Rubis.



Eram quase duas da manhã. Duas batidas do relógio da catedral, e tudo ficou em silêncio. Eu não suportava ficar em um lugar quieto de mais, jamais gostei. O barulho, qual fosse ele, lembrava-me que ainda estava viva, e que tinha algo por que lutar.


Era jovem, bela, rica, puro sangue. E como toda pessoa nesse âmbito, achava que era melhor que todos. Talvez tenha sido bom, talvez não. Ele me mostrou como eu poderia ser; quem eu poderia ser...o que eu era de verdade.


Cada pessoa tem seu preço, já me conformei com isso. Meu preço foi amar minha vida, aquela que achava que tinha, e poupar a daqueles que fizeram de tudo por mim... em vão.


E, infelizmente, eu sabia que um dia ele teria que admitir seus erros. Ou não.


Tom Marvolo Riddle, em seu auge da beleza, do poder, da ganância. 20 anos, e mesmo tão jovem, era impecável com seus planos. Agora temo acreditar que fui somente mais um plano bem- sucedido de sua vida.


 


                                                           *  *  *


- Feche a porta, Ruby. – ouvi minha mãe dizer. – Está frio.


- Por que não pede à Marietta? – retruquei de mal modo, abaixando meu livro de história da magia e olhando a minha irmã observar o vácuo. – Estou estudando.


- Não me interessa! Estou pedindo pra você. Vá, criança, e não retruque! – bradou ela, ignorando os risos esculpidos nas faces de minhas irmãs.


Minha mãe era doente, quase inválida. Caiu de um balanço quando eu era pequena. Além de ter sido criada por outras mulheres, fui educada para servir à ela e aos caprichos das minhas outras duas irmãs. Eu tinha raiva, ódio e desprezo por cada uma delas. O meu pai? “Na saúde e na doença”, ele a abandonou. Nos abandonou para sempre.


 


- Ruby – ouvi alguém me chamar.


- Sim? – respondi para as sombras. Deveria estar louca.


- Por que está aqui fora? – Senti a voz se aproximar. Era bela, porém um pouco rouca, um enigma a ser desvendado.


- Caprichos supérfluos de minha mãe. Quem está aí? – arrisquei, temerosa.


- Sou seu amigo, Ruby. Pode confiar em mim. Sei como você se sente. Quer ir embora daqui. Quer que as férias acabem logo para voltar à Hogwarts. Está cansada do inferno em que vive.


- Quem é? – perguntei mais alto, amedrontada por suas palavras tão certeiras.


Eu juro que não sabia. Se eu soubesse os efeitos que aquele rapaz possuía, jamais teria o atrevimento de somente perguntar seu nome. Em questão de segundos, Tom estava na minha frente, com os braços na minha cintura, olhando ardorosamente sobre meus olhos... lendo cada vestígio de minha alma.


- Você me conhece. – Não era uma pergunta.


- Conheço?  – perguntei contra gosto.


- Ainda não, mas deveria. – eu sorri. – Não lhe agrado, Ruby? – Ele fez uma expressão triste, mas falsa.


-Oh! Perdoe-me, não foi isso que quis insinuar. Mas quem sois, senhor, e qual motivo de estar aqui, abraçado a mim, se nem o conheço? – ampliei meu sorriso. Ele era muito bonito.


- Eu sou um enigma, Ruby. Um enigma que você terá bastante tempo para desvendar. – observei seus olhos azuis faiscarem, por milésimos, e cristais vermelhos.


 


No dia seguinte, fugi de casa. Não que aquela mansão rica fosse realmente minha casa. Minha verdadeira casa era Hogwarts, porém fugi dela também. No meu último ano de magia, desisti de tudo, exageradamente tudo, para ficar com ele. Um rapaz que eu mal conhecia.


Fomos à um albergue barato de Londres, próximo ao caldeirão furado, e nos instalamos lá. Cada um em cada quarto, separados, distantes. Pouco a pouco, as distancias foram colocadas de lado, e minha mente era dominada por sua imagem, seu espírito e toda sua ira.


 


- Ruby. – ele me chamou. – Quero mostrar algo para você.


- Sim, Tom? – aproximei-me. Ele segurava um colar prateado, com uma belíssima pedra no centro. Entregou-o a mim.


- Era de minha mãe. – Eu jamais soube nada sobre ele, ou sobre de onde tinha vindo. Sabia, e bastava por hora, que era bruxo, e muito inteligente. Famoso, a esperança do sucesso. – Agora é seu.


- Por quê? - questionei. Ao contrário do que me dizem agora, Tom sempre respondia as minhas perguntas sem excitar.


- Digamos que é parte da minha alma. Agora, ela é sua. – respondeu simplesmente. – Eu entrego a você minha alma, Ruby.


E então, como esperava, eu o beijei. Jamais o havia beijado, somente contemplava-o, adorava-o, mimava Tom como meu. Ele já era meu, e eu já era completamente dele. Tomou minha cintura com os braços, assim como no encontro às escuras no jardim, e me puxou firmemente. Ele queria mais. Não poderia negar que também o desejava, mas o conhecia apenas um mês. Apesar de galanteador, Tom não era muito carinhoso quando tinha o que queria em mãos. Era frio, calculista.


Assim, eu o parei.


- Ruby? – olhou-me. – O que há?


- Não acho certo, Tom. Ainda não consegui desvendar você. – brinquei.


- Pois creio eu que está perdendo a sua maior chance. – e me beijou.


O beijo dele era completamente diferente do meu. Era possessivo, forte, ameaçador. Provava novamente o que eu já sabia.


Aquele beijo eu nunca pude calar.


Senti suas mãos subirem e descerem pelo meu vestido, enquanto as minhas mexiam em uma mecha de seu cabelo. Ele era lindo, um homem com todas as letras.


Delicadeza. Foi assim que me guiou até minha cama, calmamente, como se saboreasse cada rubor de meu rosto ou cada suspiro de meus lábios. Eu o amava. Não o conhecia, mas o amava. Deixei ser guiada para meu abismo, mas o desejo era maior do que a dor.


- Diga que me ama. – ele pediu, como se lesse na minha face palavras silenciosas.


- Eu te amo. – respondi quase inconscientemente. Tom pegou meu mais novo presente e colocou-o em mim. O verde do medalhão colidiu perfeitamente com o branco de meu colo, completamente despido, ao olhar vulnerável de Tom.


- Eu sei, Ruby. Você jamais conseguirá negar.


No começo, não sabia ao certo o que suas palavras significavam. Agora bem sei eu.


Por anos, observei Tom e sua jornada para a destruição. Por anos, fiquei calada, invadida pelo silencio, amando-o constantemente, como se sofresse ao executar. A cada ato, a cada suspiro, pedia-me para dizer seu nome, dizer que eu o amava e que o amaria pelo resto da minha vida.


Talvez tenha sido um sonho, ou meu maior pesadelo. Não posso dizer mais pois em mim já não resta vida.


Tom matou toda a minha família, que procurava por mim. Em seus braços, nem me lembrava deles. Nem me importava. Mas a morte relembra erros, recorda maldades e, contudo, uma vida, embora esta não tenha sido feliz. Mas eu era feliz, e não sabia.


- A dádiva humana de estar sempre insatisfeito com o que tem. – Ele me acusava.


Acusava verdadeiramente. O erro foi meu, desde o dia no jardim.


Observei sua beleza fraquejar, e o azul dos seus olhos, aos poucos, darem lugar para o vermelho assassino, vivo e forte. Os olhos de Tom me lembravam rubis, brilhantes e caras, como as que minha mãe costumava comprar para minhas irmãs.


Mesmo assim, com todos os seus defeitos, suas feições e seu gênio, não deixei de amá-lo, e não seria capaz de fazê-lo. Longe, agora, observando os sinos de Notre Dame, seu barulho tão doce acalmar meu ânimo, e lembrar-me que ainda não acabou.


Porém sei que quando souberem, minha vida por tempos estará terminada.


 


- Estou com a horcrux verdadeira e pretendo destruí-la.


- Não, Ruby. Você é covarde de mais para fazer isso. – ele me olhou, com seus olhos de rubis. – Você me ama, sua tola! Jamais poderá negar.


 


E com um último beijo, cerrou os olhos de Rubia Alemend Bonaderly, e todo o seu corpo foi inundado por ondas de rubi, quente, molhado... doloroso.


 


Você jamais poderá negar.


 

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