Uma manhã



_ Acorde, filha! – gritou Luna, da cozinha. E, como não houvesse resposta, resmungou – Não sei de onde essa menina tira tanto sono. Todo dia é a mesma coisa.

O que a mãe não esperava, no entanto, era que a filha já estivesse pronta, de pé, na porta do cômodo fitando-a com olhar de insinuação.

_ Eu ouvi o que disse, mamãe. – disse a menina, enquanto enchia uma caneca de leite – Não é você que vive dizendo que resmungar por aí é feio?

_ Bom que tenha ouvido. Você precisa tomar jeito, Emília. Agora seja boazinha e vá arrumar a mesa para a mamãe, sim?

_ Arrumar a mesa? Mas por-

_ Apenas arrume, filha. – e a face da mãe assumiu tamanha melancolia que Emília não teve mais coragem de questioná-la.

Era segunda-feira. Para Emília, os começos de semana eram iguais a todos os outros dias. Fim de semana ou não, para ela, dava na mesma. Sua vida se arrastava. Aquela manhã, entretanto, parecia diferente. Emília não sabia porque, nem mesmo tinha certeza do que se passava, mas tinha um sentimento ruim que não sabia explicar.

Ao terminar de arrumar a mesa, Emília sentou-se e chamou a mãe, que preparava seu café. Luna puxou sua cadeira e, quando ia se sentar, pareceu lembrar-se de alguma coisa e voltou para a cozinha. A filha se pôs a brincar com a colher que havia usado para misturar o achocolatado ao leite e, quando ia completar a quinta volta na caneca em sua solitária brincadeira, ouviu um barulho enorme vindo da cozinha.

_ O que aconteceu, mãe? – gritou correndo em direção à cozinha e, chegando lá, viu a mãe sentada no chão, e várias panelas caídas em volta dela. Luna estava imóvel e encolhida no meio de uma pilha de utensílios domésticos caídos, espalhados por todos os cantos. – quando foi que você ficou tão desastrada?

_ Hoje – e, derramando uma lágrima longa e solitária – fazem cinco anos.

_ Cinco anos? – perguntou, espantada, Emília ao ver a mãe naquele estado – Por que está chorando? – e, como se realizasse de súbito – É por causa do meu pai?

Não houve resposta.

_ Não acredito que ainda gasta suas lágrimas por causa dele. Ele não te merecia e, além do mais, não foi culpa sua. É estranho ver você chorando por causa daquele-

_ Chega! – gritou a mãe, levantando-se de uma só vez, como se uma ira terrível tivesse tomado conta de seu corpo. – Jamais fale mal de seu pai. – E, indo em direção a filha, desferiu-lhe um tapa.



_ Emi? O que foi, Emi? Levante-se! Vamos! – gritou Luna desesperada ao ver a filha desmaiada no chão. – O que aconteceu? Alguém me ajude, por favor! O telefone!

De repente, alguém abre a porta da sala. Era o vizinho, com uma feição de espanto assustadora, tamanho foi o grito.

_ Luna? Eu ouvi você gritando, o que aconteceu? – disse, aproximando-se rapidamente. Não esperou por resposta: Luna já havia se levantado. Estava com a filha no colo. O corpo não se mexia. Nem o da mãe, nem o da filha.




Ficaram ali alguns segundos se olhando espantadas, imóveis. Teriam ficado mais, não fosse o barulho da campainha que cortou o silêncio que tomava conta da cozinha. Emília saiu correndo para o quarto e bateu a porta. Não queria falar com ninguém.



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