Neve e Frio



 


A noite fria de inverno, não era tão fria quando dentro de casa, não era tão lúgubre, não era tão solitária.


Um menino olhava a neve pela janela suja de fuligem, um pé descalço outro calçado, lá fora, na neve que se acumulava no beiral da janela, o sapato que faltava.  Um sapato na friagem unida da noite, que fora colocado para esperar  o Papai Noel.


Dentro dele nada de presentes, somente gelo da neve que caia.


Um homem chegou cambaleando, olhou o sapato e com um mórbido sorriso  deu-lhe um tapa que o lançou para debaixo da calçada, olhou para a janela, viu o menino e entrou em casa. Esse era um símbolo que naquela casa nunca haveria natal.


O menino não chorou, ele não ia chorar, ele tinha pedido um presente de natal, algo que ele nunca teve. E agora seu sapato estava na sarjeta, molhado e esquecido, seu Papai Noel nunca viria.


O pai que a vida lhe deu entrou em casa, sua mãe veio recebê-lo falando sem parar que não tinham nada para a ceia. Ele a empurrou, ela bateu na parede, o homem embriagado se sentou no sofá, pegou um cigarro e ignorou o resto da família.


A mãe pegou o menino e o levou para o quarto,  deitou-o em sua pobre cama  e cantou uma canção para ele dormir. Dormir com fome, dormir com o aperto na garganta ao qual ele não ia dar vazão, dormir para sonhar com o que nunca viria.


O que veio foi uma manhã cinzenta, amarga. O menino saiu de casa e buscou o seu sapato, ele estava sujo, mas o calçou assim mesmo. Papai Noel não havia passado, havia se esquecido dele, ou talvez para meninos como ele o Velhinho nem existisse.


O menino de cabelos negros e escorrido, longo nariz adunco, vestido pobremente, sentou no meio fio, sentindo raiva de si mesmo, como fora tolo em pensar que Papai Noel ia se importar em passar, em um lugar triste como aquele, sem felicidade ou bondade, frio e esquecido?


Seus olhos ardiam, ele queria chorar, quando uma voz doce chamou seu nome.


Era sua vizinha Lílian ela sorria para ele e dava feliz natal.


Ele passou a parte de traz da mão nos olhos, levantou e a encarou, por que ela veio exibir a sua alegria naquele momento em que ele não estava disposto a ser compassivo com a felicidade dos outros, ele se ressentia.


Ela ainda sorrindo, ignorando o que passava dentro do coração de seu amigo e estendeu um presente a ele.


Surpreendido ele pegou o pacotinho, abriu-o e lá estava um pequeno carrinho de metal pintado de verde, desses comuns. Ele ergueu os olhos para ela e sentiu o chão sair de seus pés, ele tremia, era um brinquedo,  ele não tivera nenhum brinquedo. 


Ela o abraçou, ele encostou a cabeça em seu ombro e sentiu os cabelos ruivos tocarem a ponta de seu nariz. Apertou o carrinho forte entre os dedos magros, queria ter certeza que ele existia, queria sentir o espírito do natal que ele nunca tinha conhecido.


Em pé nas masmorras de Hogwarts, Snape, o temido mestre de poções, repetia o gesto feito em sua infância,  apertava  entre os dedos um carrinho desgastado pelo tempo, a pintura não era mais brilhante, mas ainda era verde. Passou o dedo na rodinha, ele ainda estava perfeito, ele o guardou como uma jóia era uma poderosa lembrança do único natal que Papai Noel lembrou-se dele na figura daquela menina ruiva.


Hoje era manhã de natal e como todo ano o colégio estava todo decorado, mas seus aposentos estavam como sempre, inalterados pela alegria da data, como em sua infância a solidão e o frio habitavam seu lar.


Tinha apenas uma diferença, ele caminhou até a lareira e colocou sobre essa o carrinho, era seu enfeite de natal, seu relicário, o único que ele se permitia ter. Era o mais significativo de seus natais trazido de volta, era seu único presente de natal.


 


 


 

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