Lembranças ilucidas de uma vid



Frio... Mas espera, em pleno verão? Então calor... ? Fato, sua casa era deveras gelada, e pouco se importava se faziam 30° jardim afora, não saia de casa a dias e sequer tinha vontade para tanto.



Pintava com um fio de inspiração uma tela para la de velha que encontrara no sótão de sua residência.



“Aquele canto devia se chamar Pó-tão pelo tanto de sujeira que guarda! –Pensou - ... Mais velho mais piadas sem graça não Potter?” –  concluiu rindo-se levemente.



De uns tempos a cá havia ficado um tanto catatônico, pintava o que lhe dava na telha... sua casa aos poucos se tornara vitima de seus surtos artísticos.



“ Mas que PO%$A! O que faríamos se não pudéssemos dar o fim que queremos as coisas pelas quais pagamos? Já não basta o governo sugando cada sicle de nossos bolsos...Droga de tela velha! “ – Pensou observando a tela amarelada que parecia feita de cera de abelha.



Era fato, o governo mantinha sua parcela de culpa pelo fato do velho já não bater bem das cacholas, sugaram tanto quanto podiam da fortuna do velho Potter até que não lhe sobrara muito senão aquele velho mausoléu ao qual chamava de casa.



Por toda sua vida ajudara como pode causas sociais e dedicara boa parte de seu capital a caridade...



“Como se não bastasse enfiar minha varinha pela goela daquela cobra velha que ‘todos sabem quem’, aqueles putalhões ainda me arriam as calças sugando meu dinheiro... Até o da caridade!” – resmungou indignado.



Uma sombra insistia em passar por seus olhos quando se lembrava da guerra, não por menos, havia visto muito mais gente morrer do que os filmes trouxas podem nos mostrar hoje em dia! Os efeitos especiais então, sem comparações... Nunca gostara de filmes trouxas... Menos ainda dos bruxos.



A guerra representara a si o ápice de sua ruína, fato. Perdera amigos, parentes, inimigos e Deus sabe o que mais. O que lhe restara de sanidade se esvaia aos poucos naquelas pinturas insanas. O vermelho voava como o sangue na guerra, e o marrom... bem, era velho e louco... quem se importava com o sentido daquele lixo que chamava de quadro?



Cansado e completamente sujo de tinta parou por um segundo para respirar e apoiou-se sobre os joelhos observando a caca que acabara de fazer.



“Bom... Bonito! ...Quem se importa!” – indagou observando os jatos de tinta por sobre a tela, ainda escorrendo.



Andou até a varanda e observou a rua pouco movimentada... “Quente e amarela...” – como definiu outrora.



- Ei rapaz! – chamou rouco um menino que passava – Pode me trazer uma maçã?



O menino curioso e um tanto mal educado rebateu matreiro.



- Tenho cara de feira seu velhote? – seguiu seu caminho.



- Droga, mais um pegador de maçãs e nada de vermelho em minha dieta! – pensou voltando-se a casa.



Maçãs lhe lembravam hogwarts, por algum motivo. Comeria Hogwarts?! Não... só as lembranças.



Sua casa era grande e mal iluminada, a não ser na sala do segundo andar, onde costumava pintar, sala que dava defronte a uma sacada pequena. Vivia ali a exatos... 1000 anos? Há! Perdido no tempo novamente...



Harry Potter, a lenda viva! Aos 183 anos, velho, catatônico, completamente jogado ao tempo…



Pesava não mais que 48 kg, mais enrugado que um pano de chão velho, torto como uma vara velha e podre... Como se intitulara há algum tempo.



Vivia só, se divorciara há anos, antes que pudesse ter um herdeiro, e vivia só desde então, acompanhado apenas de sua loucura interior. Gina Weasley? Há, amor de escola, quantas pessoas hoje se casam com seu primeiro amor?... Chega a ser irônico...



Gina Weasley lhe lembrava seu falecido amigo Ronald, também lhe lembrava uma maçã, mas não vem ao caso no momento...



Ronald, Ronald... Morrera alguns anos depois da ultima batalha em Hogwarts, afogado em magoas e álcool, Hermione fazia uma falta maior do que o ruivo pudera suportar.



Hermione morrera na ultima batalha, mal se sabe como, mas seu corpo fora encontrado em meio às outras vitimas... Já não sentia a morte da amiga, pudera, faziam mais de 150 anos desde sua morte, o ressentimento ali era em mero respeito a alguém que passara por sua vida de uma forma especial.



Deitou-se em sua cama velha como ele e se cobriu.



Sonhava com coisas cada vez mais malucas, e indagava às vezes se os sonhos não eram sua realidade, ou vice e versa... Porém aquele dia um sonho em especial o perturbara, guerra, coxas de frango e um... como era mesmo o nome? Lembrol... Achava que precisava de um para lembrar-se de onde conhecia aquela droga de objeto... Riu-se.



Levantou-se da cama renovado, dormira por duas horas, caçou os óculos na escrivaninha ao lado, droga, perdera-os de novo!



- Er... Óculos!Venham! – recitou agitando um pincel velho que a pouco jazia no chão próximo a seus chinelos. De fato os óculos vieram a si, um bruxo de tamanho poder parecia ter a magia a seu favor mais do que sua própria loucura permitia, óculos grandes e muito mais grossos do que o normal em suas lentes.



Tossiu... Sangue? Cada tossida parecia que o esvaziava por dentro, visto que em um cadáver ambulante como ele só devia conter ar mesmo. Riu-se... Vinha rindo muito mais consigo mesmo do que com aquelas revistas de humor que vendiam na banca trouxa na esquina da 9th...



Andava com dificuldade e a passos mais curtos que os de um recém nascido... Tão cambaleantes quanto.



A cozinha parecia um chiqueiro, panelas, talheres, copos, gaiolas... Gaiolas?



“Marta! Mas que diabos houve com minha cozinha?” – indagou para o vazio.



A guerra o destruíra de uma forma além da humana, já andava arqueado aos 30 anos de idade, fora a loucura que viera após os 35, daí o divorcio e posteriormente... bom, estamos aqui.



Chorou por muitos anos as dores da guerra, às vezes pensava que como seu amigo Ronald ele devia ter se afogado em álcool e destruído sua vida de uma vez, não devia ter deixado essa destruição se alastrar e contaminar seus próximos 150 anos de vida... Mas que diabos tinha para viver tanto?!



Bem, a isso da-se um jeito...



Sentado a uma banqueta de plástico comeu alguns cereais que pareciam estar um tanto... embolorados?



- Longboton... Long... Droga de nome, feio feito um burro manco! – murmurava ranzinza enquanto comia, até lembrar-se de onde viera aquele nome.



Neville Longboton, seu velho amigo de infância, bom, morrera também em meio à guerra. O que esperavam? Um sujeito abobalhado feito ele que comprara o pouco de coragem que tinha em uma loja de souvenires de muito mau gosto, pudera que havia morrido na guerra. De todo caso, lutara bravamente, obrigado Neville - Pensou.



Terminou de comer e jogou a vasilha de qualquer forma na pia ao lado. Meteu a mão no bolso da calça e revirou internamente se contorcendo de leve na cadeira... Costumava encontrar coisas interessantes eu seus bolsos. Aquilo havia de se tornar um passa-tempos.



Olhou o relógio da cozinha e passou alguns segundos observando-o até decifrá-lo.



- Há! Hora dos remédios... – pensou andando até uma gaveta próxima.



Dentro da gaveta uma multidão colorida de comprimidos e frascos de poções se amontoava de forma desorganizada no móvel mofado.



- Bom, seguir as cores do arco-íris... Primeiro o... – olhou curioso gaveta a dentro – Por que drogas vocês tem de ser coloridos?



Selecionou um a um os exemplares de cada medicamento e engoliu-os de forma lenta, como se engolisse ratos albinos...



Em meio à escuridão vagou por sua casa até a porta de entrada e pegou a correspondência que jazia ao chão próximo ao buraco na porta para o correio.



- Contas, contas, fundo de pensão para combatentes, férias paradisíacas nas ilhas Tamago. – nomeou cada carta – Melecas de correio sem graça... Nem um sapo de chocolate!



Por um momento pensou em correr quarteirão afora para se exercitar, pensou, insanamente.



Sentia dentro de si um vazio que ia além da pouca massa corporal da qual dispunha, era uma falta quase humana de afeição e carinho... ou seria o desejo por uma vermelha e gorda maçã?



 Fato, estava velho, doente e a beira de uma morte silenciosa e sem qualquer importância... No fim era isso que lhe restava, a insanidade, as dores quase esquecidas de uma guerra e o desejo não saciado por uma maçã... Não dava graças por viver dia após dia com uma saúde falsa e ridiculamente afetada, sabia dentro de si que Harry Potter havia morrido a muito, talvez aos dezessete anos quando derrotou Voldemort em plena Hogwarts, talvez aos 35 anos quando enlouqueceu de vez e divorciou-se... talvez engasgado com uma maçã... enfim. De “talvez” o mundo é demasiado excessivo, talvez chova, talvez não, talvez eu morra hoje, talvez não... E outra, quem lhe garantia que não havia mesmo morrido e aquele era seu inferno particular pelas maldades que outrora cometera? Ou seria seu Céu? Seu éden...



Sentou-se frente a uma janela do segundo andar com seus instrumentos de pintura, com as mãos tremulas e levemente atrofiadas pegou um pincel médio e meteu-lhe no pote verde, de tampa verde, será que era mesmo o verde?



Pincelou sobre a janela fechada, transpôs a tinta sobre o vidro e sob a armação de madeira da mesma, arcos, cruzes, sóis, tinha o corpo de um velho e a criatividade de uma criança de 4 anos.



Novamente pegava-se pensando enquanto pintava, coisa difícil visto que mal tinha forças para levantar um pincel e pensar ao mesmo tempo parecia fazer o pincel pesar uma tonelada a mais do que já pesava. Pensava no que significara sua vida, viu dezenas de pessoas morrerem para evitar que o desfecho da guerra pendesse para o mal, e mesmo assim dezenas de pessoas ainda morriam, mesmo depois dos inimigos públicos terem sido exterminados... É, de fato o homem é inimigo do homem e de nada se valera ter perdido seus amigos, amores e acima de tudo, sua vida... Soava egoísta de sua parte pensar assim, mas vindo de alguém que nunca desejara nada para si a não ser viver feliz e com simplicidade, se dava o direito de um pouco de egoísmo.



Seus pensamentos pareciam lúcidos nesse momento, e com alguma sanidade parou a obra de “arte” que fazia... Uma lagrima rolou por seus olhos e o pegou de surpresa, há alguns anos imaginava que suas lagrimas secaram como seu corpo enrugado. Aproveitando a deixa derramou as ultimas lagrimas que devia a si próprio por ter sofrido tanto em vida, nunca imaginara que choraria novamente por isso, o tanto que já chorara em vida poderia encher alguns rios e possivelmente alimentar a escassez de água que a muito dominara seu mundo.



 Secando as lagrimas viu-se tremulo além do que já tremia normalmente, pegou o pincel e se voltou à janela... A inspiração para a pintura havia passado, aliviada como uma angustia qualquer...



Há anos seu tempo deixara de valer alguma coisa, dormia, comia e dormia de novo...



- Pudera! Sobreviver de um fundo de pensão cretino e viver num mundo onde o ar mescla-se em tons de cinza e roxo... O tempo não acabou só a mim, deixou destruir-se então o próprio mundo... – amaldiçoou.



- Ei senhora, de-me uma maçã! – gritou da sacada para uma velha que passava, por incrível que pareça a mulher pareceu revirar a bolsa e sorriu vitoriosa.



- Tome! Hoje é seu dia de sorte! – sorriu a velha com algo em mãos, embrulhado em guardanapos.



Surpreso desci até o andar debaixo em direção a saída, levando alguns minutos é claro, sai.



- Tome! – disse novamente a velhaca me estendendo o embrulho e seguindo sua caminhada.



Por breves minutos observei o embrulho sem nada em mente, e com uma fúria um tanto anormal para alguém de minha idade rasquei o embrulho com alguma dificuldade e descobri para meu desagrado interior que se tratava de uma batata, para la de embolorada. Sabia que aquele formato não me era estranho...



- Droga de batata! Mulher maluca!  - resmungou resignado – Espera ai! Eu sabia!!! Estou morto! Esse é meu éden particular! Cheio de pessoas tão loucas como eu! E com um ar que fede a grama e repolhos roxos... E aparentemente sem maçãs!



Entrou em casa ainda resmungando coisas sobre seu “éden” particular. De fato, deveria estar certo.



Jogou a batata em algum canto da casa e voltou ao seu quarto para quem sabe dormir um pouco mais. Deitou-se, cobriu-se.



O sono era uma coisa estranha para ele agora, como pode estranhar coisa que fazia desde antes de se conhecer de verdade?



Revirava-se mais que o normal para um velho da sua idade, a cicatriz em sua testa enrugada e quase sumida ardeu momentaneamente, sonhava novamente com flashbacks de sua própria vida, guerra, sangue, dor, guerra, dor... Enfim. Suava frio, seu corpo se torcia de formas involuntariamente anormais.



Acordou como que instantes depois de ter pego no sono, seu corpo doía, estava travado na cama em uma posição difícil, sentia seu coração palpitar forte, por um momento se surpreendeu, já havia até se esquecido que havia um coração ali batendo.



Tremulo, suado e com uma dor enorme em seu corpo velho, caiu da cama. Harry Potter cedendo ao tempo e a sua própria humanidade... Tentava se levantar apoiando-se nos móveis próximos mas o único feito que conseguia era derrubá-los em si próprio. Com dificuldade e como se fizesse o maior esforço de sua vida abriu a gaveta do criado mudo que caíra ao seu lado e sacou de la remédios que guardava para emergências como aquelas... Em sua cabeça sua vida não parava de passar a passos rápido. Então entendeu sua luz, estava morrendo, e isso desde que pensara ter dormido. Seus “sonhos” eram nada mais do que o ultimo suspiro de sua própria memória insana e já destruída...



Desistiu de lutar com a esperança de que finalmente morreria, acomodou-se melhor no chão duro como pôde, esforçou-se para lembrar do nome de todas as pessoas importantes que passaram por sua vida, num intimo despedir de si próprio.



Pensara agora ser ilusão de sua mente ou a mesma lhe pregando peças, havia um garoto...



- Ei velhote, tome – disse estendendo suas mãos para mim, um embrulho em guardanapos.



“Droga de batata!” – pensei.



- Ei! Pegue logo velhote! – insistiu o menino impaciente.



Resignado pegou das mãos do garoto imaginando se o mundo todo tremia ou se somente seu corpo...



Aguardando de novo agora uma maldita peça vinda do garoto desembrulhou o objeto, e la estava ela, vermelha, imponente com todo seu brilho, parecia refletir a pouca felicidade que um dia sentira em vida.



“Bendita maçã...”



Seu sorriso encerrou em si a loucura que um dia o tomara, sorriso que brilhou pela ultima vez em meio à escuridão que sua vida tornara...



Jovem viu-se diante de uma enorme arvore, uma macieira grande e imponente, que se erguia única em todo o campado que ia até o horizonte de sua visão.



Caminhou a passos lentos até a grande arvore e sentou-lhe as raízes, respirou fundo sem a dificuldade de um velho... Ao seu redor viu mais pessoas se sentarem, seu pais, seus velhos amigos... Tudo o que um dia fizera algum sentido a si mesmo.



Deitou-se com as pernas por sobre o colo do pai, e a cabeça por sobre o colo da mãe, e observando as maçãs acima de si fechou os olhos e respirou fundo.



 



 



“Enfim seu éden particular...Para toda a eternidade”. – Frase do epitáfio de Harry Potter.


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