#capítulo único;



Capítulo Único


Eu me lembro bem daquele dia. Do dia que mudou a minha vida para sempre.


Eu estava deitada no concreto da garagem com meus fones no máximo quando percebi o caminhão estacionar do outro lado da rua. Sim, eu era do tipo que não ligava para as roupas, caso fossem se sujar.


Fazia um calor absurdo e eu estava de biquíni preto. Minha mãe odiava aquele biquíni. Queria que eu comprasse um rosa, mas eu estava bem demais para gastar com besteiras.


Do carro vermelho, que tinha parado atrás do caminhão, saltaram uma mulher de cabelos varridos e de expressão muito contente, um homem de bigode, mostrando-se um tanto quanto atrapalhado e um garoto de jeans rasgados e de olhos muito azuis.


Instintivamente eu me sentei, com os joelhos flexionados. Tirei a minha franja grande demais dos meus olhos, mas não pausei a música. Aquilo merecia uma trilha sonora.


Era o quarto verão seguido que eu ia para aquela cidade praieira e nunca, jamais, alguém tinha se interessado em alugar ou comprar a Casa dos Mortos. Aquilo ficaria para a história.


Corria pelo bairro que a Casa dos Mortos era denominada assim, porque a Madame Bondlere tinha morrido ali com seu cachorro, depois que o marido tinha falecido na Segunda Guerra. Como meus pais nem tinham nascido nessa época – e consequentemente não almejavam a minha existência na Terra -, eles não sabiam falar muito sobre aquilo. E eles não eram do tipo que ligavam para boatos.


Mas eu, como qualquer menina típica de dezesseis anos que não sabia nada sobre a vida, muito menos sobre as dos vizinhos, ligava para os boatos.


Não que eu fosse de me dar bem com o pessoal do bairro, porque eu mais vivia deitada no concreto da garagem da nossa casa do que propriamente na praia. Meus pais acordavam cedo para caminhar e depois passar o resto do dia na areia, mas eu me limitava em dizer que não gostava de areia nem de água salgada. Bem, por um lado até era verdade. Mas não podia dizer que era uma baita de uma verdade. Porém, ainda que eles soubessem que aquilo era mais uma desculpa para não sair de casa, não me tentavam convencer a nada tampouco pareciam ligar para o meu estilo de vida, que era basicamente viver entocada em casa ou deitada no concreto, ouvindo música.


Ainda sentada no concreto quente, fiquei observando a cena.


O garoto conversava algo com a mãe enquanto esta não parecia mais muito feliz. Pareciam, aliás, estar discutindo.


Retirei um dos meus fones da orelha para captar qualquer fragmento de conversa.


- É só por um tempo. Eu estarei aqui para arrumar o meu quarto – o menino dizia como quem não estava preocupado em levar um safanão da mãe.


- Não me ouviu, ouviu? Eu disse não. Agora faça algo e leve assas caixas para a cozinha – a mulher dos cabelos completamente desastrados apontou para um grupo de caixas que tinham sido deixadas a sua volta - E muito cuidado, hein – acrescentou com urgência.


O filho fez uma careta cuja mãe não percebeu, rolou os olhos e tratou de fazer o que tinham lhe pedido.


Eu fiquei naquela posição por mais uns quinze minutos, apenas observando o garoto manusear as caixas, uma por uma, para dentro da Casa dos Mortos.


Como meus pais, mais um dia, estavam aproveitando o dia na praia, eu estava sozinha em casa, fingindo estar cuidando da Bibi, a nossa cachorrinha Maltês.


O dia tinha começado tarde para mim, quando meus pais entraram no meu quarto e avisaram que estavam indo para a praia, pois a caminhada deles já tinha terminado. Acho que eram quase onze horas. Mas, bem, era férias, o que eles queriam? Que eu acordasse às seis da manhã? Aliás, às seis da manhã o concreto da garagem nem estaria quente, então para que eu sairia da cama?


Mas acho que tínhamos chegado a um acordo. Desde que eles não me atrapalhassem, eu não os atrapalharia.


Deitei-me mais uma vez no concreto fervilhando. Era assim que eu gostava. Calor o bastante para eu poder me deitar onde eu bem entendesse com meu i-pod.


Como eu tinha fechado os olhos e recolocado os fones nos ouvidos, tudo parecia maravilhoso. Sabe quando você se esquece de todas as suas preocupações apenas por causa de uma música? Era assim que eu estava me sentindo naquele momento. Momentos assim são bons demais. E eu tinha aprendido que terminam cedo, também.


Isso porque eu tinha parado de cantar assim que algo atingiu as minhas costelas.


Levei um susto enorme e achei que meus pais tinham voltado mais cedo para casa.


Mas a realidade era bem pior.


Porque não eram meus pais.


Era o garoto que estava prestes a morar na Casa dos Mortos.


- Você quer alguma coisa? – perguntei com o meu melhor tom de “saia fora”.


- Você, por acaso, não teria nenhum martelo, teria? – ele me inquiriu com a voz tranqüila, como se eu não tivesse sido nada grossa com ele, segundos antes.


Eu fiquei ali piscando, segurando os fones na mão.


- Sou seu vizinho – ele se apresentou.


- Eu sei. Acabei de vê-lo estacionar – eu falei, deixando de lado o meu mal-humorado.


- Ah – ele olhou para a fachada da Casa dos Mortos – Meu nome é Sirius. Agradeceria se conseguisse um martelo. Meu pai não sabe em que caixa colocou o dele – Sirius riu, fazendo com que suas covinhas se salientassem.


- Sem problemas – sorri apenas com os lábios, sem mostrar os dentes. Levantei-me do concreto e fui em direção ao interior da garagem. Eu tinha certeza de que em algum lugar meu pai guardava as suas ferragens.


Sirius me seguiu.


- O dia está quente, hein? – ele puxou papo – Por que não está na praia?


Eu franzi a testa. Sinceramente, para um novato na rua, ele estava querendo saber de coisas demais para o meu gosto.


- Não sou muito disso. De praia, digo – eu disse, coçando a cabeça, tentando me lembrar do maldito martelo do meu pai.


- Então por que está passando o verão aqui?


- Meus pais, sabe – eu dei de ombros, explicando sem muitos detalhes – E você? Por que está passando o verão aqui?


- Não vim passar o verão. Vim morar. Meu pai se casou de novo e a Mel gosta de cidade com praia.


- Ah, então ela é sua madrasta? Achei que fosse sua mãe.


- Não sei se isso é bom ou ruim. Quero dizer, eu não posso dizer que estava feliz com a minha mãe – Sirius disse, rindo baixo, em tom melancólico.


- Não se dava muito bem como ela, é? – perguntei.


- É – ele confirmou, olhando para as minhas mãos, pois eu tinha, finalmente, encontrado o martelo – Obrigado. À noite lhe devolvo, certo?


- Tudo bem – dei de ombros, mal me importando.


Ele sorriu de novo para mim e eu fiquei envergonhada. Caminhamos para a calçada, de novo.


- Aliás, qual é o seu nome? – ele me perguntou.


- Marlene – respondi – Caso precisar de mais martelos, tenho certeza de que... hmm, tchau – parei. Caramba, eu estava dando em cima do novato? Fala sério, ele iria se mudar para a Casa dos Mortos! Eu já não tinha amigos ali, imagine se descobrissem que eu estava de papo para o primeiro morador da casa da Madame Bondlere e de seu cão, depois de suas mortes? Aí sim que eu nunca mais poderia pisar naquele lugar novamente.


- Obrigado, Marlene – ele disse, sério, então se foi. Atravessou a rua larga e se enfiou dentro da casa.


Amaldiçoei-me mentalmente. Por que eu sempre tinha que ser idiota na frente de todos os caras?


Ele só queria um martelo. Será que era difícil demais lhe entregar sem falar nada? Não, para Marlene Mckinnon era extremamente difícil.


Mais uma vez, deitei-me sobre o concreto, fingindo que nada daquilo tinha de fato acontecido.


x.x.x


Nas três semanas posteriores, eu e Sirius nos tornamos inseparáveis. Eu tinha lhe contado sobre a fama da Casa dos Mortos, e Sirius apenas riu. Para ele, aquilo era completamente relevante. Ele duvidava muito que sua madrasta fosse atingida facilmente com aquela história tosca de terror. Eu, por outro lado, tinha minhas sérias incertezas. Não em relação à madrasta do Sirius cair na história, mas em relação a acreditar naquilo. E se fosse mesmo verdade? A Família Black estaria vivendo em uma casa completamente assustadora!


Mas tudo bem. Ninguém podia dizer que eu não tinha avisado se alguma alma puxasse o pé de alguém à noite. Por isso eu tinha o meu lençol anti-espíritos, e o Sirius sempre ria de mim por conta disso. Tudo bem, tudo bem, quem me pegava tendo esses papos com certeza achava que eu tinha uns doze anos. A minha mentalidade diminuía bastante quando eu e Sirius estávamos juntos. Não que, sabe como é, eu tivesse algum senso ou juízo, porque acho que tinha nascido sem os dois.


Mas essas coisas nunca tinham impedido de o Sirius bater à minha porta às nove da manhã (para irmos à praia. É, eu não gostava nem um pouquinho daquilo, mas com ele as coisas se tornavam mais interessantes, sabe? Bem, eu nunca tinha tido nenhum amigo naquela porcaria de lugar, e quando Sirius disse que gostava de mim – como, sabe, amiga -, eu fiquei nas nuvens) ou de jogar pedrinhas na minha janela às três da manhã, quando ficava com insônia e não conseguia dormir.


Eu já tinha, realmente, perdido as contas de quantas noites ele tinha feito aquilo. Sabe, jogado pedrinhas na minha janela.


A primeira vez foi uma semana depois de termos nos conhecido. Era perto da uma da manhã e eu estava escutando música enquanto fingia para os meus pais (que também já tinham se deitado) que estava tendo uma noite de sono ótima. Claro que meu i-pod estava quase tão alto quanto se a noite fosse dia e eu achei mesmo um milagre eu ter escutado as batidinhas agudas das pedrinhas no vidro (e foi muito bom que Sirius não tivesse quebrado a janela, porque senão eu nem sabia que mentira criar para meus pais).


Depois do susto, veio então aquele sentimento de felicidade. Sabe? Porque se Sirius estava me acordando tarde da noite era porque se importava em sair da própria cama e ir me incomodar.


Abri a janela e senti o frio salgado atingir a minha pele. Como eu ainda estava com a roupa que tinha colocado depois do banho, fiquei um tanto quanto aliviada ao constatar que felizmente eu estava de sutiã (por mais que ele fosse visível pela blusa branca) e Sirius não enxergaria nada tão comprometedor, e eu não entraria em combustão de tanta vergonha.


- Sabe que horas são? – sussurrei. Bem, não foi bem um sussurro. Mas minha voz estava bastante baixa.


Sirius enfiou as mãos no bolso do pijama e sorriu.


- Desça daí – ele falou e eu achei que ele estivesse louco.


Ele queria que eu saísse debaixo dos meus lençóis e largasse a minha música no meio da noite?


Bem, aparentemente era aquilo mesmo. Eu não tinha entendido nada tão equivocado assim.


- Para quê? – perguntei, ficando furiosa. Hey, era o meu quarto! Ele não tinha o direito de invadir a minha noite musical e me fazer sair daquela cama!


- Quero conversar com você. Posso? – a julgar pelo tom de sua voz, ele não estava pedindo permissão alguma. Ele sabia que podia.  


- Sério? – perguntei – Agora?


- Não quer que eu espere até amanhã, quer? Eu poderia ficar aqui sentado até amanhecer, mas agradeceria se você realmente descesse.


- Por que não conta carneirinhos?


- Acredite, eu já tentei.


Então, eu saí do quarto com o meu i-pod ainda ligado, passei pelo corredor (meu pai estava roncando, o que era uma coisa boa), desci as escadas, esperei Bibi lamber meus calcanhares e fui em direção à lavanderia, que tinha um acesso ao quintal dos fundos.


Lá fora estava mesmo frio. O tipo de frio que claramente você encontra no litoral.


Mas eu não me importei quando o vento levou o meu cabelo para dentro de meus olhos.


- Quer que eu lhe conte alguma historinha para dormir? – perguntei, assim que o vi parado ao lado da porta.


Ainda que não fizesse nem quatro horas que eu o vira pela última vez naquele dia, eu me senti feliz pelo ter me encontrado com ele mais uma vez.


Vai ver eu era louca e idiota.


Mas mesmo assim. Mesmo eu sendo louca e idiota o Sirius quis ser meu amigo.


Meu único amigo naquela cidade praieira maldita.


- Só queria ouvir a sua voz – ele me disse.


- Bem, já ouviu – cruzei os braços, fingindo-me de aborrecida - Pode voltar a dormir?


- Você nem estava dormindo, Lene – Sirius  soltou uma risadinha - Aposto como estava ouvindo The Ting Tings e nem estava aí para o seu sono.


- Para a sua informação, eu estava ouvindo Never Shout Never – fiz uma careta e sorri – Agora, sério, porque não está dormindo?


- A Mel brigou com meu pai – ele me disse.


- Eles não acabaram de se casar? – estranhei.


Ele riu.


- Sim, mas isso não quer dizer que está cedo demais para brigas – ele me informou.


- Meus pais quase nunca brigam – falei, aí achei que foi a pior resposta de todas, porque eu não estava nenhum pouquinho consolando-o.


- Era pior quando minha mãe morava conosco.


- Hm. Por que eles brigavam?


- Por tudo. Qualquer coisinha era motivo de briga – Sirius me disse.


- Uau. Que porcaria. Mas a Mel é legal – eu disse meio hesitante, porque por mais que eu soubesse que Sirius preferisse a madrasta à mãe, não somos do tipo que nos acostumamos com a madrasta em apenas um mês de convívio, somos?


- Claro que é – ele me respondeu – Mas não queria recomeçar com essa coisa de novo.


- Quer meu i-pod emprestado para dormir? – perguntei, tentando ser solidária. Eu realmente não fazia idéia do que fazer ou dizer - Tudo bem, tem Taylor Swift, mas você pode ignorá-la e apenas ouvir Foo Fighters – dei de ombros, oferecendo o meu melhor amigo inanimado para Sirius.


- Não, sério, obrigado. Sei que você não consegue dormir sem música.


- Tenho também Fall Out Boy, Hey Monday, Jimmy Eat World, Keane, Oasis… - eu comecei a minha lista mental do que tinha dentro do meu i-pod. Claro que não era nem a metade do que ele comportava, mas mesmo assim eram boas opções.


- Eu estou legal, Lene – ele tirou as mãos de dentro do bolso e as colocou em meus ombros.


- Eu só não digo que você pode dormir comigo, porque daí ficaria estranho – eu disse, franzindo o nariz e desviando a minha atenção das minhas músicas.


- Eu não quero dormir com você – eu riu, e eu percebi suas covinhas mesmo sob a luz do luar.


- Ah – foi o que eu disse – Então, você vai ficar bem?


- Vou – ele sorriu – Amanhã nos falamos.


- Tudo bem – eu assenti, demonstrando nada saber sobre “famílias quebradas” – Hm... O que acha de no final do mês irmos até a festa da Tayla? – eu quis saber.


Não que eu realmente estivesse a fim de ir, mas como ele tinha me dito que estava esperando ser convidado para a primeira festa do bairro, lembrei-me da Tayla, porque ela sempre me convidava (de modo esnobe) para seus programas e eu dizia que não, porque preferia me deitar em uma cama de pregos s ter que fazer qualquer coisa com aquela menina. E eu nem desgostava dela pelo fato de ela ser loira de olhos azuis e que encantava noventa por cento dos meninos. Não, claro que não. Eu era uma menina bastante desleixada até mesmo para odiar uma pessoa pelos motivos certos. Além do mais, tinham me contado o que houve com o sutiã dela na última festa que ela tinha dado.


- Acharia maravilhoso. Você quer mesmo ir?


- Bem, quero se você quiser – dei de ombros, porque, sabe, quando você está na frente de um cara de pijama parece que as palavras para qualquer pergunta que ele lhe faça desaparece de sua mente.


- Fechado. Até amanhã.


E então ele me esperou entrar e se foi. Sei disso porque tinha saído correndo para o meu quarto para vê-lo indo embora.


x.x.x


O dia da festa tinha chegado. Anoiteceu muito rapidamente e eu tive que me programar para a noite. De repente, eu desejava voltar atrás com minhas palavras. A Marlene Mckinnon aparecendo em uma festa descolada?


Ainda que eu quisesse fazer qualquer outra coisa, tive a paciência de escolher um vestidinho de verão (preto, coisa que repudiou minha mãe, porque ela preferia algo que carregasse “mais cor”) e uma rasteirinha.


Sirius sorriu ao me ver completamente pronta. Acho que eu nunca tinha estado tão, digamos, impecável.


- Você está ótima – ele me elogiou enquanto minha mãe fingia estar prestando atenção nos legumes que picotava.


- Valeu – eu sorri.


Como a casa de Tayla era na mesma rua em que as nossas, não precisamos conversar muito. Aliás, não havia muito que dizer, já que tínhamos passado a tarde inteira juntos.


Tayla ficou feliz. Na verdade, muito feliz. Especialmente quando viu que eu tinha levado o Sirius.


Ela o abraçou (como se fosse amiga dele, coisa que ela com certeza não era, especialmente porque ele só estava ali a um pouco mais de três semanas), e eu me senti automaticamente solitária, mas ele se limitou em sorrir sem graça para ela e logo pegou a minha mão e me conduziu casa adentro. Os dedos dele eram sempre frios, mas, ainda assim, conseguiam me proporcionar segurança. Ele me ofereceu uma coca-cola e fomos para a varanda.


A varanda estava vazia e o céu brilhava com suas estrelas; se não estivesse com Sirius, eu nem entraria na festa. A Tayla era surfista e “namorava” todos os caras que moravam ali. Nós duas não tínhamos nada a ver.


- Você tem que me prometer que vai voltar ano que vem – Sirius foi incisivo.


Eu ri. Não saberia para onde mais meus pais quereriam passar as férias de verão.


O verão estava acabando, era verdade. Faltavam apenas quatro dias para eu voltar para minha cidade. Aquilo era deprimente.


- Eu sempre acabo voltando.


- Não vá me trocar por um cara cujas habilidades são de um orangotango, hein – ele comentou, rindo.


- Vê se para com isso, Six – eu falei – O que isso é verdadeiramente para você? Pode até ser que verão que vem nós nem continuemos amigos. Vou embora e a sua vida vai continuar.


Sirius não retrucou de imediato. Ficou me examinando por um longo tempo, até sorrir e chegar mais perto de mim. Quando ele entrelaçou sua mão na minha, olhei-o interrogativa e perguntei:


- O que foi? – meu tom de voz estava tão suave que poderia ter sido confundido por alguma cantora melosa.


- Nada – ele disse, mas continuou a me encarar – Só prometa que nunca iremos nos separar.


- Acho que eu jamais me desacostumaria com você, Sirius – comentei, sorrindo.


Ele sorriu de modo tímido, mas confiante.


x.x.x


No ano seguinte, nós voltamos. Ainda que eu e Sirius falássemos quase todos os dias pela internet e por mensagens, estar ali com ele era diferente. Era uma coisa real, sabe?


Assim que ele me viu, disse-me que eu não tinha mudado nada e eu fiquei feliz. Quero dizer, o tamanho do meu sutiã continuava o mesmo número quarenta desde os meus quinze anos, então eu não tinha mudado muito. Tudo bem, eu tinha feito mechas cor de caramelo, mas isso ele tinha notado. Mas, realmente, no todo, eu não tinha mudado nadinha.


Eu era a mesma Marlene Mckinnon de sempre.


Ao menos do verão anterior.


Mas Sirius tinha uma novidade.


O casamento de Mel e de seu pai estava por um fio (parecia que o Sr Black se cansava rápido das esposas) e Sirius estava se sentindo solitário sem mim ali (ao menos foi o que ele me disse).


Sirius, então, começou a passar mais da metade das semanas das minhas férias em minha casa. Ele tinha até mesmo chegado a dormir diversas vezes no colchão de ar que meu pai tinha enchido para Sirius. A cada dia que se passava, eu percebia que a situação do casamento estava pior. Sirius queria que seu pai se separasse, mas sabia que se isso acontecesse, se mudaria da praia, então podia ser que nosso convívio ficasse ainda mais estreito. E eu, por mais que quisesse a felicidade dos Black, não estava querendo aceitar aquilo. Separar-me de Sirius para sempre era algo que eu não suportaria.


Então, começamos a ignorar o fato de que seu pai estava dizendo que queria se mudar e focamo-nos no projeto de Sirius.


Seu projeto, na verdade, era muito simples. Era uma banda, que tinha fundado com seus amigos de escola. A Capitol Demons já tinha se apresentado no show de talentos da escola e até mesmo na feirinha da rua, nos fins de tarde.


Na maior parte eu gastava o meu tempo ouvindo-o tocar. Sirius cantava de um jeito que me fazia até mesmo suspirar. Sei que não há muitos motivos para suspirarmos ao ouvirmos rock, mas se você visse Sirius cantando... e ouvisse sua voz... você também começaria a suspirar por caras que usam jaquetas de motoqueiro (mas que não têm tatuagens).


Eu já tinha dado os meus dois mil e quatrocentos dólares que tinha juntado na sorveteria da minha cidade (é, quando você faz dezessete anos tem que trabalhar para se sustentar, sério. Ao menos era esse o lema dos meus pais) para o Sirius, para ele gastar com propaganda e markenting para a banda. No início, ele não quis aceitar o dinheiro, mas eu sabia que estava fazendo a coisa certa. Eu bem que precisaria daquela grana, mas Sirius tinha urgências mais específicas.


E naquela tarde quente, veio o convite.


Eu realmente já esperava, considerando o quanto eu já os tinha apoiado e feito folhetos sobre a Capitol Demons. Especialmente depois que eles conseguiram um contrato com a gravadora local, um mês depois que eu cheguei à cidade.


- O show é às nove. Vai ser o grande show, sabe?


- Sei, para impressionar e tudo, não? – eu ri.


Ele concordou também com um riso.


- Você está sendo quase a nossa agente, então, quero vê-la lá, okay? – Sirius fez uma careta charmosa.


- Estarei lá – rolei os olhos enquanto ele me jogava na água fria do mar.


x.x.x


Não estava chovendo, ainda bem. A previsão disse que choveria, mas eu estava agradecendo aos céus por não estar chovendo naquela noite.


Hey, era a grande noite, segundo o Sirius.


Eu bem acreditava naquilo, uma vez que eles já tinham arrebentado com metade dos corações femininos da praia todo aquele verão.


É, sexo, drogas e Rock N Roll, baby!


Eu não poderia ver as coisas de forma diferente.


Eu estava como uma típica fã: camiseta da banda (que eu tinha conseguido com os meninos, então nem precisei pagar) e calça jeans confortável. Algumas meninas estavam de salto alto e eu não conseguia ver o sentido daquilo, mas eu estava bem demais com os meus All Stars velhos.


A Capitol Demons começou com a minha música preferida, Eyes, que iniciava com guitarras gritantes e uma bateria em histeria. Em seguida, Go Away continuou fazendo com que o povo se agitasse ao máximo. Mr Criminal me deixou com vontade de berrar o quanto eu conseguisse (que não era muito, porque eu já tinha feito muito isso apenas nos ensaios da banda) enquanto Heart On Fire juntou todos os sentimentos pisados dentro de mim. Para o bis, a banda tocou Let Me Down, que fez a galera surtar de verdade.


Então, quando eu apenas pensei que Sirius fosse agradecer todos os berros e os aplausos quando pegou o microfone nas mãos mais uma vez, ele disse:


- Essa canção foi colocada por uma razão bastante atípica, sabe – ele riu e as pessoas mongas riram com ele – Eu não sabia onde poderia tocá-la, porque eu detesto esse tipo de música, mas a razão é uma pessoa extremamente especial em minha vida.


Eu fiquei ali piscando, achando que ele tinha composto a música para, sei lá, o pai dele, ou até mesmo para um parente distante. Mas foi aí que eu me enganei. A pessoa em questão estava mais perto do que eu imaginava e nem de longe era um cara.


Quando Sirius começou a cantar, até achei que estivesse no show errado, sabe? Sirius não era muito de músicas baladas, sabe?


You don’t want me, no
You don’t need me
Like I want you, oh
Like I need you


And I want you in my life
And I need you in my life


You can’t see me, no
Like I see you
I can’t have you, no
Like you have me


And I want you in my life
And I need you in my life


Love, love, love
Love, love, love


You can’t feel me, no
Like I feel you
I can’t steal you, no
Like you stole me


And I want you in my life
And I need you in my life


Lalalalala, lalala
Lalalalala, lalala


Quando ele terminou e disse um “Obrigado” meio sem graça, as meninas foram, literalmente, ao delírio. Você precisava ver. Algumas estavam até mesmo chorando. Isso mesmo, chorando.


Bem, eu não estava chorando, embora considerasse aquela canção a mais linda de todas (é, estava até mesmo descartando a Taylor Swift e suas músicas fofas do jogo).


Eu, claro, depois que a maioria já tinha se movido do lugar e aberto caminho até o palco, fui para o backstage.


Coloquei o meu melhor sorriso e fui parabenizar a banda.


- Caramba, foi a melhor performance de vocês ! – exclamei.


- Você achou? – Sirius enxugava o rosto com uma toalhinha e me olhava receoso.


- Hey, eu sou a sua fã número um, esqueceu? – eu bati em sua cabeça – Eu sempre sei quando vocês arrebentam de verdade.


Ele sorriu.


- E o que achou da última música? – ele me perguntou, de maneira esquiva.


Recordando-me instantaneamente da letra da canção, disse:


- Um arraso! – expliquei - Mas me diga – eu disse, sorrindo - Para quem era essa música?


Sirius corou.


E se ele tinha corado era porque ou eu tinha feito a pergunta errada ou a resposta era “Para uma garota”. Só que eu não sabia para que garota, especificamente, porque Sirius tinha me dito que não tinha conhecido meninas legais o suficiente para fazê-lo se apaixonar.


- Ah, caramba, é para uma garota, não? – eu ri com as mãos na boca, saltitando em sua frente.


Eu estava acabada. Eu estava acabada. Eu estava acabada. Eu estava acabada.


Esperei sua resposta, pacientemente.


- Bem, é – ele sorriu de modo comedido.


- Ah, meu Deus. Você nunca me disse que estava apaixonado! – continuei a rir feito uma hiena idiota.


- É, hm, estou – ele confirmou envergonhado.


- E...?


- E o quê? – ele piscou assustado.


- E quem é ela? Se você me disser que é a Tayla, vou acabar com você! – gritei fingindo-me de alegre ao extremo.


Sirius inclinou uma sobrancelha, agora mostrando-se aborrecido.


- Você acha que eu gastaria o meu tempo compondo uma música para a Tayla? – ele me perguntou com dureza na voz.


- Bem, se não é ela... então é alguém da sua escola! – apontei para ele, como se tivesse entendido uma piada genial.


- Não, não é – ele respondeu.


- Da praia? – arrisquei – Sem ser a Tayla, claro.


- Não. É alguém... diferente.


- Diferente como? Com um olho a mais? – eu ri.


- Não, com cérebro, sabe?


- Isso é preconceito, sabia? E as meninas que não têm cérebro? Elas não merecem serem amadas?


Ele rolou os olhos.


Muito bem, Marlene, foco.


- A garota da música é você, Marlene – Sirius me disse.


E foi aí que eu achei que o Demônio de Lava fosse me desintegrar, sabe? Porque achei mesmo que estivesse prestes a morrer. Ali. Bem ali.


- Eu? – foi o que perguntei com muita, mas muita surpresa na voz.


- É, quem mais poderia ser minha inspiração?


- Hm... – olhei para os lados. Os meninos da banda estavam ali, mas estavam ocupados demais comentando quase aos gritos sobre o show – Mas achei que você tivesse dedicado essa canção a alguém que realmente você amasse.


- E você duvida que eu a amo? – ele me perguntou.


Arregalei meus olhos.


Aquilo não estava acontecendo. Não estava. De certo, eu estava sonhado.


- Depende da intensidade desse amor – eu disse.


- Eu parei de lhe enxergar apenas como uma amiga no segundo dia da nossa amizade. Aquilo foi mágico para mim. Eu nunca tinha me sentido tão bem na presença de uma menina antes.


- Espere, isso não é nenhuma pegadinha, é? – estreitei meus olhos.


- Eu estou falando sério – ele salientou.


- Bem, porque isso é... isso é realmente esquisito, sabe – gaguejei, incapaz de formular uma frase que condissesse com meus sentimentos embaralhados.


- Se você acreditar em minhas palavras não vai ser – ele me assegurou.


- Eu acredito – eu disse mecanicamente.


Oh meu Deus, o que eu estava fazendo?


E foi aí que ele me beijou. E a letra da música preencheu novamente meus ouvidos.


Era a trilha sonora perfeita para aquele momento. 

 

___

N/a: oi oi *-* AEAEAE *-* a fic finalmente está sendo postada! Desculpem a demora, sinceramente. No começo eu não tinha inspirações e depois as minhas betas não estavam com muito tempo para betar rapidamente essa fic. Mas está aí. Já sabem, comentem e me deixem feliz *-* Agradeço o amor e a compreensão. Beijo beijo ;*

n/b1: OMG, eu fiquei toda bobinha imaginando o Sirius desse jeito *---* todo romântico, ainda por cima falar todo sem jeito lá no palco. Assim meu coração não aguenta. Nina fez o Sirius perfeito, super mega power com perfeição *----*


n/b2: eu adorei a short, ficou linda demais. até eu me apaixonei pelo sirius, apaixonei sim. E o final... a música pra ela... awn. Foi demais. Você escreve divinamente, Nina.

Nina H.


22/03/2011

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Comentários (3)

  • Mily McKinnon

    AHAAAAAAAAAAA, eu SABIA que te 'conhecia' e vou explicar KKKKKKKKKKKKKKKKK eu favoritei 2 das suas fanfics (Two is better than one e Back to December) e comecei a ler uma delas (Two is better than one). Lembro de ter comentado beeeem no início algo sobre gostar das suas comparações e de ter rido horrores com o fato de vc citar o Hugh Laurie no prólogo HAUHAUAH daí passou...... e, de repente, vc apareceu comentando na minha fic. Fiquei mto 'gente, eu conheço esse nome' e cliquei em cima pra ver KKKKKKKKKKKKK E EIS QUE VC É UMA DAS MINHAS AUTORAS FAVORITAS DOS MAROTOS! *-* E eu acabei de ler essa fic e simplesmente adorei tbm. O Sirius todo fofo cantando a música pra ela, awwwwwwwn +_+ adorei, adorei, adorei! Gente, esse universo de fanfic é mesmo mto pequeno KKKKKKKKKKKKKKKKKKK Enfim, me calarei pq esse comentário tá absurdamente gigante KKKKKKKKKKKKKKK Xoxo ;***

    2012-02-19
  • IsaBlack

    Nina, você é indiscutivelmente uma das autoras mais maravilhooosas daqui! :D Posso pedir pro papai noel pra me dar todo esse talento??? *-----------* Quero ser assim quando crescer! hahahaha beijão! <3

    2011-09-11
  • Sah Espósito

    Ouwww Linda a fic Ninaaa!!

    2011-07-20
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