O Hospital de Vill Oldirey



PARTE 1


Minha garganta queimava e ao despertar pude notar, logo ao esfregar os olhos enquanto me sentando de supetão, que meu rosto estava coberto pelo suor. Quando tornei minhas mãos para o chão, na tentativa de me assentar mais confortavelmente encostada à parede, levei um pequeno susto. Não era um chão que eu havia tocado, mas um colchão.


 - Traga alguma coisa pra ela – pediu dona Joana, autoritária, dirigindo-se a uma copeira ao lado, que saiu correndo de imediato.


Comecei a tatear nervosamente a superfície onde estava. Prontamente notei um cobertor macio e azul sobre minhas pernas e um pano úmido que havia acabado de cair em meu colo, de cima da minha testa.  Mesmo com a visão embaçada por conta da forte luz do sol, pude ver várias janelas esguias em forma triangular, cobrindo grande parte da larga parede mais a minha frente. Olhei um pouco ao redor, ainda confusa. Estava numa sala realmente enorme e extremamente bem iluminada pelos raios solares, além de perceber que deveria haver, pelo menos, umas vinte e cinco camas, na qual dez estavam ocupadas. Olhei a minha frente. Joana parecia ter acabado de ver alguém morrer e a professora parecia aparentar estar um pouco nauseada com algo que tinha acabado de presenciar.


 - Meu Deus... – sussurrou McGonagall, desabando na cadeira logo atrás dela, aparentando estar liberta de uma preocupação, enquanto a negra ainda mantinha a cabeça no mesmo nível que a minha.


 - Ande logo com isso, Suzan! – gritou a mesma, virando-se para a porta gigantesca do aposento, quando finalmente se pode ouvir passos rápidos ao longe.


A mulher de nome Suzan, entrou correndo para dentro do local e correu para a cama onde eu estava, que era, justamente, uma das mais distantes da entrada. Em passos difíceis por conta dos saltos grossos dos sapatos, ela trazia em uma das mãos um líquido azul-viscoso dentro de um recipiente, que chacoalhava com seu andar apressado diante da pressão embutida por Joana.


 - Vai, vai, vai! – dizia ela, aborrecida com a velocidade em que corria a copeira.


Quando a enfermeira finalmente chegou ao lado dela, esta entregou-lhe o recipiente, que logo me ofereceu para beber, dizendo:


 - Toma isso.


Eu, nervosa demais para desobedecer, tomei o líquido das mãos dela e o fiz descer goela abaixo de uma vez só; atitude que me arrependi de ter tomado um segundo depois. Assim que pude sentir “aquela coisa” na garganta, que descia como uma pasta nojenta, deu-me uma ância enorme e vontade gigantesca de cuspir aquilo pra fora da minha boca, mas fiz um movimento tão brusco quanto a isso, que a dona logo se adiantou para comigo.


 - Nem pense – advertiu firme, apontando o dedo gorducho para mim – Eu sei que é ruim, mas engole.


Um esforço, uma careta, um soco invisível dentro da faringe e lá se foi a gosma.


 - Bléc! – disse com a cara enojada, colocando a língua para fora da boca – Mas o que...? – mas antes que completasse algo me impediu.


Uma sensação estranha começou a nascer no meu interior. De repente pareceu que todo órgão que me pertencia e cada músculo que eu tinha havia relaxado, como uma bexiga esvaziando. Quando fui ver, sentia-me tão leve como uma pena flutuando no ar sereno de verão, ou tão relaxada quanto alguém no SPA. Para falar a verdade, não era exatamente essa a sensação que eu sentia, era melhor, era... era como... Bem, de acordo com a descrição do livro, era uma sensação semelhante a de quando se bebia uma Felix Felixis ou coisa do gênero. Parecia que tinha mergulhado numa banheira de água quente numa noite de inverno, sabem?


Logo que senti tal percepção aconchegante, deslizei pela parede e afundei nos travesseiros ainda meio úmidos, quase que pateticamente, sorrindo.


 - Ê coisa boa...


Ouviu-se, finalmente, a risada bondosa de Joana.


 - E pensar... – falou risonhamente – que quando tomei isso, acabei fazendo a mesma coisa.


 - Quê, – perguntei encarando o teto – você já tomou isso?


 - Claro! Como pensa que me controlei depois do Drawer e Tâmara fizeram? Lembra que lhe contei? Depois do que aprontaram, eu ri tanto, mas tanto, que Minerva, teve que me arrastar para a ala hospitalar. Mal conseguia respirar com as gargalhadas malucas que eu dava, quase tive um infarto – e riu um pouco, sorrindo. Seu prósito era, claramente, me encorajar, pois ainda assim notava um quê de medo, ainda que o pior da hora já tivesse passado.


 - Drawer e Tâmara? – interroguei em tom meio sonhador, sem querer passando a imagem de alguém maluca e confusa – Minerva?


 - Iiiih... Já está delirando... VIU SÓ? APOSTO QUE FORAM AQUELAS COISAS QUE APLICOU NELA, SUA MALUCA! – exclamou para a copeira que se assustou – VÁ PEGAR ALGUMA COISA PARA ELA, POR FAVOR!


 - Não! – neguei com rapidez, antes mesmo de ela dar um passo se quer, mas o que, consequentemente, fez minha garganta, que ainda ardia, se machucar e arranhar, fazendo-me levar uma das mãos para apertá-la por conta disso. Segui com a voz embargada – Não precisa...


 - Como não? – questionou insistente.


 - Oras, você acha mesmo que eu seria capaz de delirar? – continuei tentando mudar o rumo daquela conversa, a voz rouca e coberta por falhas – Você sabe que eu sou forte, não sabe.. “tia”?


Ambas demos risadinhas depois disso, embora a copeira e a professora McGonagall aparentassem estarem meio confusas.


 - “Tia”? – perguntou com uma baita cara de interrogação a copeira de nome Suzan.


 - É – respondeu dona Joana em meio ao sorriso branquíssimo - Ela diz isso de vez enquando.


 - Te chamava assim quando tinha cinco anos, lembra? – brinquei outra vez.


 - Claro que lembro! Era uma loucura... – Sua voz ficou aguda e infantil a partir – “Tia Joana, me ajuda a pegar o detergente? Tia Joana, me ensina a lavar louça? Tia Joana, tô com fome, me dá comida? Tia Joana, socorro! O gato da subdiretora quer me pegar!” – e riu alegremente em seu tom normal, o que, consequentemente despertou um sorrisinho na face minha e da copeira.


 - Disso não me lembro... – falei sonhadora – Eu fazia isso?


 - Pior que fazia!


Ri breve e abafadamente só de imaginar a cena: uma menininha branquinha, com cabelos castanhos em corte chanel e duas marcas pretas no canto dos olhos, correndo pra lá e pra cá feito uma formiguinha operária, grudada como chiclete na única pessoa que aprendera a te ajudar. Que dava carinho, atenção, e até algumas broncas básicas quando necessário. Era muito engraçado pensar nisso, mas ao mesmo tempo era triste, pois me lembrava ainda mais de                       algumas frases infelizes da qual usara a expressão “Tia Joana”.


“Tia Joana, eu levei bronca da Madame Caftellen! Tia Joana, Caroline arrancou um tufo assim de cabelo da minha cabeça! Tia Joana, Madame Caftellen me bateu! Tia Joana, tá sangrando aqui, ó. Tá doendo! Tia Joana...”


 - Acorda! – ela gritou de repente, dando uma palma tão forte que até um velho que parecia estar em coma em cima da cama, tomar um susto tão grande que o obrigou a levar uma das mãos ao coração e respirar aceleradamente. Suzan lançou um forte olhar de censura antes de se apressar em seus passos ligeirinhos, típicos de um pinguim real.


 - Desculpe, Zan... – murmurou antes de ela ir, e prosseguiu – Droga, Sun! Ultimamente está parecendo uma televisão! Entra e sai do ar a cada cinco minutos, poxa! E deixe de ficar deitada, pelo menos se sente! Está parecendo uma velha, vamos!


Alarmada demais para negar, voltei a sentar o mais rápido que pude na cama, encostando-me na parede e tornando a ver claramente o ambiente a minha volta, inclusive as pessoas que estavam nele.


Foi aí que a ficha finalmente caiu.


 - Desculpa, mas... que lugar é esse? – perguntei confusa.


 - Ah, esse? – retorquiu a empregada já um pouco menos aborrecida – É o St. Mungus. O...


 - Hospital para Doenças e Acidentes Mágicos? – completei suavemente, poucos antes de arregalar os olhos em expressão assombrada. Belisquei meu braço para ter certeza de que não sonhava antes de novamente interrogar – Mas peraí – disse enquanto esfregava o braço o qual tinha beliscado -, por que estou aqui, afinal? Não estou com nada mágico, não é?


Uma pausa profunda. Ao que se tinha em vista, Joana e qualquer um a minha volta que escutava a conversa queria evitar dar-me a resposta real, a resposta negativa.


 - Não é?... – repeti vagarosamente, o tom refletindo claro receio, ainda com medo de encarar a verdade óbvia.


 - Ainda não sabemos... exatamente – falou meio sem jeito a cozinheira, como se não soube-se exatamente como contar.


 - Ótima resposta... Simplesmente ótima. – respondi pasma, segurando-me para não escorregar na cama novamente – Realmente... Quer dizer que vocês também não sabem se me trouxeram ao lugar certo?


 - Errado – A resposta fora imediata. Bem mais séria que o normal, em tom firme e cheio de certeza, a qual me espantou.


 - Quê? Como assim? Está me dizendo que eu tenho alguma coisa mágica? Tem certeza? Mas pelo menos vocês têm algum palpite sobre o que eu tenho ou é completamente nada?


Surgiu uma breve pausa, na qual as duas a minha frente, McGonagall e Joana, se entreolharam seriamente.


 - Completamente nada – a morena me respondeu. Ao pousar seu olhar sobre mim novamente, este aparentava ter certo desapontamento misturado com uma severidade anormal, nada típico do seu jeito de ser. Contudo, encontrava-me arrasada demais para lhe dar muita atenção.


 - Fala sério... – resmunguei abatida, escorregando alguns centímetros na parede dessa vez. Tenho de admitir que mais parecia um sabonete – Estou com alguma coisa que ninguém sabe o que é e que ainda por cima é mágico... Mas como podem dizer que é algo realmente assim? Diferente?


O olhar anterior de Joana literalmente se desfez na velocidade de uma lâmpada queimando; num piscar de olhos, ele havia sido substituído por um bem mais receoso e preocupado, como se por um momento ela não soubesse o que dizer.


 - Por umas coisas... – Ela tinha o tom de uma criança que fizera uma travessura e que tentava esconder dos pais.


Agora eu me aborrecera.


 - Oras dona, conta de uma vez! – pareceu que uma unha fina e afiada de gato cortava a minha garganta e a fazia arder, mas que valor tinha isso sendo que eu poderia ter uma coisa bem pior?


Já estava ficando preocupada. Cada segundo que passava parecia que Joana tornava-se cada vez mais nervosa. Parecia que iria me contar que estava com câncer ou algo do gênero.


 - Olha SunShine, abrirei o jogo para você, já que quer tanto assim saber.


 - Até que enfim – rezinguei ainda irritada.


 - O motivo de trazê-la até aqui é bastante convincente. Para falar a verdade, até consideravelmente preocupante.


“O motivo de trazê-la até aqui tem a capacidade de ser resumido em três palavras: paralisação, suor e grito.”


Meus olhos que até pouco mostravam clara expressão de impaciência, se arregalaram o suficiente para fazer o castanho de meus olhos se tornar chamativo a longa distância; os olhos grandes ainda maiores que o normal, a boca e as sobrancelhas finas, até pouco enrugadas, afrouxadas de espanto.


Notando minha reação, ela um tanto se apressou.


 - Quando você apagou definitivamente lá no The Times, você simplesmente congelou, paralisou, permaneceu tão imóvel que parecia que tinham lhe lançado o Feitiço do Corpo-Preso. Sabe o que é isso, né?


Assenti trêmula e apressadamente.


 - Ah-hã.


 - Bom, você ficou um tempo assim, sabe? Depois, não faço a mínima ideia do porque, você começou a gelar, a tremer um pouco até. Depois, ainda segurando a sua mão, senti que seu corpo se tornara estranhamente úmido, como se tivessem lhe dando um banho de mangueira só que em gotas mais definidas, não com um jato. Julgamos ser suor.


Não era suor. Não era. Eu sabia disso, ao mesmo tempo que considerava loucura.


A tempestade, pensei amedrontada e de modo repentino. Será que havia alguma coisa haver? Não fora simplesmente um sonho?


 - Depois de um tempo, você começou a se debater – continuou em voz estranhamente embargada, os olhos miúdos, brilhantes, pois cheios de algo semelhante a... tristeza? – Parecia que queria correr ou pegar alguma coisa e não pudesse. Quisesse escapar de alguma coisa ou resgatar algo coisa importante, pelo modo que começava a se de... – ela fez força para continuar – de... – mas o restante da palavra pareceu entalar dentro da garganta curta dela, enquanto ela a forçava para sair, mas não conseguia.


O casarão. A família...! tornei a relembrar no meio de uma revira-volta que meu estômago havia cismado de dar, com certo ponto de razão.


Por um vago momento meu olhar pairou novamente sob a professora sentada na cadeira, enquanto perguntava-me, às batucadas de um martelo invisível, como que ela poderia ficar tão estática a ponto de parecer uma estátua de pedra fria num momento como aquele: a amiga se sentindo mal bem na sua frente e ela não dizendo nada.


 - Foi nessa hora que começamos agir a toda. – continuou – McMi, digo, Minerva tentou todos os feitiços que ela achava útil, apesar de com receio de terem efeitos colaterais.


Engoli a seco. Só me faltava essa: efeitos colaterais.


 - De todas as tentativas nenhuma deu resultado, o que me fez ficar preocupada o suficiente para trazê-la para cá. Tivemos de prolongar o feitiço Para-Tempo por medidas de segurança, antes de seguimos até aqui via aparatação.


 - Aparatação? – exclamei de repente – Está brincando! Eu aparatei? Mas peraí, eu não posso aparatar! Quer dizer, sou menor de idade, como...?


 - Oras, se está preocupada com o Ministério, não tem porque. – respondeu-me em um brusco retorno ao seu modo habitual – Danem-se! Era um caso de emergência, não era? Em todo caso, tenho que admitir que foi muito difícil convencer uma certa pessoa disso, particularmente falando – e lançou um olhar significativo à diretora, que não deu muita importância ao julgar pelo modo que permaneceu inabalável, fixando-se em um ponto próximo a mim.


Com medo de ser algo haver comigo, puxei o cobertor mais para cima da barriga, as palmas das mãos tornando a ficar plantadas no colchão macio depois de ajeitar a coberta.


 - Bem, quando finalmente chegamos aqui, explicamos imediatamente a situação para os funcionários – continuou lançando um outro olhar rápido a copeira Suzan e tornando a me encarar –, e eles, por sua vez, a trouxeram direto pra cá, às pressas em cima de uma maca.


“Os seguimos por todos os corredores com a certeza de que veríamos o que fizessem com você, mas fui contradita um minuto depois, quando barraram nossa entrada nesta sala, fechando a porta na nossa cara. Quase armei um escândalo ao fazerem isso, mas fui forçada a me controlar para não sermos expulsas do hospital.


“Logo os minutos se passaram, e a cada um deles eu me tornava cada vez mais inquieta. Minerva, não sei como, permaneceu tão calada quanto uma pedra, apenas abrindo a boca para me repreender na tentativa de fazer eu parar de andar em círculos. Foi quando eu ouvi... algo estranho, sabe.”


 - O quê? – perguntei um pouco curiosa, mas tornando-me receosa ao ver a expressão que ela tomara.


Dona Joana, desta vez, demorou à responder. Tinha a cabeça levemente baixa e os globos oculares muito agitados, ora em mim, ora em qualquer outra coisa ao seu redor. Apresentava clara perturbação ao falar.


 - Um grito.


Meus olhos castanhos escuros se arregalaram em menos de um segundo e no próximo instante, não pude conter o choque.


 - Um o quê? – questionei espantada.


 - Um grito – repetiu de má vontade - Um grito seu. Terrível de arrepiar os cabelos; pareciam que a estavam torturando. E foi isso que me descontrolou.


“No início pensei que fosse algum espírito agourento, mas então me perguntei o que um espírito agourento estaria fazendo aqui. Só aí eu percebi. Na mesma hora, bateu um... um desespero, acho, não sei exatamente. Apenas sei que fiquei bastante alarmada a ponto de arrombar o portão duplo e entrar aos berros, principalmente ao perceber o que tinham acabado de fazer com você.”


 - C-comigo? – gaguejei acidentalmente, mas surpresa – Como assim comigo? Que eles, seja lá quem forem, estavam fazendo? Que fizeram para você...?


 - Olhe para o braço esquerdo – limitou-se a responder rapidamente, desviando o olhar de mim, como se não quisesse ver algo em mim.


Numa última respiração nervosa, levei a mão até o cobertor azul com fios lilás que cobria confortavelmente o membro superior esquerdo, puxando de uma só vez para ver o que era, e quando finalmente fiz isso, deixei sair um forte gritinho de susto.


Ao retirar a coberta em um forte puxão, dei de cara com uma mancha vermelho-escuro, que quase chegava a atravessar o tecido espesso, mas o choque foi ainda maior quando dei-me conta do autor da mancha: um grande e profundo furo na dobra do braço que não parava de sangrar de modo aterrorizante, os filetes de sangue fortemente escorrendo até o pulso de palma aberta, chegando a ponto de passar por entre os dedos até mancharem o lençol. Mas o pior de tudo é que ninguém se dera ao trabalho de sequer enrolar uma faixa sobre ele; o deixara lá, aberto, sangrando aos berros pela minha carne.


 - Mas que porcaria é essa? – exclamei chocada, ao mesmo tempo um tanto inconformada pelo fato de nem ao menos ter coberto a ferida, enquanto o indicava com a mão limpa.


 - Exatamente o motivo que me fez estourar em gritos – disse friamente Joana, ainda evitando me encarar – E se você olhar para a mesa ao lado, saberá quais foram as autoras disto – e apontou com o dedo gorducho para o mesmo lado que estava o braço ferido.


A pouca distância da cama macia, clareada em destaque pelos raios solares que penetravam pelas janelas altas, uma mesinha de um apoio só, de madeira detalhada e um tanto desgastada, talvez com a “idade”, encontrava-se servindo de apoio a uma bela e reluzente bandeja de prata que havia em cima, o qual o conteúdo muito me assustou, tornando meus olhos tão grandes quanto um par de bolas de tênis: em cima dela não havia nada menos do que três recipientes enormes, transparentes, do tamanho de copos de maionese. Estavam, todos, com imensas agulhas em suas pontas de encaixe, as três de pelo menos um palmo de comprimento e tão afiadas e pontiagudas quanto pregos de construção.


Mas o que realmente assustou não foi nada disso, mas sim o fato de, em cada um dos recipientes, o qual sobrara um resto de líquidos azul-turquesa, laranja berrante e preto idêntico a breu, havia misturado dentro deles longos fios avermelhados, que desenhavam seus interiores e que faziam brilhar as pontas de dar aflição dos mesmos.


Agora entendera a razão de uma ferida tão profunda. Se havia capitado bem, eles não haviam me dado nada menos, nada mais que três injeções gordas de poções viscosas, fazendo cada uma delas mergulhar e se misturar dentro das veias do membro superior e serem espalhadas pelo sistema sanguíneo, afetando, assim, cada milímetro do meu corpo.


 - Mas será que era necessário tudo aquilo? – interroguei a mim mesma, num pensamento que escapou alto e que para minha surpresa, obteve uma resposta.


 - É exatamente o que desejamos descobrir – Joana respondeu em uma voz um tanto abafada, pelo que pude notar, ao mesmo tempo que a vi lançando um forte olhar de zanga para cima da copeira, que agora fazia o velho que acordara, tomar uma colherada generosa de um líquido verde enjoativo (Soltei uma careta de nojo antes de desviar os olhos da cena).


Foi nesta hora que ocorreu algo que descontraiu-nos em tal hora tensa. De repente, um grunhido alto pode ser ouvido por toda a sala do hospital, o qual me fez aumentar os olhos mais uma vez.


O som pareceu muito intrigar Joana, a qual ficou olhando para os lados, como se estivesse procurando a origem do barulho.


 - O que foi isso? – perguntou enquanto seus olhos e cabeça rondavam a sala.


 - Ah – falei sorrindo, enquanto sentia meu rosto arder por inteiro e tornar-se absurdamente vermelho, minha mão sendo levada acidentalmente para o estômago – Desculpe... Foi minha barriga. Não como nada desde manhã e já está me dando fome. Pouca – menti depressa ao ver as caras que ela e a professora me lançaram –, não é muita, não. Ah, droga!


No momento em que senti minha mão que havia colocado sob o estômago, mais quente do que o normal e a fitei, finalmente percebi que havia coloca a mão ensangüentada sob a blusa branca encardida, marcando-a nojentamente com o sangue que estava na minha mão.


 - Eca... Assim não dá! – falei aborrecida – Alguma gentil alma poderia dar um jeitinho aqui pra mim, por favor? E rápido, antes que aconteça mais alguma coisa?


 - Ai, SunShine... – disse a cozinheira impaciente – Você também... Suzan! – exclamou virando a cabeça na direção da copeira, mas antes mesmo de conseguir dar atenção ao chamado descentemente de Joana, alguém não esperou por ela para tomar uma atitude.


Num estalo surdo uma atadura longa avançou no ar em minha direção de modo semelhante a uma cobra branquela dando um forte bote venenoso. No segundo seguinte, o longo pedaço de pano enrolou-se sozinho com agilidade e rapidez envolta do meu braço em cima da ferida profunda, até dar um nó forte e rápido em si mesma e quase esmagando parte do meu membro. No momento seguinte, uma segunda mancha branca voava para cima do meu colo, dobrando-se magicamente sobre ele. Tudo ocorreu sem ao menos eu conseguir piscar alguma vez.


Durante todo o tempo, apenas encarei o braço e o colo, lugares que haviam sido alvos principais das ataduras em ataque. Mas depois de um tempo, ergui a cabeça, perplexa, afim de descobrir a origem das faixas medicinais que haviam quase que me atacado. Imaginei que custaria alguns segundos para encontrar o autor daquilo, mas não gastei nem um segundo depois de levantar os olhos. Mau os ergui e dei de cara com a professora McGonagall, ainda sentada na cadeira meio bamba de madeira, enfiando algo longo dentro do bolso das vestes; ficou claro que usara a varinha para conjurar os atilhos.


 - Ãh... – comecei meio sem jeito – Obrigada, professora – agradeci por fim, ainda meio que estranhando a atitude dela.


Recebi um breve aceno de cabeça em resposta.


Demorou um pouco para eu perceber o que fazer com o segundo pedaço de atadura. Quando finalmente usei-o para limpar o sangue que restara na minha pele, olhei acidentalmente para Joana, que parecia tão surpresa quanto eu anteriormente. Espreitei os olhos de curiosidade sem entender aquela reação.


 - Quando aprendeu esse, Minerva? – perguntou ainda um pouco pasma, virando-se para a diretora.


 - Em meu segundo ano – respondeu com um ponto de impaciência na voz, como se a negra tivesse lhe fazendo uma pergunta óbvia. Mas apesar disso, gostei de ouvi-la falar; pelo tempo que havia passado calada, achei que não diria nada até o ano seguinte.


 - É... Férula o que você usou, não é? – falei meio sem querer e apesar de tudo, um tanto incerta (havia várias ocasiões em que eu era capaz de trocar os feitiços e transformá-los numa bananada).


 - Sim, foi o qual usei – respondeu-me um tanto surpresa por me intrometer na conversa das duas. Por muito pouco um olhar severo não lhe escapa. (Ufa...)


 - Também não precisava dizer assim – minha amiga tornou a se dirigir à McGonagall, aborrecida – Com tanta frieza. Já sabemos que você é seca, Minerva, não precisa chegar ao extremo com nenhuma de nós – e indicou-nos com um gesto breve – Afinal, você sabe muito bem que não cursei o segundo ano.


Na minha opinião, Joana não deveria ter tido sequer começado a repreender a professora pela sua forma de falar, por que durante toda o seu dizer anterior falara exatamente da forma que considerava errada da parte da outra.


Mas, um minuto, como assim ela não havia cursado o segundo ano?


 - O que você quer dizer com “não cursei o segundo ano”? – perguntei confusa. Não entendia aquilo. Quero dizer, ela não poderia ter...


 - Fui expulsa – limitou-se a responder seriamente, seu rosto vazio de expressão enquanto eu levava um choque – Logo no primeiro ano. Foi arrasador... Descobriram, algum tempo depois de entrar em Hogwarts, que era uma bruxa abortada... Sabe o que é isso... E  por isso, me tiraram da escola...


 - Nossa... – sussurrei chocada e infeliz pelo que acontecera – Eu... Puxa, eu sinto muito...


 - Tudo bem, não foi culpa sua – disse tentando mostrar que estava tudo bem, mesmo negando, sem querer, com a expressão clara que havia em seu rosto – Não há nada o que sentir.


 - Eeer... Ok, mas... Sabe quem isso me lembra? – falei levemente sonhadora.


 - Não. Quem? – perguntou-me com um leve interesse.


 - Oras, não é óbvio? Eu tô falando do... CARANCA!!


VROM! Um raio imenso e negro passou numa velocidade absurda pelo lado de fora da janela atrás de mim, em uma mistura maluca de ronco alto de motor e um escapamento detestávelmente entupido, o que produzia um barulho decididamente infernal de entupir os tímpanos e de fazer qualquer dar um salto grande na cama de hospital, derrubar a poção gelada na cara e rasgar violentamente ao meio, sem querer, o bendito Profeta Diário da manhã.


Os autores de todo aquele quebra-gelo puderam ser vistos pelo saguão inteiro no dia clareado, apesar da forte luz natural e da falta de nitidez das inúmeras vidraças onduladas. Uma moto enorme passava raspando pelas paredes e janelas entorno do saguão, montada firmemente, pelo que pode ver, um homem que tinha o tamanho normal duplicado, barbas e cabelos espessos e negros que se esvoaçavam, e, notava-se, havia perdido a pouco o controle do veículo, talvez pelos raios do sol, ou simplesmente pelo fato de estar com o que parecia um manto penoso jogado no rosto, o qual tentava retirar furiosamente, e por ter duas sacolas marradas no guidão que, por conta da rapidez, nocauteavam-lhe a cara a cada mínima curva  que era obrigado a fazer para dar a volta na sala e mergulhar profundamente e meio desajeitado, desaparecendo de vista a partir do parapeito da última janela pertencente à parede a vanguarda. Um barulho forte e irritante de freio, que aparentou soar alguns metros abaixo, pareceu prestes a estourar os meus tímpanos no momento seguinte.


 - O foi aquilo? – exclamei abismada para as duas adultas.


 - Hagrid. E já não era sem tempo – respondeu a professora de supetão, sem me encarar por estar checando as horas num reloginho dourado de bolso que guardava em seguida – Pedi a ele para vir aqui desde que chegamos, mas pelo visto enfrentou uma pequena turbulência no caminho. Irei vê-lo agora – disse erguendo-se da cadeira e caminhando até a saída da sala hospitalar –, na tentativa de saber o que aconteceu. Trá-lo-ei para levá-la ao Beco Diagonal após obter alta, senhorita Kingsplay – referiu-se a mim, virando-se já em meio às portas altas da enfermaria, somente com a cabeça para dentro – afinal de contas, precisa se apressar. Com licença – e fechou ambas as portarias sonoramente, pouco antes de sair pelo corredor em passos ritmados.


 - Ô loco – comentei mais para mim do que para Joana, arrebatada – E eu achando que eu era boa no inglês. De vez em quando, claro.


 - Óbvio, não é? Principalmente depois daquele “caranca” – a morena retrucou com cara de interrogação – Por Deus, Sun, posso saber de onde você tirou isso?


Em um segundo, as maçãs do meu rosto estavam vermelhas e um sorrisinho de constrangimento nasceu sem querer.


 - Bem... É que...  – comecei sem graça, procurando palavras para dizer – Sabe, eu... eu levei um susto tão grande que... que embolei o “caramba” com o “carácoles”, sabe?... Então... então saiu essa coisa aí e quando fui ver... já tinha dito – e soltei um risadinha envergonhada.


Porém Joana não debochou, apenas sorriu e sentou-se ao pé da minha cama. Por pouco não caí até o ponto onde ela fizera afundar.


 - É, todo mundo faz isso alguma vez – dizia ela – Não tem como. Uma hora acaba saindo mesmo – e encarou-me em ar um tanto sonhador – Eu mesma me lembro do dia que fiz o mesmo. Tinha quatorze.


 - Você também? – indaguei risonhamente.


 - Claro! Acabei de dizer que todo mundo solta um desses! – respondeu-me bem-humorada.


Soltei uma risada.


 - E qual foi a sua, digamos assim, bananada, heim?


 - Caramba, nem me pergunte. Não irei conseguir repetir. Foi inacreditável... Uma mistura de “putz” com “credo”, “pelo amor” e mais um monte de tranqueiras. Até hoje não tenho ideia de como consegui soltar aquilo – e juntas demos risadas agradáveis.


 - Nossa, mas eu ainda não acredito. Joana é verdade?


 - O quê? Que eu disse isso?


 - Não! Que eu não estou sonhando! – exclamei abrindo o jogo – Até agora eu não acredito que isso esteja realmente acontecendo! Quero dizer, não que isso seja ruim, é perfeito, exceto por certos fatos, mas, bem, era só uma história! Como...


 - Toda lenda tem um ponto de verdade, Sun... – falou de um modo sábio que me pegara de surpresa – Lembre-se disso e descobrirá coisas incríveis. Pode apostar – e soltou uma piscadela.


Durante todo o restante tempo, nós conversamos animadamente sobre o que seria realmente ser uma hogwartiana de carteirinha, como aguentar um bolo enorme de deveres caso eles aparecessem e o que fazer caso eu me desespera-se numa prova prática quando o feitiço não funciona-se, por mais que você houve-se praticado. “ – O nervosismo é terrível.”, dizia ela em meio a conversa, parecendo um tantinho aflita ao se lembrar dos exames que teve de prestar. A cada minuto ela não parava de tagarelar. Só conseguia fazer algumas breves perguntas e curtíssimos comentários quando ela finalmente perdia um pouco do seu fôlego. Isso quando ela não me atropelava, pois estava tão entusiasmada com o assunto que parecia nem se lembrar do que havíamos conversado a pouco enquando McGonagall ainda estava na sala. Nem consegui dar o toque que eu queria em Joana toda vez que ela me chamava de “SunShine”.


Após passar o que achei uma eternidade, a porta da enfermaria tornou a se abrir. A professora havia finalmente voltado, mas não estava sozinha. Ao seu lado, estava o mesmo homem que passara pelas janelas num veículo maluco. As mãos do tamanho de duas tampas de lata de lixo, as barbas e cabelos negros grudados num tremendo emaranhado, o corpo enorme todo coberto por vestes de couro animal grosso, amarronzado e um tanto desgastado e o rosto inteiramente sujo, agora sendo limpo por um pano imundo do tamanho de uma toalha de mesa, mostrava uma clara marca entorno dos olhos de besouro, deixando a perceber que vira com óculos específicos para voar.

Continua...

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