Uma manhã de jejum



Durante aquela noite fresca de abril, o ressoar da chuva era a única coisa contraposta ao silêncio intocável da região.  A breve martelada das gotas da chuva chocava-se com os telhados opacos que persistiam firmes em escoar toda água ao solo encoberto de paralelepípedos e feno.
No intervalo da garoa repentina, um vento gélido chegava de mansinho, vagueando pelos subúrbios do vilarejo bruxo, procurando por uma brecha das casas para se infiltrar; nas quais os moradores se encontravam acomodados em suas camas de veludo, vislumbrando seus sonhos passageiros.
Não muito longe dali, havia um garoto que entre todos em seu dormitório, não conseguia dormir. Edmundo Bleiman, cujo que estava aprumado em uma poltrona de vista para as chamas esverdeadas que crepitavam na lareira, de olhos cerrados em ostento devaneio. Se perguntando se um dia seria suposto sentir tamanha repulsa por si mesmo e pelos seus companheiros. Talvez fosse por ser metade trouxa e metade bruxo, mas já avaliara essa possibilidade, muitos sangues-impuros apesar de serem degenerados por uma sociedade hipócrita do mundo mágico, permanecia nela. Como a ramificação de uma árvore, onde apenas a galhada mais soberana e próspera tinha o luxo de receber o primeiro raio de Sol. Por outro lado, um décimo dos seus colegas era mestiço, encarando isso como um lado positivo, Edmundo tivera sorte de entrar para esta Casa honorária que cerca de três anos atrás foi selecionado pelo chapéu seletor que o destinou no mesmo instante, a honrada e mais exuberante... arrogante e pretensiosa, Sonserina.
Agora faltava cerca de cinco minutos para as doze badaladas, a chuva diminuía o compasso, pousando serenamente nas abas do castelo em forma de cuia. O garoto dava uma ultima fungada na manga do pijama ao recolher-se para sua cama, recostando os cabelos escuros no travesseiro, esvaindo todos os pensamentos da sua mente, até fechar as órbitas castanhas, adormecendo.

Já passava das nove da manhã e Edmundo só acordara após receber uma golada de suco de abóbora no rosto, a qual fora cortesia do seu colega de quarto, Luiz Henrique, que saia a gargalhadas pela porta.  Girando o quadril e apanhando a varinha do bidê, Edmundo apontou-a para o próprio rosto, em uma voz rouca: “Tergeo”, que em seguida o feitiço sugava todo líquido como um aspirador de pó da sua face. Edmundo jogou as vestes sobre o corpo e sem mais rodeios, adiantou os calcanhares seguindo para seu não possível café da manhã.
Dirigindo-se diretamente à mesa da Sonserina que por sorte ainda estava repleta de torradas, sucos e tortinhas; Edmundo se acomodou em uma fileira de garotinhos que brandiam suas varinhas, conjurando faíscas verdes e prateadas, que formava uma cobra em forma de S acima de suas cabeças. Quando Edmundo avançava em uma fatia de bolo deliberadamente maior que o prato, era interrompido por uma pigarreada delicada que convinha de uma garota de cabelos pretos repicados à altura dos ombros ossudos e de pele nitidamente branca; Mariana Iglesias o fitava com seus olhos gateados cheios de prazer.
-Hein, Ed! Eu te vi passando pelas masmorras, mas acho que você não me notou. – vinha choramingando no ombro de Edmundo que emitiu uma exclamação muda quando ela tornou a afastar os garotinhos para o lado para aconchegar-se em seu braço. –Bem melhor. Então, tudo bem com você? Parece-me meio abatido. Porque você ausentou no café e ainda faltou a uma carga oraria de Poções hoje cedo?
-Ah, nada de mais – Edmundo suspirou com desdém, lançando olhares para duas mesas a frente da sua, onde os grifinos comemoravam algo a assovios - Só estou com o sono atrasado. – balançou a cabeça em meio a um bocejo, já almejando a próxima mordida no bolo quando inesperadamente todas as porcelanas e talheres se desmaterializaram junto com comida, encerrando o café matinal.
Edmundo devorou sua humilde fatia de bolo, engolindo a frustração de não ter comido mais do que gostaria, entretanto, apenas baixou os olhos em diagonal, fitando Mariana de perfil.
-O que eles estão festejando desta vez? – Edmundo se referiu aos grifinos de forma tão inesperada que a garota deixara transbordar sua expressão confusa, despregando o sorriso amarelo.
-Oi? Não faço idéia, talvez tenham ganhado alguma partidinha contra a Lufa-lufa e estão se gabando. – a garota evitava olhar para ultima mesa, de onde vinham os brandos e saudações, com nojo se ser contagiada por alguma doença visual.
-Enfim, você chegou a ler algo sobre os desaparecimentos? –Edmundo citou assunto, abafando a última palavra, notando as pupilas da garota se dilatar.
-Não...! Minha mãe me contou que o Profeta Diário não menciona os casos de desaparecimentos para não alarmarem os sangues-ruins! E que... –mesmo as palavras sendo sussurras a beira do ouvido de Edmundo, eram quase inaudíveis devido à euforia do salão-... Você-sabe-Quem esta reunindo servidores para tomar o Ministério das mãos do Fudge!- Edmundo inclinava sua cabeça para trás notando a face pálida de Mariana, mesclada ao pavor e felicidade, avaliando a possível mentira.
-Mas você não acha que podem ser só boatos? –Edmundo perguntou pouco esperançoso.
 - Edmundo acorda! –Mariana bufava incrédula ao notar a desconfiança, contudo, mantinha o tom razoavelmente baixo- Ninguém acredita naquele Harry Potter, isso é óbvio. Apenas porque são tolos a ponto de perceber que o patético do garoto tem razão. Alguns de nós, sonserinos, riem de medo ou negão que o Lorde das Trevas voltou, mas eu não! Estão iguais ao Cornélio Fudge que teme perder o poder e acabar com uma guerra nas mãos. Mas isso tudo é segredo, viu? Porque eu até acho que Você-Sabe-Quem já está almejando o próximo passo para os desaparecimentos – Edmundo antepôs a fala da garota mentalmente: A Escola de Magia e Bruxaria, Hogwarts.
Retornando ao salão comunal de estomago praticamente vazio, Edmundo fez o contorno do corredor das masmorras onde notara distraidamente a extensão de uma longa teia que ia do solo rochoso até o teto.  Depois de murmurar a senha ao retrato da bruxa de nariz torcido, que lhe concedeu passagem ao comunal da Sonserina, acelerou em passos largos até duas colunas de mármore, na qual dobrou a esquerda chegando ao dormitório masculino.
Edmundo sentou-se no pé da cama mal feita, enquanto beliscava um alfajor que guardara em alguma ocasião em sua gaveta, entulhada de embalagens de chocolates e restos de penas. E se deu ao luxo de prosseguir parte da manhã e da tarde remexendo a escrivaninha em busca de relatórios não entregues (os enviando aos professores com sumas desculpas) e reorganizando os livros em seu devido lugar e fazendo trabalhos para os dias seguintes, durante horas.
Quase perdendo a noção de tempo, quando o relógio da torre leste chacoalhou as masmorras indicando nove horas, Edmundo se ergueu sem muito ânimo, arrastando-se para o jantar onde se sentou inconscientemente no mesmo lugar ao de manhã. Edmundo esganiçou um pouco o pescoço de onde estava sentado para fitar o estranho diretor que quase sempre se ausentava nos jantares, Alvo Percival Wulfrico Bryan Dumbledore, que dava um aceno majestoso de trás da mesa nórdica, dando início ao banquete que surgia diante de todos.

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