A Seleção



A Seleção

Três anos depois...

A névoa branca era espessa o bastante para apenas os que passassem bem próximos perceberem a pequena família a se despedir. Um homem alto e magro de vestes escocesas, um cachecol muito velho ao pescoço, o olhar sereno no rosto de barba bem aparada e uma mulher bonita de cabelos avermelhados e roupas coloridas e amplas sob a capa de bruxa, grandes brincos dourados e pulseiras tilintantes nos pulsos, sorrindo condescendentes para uma menina, muito parecida com ela própria, usando amplas saias roxas sob o uniforme novinho em folha da escola. A menina também trazia brincos de argola, e pulseiras douradas, mas demonstrava grande preocupação e receio.
- Eu tenho medo de não conseguir... e se os feitiços falharem? Como vou reativa-los?
A mulher acariciou os cabelos da menina, levemente ondulados e cheios, que pareciam mais desarrumados que penteados, e disse:
- Não se preocupe, querida. Seu cabelo vai permanecer arrumado até o Natal, eu garanto.
- Mesmo se eu cair no lago?
- Mesmo se você cair no lago. – a mulher riu suavemente, e sua risada lembrava o canto de um pássaro na floresta.
- Mas você não vai cair no lago, nunca soube de alguém que o tivesse feito. - o homem comentou, divertido.
- Eu posso muito bem ser a primeira...
- Bobagem... Você só precisa... – mas suas palavras seguintes foram esquecidas, pois o forte apito do trem lhes chamou a atenção.
A mulher abraçou a menina e disse, carinhosa:
- Você precisa apenas se concentrar, como fez todo o verão, no principal: controlar seus poderes, manter-se tranqüila, e não procurar o...
- Tome. – o homem interrompeu a mulher, tirando do pescoço seu velho cachecol e enrolando-o no pescoço da menina. – É meu velho companheiro desde a escola, vai lhe dar sorte. Minha mãe o fez pra mim, e um igualzinho pra minha irmã, logo que soube pra qual casa fomos selecionados.
A menina fitou a peça listrada de amarelo e vermelho, um suspiro triste saindo de seu peito.
- Se eu não for para a Grifinória...
- Se você for, ficaremos orgulhosos, mas se não for, ficaremos também. Saberemos que está na casa que mais lhe ajudará a cumprir seu destino.
- Mas não posso ir para a Sonserina...
- Não seria...aconselhável. Você sabe.
- Sim, mãe, eu sei.
- Resista à tentação, querida. Seja forte, e será melhor para todos. E,,, leve isso com você – ela levou a mão à testa que parecia lisa, mas de lá tirou uma pequena moeda de ouro e entregou à menina – Se você resolver usá-la, ficará invisível, não se preocupe. Pode ajudar a manter o controle.
A menina sorriu, acatando o conselho e guardando a pequena moeda em seu bolso, embora com uma tristeza imensa tomando conta de seu pequeno coração.
Abraçando mais uma vez os pais, ela entrou no trem, procurando rápido por uma janela enquanto as portas se fechavam, indiferente ao burburinho e às risadas dos outros alunos.
Ela acenou para os pais até que eles sumissem sob a névoa que envolvia toda a estação, e depois acomodou-se para a longa viagem até a famosa Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

*****

- McGonagall, Regina!

O salão inteiro silenciou, surpreso. Afinal, a Professora de Transfiguração acabara de chamar alguém de sua família para experimentar o chapéu seletor. Centenas de olhares se voltaram, curiosos, para a garota que se encaminhou sem pressa para o banquinho, após dar um pequeno sorriso - discretamente correspondido – para a professora. Ela ostentava um velho cachecol grifinório no pescoço, fato pouco usual antes da seleção. Sua pele levemente bronzeada e os cabelos negros, longos e levemente ondulados foram uma surpresa, e alguns sussurros começaram a ser ouvidos. Seu caminhar era acompanhado por um tilintar suave, cuja origem foi percebida quando ela se sentou e pegou o velho chapéu, pronta para experimentá-lo. Ela usava pulseiras coloridas e brincos de argola com pequenas moedas penduradas. Algo nunca visto em Hogwarts... Os sussurros aumentaram então. Que tipo de bruxa seria ela? Só ciganas – ou trouxas – usavam aquelas coisas barulhentas...
Então, alguns se lembraram de terem visto ciganos na plataforma 9 e ¾ da Estação Kings Cross, acenando para alguém enquanto o Expresso de Hogwarts partia.
Da mesa da Sonserina, um quartoanista levantou os olhos do livro de poções ao ser cutucado por um dos colegas e olhou para a frente do salão. Viu a menina, e esta o fitou rapidamente ao erguer o chapéu, desviando os olhos em seguida.
Foi um gesto rápido, mas não o suficiente. Uma onda de reconhecimento o invadiu, e o rapaz procurou sem sucesso um rosto correspondente em sua memória, enquanto uma voz bem fraquinha pareceu soar em algum lugar:
“-Por que você não vem para o feriado?”
Mas a sensação de reconhecimento se dissipou instantaneamente, e ele não se preocupou mais com o assunto. O livro absorveu novamente toda a sua atenção.
A garota, entretanto, ficara rígida. O desvio do olhar pode ter parecido rápido, mas para ela fora um esforço imenso fazê-lo. Há quanto tempo...
Um arranhar de garganta chamou-lhe a atenção, e ela olhou para a Professora McGonagall.
- Coloque o chapéu, minha querida. Não há o que temer.
- Eu sei, tia Minerva. – ela respondeu, obedecendo imediatamente e finalmente colocando o chapéu, sua voz baixa sendo ouvida pelos alunos mais próximos e a informação sendo rapidamente repassada para os demais: ela chamara a professora de “tia”!

Mas o chapéu já fazia seu trabalho admirável:
- Ora, o que temos aqui? McGonagall, hein? Não me parece certo.
- Mas é o que eu sou! – ela respondeu automaticamente, tão espantada por ter ouvido a voz do chapéu que sua exclamação soara em voz alta.
Ela olhou para os rostos ainda mais curiosos e piscou, impaciente. Sua mãe pedira tanto que ela evitasse fazê-lo, e agora, o chapéu a incitava a isso: conversar com a mente. Tudo bem, devia ser o costume daquele ente mágico – com certeza era um ente mágico que habitava aquele monte de panos rotos. Então, ela respirou fundo, fechou os olhos e relaxou.
- Assim é melhor, minha menina. Não se preocupe, eu sei guardar segredos muito bem. Todos esses que você vê e muitos que já se foram me experimentaram um dia. São mil anos de bons serviços, acredite!
A menina respirou novamente, e o chapéu riu de sua impaciência.
- Bem, vejamos. Você é muito inteligente, se daria bem na Corvinal. Mas seu coração deseja ir pra Sonserina, estarei certo? Coisa fantástica, Sonserina ser escolha do coração.
- Mas não é minha escolha! Não posso ir pra lá!
– ela reagiu prontamente, embora tomando agora o cuidado de não se expressar pela fala.
- Entendo... você teve muita coragem para enfrentar tudo pelo que passou e ainda passará, mas a Grifinória, que seria natural por ser a casa de sua madrinha, também não é o melhor pra você. Todos os seus valores parecem presos a um severo código de lealdade. É isso, você é leal ao que toma como missão, e todo o resto, coragem, inteligência, sagacidade, põe a serviço dessa missão. Então, só há um lugar pra você: Lufa-Lufa.

As últimas duas palavras soaram em voz alta, retumbando no salão, e exclamações de surpresa foram ouvidas por todos os lados.
Até a Professora McGonagall pareceu surpresa por um segundo, mas a um olhar de Dumbledore, asserenou. Era melhor que ela fosse pra Lufa-Lufa, estar em sua casa traria à menina mais pressão do que o necessário. Principalmente... bem, era melhor assim, ela concluiu, depois de observar por alguns segundos um pequeno grupo de alunos do quarto ano.
A garota endereçou um pensamento carinhoso de despedida ao “Sr. Chapéu” e depositou-o no banco com cuidado. Então, sorrindo novamente para a professora – que lhe respondeu com um aceno encorajador e um sorriso aberto desta vez, dirigiu-se à mesa da Lufa-Lufa, de onde vivas entusiasmados eram ouvidos, caminhando com graça e segurança.
Seu olhar passou pela mesa da Grifinória, onde muitos pareciam desapontados ou a olhavam como se os tivesse traído, mas não deu importância. Sentou-se no espaço aberto para ela entre duas meninas que lhe sorriam acolhedoras. Elas se apresentaram: Alice e Elizabeth, e deram as boas vindas em nome da casa.
Ela aceitou, feliz. Sentia sinceridade nelas, mesmo não “vendo” seus sentimentos. Prometera aos seus pais se esforçar para não usar seus poderes naturais a todo instante e a escola seria um grande teste, depois de três anos de estudo e treinamento. Esperava conseguir fazer amigos, dissipando a solidão que sempre a acompanhara, mesmo nas rodas festivas da tribo de sua mãe.

Solidão era um sentimento de que não gostava, ao qual sentira-se condenada eternamente, durante esses três anos. Agora, pelo menos, estaria perto dele e poderia vê-lo com os próprios olhos, pelo menos no horário das refeições.
Seu olhar foi imediatamente atraído para a mesa da Sonserina, rapidamente encontrando o aluno que fitara antes, seus cabelos negros debruçados sobre um livro enquanto o jantar não chegava. Venceu a tentação de chamá-lo mentalmente, quase ao mesmo tempo que outra mente a chamava. Descuidara-se, mas o Professor Dumbledore estava atento.
- Perdoe-me, professor. Foi só... saudade. Vou tomar bastante cuidado.
- Se precisar de ajuda, conte comigo, criança.
- Obrigada, Professor. Acho melhor usar a moeda encantada de minha mãe...
- Se é tão eficiente quanto me disseram, aprovo inteiramente. É um enfeite gracioso...para quem puder vê-lo, claro.

Ela sorriu de onde estava, e o professor sorriu em resposta, disfarçando sua preocupação. Para a maioria dos alunos, era apenas o início de mais um ano letivo.

Para Regina McGonagall, era bem mais do que isso.

=====

Isso aí, gente, um "pequeno" segredo revelado, e afinal Harry estava errado: "nem são todos os que estão, nem estão todos os que são", ou seja, nem todo mundo com cachecol grifinório é da Grifinória...

Ah, Belzinha, peguei emprestada uma personagem sua, você notou, né?

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