dry m.
Alice piscou, atordoada, para a claridade da manhã que quase cegou seus olhos. Seu primeiro pensamento foi pintar todas as paredes do apartamento de preto, assim como os lençóis e a vidraça que cobria uma parede inteira, voltada para a avenida principal de Londres. Frank deveria tê-las deixado descobertas de propósito. Irritada, virou-se na cama fofa e afundou a cabeça no travesseiro.
- Querida – a voz masculina e rouca estava longe, muito longe... o sono estava puxando-a pelos pés mais uma vez... – Alice!
Ela abriu os olhos, incrédula. Estava quase voltando a sonhar. Maldito.
- Acorda!
Ele a chamava do banheiro cuja porta Alice fitava, ainda deitada na cama, sem se mover. Ela não podia vê-lo, e ele continuava chamando-a.
- Lice, vamos lá...
- A primeira coisa que eu vou fazer hoje – ela falou de repente – é comprar um despertador.
Frank riu baixinho de dentro do banheiro. Maldita calma que ele tinha pela manhã. Que graça tinha acordar para ir trabalhar?
- Amor, você fala isso todo dia.
Ela bufou e afundou a cabeça totalmente no travesseiro por uns instantes, tomando fôlego para se levantar. Então, ergueu-se pelo tronco, esticando os braços e sentindo dolorosamente o pedido de permanência no colchão fofo, no travesseiro macio...
- Eu já estou acordado há duas horas, se isso te incentiva a levantar – ele apareceu na porta.
Estava usando apenas uma box preta que apertava nas coxas grossas dele, e imediatamente o humor de Alice melhorou. Ela sorriu torto enquanto apreciava a bendita visão.
- É que você tem problemas, Frank – falou, sentando-se e afastando a colcha fofa das próprias pernas – Eu já te disse isso?
- Já, umas trezentas vezes. – ele riu e começou a andar pelo quarto.
- E você ainda não acreditou? – ela quis saber, sorrindo abertamente, observando-o mexer em algo na escrivaninha.
As costas musculosas dele tinham traços bem definidos, e se estendiam até as covinhas em sua base e...
- Não, você não é muito sóbria enquanto me olha quase sem roupa, Lice.
Ela fez uma careta e correspondeu o beijo rápido que ele lhe deu quando voltava para o banheiro.
Ela levantou da cama e esticou-se, dando passos lentos até a enorme parede de vidro. Ela espiou lá embaixo: uma pequena movimentação de carros já havia começado.
- Obrigada Deus por ter me dado um trabalho que não me explora. – falou baixinho.
E virou-se, bocejando e mexendo nos próprios cabelos. Escolheu uma roupa e tomou um banho rápido enquanto ouvia Frank contar as novidades não-novas para eles – trabalhadores do Ministério - que haviam saído no Profeta, sentado na privada e escovando os dentes. Quando Alice terminou de se trocar, o cheiro de bacon já enchia o apartamento. Ela deu uma última olhada no próprio cabelo negro no espelho, mais longo do que o normal, mas ela gostava assim. Voltou para o quarto e foi até a mesinha perto do guarda-roupa e puxou a bolsa, fazendo um papelzinho amarelo arrastar-se e sobrevoar até o chão.
Com as sobrancelhas franzidas, ela agachou e pegou-o.
“Longbotton: 078 990322345, Jenni F.”
Alice leu três vezes, e, ainda com as sobrancelhas franzidas, anotou o número no próprio celular. Ela não era de espiar o que Frank fazia e muito menos de conferir seus contatos e ligações, e nem podia se precipitar e julgar, porque não tinha a mínima noção de que tipo de recado era aquele. Apenas por precaução, devolveu o papelzinho ao lugar onde estava e foi para a cozinha.
Jogou a bolsa no balcão e começou a fazer o café enquanto Frank mexia distraído na frigideira. Alice deu uma espiada nele, como se ele pudesse ter algum aviso de alguma estranha Jenni F. pregado em si mesmo. Ele sorriu ao sentir seu olhar e voltou a atenção aos bacons.
- Já te disse que não vou poder almoçar com você hoje, né? – ele começou a falar – Aqueles trouxas gostam de marcar reuniões nos horários mais inadequados.
Alice assentiu, puxando o pacote de café e enfiando a colher nele. Frank estava em uma missão do Ministério, trabalhando com trouxas até anoitecer às vezes, em uma profissão que ele disse ter o nome de “empresário”, ou coisa assim. Pelo jeito, o Ministério desconfiava que estivesse havendo lavagem de dinheiro trouxa de uma maneira estranha demais, e poderia haver bruxos por trás de tudo aquilo. Frank tivera que aprofundar-se nos Estudos dos Trouxas, e estava voltando para o apartamento sempre mais tarde.
- Está tendo algum progresso? – ela quis saber.
- Hum, talvez eu tenha contado uns três bruxos lá, infiltrados. Já conversei com um, ele me disse que também estava na mesma missão. Não acha estranho que Roger não tenha me contado?
Alice emitiu um “hum” em concordância enquanto lutava contra a cafeteira trouxa, tentando desembolar o fio da tomada. Nervosa, jogou os fios para lá e, com um aceno da varinha, a cafeteira começou a trabalhar.
- Não falei com os outros dois ainda – ele estava falando ao mesmo tempo que fazia a frigideira flutuar e virar em uns pratos brancos no balcão de mármore – há uma grande chance de ser um deles.
- Ou talvez os dois – ela falou – não deve ser assim tão fácil trapacear os trouxas...
Frank riu.
- Cada hora a mais que eu passo lá eu me pergunto como eles não percebem os meus inúmeros impulsos para pegar a varinha e fazer coisas que eles fazem manualmente. Como empacotar papéis em caixas. Diabo, ontem eu vi um senhor de idade carimbando uma centena de papéis e quase pedi licença para fazer aquilo com um movimento!
- Que amor, querido, ajudando o velhinho – ela franziu o nariz enquanto ria e apertava as bochechas dele.
- Eu sou um cara prestativo – ele sorriu, jogando a frigideira na pia e então virou-se para Alice, segurando sua cintura – Sei que vai sentir minha falta no almoço, mas pode por favor esperar por mim até à tarde?
Ela estreitou os olhos, fingindo estar pensativa. Frank fez uma expressão chocada e puxou-a contra si, mordendo seu pescoço e dizendo que ela era uma garota má, e Alice riu gostosamente.
- Eu vou esperar você sempre. – ela murmurou quando ele parou com as gracinhas e olhou-a divertido.
O olhar ficou mais profundo depois que ela falou aquilo. Ele sorriu, torto, e o perfume forte que ele usava imediatamente a embriagou. Frank puxou-a novamente contra si, de um jeito intenso, com as mãos em suas costelas e tomou os lábios de Alice entre os seus devagar. Um calor gostoso subiu pelo corpo dela quando entreabriu os lábios para aprofundar o beijo, mas antes que qualquer cabelo pudesse se despentear ou roupa amassar ou café queimar, o celular de Frank tocou.
Alice gemeu e mordeu o lábio inferior dele. Ele riu e sussurrou “só um segundo”, para então soltá-la e ir até a bancada, onde o aparelho tremia e chamava loucamente. Ele o abriu e viu o número. Alice tinha acabado de lançar um olhar para ele quando fisgou a espiada que ele lhe deu antes de atender.
- Alô? Ah, oi. Tudo sim, e você? Que bom. – houve um momento de pausa - Ahã.
Alice desligou a cafeteira e pegou duas xícaras grandes e coloridas no armário logo acima.
- Sim, sim. Sei. Ahã. – pausa – Ahã. – Frank respondia.
Ela depositou as xícaras no balcão e virou-se para pegar os pires e a cafeteira. Frank lançou outro olhar para trás, enfiando a mão em um dos bolsos da calça feita sob medida.
- Uhum, não. – pausa - Sim. – pausa - Mas não tem como voltar... Ao... Plano anterior?
Alice começou a comer, tentando não prestar atenção na conversa do namorado. Segurando esse pensamento ela percebeu que, nem se prestasse, perceberia sobre o que ele estava falando.
- Ah, sim. – pausa - Sim, combinado. Obrigado. – pausa - Ok. Outro. Tchau.
Ele desligou o celular e voltou até o balcão a passos lentos. Alice ergueu o olhar para ele, com a boca cheia.
- Desde quando você é monossilábico? – ela quis saber, sorrindo com os olhos e ainda mastigando.
- Era James – ele falou olhando para os lados – Queria confirmar a nossa presença na festa de hoje.
- Tão cedo? – ela perguntou com a voz embolada por causa da comida.
- Ahm, você sabe como ele é agoniado.
Alice concordou.
- Não vai comer?
Frank pareceu despertar e puxou um banco para sentar-se. Eles comeram em um silêncio que não era comum e só tornaram a falar depois que Alice fez toda a louça flutuar até a pia e começar a se lavar sozinha.
- Você volta até a hora da festa, certo? – foi ela quem perguntou.
- Claro que sim. Talvez eu passe para te buscar no Ministério no fim do dia, pode ser?
- Você disse que ia passar ontem, Frank – ela lembrou-o, limpando as mãos em um guardanapo.
- Ah, querida... Você sabe que eu tive que ficar até tarde ontem. Aqueles trouxas...
- Eu sei, loucos por trabalho.
- É. – ele coçou a nuca, desconfortável.
- Tudo bem se não puder passar hoje. – ela piscou para ele, puxando a bolsa do balcão.
- Eu vou passar, Lice.
- Ok, só estou falando isso pra não ficar desiludida depois. – ela falou, fazendo-o rir enquanto abria a porta do apartamento.
Alice esperou que ele trancasse a porta e lhe estendesse o braço cavalheiramente para que fossem juntos ao elevador. Cumprimentaram uma senhora idosa que sempre fazia a mesma pergunta à eles.
- Então, quando é o casamento, mesmo?
Alice tinha uma sincera vontade de pisar no pé dela com o salto alto e vê-lo afundar nas rugas da velha. Mas simplesmente respondeu:
- Bom dia também, senhora Truman.
Frank nunca ficava nervoso com aquela pergunta. Eles simplesmente davam risada quando chegavam ao elevador. Mas naquele dia, Frank entrou estranhamente quieto e cutucou o carpete enquanto desciam.
- O que há de errado? – Alice quis saber.
- Ahm, nada. Só estava pensando, talvez aquele tal de Giovanni, o bruxo que disse ser do Ministério também, tenha me trapaceado. Quem sabe não é ele o cara que está cometendo as fraudes?
Alice fez um gesto e disse para Frank que não o perdesse de vista. Eles aparataram no estacionamento do prédio, até um beco perto de onde Frank estava trabalhando. Ele deu-lhe um beijo e disse que ela esperasse na saída. Alice sorriu e aparatou na área de aparatação do Ministério da Magia.
Foi caminhando com a multidão de bruxos que ia em direção aos grandes portões dourados, e encontrou Sirius entre eles. Ele estava com a mesma cara de sono que sempre estampava pela manhã, e um sorriso lento que ela teve a impressão de fazer suspirar uma Inominável que caminhava perto deles.
- A Lene está louca – ele ia falando – Com a coisa do bebê. E o bebê nem é nosso.
Alice riu.
- Mas é da Lil, Sirius. Pode imaginar que James vai ser pai?
Sirius riu sonoramente, equilibrando uma pasta de couro preta embaixo do braço.
- Eu imagino o tipo de coisa que a gente vai ensinar para ele.
- Oh, não – Alice gemeu, fazendo uma careta – Eu tenho que avisar a Lily que o futuro padrinho do filho dela tem tendências psicopatas.
- Alice, não seja malvada – Sirius segurou um riso – O garoto estará em boas mãos. Quer dizer, depois dos quilômetros de roupas que você e a Marlene compraram pra ele ontem, pelo menos pelado ele não vai andar.
Alice riu, lembrando-se dos sapatos pequeninos e das roupinhas minúsculas que ela e Lene tinham comprado no Beco Diagonal no dia anterior, uma peça mais linda que a outra, e todas as sacolas tinham ficado na casa que a última dividia com Sirius. Eles já estavam noivos há um bom tempo, e o casamento estava marcado para daqui três meses. Não tinham casado ainda por causa da freqüência com que cancelavam e voltavam com o noivado – inconstantes como sabe-se lá o quê.
- Ela escolheu um salão que tem ao lado da catedral, esqueci o nome... – Sirius falou, sobre o casamento – Super caro. Lice, dá pra você tentar colocar uma luz na cabeça da sua amiga?
- Sirius, ela é só uma noiva exigente.
- Exigente? Céus. Coitado do bolso do Frank se você for exigente, também. – ele riu, mas logo cessou quando percebeu a sobrancelha erguida de Alice. - Ahm, bem... Eu suponho que... AH, James! – ele ergueu a mão para frente na multidão, como se tivesse visto alguém – Desculpa, Lice, outra hora a gente se fala! – Sirius deu-lhe um beijo na bochecha antes de começar a apressar-se, desviando das pessoas.
Alice suspirou e continuou caminhando no ritmo que as outras pessoas da multidão a levavam. O que havia sido aquilo? Ela havia notado a brincadeira no tom de Sirius, sobre ela se casar com Frank – afinal, ele vivia fazendo aquelas brincadeiras – mas ele costumava mostrar-lhe a língua, como se tivessem voltado para Hogwarts, e bagunçar seus cabelos. E desta vez ele havia fugido. Ela se perguntou por um segundo se por acaso Frank não teria falado para ele que não queria casar com ela. E Alice não tinha a mínima noção de como se sentia sobre isso.
Então, antes que ela pudesse pensar em mais alguma coisa, entrou no elevador e Michael McCarney, da Gestão de Animais Mágicos, começou a lhe falar sobre como ele admirava o trabalho dos aurores, e começou a lembrar daquela vez, na África, quando eles... Esse cara é um otário, Alice pensou, sorrindo e acenando com a cabeça enquanto ele falava, um otário, e está a fim de mim. Maldição.
Ela despediu-se dele e, com alívio, entrou no segundo piso. Foi direto para a sala em que se reuniam no início do dia, tentando ao máximo ignorar as pessoas. Ela percebeu que Morgana Robinson, a sub-secretária do Chefe de Auror, olhou-a ansiosamente quando a viu passar pela porta. Oh, céus. Lá vem fofoca.
Alice entrou na sala mexendo na bolsa, procurando as chaves do próprio armário. Era uma sala espaçosa, com armários escolares nas paredes, uma cumprida mesa de carvalho no meio, vários mapas e objetos mágicos espalhados aos cantos, e havia um vestiário em uma portinha espremida entre dois grandes bisbilhoscópios.
- Lice! – Lílian estava sentada na mesa, já com o uniforme, acenando.
Alice sorriu e aproximou-se para beijar sua bochecha: - Hey, mamãe! Quando vão te mandar parar de trabalhar?
Lílian fez um muxoxo enquanto Alice virava-se com as chaves em direção ao seu armário.
- Só quando eu estiver enorme, eu espero – ela respondeu depois, e ficou calada alguns instantes – oh, Céus. E se James não me quiser depois que eu ficar gorda e... Oh, Céus. Alice, ele não vai me querer.
Alice parou de murmurar os encantamentos para destrancar o próprio armário.
- Cala a boca, Lil – ela se virou para ela – Você e o James são casados e ele te ama. É claro que ele vai querer você de qualquer jeito.
Os olhos verdes dela brilharam enquanto ela considerava aquele argumento. Depois, os ombros da ruiva relaxaram e ela deu um riso debochado.
- Tem razão. Depois de tudo que ele passou pra ficar comigo, se ele não me quiser mais, eu mato ele. – disse simplesmente.
Alice riu e voltou-se para o armário. Pendurou a bolsa enquanto Lily falava das compras que ela e James vinham fazendo para o bebê. Ela estava com três meses, e uma pequena saliência destacava-se em seu abdômen alvo.
Depois que Alice se trocou no vestiário, ainda ouvindo a narração sem fim de Lily sobre o berço e os ursinhos, elas voltaram para a sala discutindo sobre o guarda-roupa.
- Não sei quando vou começar a me preocupar com isso – Lily ia falando, mexendo nos cabelos acaju no reflexo de uma espada que estava pendurada na altura de sua cabeça na parede.
- Você já está preocupada. – lembrou Alice, rindo baixinho.
- Então, mas James não parece muito disposto a comprar roupas, Lice – e os olhinhos verdes dela brilharam para a amiga.
Antes que Alice conseguisse inventar uma desculpa – e antes que Lily pudesse ler nos olhos negros da amiga que James estava sem disposição para roupas porque ela e Marlene haviam contado à ele que cuidariam do guarda-roupa do bebê como uma surpresa – a porta se abriu e três aurores entraram.
- Evans, Campbell – cumprimentou a primeira, indo direto ao seu armário.
Elas as cumprimentaram e conversaram algumas coisas banais sobre a própria profissão e sobre os comentários de Dolores Umbridge sobre um treinamento mais intenso para eles – Mulher caduca, Lily falou baixinho, mas todas puderam ouvir e concordaram antes de cair na risada.
- Como se a gente não treinasse o bastante – comentou uma loira de cabelos curtinhos, Daiana Roger, filha do Chefe – o que a gente precisa mesmo é de ação fora daqui.
- Dai, se eu não soubesse que você é assim, eu diria que está nessa Seção só porque é filha do Todo Poderoso.
A loira jogou uma toalha branca na amiga e elas foram para o vestiário. Lily olhou para Alice daquela maneira de quem está para extrair informações. A morena começou a fingir que arrumava o próprio armário, olhando constantemente para o relógio enorme bem no centro da parede ao lado da porta.
- Então – a ruiva começou a dizer, mas novamente foi interrompida.
Merlin, obrigada, Alice riu consigo mesma quando a porta se abriu. Morgana Robinson entrou por ela com uma prancheta no braço direito e foi direto na direção delas. Alice e a ruiva trocaram um olhar cúmplice antes que a mulher pigarreasse.
- Bom dia meninas – cumprimentou com um sorriso ansioso.
- ‘Dia, Robinson.
- Ora, que é isso. Podem me chamar de Morgana, queridas.
Alice sorriu para ela, mas o sorriso não chegou em seus olhos.
- Então, antes de eu passar as tarefas do dia... Sabe, enquanto as outras não voltam. – ela ia falando, gesticulando muito e mexendo nos cabelos – Alice, querida, tem se sentido bem por esses dias?
Alice a olhou curiosa.
- Tenho sim. Por quê? Alguma fofoca de que eu estou doente?
Lílian abafou um riso ao seu lado.
- Oh, não – Morgada sorriu, sem graça – Nada sobre a sua saúde... Física. Imagino que seja realmente difícil, não é, depois de tantos anos.
Agora ela estava curiosa, mesmo.
- O que é difícil?
- Bem, você sabe, essa separação sua e do Frank.
- Nós não estamos nos separando.
Morgana abriu a boca em forma de “o” e ergueu a prancheta para junto do peito, os olhos arregalados.
- Como disse?
- Eu e Frank estamos juntos, Robinson. Quem andou espalhando esse tipo de coisa sobre a minha vida pessoal?
A mulher olhou para os lados, parecendo indefesa. Alice olhou para Lily. As duas sabiam que era aquele o jogo dela e ela estava louca para contar o que sabia.
- Vai, desembucha. – a ruiva falou, apressada.
- Ahm, bem, é que... Sabe, eu não quero estragar nada, Alice... Nunca quis fazer isso com você e...
- Vai dizer? – Lily interferiu novamente, com um ligeiro nervosismo.
- Bem, me disseram que você e Frank tinham terminado o namoro porque o viram sair de um hotel com uma mulher na noite passada.
A mente de Alice pipocou um pouco. No dia anterior, Frank havia chegado quase nove e meia, dizendo que os trouxas haviam marcado uma reunião de última hora e que a sua presença nela era inquestionável. Ele havia voltado com uma rosa branca escondida nas costas, e, quando Alice já ia começar a brigar porque estava morrendo de nervosismo e preocupação, amoleceu-a entregando-lhe a flor.
- Como é? – foi Lílian quem conseguiu falar primeiro.
- Ah, foi isso. Só isso.
- Eu quero detalhes, Robinson – Alice grunhiu.
- Só me disseram que ele saiu com uma mulher, oras! Mulher que não era você!
A morena assentiu e coçou a própria nuca. Havia uma possibilidade tremenda de aquilo ser só fofoca, como o grupinho particular no Ministério gostava de inventar. Mas e aquele número de celular para Longbotton que estava na escrivaninha? Sem saber o que pensar, e, antes que fizesse outra pergunta, as outras voltaram. Lily cochichou em seu ouvido:
- Alice, não se precipite. Você conhece muito bem essa piranha e sabe do inferno que ela é capaz de fazer só pra causar. Se concentre.
Alice inspirou fundo enquanto Morgana dava as instruções. Não conseguiu prestar atenção em nada.
- Você pode imaginar...? – ela conseguiu murmurar para a ruiva.
- Não! Não consigo imaginar. Vamos investigar. Agora, foco no trabalho.
Ela assentiu, pensando no quanto aquela ruiva era uma grávida determinada e mandona. Quando as outras aurores começaram a sair, ela as seguiu para o campo de treinamento, do outro lado da rua. Entraram pela portinha minúscula no chão embaixo de um latão de lixo que bem podia ser confundido como um porão velho. Quando os pés de Alice encontraram a escada, ela desceu, aturdida. O saguão estava muito escuro.
- Senhoras? – uma voz que parecia vir de todas as partes chamou.
- Adorno, Campbell, Potter, Prewett, Yokoshira, Rogers, Van der Guir, Bones.
- Qual é a sua profissão?
- Auror! – todas responderam juntas, fazendo as várias vozes femininas ribombarem pelo saguão escuro e aparentemente vazio.
- Muito bem. Tenham um bom treinamento
De repente, as tochas se acenderam enquanto elas se dispersavam pela academia que havia aparecido na sua frente. Já estava cheio de gente nos aparelhos trouxas; bem, cheio de aurores homens. Lily caminhou graciosamente entre os outros para ir dar um beijo nos lábios de James, que usava uma regata e estava com uma tiara para prender os cabelos negros e suados, como se eles não tivessem acordado na mesma cama.
Alice foi se alongar com as outras. Ah, academia. Ótima maneira de relaxar um pouco. Ou se estressar mais com aquela conversa. Mas, bem, ela chegou a conclusão de que poderia mesmo ser uma fofoca chata e ela iria falar sobre isso com Frank depois, cara a cara, e então saberia se ele estava mentindo, porque ela percebia.
Ela terminou de se alongar e foi fazer um pouco de exercício aeróbico. Os elípticos e as esteiras ficavam na frente de um espelho que pegava a parede toda, e ela viu pelo reflexo quando Marlene se destacou com um sorriso entre os outros aurores.
- Lene! – acenou Alice.
- Ah, Lice, me ajude – ela beijou desajeitadamente sua bochecha enquanto a outra não parava de malhar – Lily está me deixando louca com o negócio das roupas.
- Ah, eu sei – a outra suspirou – Ela quase começou com um interrogatório em mim hoje também. Temos que botar alguma coisa na cabeça dela.
- Sim, eu estava pensando em dizer que a mãe dela vai comprar algo e que ela não deve se preocupar – falou Lene, segurando no apoio da esteira para alongar a perna, e riu pelo olhar de Alice – Eu sei que é uma idéia fraca! Mas ninguém tem uma melhor.
- Que tal distraí-la com os meus supostos chifres? – Alice grunhiu baixo.
Lene soltou a perna de uma vez e quase se desequilibrou.
- Quê?
- Ouvimos boatos.
- Como assim? Que boatos?
- Morgana. Ela disse que viram Frank com outra mulher.
- Mas que diabo...
- Eu sei. – Alice a olhou rapidamente – Mas pode ser só uma...
- Incrível fofoca de gente que não tem o que fazer! – completou Marlene, raivosa – Nem acredito que aquela biscate teve a ousadia de mexer comigo de novo...
Morgana já havia inventado boatos sobre Sirius Black e seu suposto harém enquanto ele enganava a Lene. Digamos que ela deixou bem claro à mulher que se voltasse a fazer aquilo de novo, se arrependeria. Além, é claro, de terminar o noivado com Sirius pela sétima vez, para depois voltar.
- Ela mexeu comigo, meu amor – lembrou Alice, arrumando os cabelos no espelho.
- Que se dane. Mexeu com você, mexeu comigo, também. Vamos dar uma lição nela.
- Lene, antes que os seus instintos vingativos e a sua personalidade assassina se revelem, vamos investigar, como a Lily disse, ok? Algumas coisas do que ela espalha tem um fundo de verdade.
Marlene estreitou os olhos para ela, parecendo pronta para dar o bote, mas então sorriu com todos os dentes brancos e brilhantes.
- Tem razão. Alguma coisa suspeita? – ela quis saber, montando na esteira do lado e regulando-a.
- Um bilhete com um telefone e o nome de uma mulher. – Alice murmurou.
Marlene a olhou pelo espelho, curiosamente. Alice reconheceu aquele brilho e desviou o olhar do dela para outras pessoas que chegavam à academia. Ela ficou mais uns quinze minutos ali, conversando sobre outras coisas com Lene, e depois foi para a musculação. Lily estava brigando com James sobre se deveria ou não fazer exercícios para as pernas. Sirius estava conversando com uma instrutora que se esticava na direção dele como um felino. Alice chegou perto deles:
- Olá – cumprimentou.
Sirius riu baixinho.
- Olá, Campbell. – cumprimentou a outra.
- Poderia me ajudar com aquele aparelho ali? – ela apontou para o halteres – Não entendo direito qual posição fazer para não dar volume e...
A mulher, contrariada, a acompanhou. Alice deu uma piscadela para Sirius, que ergueu uma sobrancelha, sorrindo. Ela enrolou a mulher com umas perguntas idiotas, porque sabia muito bem como usar aquele aparelho trouxa. E ela acabou se distraindo com as brincadeiras e os rolos dos amigos na academia, e não pensou mais no mistério de Frank.
Depois da academia, ela e Lílian voltaram a se reunir com todos os aurores – até os homens desta vez – e eles foram treinar feitiços pesados contra as Artes das Trevas em uma saleta totalmente protegida. Eles se revezavam na realização do feitiço contra uma efígie amaldiçoada, e quando um parecia que não ia dar conta, os outros o protegiam. Enfim, trabalharam com aquilo até o intervalo da manhã.
Os aurores se reuniam na sala reservada, onde era servido um café-da-manhã e passava um noticiário bruxo. Havia uma mesinha redonda amontoada de Profetas tanto atuais quanto antigos, recortados. Alice conversou com a maioria ali, participou de um debate acirrado entre os que preferiam o atual ministro e os que o detestavam, permanecendo neutra, e saiu discretamente dali para o bebedor. Lílian e Marlene estavam conversando sobre alguma coisa ali perto, e James e Sirius riam alto com mais dois aurores da faixa deles.
Ela apanhou um copinho de água e abriu, virando-o em seguida. Sem que notasse, James apareceu do seu lado com um sorriso no rosto e lhe beijou a bochecha antes de afagar seus cabelos. Eles conversaram um pouco sobre coisas bobas e Lily se reuniu a eles poucos minutos depois. Então, de repente, os cinco estavam juntos, como sempre tinha que ser, bloqueando o bebedor para quem quer que fosse.
- Só que aí ele me olhou com aquela cara de “eu não sei do que você está falando” e me desejou uma boa noite – Sirius estava contando, e eles riram – Sogros são mesmo malvados.
- Eu já disse que o pai da Lily é um urso? – James riu, recebendo um soco no ombro – Sério! Quase saí correndo quando ele me estendeu a mão enorme e peluda.
A ruiva debochou:
- Ele disse que você parecia um lagarto magricela!
- Pelo menos eu não pareço um urso. – riu James.
- Vamos ver com quem o seu filho vai parecer, James Potter. – ameaçou Lily com um sorrisinho no canto dos lábios.
James fez graça:
- Merlin – ele uniu as mãos e olhou para o céu – Tenha piedade da pobre criança que está por vir e faça com que seus genes sejam predominantemente paternos. Amém!
Eles riram e James recebeu outro soco no ombro, para então abraçar Lil, que havia emburrado, e fazer um biquinho charmoso que os fez rir.
- Então – Sirius começou a mudar o assunto – Tudo pronto para a noite, Jay?
- Ah, mais que pronto – os olhos do outro brilharam – Tudo muito bem comprado. Lice, vocês vêem?
Alice ergueu os olhos.
- Hãn?
- Na festa. Você e Frank vão?
- Ah, sim. Vamos sim. – respondeu, distraída.
- Ótimo, então, eu vou fal...
- Espera aí – Alice se manifestou; os outros a olharam curiosos – O que você me perguntou?
- Oras, eu perguntei se você e Frank vão na festa.
- Achei que tivesse ligado para ele nesta manhã. – ela disse, sentindo o coração apertar – Ele me disse que era você no telefone.
- Quê? Eu n-nã... – James ia falando, mas recebeu uma cotovelada de Sirius que Alice percebeu – Ahm... Quer saber? Acho que eu liguei, mesmo. Ando meio esquecido ultimamente.
Alice olhou imediatamente para Lílian, que correspondeu o olhar preocupado, e em seguida se afastou sem olhar para mais ninguém. Por que Frank havia mentido? E, principalmente, por que James e Sirius estavam tentando acobertá-lo? Oh, não. Precisava resolver aquela história.
Ela se aproximou dos horários magicamente modificados todos os dias para conferir qual seria o treinamento de hoje. Depois daquele intervalo, teriam um tempo com treinamento de armas trouxas. Ela já havia passado por aquilo. E que se danasse se alguém denunciasse sua falta.
Alice saiu da saleta e foi para a sala dos armários. Abriu o próprio e pegou a bolsa. Trocou apenas a calça do uniforme de auror e ia saindo da sala quando Lílian e Marlene a alcançaram.
- Hey, onde você vai?
- Checar uma coisa. – ela respondeu.
- Onde? Lice... – Lily segurou seu braço, fazendo-a se virar – Nós vamos com você.
Alice as olhou e suspirou pesadamente, fechando os olhos.
O saguão de entrada do prédio no qual Frank estava trabalhando infiltrado era alto e enorme, com uma abóbada ornamentada no teto e várias pessoas com ternos iguais ao que ele tivera que mandar fazer. Marlene agarrou o braço de Alice de um lado, e Lily se mantinha como um leão furioso do outro. Elas foram direto para uma mulher de meia-idade atrás de um balcão que parecia ter informações importantes.
- Pois não? – ela perguntou, erguendo os olhos sobre os óculos.
- Olá. Eu gostaria de saber qual é a sala do senhor Frank Longbotton.
A mulher ergueu uma sobrancelha.
- Desculpe. De que área?
Alice olhou para as amigas sem saber o que dizer. Então, virou-se:
- Executiva.
A secretária soltou um risinho irritante.
- Eu sei disso, meu bem, preciso saber que setor.
- Na verdade, eu não sei, senhora Galliant – ela leu no crachá – Mas poderia, por favor, procurar o nome dele no geral? É que é meio urgente.
- Você é esposa dele?
- Nã-
- Sim, ela é. – interrompeu Lily.
Alice a olhou espantada, mas a senhora Galliant nem percebeu, pois já estava procurando algo em uma máquina quadrada que havia embaixo do balcão.
- Aqui está, Sr. Longbotton. Indústrias Polohov, sétimo andar. Vai ter que passar por outra secretária, querida.
- Ok.
Elas colocaram o crachá de “visitante” e subiram no elevador. Alice ralhou com Lily, mas ela disse que se não tivesse dito que era esposa, a mulher provavelmente não as deixaria entrar. Alice constatou que estava certa. Mesmo assim, sentiu um frio no estômago parecido com desilusão.
- Desculpe, senhoras – uma mulherzinha magrela e loura as olhou com pena – Não é possível interromper uma reunião de um grau de importância daqueles, sabe.
- Pode apenas dizer que Alice está aqui? – Marlene rugiu, raivosa – Com certeza é mais importante que uma reuniãozinha sem estilo.
- Por favor – completou Alice, tentando ser educada – É mesmo importante.
A segunda secretária suspirou e revirou os olhos, e sumiu em um corredor atrás delas. Lily e Marlene correram para trás da escrivaninha onde ela estivera sentada.
- Que diabo estão fazendo?
- Investigando! – respondeu Lily, afobada, abrindo as gavetas e tirando várias agendas de dentro - Você disse que Frank não ia almoçar com você e...
- Tem que ficar aqui, em algum lugar... ACHEI! – Lene ergueu uma agendinha pequena e preta com os dizeres F. LONGBOTTON em dourado.
Alice agarrou da mão dela e as três se debruçaram sobre a agenda. Ela a abriu no dia de hoje, e correu o dedo fino pela lista. Por ali, constaram que Frank estava mesmo em uma reunião. Às onze e meia, um horário livre e ao meio-dia... Jennifer Fletcher. Alice estremeceu e soltou a agendinha, incapaz de pensar nem em guardá-la para não levantar suspeitas. Então, era isso. Ah, não. Ah, NÃO! Seu coração apertou ao mesmo tempo em que se acelerava nas batidas. Que grande merda, Frank.
- Alice, escuta – Lily estava ao lado dela, arrastando-a pelo braço para o elevador, e Marlene despedia-se da secretária que voltava com uma expressão desconfiada – Isso não nos dá certeza de nada, ok? Antes de pirar, você tem que ter certeza, todas nós temos que ter.
- É – Lene entrou com elas no elevador e apertou o “0” – Lembra das milhares de confusões em que eu e Sirius nos metemos por causa de mal-entendidos?
Ela não conseguiu responder. Estava tentando não respirar ofegantemente e não desmoronar nos braços da ruiva.
- A gente vai saber se isso é verdade – Lily falou – Vamos voltar para o Ministério agora, a gente almoça junto depois em algum restaurante e depois vai para o que Frank está. O que acha?
Alice acenou negativamente com a cabeça girando. Estava se sentindo doente e nauseada. Sua mente girava e girava, e Lily ainda segurava seu braço quando atravessaram o saguão principal.
Ela aparatou de volta ao Ministério, em uma aparatação acompanhada com as duas amigas.
- Lice, fala alguma coisa – Lene falou, preocupada, enquanto se apressavam para os portões dourados.
Alice desvencilhou-se das mãos das duas, mas manteve-se entre elas. Caso caísse ou começasse a despencar. Seu estômago girava como se ela estivesse bem na beira de um precipício, e alguém a balangasse para frente e para trás, ameaçando jogá-la.
Mal percebeu quando entraram no salão de treinamento de armas trouxas. Alice e as outras colocaram os óculos protetores e escolheram as armas. Alice pegou uma pistola-metralhadora Uzi e destravou-a no caminho para os alvos. Mirou e atirou, sem hesitar e segurando com firmeza o corpo para não desequilibrar-se com a força reversa. Seus tiros não passaram da segunda orla de dentro para fora do ponto preto no centro do alvo, e ela sentiu-se melhor quando devolveu a arma ao pequeno arsenal em um armário de vidro.
Estava quase na hora do almoço, e Lily e Lene estavam conversando com seus respectivos quando ela as encontrou do lado de fora. Elas sorriram e Alice respondeu, aproximando-se.
- Então, vamos? – chamou a ruiva.
Eles se despediram todos e as três foram buscar suas bolsas e se trocar na sala feminina de auror. Depois, aparataram em um restaurante de rodízio de massas. Elas se divertiram vendo Lily aceitar tudo o que o homem com um avental branco lhe oferecia.
- Eu estou grávida, amores – ela dizia com a boca cheia – Meu bebê vai ser saudável como uma rocha.
- Er, Lil, as rochas são saudáveis? – quis saber Lene, fazendo Alice rir.
- James disse que... ah, ele disse forte. Mas tudo bem, ele vai ser saudável como... que seja. Ele vai ser saudável como algo realmente saudável!
Elas riram. Terminaram de almoçar e aparataram perto do restaurante que estava endereçado na agenda de Frank. Alice estremeceu e quase desistiu que ir, mas Marlene e Lílian conseguiram a convencer de pelo menos entrar para dar uma olhada, de longe.
Mas Alice nem precisou entrar. Quando as três estavam passando na fachada do restaurante, cuja frente era uma enorme vidraça com o nome em vermelho e dourado e deixava ver todos lá dentro, ela o avistou. Ele estava lindo, mais lindo do que o normal, radiante. Ela sentiu um arrepio na espinha e olhou a sua acompanhante. Sentada na frente dele, rindo de alguma coisa que ele dissera, ela estendeu a mão distraidamente para segurar a dele. Ela era loura e tinha um belo corpo, escultural, que se podia ver marcado pelo vestido social de costura perfeita. Amargurada e sem saber por que realmente fez aquilo, Alice fuçou no celular dentro da bolsa e discou o número dela. Ela observou enquanto Jennifer sorria abertamente para Frank e, disfarçadamente, conferia o número do celular. Como não reconheceu, fechou-o e Alice foi enviada para a secretária.
Ela olhou para as amigas, que estavam tão chocadas quanto ela.
- Ai meu Deus. – Marlene conseguiu proferir em sílabas.
- Desgraçado – murmurou Lily.
Alice sentiu os olhos marejarem enquanto seu coração parecia ser esfarelado por um ralador de queijo. E, sem se importar que aquela fosse uma das avenidas mais movimentadas de Londres e que a calçada onde estavam estivesse apinhada de gente, ela aparatou.
Seu corpo estremeceu quando sentiu os pés alcançarem o chão do próprio apartamento. Fraca, ela segurou-se na mesinha perto da porta e olhou-se no espelho. Seu rosto já estava banhado em lágrimas, e seu corpo tremia convulsivamente com os soluços.
Lílian e Marlene chegaram minutos depois, pela porta da frente, e correram para abraçá-la e afagar seus cabelos. Alice deitou no colo de Lily no sofá e ficou lançando perguntas desconexas como “Por que ele...?”, “Preferia loiras?”, “Não me disse. Disse?”. Estava se sentindo humilhada e traída como nunca.
- Alice, você tem que se acalmar – Lene lhe estendeu um copo de água com açúcar – ok? Vamos lá. Frank é um idiota e acabamos de descobrir isso, certo?
Ela grunhiu uma afirmação em resposta, levantando-se do colo de Lil para organizar os pensamentos e encontrar os olhos escuros da Lene, que se agachara na frente dela.
- O que vai fazer agora?
Alice secou os olhos com os punhos e só de ter um vislumbre do futuro, seu corpo se sacudiu e ela começou a chorar de novo:
- Eu não sei! Não imaginava, que cachorro, que... Ordinário prepotente! Por que ele não me disse? T-teria doído menos se eu não tivesse de-descobrido sozinha...
- Shhh, calma aí. – Lílian a abraçou de lado e beijou sua testa – Calma aí. – ela sussurrou até que Alice parou de chorar e a abraçou de volta.
Quando seus nervos se acalmaram, ela desejou que eles não tivessem feito aquilo.
- Quer alguma coisa? Que a gente ligue para ele? – Marlene perguntou, ajeitando os cabelos de Alice.
- Não! Nem pensar. Nem pensar. – ela repetiu para si mesma – Nem pintado de ouro.
- Pode ficar lá em casa se quiser – Lily falou – Por um tempo, sabe.
Alice lançou um olhar melancólico para o próprio apartamento, enorme.
- N-não. Eu vou pra casa da minha mãe.
Elas concordaram e Lene voltou para a cozinha. Lílian levantou-se também, incapaz de ficar parada.
- Por um lado, foi bom você ter descoberto. – ela falou, andando de um lado para o outro – Pelo menos agora você sabe quem ele realmente é e do que foi capaz.
- Eu achei que o conhecia – Alice respondeu, amarga – Quatro anos, Lil. Dá pra acreditar? Eu não consigo imaginar o que vai ser de mim agora.
- Hey! – Lílian apontou um dedo para ela, um pouco ameaçadora – Você vai sobreviver sem ele. Não pense nem um segundo assim. Ele é um homem, e adivinha querida? O mundo está cheio de homens gatos e...
- Bom saber disso, meu amor – James estava vindo da cozinha.
Alice arregalou os olhos, observando-o abraçar a ruiva de lado e beijá-la na bochecha. Sirius logo surgiu atrás também, e Alice rezou com todas as forças que Frank não aparecesse. E ele não apareceu. Provavelmente ainda estava no restaurante, com as mãos entre as de Jennifer, ou quem sabe tinham ido para um lugar mais reservado... Amarga, ela perfurou James e Sirius com um olhar quando eles começaram a perguntar o que acontecera.
- Mas quem chamou vocês aqui? – ela perguntou, irritada, batendo as mãos no sofá como uma criança contrariada.
Marlene ergueu as mãos como quem se entrega. Sirius passou as mãos pelos cabelos distraidamente, sem dar alguma atenção ao que Alice falava.
- Mas o que é isso, uma reunião de amigos?! – ela atirou, rebelde.
- Alice, você está fazendo uma tempestade em copo d’água, ok? – Sirius se aproximou dela, e sentou-se ao seu lado no sofá.
Ela se afastou do corpo dele.
- Ahãm, sim, claro. Alice, a exagerada. Nós vimos tudo, Sirius. Com direito a carinho e risadas felizes. Quer saber? Tomara mesmo que eles sejam muito felizes.
- Céus, Alice! Você nem sabe quem é a mulher! Pode ser alguém que trabalha com ele, sabe Deus... – James ia falando.
- Oh, sim! – ela respondeu, irônica – Realmente, uma reuniãozinha particular, carinhosa e entre os risos. Muito profissional!
- Não é só isso, James – Marlene começou a falar – Ele mentiu. Disse que você era quem tinha ligado esta manhã e você falou que não era.
- Mas gente, vocês não... – Sirius começou a falar, mas Alice interrompeu com um lamento.
- Ah, parem de defendê-lo... Está tudo na cara.
Lily apressou-se em sentar-se ao lado dela de novo, do lado oposto ao que Sirius estava. Ele coçou a nuca, desconfortável, e trocou um olhar com James.
- Eu acho que você deveria conversar com ele – disse James – Sabe, é meio desesperador ver você assim, Alice.
Ela tentou não chorar com aquilo, mas que diabo. Inclinou-se para frente e afundou o rosto nas mãos.
- Vocês não entendem... É só que eu...
Lily acariciou as costas dela, que sacudiram levemente enquanto ela soluçava.
- Eu sou mesmo uma idiota... Como eu me deixei...?
- Alice, ninguém poderia imaginar! – Lene falou.
- Ah, por favor, parem! Você tem que conversar com Frank, Alice! – Sirius interrompeu.
- Por que está o defendendo tanto? – Lene quis saber, raivosa.
- Porque ele é meu amigo, Marlene, eu não acredito que ele tenha feito uma coisa dessas!
- Sirius, nós vimos ele fazer! Nós vimos!
- E daí? Eu realmente penso que deve haver uma explicação bem plau...
- Ah, sinceramente, só você mesmo pra tentar arranjar uma desculpa pra tudo isso e...
- Calem a boca! – gritou Lílian – Será que não percebem que brigar agora não ajuda em nada?
James riu da careta que Sirius fez para a ruiva. Alice riu também, e levantou-se para ir ao banheiro. Lavou o rosto e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto. Escovou os dentes e, quando finalmente ficou sem nada para fazer e tentando não pensar em Frank, voltou para a sala. Sirius e James estavam perto da parede-janela e comentavam, aos risos, alguma coisa lá embaixo. A tensão tinha se dissipado do ar. Lílian e Marlene ainda continuavam ligeiramente nervosas, mas sorriram quando ela voltou.
- Marlene, amor, porque mesmo a gente não comprou uma cobertura? – ele quis saber, referindo-se à boa vista do apartamento de Alice e Frank.
Elas riram.
- Porque eu prefiro casas, Six – ela lembrou.
- Você é mesmo a mulher mais mandona do universo.
- Urght. Você é deprimente. – ela afundou no sofá.
- Alguém quer um café? – Alice perguntou, indo para a cozinha.
Lílian saltou do sofá e a seguiu quando todos aceitaram.
- Consegue desembolar isso? – ela perguntou pra ruiva, sem vontade de voltar ao assunto, referindo-se aos fios de energia da cafeteira.
- Hum, acho que não. Talvez James consiga. Quer que eu...?
- Não, não, deixa assim.
- Acho que a gente vai cancelar a festa de hoje. – Lily comentou, distraída, procurando xícaras onde ela sabia que estava.
- Quê? Mas por quê?
- Ah, Lice – a ruiva corou ligeiramente – Você sabe. Depois dessa, eu não estou com ânimo algum para festas.
- Lílian, vocês não vão cancelar coisa nenhuma por causa de mim. Vamos estar todas lá com você.
- Mas, você não...
- Ah, eu me viro. – ela piscou um olho, mas eles marejaram sem que ela permitisse.
E antes que ela percebesse, estava chorando silenciosamente no abraço da ruiva enquanto a cafeteira fazia o café.
- Vai ficar tudo bem, Alice. – ela acariciou os cabelos dela – Vai dar tudo certo.
- Ah, Lil... – ela se lamentou – Você não imagina como... Como dói. Eu o amo.
- Eu sei.
- Ele... Ah, como ele... Como ele pôde? – ela se afastou e enxugou os olhos.
Lílian ajudou-a a limpar as lágrimas.
- Você vai me prometer que não vai mais chorar por causa dele, ok?
Alice assentiu como uma criança sob o olhar da mãe.
- Ele não merece suas lágrimas e o seu amor, Alice. Ele não deu valor e com certeza foi a coisa mais estúpida da vida dele.
- Ele é um estúpido – ela murmurou debilmente.
- Venha – Lílian puxou-a pela mão depois de pegar a jarra da cafeteira e equilibrar as xícaras com um feitiço.
Eles ficaram mais um pouco, conversando algumas coisas, e vez ou outra voltavam no assunto, mas Alice se desviava e procurava fazer alguma coisa em outro cômodo do apartamento enquanto eles discutiam. James e Sirius estavam convencidos de que Alice tinha que conversar com Frank antes de sumir do mapa. Lílian e Marlene contestavam que ela sabia o que tinha que fazer, e, se quisesse, falaria com ele.
Eram uma e meia quando os meninos partiram, ambos beijaram a testa de Alice e a abraçaram, e Sirius disse que ela pensasse bastante antes de tomar decisões. Ela precisou praticamente expulsar Lílian e Marlene, que insistiam em ficar. Mas Alice precisava de um tempo sozinha.
As duas partiram dizendo que inventariam qualquer coisa no Ministério para a falta dela. Alice se empertigou perto da janela, observando os transeuntes distraídos e felizes. Será que algum deles já tinha passado por isso? Será que eles já tinham sentido o seu coração ser arrancado com garras e dentes do próprio peito de uma maneira cruel? Aquilo era terrível de se pensar.
Com um lamento baixo, Alice foi até o quarto, pensando por onde começar. Então ouviu o telefone tocar e, quando viu o número, apertou para ignorar a ligação. Mas aquele era um daqueles malditos telefones cujas secretárias falavam alto.
- Alice? Você está aí? Aqui é o Frank. Amor, eu sei que está aí, atende, por favor. – ele esperou alguns segundos e então suspirou; Alice prendeu a respiração, o choro ameaçou voltar – Por favor, Lice. O que aconteceu? Sirius me ligou e... Droga, eu não vou conseguir sair daqui antes das quatro. Se não estiver mesmo ouvindo, me liga o mais rápido possível? Eu te amo. Beijo.
Amava eh? Ela deu uma risada amarga e desdenhosa. Engraçado como quem ama fere. Maldito Sirius e sua língua enorme. Era quase insuportável ouvir a voz dele e querê-la... De perto. E pensar que nunca mais seria assim, ele sussurrando aquilo em seu ouvido com a voz rouca. Por que ele havia botado tudo a perder? Ela não suportava, não conseguia.
E quebrou a promessa que fizera à Lily. Chorando, começou a conjurar caixas de papelão e organizar suas roupas todas ali. Na sua mente só rodava uma cena repetida: a mulher segurando a mão de Frank enquanto ele sorria, radiante. Radiante.
Depois de arrumar as roupas e empilhar as caixas com um aceno da varinha na sala, o telefone tocou novamente, e a secretária foi mais rápida.
- Lice... Meu amor... Eu estou ficando louco aqui. Por favor, atende? Eu sei que está aí, querida! Vamos conversar, ok? Me liga! Beijo.
Desta vez o efeito foi contrário. Ela empinou o queixo e secou as lágrimas, parando de soluçar. Não cairia mais nos encantos dele. Que maldição era aquela? Ele a havia machucado, não havia razão nenhuma agora em querê-lo de volta. Ela não ficaria com ele de novo. Primeiro porque sabia que ele não a queria mais: não quando podia ter uma loira daquelas. E segundo que o próprio orgulho era grande, ah, era. Enorme.
Voltou para o quarto a fim de arrumar o resto das coisas. Quando abriu a gaveta do armário, a de fotos, hesitou. Havia milhares de fotos dela e de Frank ali; em festas, restaurantes mexicanos, bares, sozinhos, na casa dos pais dela, na América. Mas uma foto chamava atenção ali e Alice pegou-a sem se importar que tinha pouco tempo antes dele chegar.
Era uma foto indecente. Ali estavam ela, Frank, James, Lily, Marlene, Sirius e Remo. Os sete estavam dançando envolta de uma mesa em uma sala escura, com uma única luz pendendo de um fio suspenso logo acima da mesa, onde se viam fichas de poker e cartas de baralhos. Fora o dia em que se reuniram e jogaram strip poker, Alice ficou tão bêbada que nem se lembrava de quem havia tirado a foto – ela nem se lembrava que tinham tirado foto. Ela estava só com as roupas de baixo, Lene também, e Lily só havia tirado a blusa, meio sóbria e boa no jogo. James ainda usava calças, Sirius estava só de cueca, Remo estava sem as calças e Frank estava completamente vestido, segurando Alice para que ela não caísse estatelada no chão. Maldito. Ele era muito bom no poker. Ele era bom em cuidar dela, também. O que haviam perdido? Sua mente rodou quando ela tentou lembrar-se de alguma mudança mínima no comportamento dele com ela nos últimos meses, mas não encontrou nada, e isso era assustador. Mas ele tinha outra mulher, ela havia visto com os próprios olhos.
Alice jogou a foto encima do armário e foi incapaz de tocar em qualquer coisa que fosse dela para guardar em caixas. Voltou para a sala e jogou-se no sofá branco, e fechou os olhos. Exausta, ela sentiu o sono pairar sobre sua cabeça quase no mesmo instante. Teve sonhos estranhos e confusos. Todos envolvendo Frank e seu sorriso magnífico, e suas mãos entre as de outra. Sonhou também com a noite em que haviam se beijado pela primeira vez sob o sabor entorpecente do Bloody Mary. Acordou com um estalido baixo no corredor, o som da aparatação. Com um relance, viu treze recados na caixa de mensagem no telefone. Levantou de um salto e viu que já eram dez para as cinco no relógio.
- Droga, droga, dr...
- Alice? – ah, não. Aquela voz não. – Querida?
Ela ficou paralisada no meio da sala, e observou Frank entrar com passos lentos ali. Ele jogou a pasta no sofá e, sem desviar o olhar do dela, aproximou-se e abraçou-a.
- Heey... O que aconteceu?
O calor do corpo dele aqueceu a sua pele, os braços fortes a sustentaram. Mas ah, aquilo era insuportavelmente doce. Ela se afastou com dignidade e sem falar nada. Estava com medo de sua voz sair embriagada como tinha certeza que sairia.
- O que são essas caixas?
Ela continuou se afastando, e enfim desviou o olhar dele e foi em direção à própria bolsa. Que se danasse todas as coisas suas que ficariam ali, ela podia comprar outras. Só tinha que sair de perto dele.
- Alice, o que tem nessas caixas?
- Minhas roupas. – ela disse brevemente.
A sua voz saiu mais firme do que esperava. Aquilo era bom. Virou-se para olhá-lo. Frank estava estarrecido, os olhos castanhos ligeiramente mais abertos, assustado.
- E isso significa que...
- Eu estou indo para a casa da minha mãe.
- Oh, não – ele franziu as sobrancelhas e começou a se aproximar de novo – Lice, vam...
- Não me toque! – ela pediu quando ele fez menção de puxar sua cintura.
Frank parou imediatamente.
- Por que está assim?
- Engraçado perguntar, eu não achava que você ligasse muito para o meu estado emocional.
- Do que está falando, Alice?
- Nós – a sua voz tremeu – Isso tudo. Acabou. Eu estou indo embora.
- Não. – ele falou mais decidido – Não vai embora até a gente esclarecer essa história. Até você ouvir tudo.
- Não há nada para esclarecer.
- Por favor – ele pediu, e ela sentiu a voz dele se arranhar – Fica. Eu faria tudo, tudo, se você apenas...
- Você até mesmo pararia de se encontrar escondido com loiras turbinadas?
A cor fugiu do rosto de Frank quando ele ficou com a expressão impassível. Ela sentiu os olhos marejarem. Desgraça, xingou para si mesma. Não sabia quanto tempo conseguiria segurar as lágrimas nos olhos.
- Então, você sabe – ele falou.
A surpresa da confirmação fez uma lágrima rolar pela bochecha de Alice, e ela não se mexeu para limpar. Os olhos dele estavam reveladores demais.
- Sim. – sussurrou, rouca – E eu não sei se o pior é ter sido enganada por tanto tempo ou ter descoberto isso tudo sozinha.
- Meu amor, você entendeu tudo errado...
- Não é nada do que eu estou pensando, não é? – ela desdenhou com um sorriso cínico – Não me venha com essa, Frank Longbotton, e não me chame de seu amor se eu não sou.
- Você é, Alice.
- Eu e a loira? E quem mais?
- Você não... Querida. A gente tem que conversar. – ela estremeceu pelo tom definitivo.
- Que tipo de conversa?
- O tipo de conversa que você fica quietinha enquanto eu falo.
Ela ergueu o queixo, desafiadora.
- Duvido que o que você tenha para falar vá me convencer de alguma coisa. Eu estou bem decidida, sabe, Frank.
- Isso vai mesmo depender de você.
Alice abaixou os olhos para o chão. Derrotada.
- Porque não me contou? – ela conseguiu sussurrar, baixinho – Seria menos insuportável, eu acho, passar por tudo isso...
O semblante decidido de Frank estremeceu e ele se aproximou. Passou um braço pela cintura de Alice e ergueu o queixo dela com uma mão. O rosto dela já estava cheio de lágrimas e corado.
- Lice, por favor... Não chore.
- Não me pede isso – ela falou, olhando para qualquer direção que não fossem os olhos dele – Parece que era essa mesmo a sua intenção.
- Deus... Eu me odeio por ter machucado você com isso.
- Quatro anos, Frank – ela sussurrou de novo com a voz embargada – Eu entreguei meu coração a você e olha só o que aconteceu.
- Não fala assim... – ele pediu, colando a testa à dela e fechando os olhos como se ouvir aquilo doesse.
- Você o quebrou.
Frank estremeceu e afastou-se de Alice. Ele olhou para ela com um novo brilho de determinação nos olhos que ela amava e disse:
- Você vai me ouvir, nem que eu tenha que te amarrar.
Ela estreitou os olhos e limpou as bochechas com os punhos.
- Vamos fazer as coisas pacificamente.
- Vamos lá encima. – ele falou – Eu vou preparar um drink para nós.
- Você sempre quer me embriagar em momentos decisivos.
- Estava pensando em... Dry martini. – ele falou, começando a dar as costas.
Alice o seguiu, relutante.
- Tudo bem, beber é mesmo relaxante.
Ele riu pelo nariz. Sabia que ela não resistia àquele drink, ou a qualquer outro que ele preparasse. Eles subiram em silêncio as escadas para o terraço. Havia um barzinho ali, e um jardim ornamentado, cheio de sofás brancos e várias plantas que ela costumava cuidar no fim do dia enquanto o sol se punha no horizonte de Londres.
Frank entrou no bar e começou a separar os ingredientes encima da mesa. Alice sentou-se do outro lado do balcão, em um banquinho de frente para ele. Ele lançou-lhe um olhar curioso e receoso enquanto abria o dry gim e colocava duas doses em cada uma das taças rasas.
Novamente, havia um balcão entre eles e as decisões. Ela suspirou pesadamente, desviando o olhar para a tarde de Londres. O dia estava chegando ao fim. Frank não havia dito que chegaria às quatro? Já passavam das cinco e meia.
- Você disse que voltaria às quatro.
- Antes eu tive que encontrar Jennifer Fletcher.
Alice piscou rapidamente, voltando a olhá-lo.
- Este é o nome dela – ele falou.
- Eu sei que é. – Alice alfinetou.
- Eu estava pensando em dizer que havia sido outra reunião que me atrasou, mas eu não vou mais mentir para você.
- Algo como considerações finais. – ela desdenhou, passando as mãos pelo próprio cabelo.
- Algo como revelações... Iniciais.
- Pare de falar asneiras e faça logo este drink. – ela interrompeu.
Frank assentiu e continuou. Uma dose de vermute para cada taça. Enfiou azeitonas em uns palitinhos dourados e colocou gelo. Esticou um para Alice.
Ela pegou-o, olhando curiosa para Frank. Ele encarava muito intensamente o balcão. Bela hora para refletir, ela pensou. Então, ele ergueu os olhos para ela, castanhos aveludados, intensos, e Alice desejou mais do que nunca ter uma pistola e se matar para nunca mais se emocionar com aquele olhar. Ele ergueu a taça, como quem faz um oferecimento, e virou-a nos lábios, fechando os olhos. Alice o imitou. Então, ele começou a falar:
- Eu a conheci há três meses atrás, quando comecei a trabalhar para os trouxas.
Ela sentiu os olhos marejarem e um arrepio. Não era tão fácil assim ouvir porque seu coração havia sido dilacerado.
- Sabe? Acabei de perceber que eu não quero ouvir.
- Não, Alice, você vai ouvir – ele segurou com força seu braço sobre o balcão.
Ela o olhou, faiscante. Ele nunca a havia segurado daquela maneira. Percebendo isso, Frank a soltou e fechou os olhos, dando mais um gole no drink.
- Você está ciente do que acabou de fazer? – ela quis saber, irritada.
- Me desculpe.
Alice ficou assustada com a intensidade dele. Por que ele estava tão nervoso? Tinha que estar, no mínimo, envergonhado por tê-la enganado.
- Eu conheci Jennifer Fletcher porque ela estava trabalhando para uns caras da empresa.
- Prostituta? – alfinetou Alice.
- Vendedora.
- De corações?
- De jóias.
Alice estreitou os olhos.
- Isso só explica como ela ganha dinheiro para comprar as roupas pequenas dela.
- Não, Alice... Eu... Tenho negociado com ela nesse tempo. Tenho comprado jóias dela.
Um vinco se formou na sobrancelha de Alice.
- Eu não... Eu não queria que fosse assim. - ele falou irritado de repente. – Encomendei umas jóias com ela, sabe, elas demoraram a chegar.
- Eu vi o telefone dela no balcão.
- Eu precisava do número dela, certo? Afinal, eu estava combinando preços e discutindo datas com ela!
- Certo. Ela precisava acariciar as suas mãos, também? – ela atirou, felina e furiosa. A cena que se passou em sua mente esquentou seu sangue por um segundo.
- Acredite... Ela não estava acariciando. Estava conferindo o resultado.
Ela ergueu as sobrancelhas.
- Do que diabo você está falando, Frank?
- Alice, eu... – ele mexeu nos próprios bolsos, visivelmente desconfortável.
Então ele deu a volta no balcão para ficar de frente para ela. Algo no olhar dele a fez perder o chão. Alice conseguiu segurar a taça e virá-la até o fim do conteúdo nos lábios, um pouco desesperada. Talvez fosse a bebida que tivesse aquele efeito aterrador, apenas a bebida. Ela sabia que estava tentando enganar a si mesma. Era Frank. Tudo o envolvia. Não conseguiria esquecê-lo nem que ele a expulsasse.
Ele parou bem na frente dela. Alice continuou sentada e intrigada, sua mente pifando periodicamente e seu coração palpitando rápido. Frank segurou as mãos dela entre as suas, e ela não o repeliu. Um brilho intenso se acendeu naqueles chocolates que a sondavam.
- Há quatro anos, quando... Você me beijou na festa do James, eu tinha certeza que com você seria diferente, que você era especial demais. Então, você me deixou te amar, cuidar de você.
Duas lágrimas rolaram tristes pelas bochechas de Alice. Onde ele queria chegar, ela não tinha idéia, mas ouvir aquilo no fim de tudo machucava.
- Com o tempo eu percebi que não poderia mais viver com outra mulher que não fosse você. Porque eu amo você, Alice, verdadeiramente, como eu nunca imaginei ser capaz de fazer, e eu a amo ainda mais por despertar isso em mim.
Ela soluçou e fechou os olhos, inclinando um pouco a cabeça para frente. Ele a segurou e limpou suas bochechas com o polegar, carinhoso, e ergueu seu queixo. Aquilo era jogo sujo. Alice abriu os olhos e o encontrou a centímetros. Os dele estavam marejados também, e ela teve a impressão de ver uma lágrima solitária entrar pela barba rala de Frank, mas não soube o que era aquilo; ela nunca o havia visto chorar. Os lábios dele pressionaram os dela docemente, sugando os inferiores devagar. Quando ele se afastou, continuou:
- Alice, tudo o que vem acontecendo é por você. Eu comecei a me encontrar com Jennifer Fletcher porque queria que fosse perfeito. Ela estava começando a ficar irritada pelas minhas exigências, mas era sempre por você, que ela se danasse e fizesse um bom trabalho. Contei a James e a Sirius também que era por causa de você.
Alice franziu a testa novamente, os brilhantes olhos castanhos espreitando os dele. Uma onda de um sentimento bom preencheu-a e praticamente livrou toda a angústia da tarde, fazendo com que os cabelos de sua nuca se arrepiassem de uma maneira gostosa. Porque ela acreditava, olhando nas nuances escuras dos olhos sinceros de Frank, ela sinceramente acreditava nele.
- Eu estava esperando para te convidar para um jantar em um restaurante mexicano, sabe, eu sei como você gosta de tacos. E tequila. Eu queria tornar tudo perfeito pra você e pra mim. Porque seria a noite em que eu te diria – o dedo dele correu a linha do maxilar dela em uma carícia, até embaixo do lábio inferior – Que eu quero passar o resto da minha vida com você, Alice.
Ela estremeceu mais. Frank segurou a mão direita dela e a acariciou. Delicadamente, ele tirou o anel de prata de namoro que eles usavam. Ela percebeu que ele já estava sem.
Então, antes que ela raciocinasse, ele tirou uma caixinha azul escura de veludo de dentro do bolso e a abriu. Alice ofegou. Haviam duas alianças grossas de ouro, com uma delicada linha prateada cortando-as ao meio. Mais emocionada do que nunca esteve naquele dia, ela ergueu os olhos marejados com um meio sorriso. Completamente feliz.
- Frank, isso é um pedido de casamento disfarçado?
- Me deixa dizer! – ele pediu, nervoso e divertido ao mesmo tempo.
- Ok.
Alice estava radiante. Ah, sim, ela havia percebido. Decididamente seu coração estava no lugar. Quando se levantou do banco e Frank ajoelhou-se aos seus pés, empunhando a caixinha com aquele olhar que a derretia, ela quis gritar. Ele ainda era o seu amor perfeito. O homem mais sincero e fiel que ela poderia ter conhecido. E seria assim para sempre.
- Alice Campbell, você quer se casar comigo?
n.a: ai que fofo *--* juro, fiquei um pouco p. com o Frank, mesmo sabendo o que ia acontecer. ah, sinceramente, né gente. hahaha enfim, tomara mesmo que gostem dessa! eu estava querendo escrever uma FA e não consegui pensar em nada que não envolvesse a história de Bloody M. .. se bem que a coisa nem rodou muito sobre o drink e panz, mas eu achei tão lindo esse ship :) e muito obrigada pelos comentários! eles não são mesmo uns safados bêbados? ;P continuem comentaando, lindezas. beijo beijo!
Nah Black.
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