deixando o ambiente na penumbra, mas ainda assim visível. Os móveis eram de madeira gasta: havia uma cama, um armário médio e uma escrivaninha cheia de fotos incompreensíveis.


 Era um lugar realmente estranho. Desolador e triste. Quem entrasse ali, com certeza pensaria que a garota deitada na cama era uma pessoa louca e recomendariam um médico.


 Mas para mim, aquela era Alice Longbottom. Apenas uma garota que via aquilo que sua mente mostrava sem medo. Veja bem, a maioria das pessoas se assusta se vê alguma coisa que não deveria estar ali. Alice também se assustava, porém ela não procurava um médico, como você ou eu faríamos, pelo contrário. Ela só aprendeu a aceitar.


 E acho que foi por isso que aquela humana incomum tenha despertado meu interesse. Eu passei a observá-la todos os dias. Seus pais haviam se cansado de presenciar seus delírios, mas eu os achava simplesmente fascinantes.


 Alice não gritava. Não corria. Não se matava. Ela apenas sobrevivia à cada visão que lhe aparecia. O minimo que fazia, era chorar. Ah, sim, ela chorava o tempo todo. Uma coisa rotineira que acontecia sempre e sem intervalos calculáveis.


 Eu não passo para Alice Longbottom. Faço questão de esticar minhas horas ao máximo que a ousadia me permite só para vê-la enfrentar suas visões mais sombrias.


 Lembro-me de quanto tempo ela levou para passar voltas e mais voltas de barbante nos quatro pés da cama em um de seus momentos de loucura.


 Acompanhei cada segundo que ela levou para tirar fotos da suposta mulher que invade seu quarto todos os dias. E me deliciei com o desespero dela ao ver que as fotos estavam em branco. Alice colocou todas as fotos em cima da escrivaninha e elas ainda continuam lá.


 Sei exatamente que faz três dias que ela não dorme. Faz exatamente 72 horas que Alice esta deitada naquela cama, derramando algumas lágrimas. A mulher que ela vê passou os três dias no mesmo lugar.


 Aquela mulher aparece frequentemente para Alice Longbottom, mas desta vez era diferente. A mulher não ia embora. Apenas ficava lá encarando Alice, séria e sombria. Não fazia nada, nem ao menos respirava. A mulher mantinha-se calada, de pé em um dos cantos do quarto.


 Alice pedia constantemente para que ela fosse embora. Tirava milhares de fotos dela, mas todas saiam em branco. Então meu objeto de observação chorava.


 A mulher era muito branca, com olhos negros grandes e lábios roxos, como se estivesse com frio. Os cabelos também negros caiam pelo rosto e ela trajava um vestido branco, sujo e rasgado. Apenas sua presença aterrorizava Alice.


 Seus pais, seus avós, seus parentes... sua família. Ninguém via aquela mulher sinistra. Eu e Alice éramos os únicos que enfrentávamos sua presença malévola.


 Havia uma explicação muito simples para isso: Alice havia sido torturada de uma maneira horrível, até enlouquecer. A mesma coisa ocorrera com seu marido, Frank Longbottom. Mas as visões nunca eram as mesmas. Eu sei porque eu também fui visitá-lo.


 A grande diferença entre Alice e Frank era que a mulher nunca reagia à suas visões, ao contrário do homem que gritava, jogava objetos nas criaturas que lhe visitavam, corria delas. Ele era descontrolado, chegava a beirar a violência e atacava todos que tentavam chegar perto dele.


 Eu nunca senti pena de Frank. Tudo isso apenas mostrava o indivíduo fraco que ele era: tinha medo das coisas incomuns e fugia das mudanças. Quanto à Alice... eu me admirava com sua determinação em conviver com aquilo que era novo. Ela não lutava contra, mas à favor das mudanças. Aprendia a aceitar tudo o que lhe era novo.


 Por esse motivo, não me surpreendi quando Frank tentou suicidio pela primeira vez ao começar a ver cadaveres ao invés do chão. Acreditem, ele conseguiu morrer naquele dia. A família chorou em seu caixão. Mas Alice não chegou a ficar sabendo.


 Ele morreu primeiro que ela, que não pode chorar em seu túmulo. Trágico, não? Mas é como dizem: os mais aptos sobrevivem. Alguns ainda diriam que eu passo para todos. Concordo. O tempo realmente pára de existir algum dia para todos. Sem excessões.


 Talvez por ser quem sou, eu sempre soubesse o que aconteceria com Voldemort no final. Minhas horas acabariam para ele e então a morte reinaria.


 - Vai embora... - ouvi Alice sussurrar para a mulher.


 Triste? Não. Realismo, seria a palavra certa.


 Ainda não me conformo com o fato de Alice não ficar sabendo que o amor de sua vida estava finalmente morto. Fico me perguntando o que ela estaria pensando. Se ela estaria se iludindo, prometendo a si mesma que Frank viria salvá-la daquela mulher parada no canto de seu quarto. Se ela chorava por ele, sem saber se estava bem ou não. Se alimentava esperanças de que ele estivesse em melhor estado que o dela.


 Talvez ele realmente estivesse, dependendo do ponto de vista. Mas se levarmos em conta que não se sabe o que vem depois da morte, então tudo se torna de um aspecto duvidoso. O que nos leva novamente à mulher parada no quarto de Alice.


 O engraçado é que ela apareceu no dia em que Frank morreu e desde então lá permaneceu. Me pergunto se ela continua ali para avisar à Alice que seu marido está morto. E me pergunto se Alice compreendeu sua mensagem silenciosa e é por isso que chora. Mas se nada disso está claro para mim, estaria para ela?


 - Por favor, por favor... Vai embora. - pedia Alice, mais uma vez.


 E porque diabos aquela mulher não sai de lá?


 São esses os pensamentos confusos que agitam minha mente, sendo que nem sou eu que estou vivendo tal situação. Quais serão os pensamentos que passam pela cabeça de Alice?


 A mulher parada no quarto olha para a janela. Alice solta um soluço alto ao perceber que sua visão finalmente se mexeu, mas ainda assim segue seu olhar, assim como eu também o faço. E de repente, não há mais luz para se infiltrar pelas frestas da cortina. Tudo mergulha em uma imensidão de escuridão e silencio.


 Agora, nem eu vejo mais nada. Isso me assusta e adimito que se eu fosse Alice, teria rompido minhas barreiras e gritado. Mas ela continua sem dizer nada. Ela não chora mais. Sinto admiração e pavor ao mesmo tempo.


 Aquela mulher se encaminha para Alice e pára à sua frente. Uma lágrima solitária cai pelo rosto do objeto de meu estudo e ela começa a murmurar:


 - Fique em silêncio. Talvez ela vá embora. - diz Alice para si mesma.


 Mas não foi isso o que aconteceu. A mulher agarrou a mão dela, depositando uma borboleta negra, que permaneceu ali por alguns segundos e depois vôo, desaparecendo na escuridão do quarto. E eu sei que por um momento, Alice desejou que a mulher fizesse a mesma coisa. Infelizmente, a mulher permaneceu ali, em frente à ela.


 A noite passou como um borrão para mim, que apenas obeservava, mas para Alice eu sei que demorou, pois a mulher continuou à sua frente, até o dia seguinte e ali ela ficaria, até o dia em eu acabasse para Alice.


 Na noite seguinte, eu deixei o quarto escuro dela, ainda deitada à cama, e fui embora, olhando uma última vez pelo ombro a tempo de ver a borboleta negra pousar na janela molhada de chuva. A mulher continuava em frente à Alice que chorava sem fazer barulho.


 - Fique em silencio, Alice. - murmurei. - Talvez ela vá embora.


 Desde esse dia, nunca mais voltei à ver a mulher que foi torturada. Não fiquei sabendo se ela tinha conhecimento ou não da morte do marido; não soube se aquela criatura suja deixou o quarto dela algum dia; não fui informado de quando ela finalmente morreu.


 Ainda não entendo o que realmente aconteceu na noite em que Alice perdeu a lucidez e foi considerada louca. Não cheguei a procurar pelo filho dela. Não visitei o túmulo de Frank Longbottom.


 Mas me pergunto se nós não perdemos a lucidez a partir do momento em que somos considerados loucos.


 Chegou o dia em que Voldemort morreu. Chegou o dia em que Neville Longbottom morreu. Chegou o dia em que eu mesmo me vi desgastado. Mas ainda não me conformei de ninguém ter informado a Alice sobre nenhum destes acontecimentos. Talvez ela ainda continue em silencio encarando aquela mulher esperando que a mesma fosse embora.


 De tempos em tempos, eu vejo a borboleta negra voando pelos subúrbios de Londres.


 


"Abrace a tua loucura, antes que seja tarde demais."


- Caio Fernandes Abreu


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